ANNE
Anne olhou pela janela e viu Gilbert chegando. Era a última noite dele em Avonlea, pois no dia seguinte ele estaria embarcando para Nova Iorque por conta das aulas dele que se iniciaram na terça-feira de manhã.
Ela estava triste, mas não pesarosa como quando ele viajara da primeira vez. Anne sabia que ele estaria de volta no próximo fim de semana, e que ficariam separados apenas por alguns dias, muito embora a ausência dele seria sentida da mesma forma. Gilbert tinha-sido seu apoio todo aquele tempo, e Anne estava se preparando para caminhar sozinha dali em diante.
Não era mais uma garotinha, era uma mulher feita apesar da pouca idade. O que vivera até ali a transformara da menina ruiva e sardenta que queria do mundo apenas uma família, na mulher que caíra e agora se levantava aos poucos e com cuidado, buscando a si mesma em primeiro lugar. Ela ainda queria uma família, mas agora a sua própria que formaria com Gilbert em alguma época de sua vida, isso era a única certeza que tinha agora, pois ela decidira que teria seus filhos biológicos ou não, e deixaria que a vida determinasse isso por ela. Ela ainda não havia aberto os exames, mas chegaria a hora em que teria que fazê-lo, apenas estava se fortalecendo por dentro, tentando encontrar seu equilíbrio e então estaria pronta para o que viesse.
Não se torturaria mais com isso. Estava na hora de seguir em frente, por ela, por Gilbert e pelo amor que sempre fora o seu refúgio e sua inspiração. Não saíra de um orfanato deixando uma vida miserável para trás para permitir que o mundo a vencesse daquela maneira. A sua princesa Cordélia estava em alguma lugar dentro dela, Anne somente necessitava encontrá-la e fazer com que viesse à tona junto com todas as esperanças e sonhos que tivera para si mesma um dia
Não era um processo fácil, ela sabia, mas já andara metade do caminho com Gilbert a seu lado, agora precisava caminhar os quilômetros que faltavam sozinha, pois conseguir encontrar a parte de si mesma que ficara perdida entre sua dor e seu desespero, e voltar a ser a pessoa que tinha sido antes com tantos sonhos em seu coração. Ela prometera a Gilbert que pensaria no assunto do terapeuta, e chegara a conclusão de que ele talvez estivesse certo. Ela precisava sair daquele processo de tristeza e culpa, e um profissional da área poderia ajudá-la com isso, não queria mais viver dentro daquela casca vazia, Gilbert merecia ter de volta a mulher por quem ele se apaixonara e ela faria de tudo para que ele a tivesse de volta.
Anne abriu a porta e recebeu o convidado da noite com um sorriso, e recebeu de volta o sorriso de Gilbert mais lindo ainda. Ele levou as mãos dela aos lábios e com os olhos brilhando e disse:
- Toda vez que te vejo você está ainda mais linda. É como se desabrochasse diante dos meus olhos.
- Você é sempre tão poético, meu amor. Para quem disse que não levava jeito para a poesia, você tem se superado ultimamente. - Anne disse admirando o rosto dele de traços fortes que na pouca luz da varanda se destacava ainda mais.
- Você é que faz as palavras saírem da minha boca dessa maneira. - ele disse galanteador, e Anne sentiu o charme dele atingi-la em cheio. Como ele conseguia fazer isso com ela ainda, Anne nunca saberia, era como se a cada dia ela também encontrasse em Gilbert características novas que a deixavam cada vez mais encantada e apaixonada por ele. Gilbert tinha mais camadas ainda que Anne, e cada vez que ela desvendava uma, outras mais interessantes surgiam, mostrando a ela o quão profundo seu noivo era. Nada era superficial em Gilbert, nem um olhar ou uma palavra, não podia dizer que ele não tinha defeitos, porque todo ser humano possuía alguns, mas mesmo assim, ele era perfeito as olhos dela e seus pequenos defeitos não eram nada comparados a pessoa extraordinária que ele era.
- Acho melhor entrar. Marilla já está nos esperando para o jantar. Ela fez aquela sopa que você tanto gosta. - Anne disse enquanto Gilbert entrava na sala aconchegante dos Cuthberts, e Anne o levara até a cozinha para falar com Marilla.
- Boa noite, Sra. Cuthbert. - Gilbert disse, e Marilla que estava ocupada verificando seu assado no forno, se virou para ele com um sorriso de prazer no rosto e disse:
- Olá, Gilbert. Que bom que chegou. O jantar está quase pronto. Espero que goste de cordeiro assado.
- Eu adoro. Aliás, qualquer comida feita pela senhora é deliciosa. - Gilbert disse beijando Marilla no rosto, que não escondia sua alegria pelo rapaz estar ali. Gilbert sempre fora a pessoa favorita de Marilla, e Anne sabia que isso não somente se devia pela admiração que ela tinha por ele, mas também por ser filho de John, o amor juvenil de Marilla.
- Podem esperar na sala de jantar que vou servir daqui a pouco.
Assim, Anne e Gilbert saíram da cozinha no exato momento em que Matthew descia as escadas para se juntar a eles. Quando ele viu Gilbert, Matthew veio em sua direção com um grande sorriso no rosto, e apertou a mão do rapaz com afeto dizendo:
- Gilbert, estou feliz que tenha vindo jantar conosco. Animado para voltar para a Faculdade amanhã? - Gilbert colocou o braço protetoramente em volta do ombro de Anne antes de responder.
- Estou animado sim, mas vou sentir saudades de casa. - ele olhou para Anne que lhe sorriu de leve tocando-lhe o rosto.
- Nós também vamos sentir sua falta. Nos acostumamos a tê-lo perto o tempo todo. - Matthew disse batendo de leve no ombro de Gilbert.
- Mas, estarei em casa todos os fins de semana. Eu prometo. – Anne sentiu que aquela era uma promessa que ele estava fazendo para ela, pois enquanto Gilbert falava com Matthew, ele olhava para ela para se certificar de que ela estava escutando cada palavra com o coração aberto. Gilbert continuava preocupado com ela, Anne pensou e aquilo não estava certo, pois ele devia estar se preocupando com o curso dele na faculdade, e não se desgastar com os problemas dela. Anne estendeu a mão e tocou a testa de Gilbert como se para fazer com que as rugas de preocupação que estavam ali desaparecessem de vez. Não queria ver Gilbert sobrecarregado, e nem estressado por causa dela. Ele precisava de toda concentração se quisesse ter um bom aproveitamento naquele semestre, e Anne garantiria que ela nos seria a pedra no caminho dela para impedi-lo de ter sucesso nos estudos.
- O jantar está pronto. - Marilla disse interrompendo a conversa que estavam tendo ali na sala. Anne foi até a cozinha ajudá-la a trazer a comida para mesa, enquanto Gilbert e Matthew continuaram conversando animadamente.
Logo, estavam todos sentados na sala de jantar, saboreando o delicioso jantar que Marilla preparara para a despedida de Gilbert e falando sobre diversos assuntos que interessavam a todos. As vezes Anne ficava em silêncio observando todos os gestos de Gilbert, a maneira carinhosa e respeitosa com que ele falava com Matthew e Marilla, o sorriso meio de lado que ele costumava dar quando alguma coisa o divertia, o olhar dele procurando o seu em alguns momentos, como se necessitasse tê-la em seu campo de visão o tempo todo, e toque suave de sua mão na dela sobre a mesa lhe transmitindo toda a calma do mundo. Terminaram o jantar e partiram para a sobremesa, que consistia em sorvete de creme com morangos também preparado por Marilla.
Minutos depois, retiraram a mesa, e enquanto Matthew ajudava Marilla a lavar a louça, Anne levou Gilbert até a varanda para terem um pouco mais de privacidade. Eles se sentaram no banco, Anne encostou a cabeça no ombro de Gilbert e ele lhe rodeou os ombro com um dos braços, tocando-lhe suavemente os cabelos.
- Você promete que vai ficar bem enquanto eu estiver em Nova Iorque? Por favor, Anne, é importante que seja sincera ou não conseguirei viajar em paz. Não minta para mim somente para que eu me sinta bem. - Anne levantou a cabeça, olhou-o nos olhos e disse:
- Gilbert, você não precisa mais se preocupar comigo assim. Eu prometo que farei de tudo para ficar bem. Não tem sido fácil, você sabe, mas eu tenho várias coisas com que me ocupar, não vou me trancar em casa. Eu juro. - Ela o beijou no rosto, abraçou-o pelo pescoço, encostando sua face na dele. Como o amava, e como queria que ele pudesse enxergar o tamanho de seu amor por ele. Faria qualquer coisa por Gilbert, como sabia que ele também o faria por ela, não tinha dúvidas nenhuma sobre os seus sentimentos ou os dele, tudo o que precisava estava naquele coração maravilhoso de seu noivo que se abria para ela sem qualquer resistência, era a única coisa que não podia perder nunca, pois sem isso fatalmente morreria. O mundo todo poderia sumir em um segundo, desabar sobre sua cabeça, levar embora tudo o que ela amava, mas se no final ela tivesse Gilbert segurando sua mão, ela sabia que ficaria bem.
- Eu odeio deixá-la aqui. Odeio não vê-la todos os dias sem saber como você realmente está. Pensei até em transferir minha Faculdade para mais perto, somente para poder vir para casa todos os dias. - Anne olhou o espantada e perguntou.
- Você faria isso por mim? - Ele pegou o rosto dela entre as mãos e disse;
- Eu faria qualquer coisa por você, não entendeu ainda?
- Mas Nova Iorque ê o seu sonho. - Anne disse com os lábios bem próximos dos dele.
- Você é meu sonho. O resto não importa mais. – Ele capturou os lábios dela, começando a beijá-la calmamente, mas logo o beijo evoluiu para algo mais intenso, e logo Anne estava no colo dele, sentindo suas mãos acariciando sua nuca, descendo pelas costas e parando na curva de sua cintura. Ela aproveitou para abrir os dois primeiros botões da camisa dele, colocando sua mão por dentro dela e tocando o peito de Gilbert, até sentir-lhe o coração bater descompassado como o dela. Ela o queria tanto que não sabia nem como medir a extensão de tudo aquilo, mas ainda tinha medo de algo invisível, que se escondia nas sombras de seu coração, havia ainda uma reserva que não a deixava se aproximar de Gilbert como queria, e tinha que vencer aquilo o quanto antes. Não queria mais aquele muro entre eles, queria o que tinham antes e lutaria por isso. Gilbert desceu os lábios pelo pescoço dela, tocando o lóbulo de sua orelha com a ponta da língua causando-lhe arrepios pelo corpo todo, mas então ele percebeu seu desconforto e parou imediatamente de tocá-la, fazendo Anne se odiar por não conseguir continuar com as carícias que estavam trocando.
- Gilbert, eu sei que deve estar chateado comigo, queria que as coisas fossem diferentes. - Anne disse se desculpando.
- O que está dizendo, meu amor? É claro que não estou chateado com você. Como poderia? Você tem passado uma fase muito difícil. Que espécie de homem eu seria se não entendesse isso? Não precisamos ter pressa, temos a vida inteira para reencontrarmos o que se perdeu. – ele acariciou o rosto dela com o dorso das mãos, e Anne pensou que mais uma vez Gilbert a surpreendera com sua paciência, otimismo e esperança. Ali estava seu parceiro para a vida, a alma que era como a sua própria, o seu matador de dragões, e ela seria uma tola se não lutasse com todas as suas forças para mantê-lo em sua vida.
- Você sabe o quanto eu amo você, Gilbert? Todas as estrelas do céu reunidas, e todo a água do oceano seriam pouco para medir o tamanho do meu sentimento. Eu nunca pensei que ao deixar o orfanato eu teria direito a um amor assim, e nunca pensei que no meio de todo esse sofrimento que passei eu pudesse encontrar uma razão para continuar, mas você me faz renascer todos os dias, e me faz enxergar que ainda há uma vida lá fora onde eu possa reencontrar o meu lugar. - Gilbert abraçou Anne com força, e disse eu seu ouvido com a voz embargada como se quisesse chorar:
- Você merece todo o amor que eu puder te dar e ainda mais, porque tudo o que me importa nessa vida é ter você do meu lado, e vou fazer de você minha esposa, Anne e vamos recuperar tudo o que nos tiraram. Você é o amor da minha vida, e seu eu tiver você comigo, eu não preciso de mais nada para ser feliz. - ficaram assim por alguns segundos ouvindo a batida do coração um do outro, deixando que as palavras que foram ditas a pouco lhes inundassem a alma, e fizesse daquele momento uma lembrança que os acompanharia em seus dias de distanciamento e saudade.
Se afastaram um pouco, mas continuaram abraçados, observando as estrelas no céu que pareciam brilhar mais aquela noite do que nas anteriores. E quando Gilbert se despediu horas depois, Anne o beijou sabendo que ele estaria levando seu coração com ele, mas não chorou dessa vez, e nem se sentiu deprimida, sabia que sentiria falta dele, mas iria esperar pelo seu regresso que não demoraria a chegar, e todas as juras de amor trocadas naquele dia seriam seu alento até que o tivesse em seus braços de novo.
GILBERT
Gilbert estava no trem indo para a Faculdade, e não podia dizer que estava propriamente ansioso para voltar. Isso se dava não porque não gostava mais da profissão, na verdade era quase tão apaixonado por ela quanto era por Anne, e isso não mudara nos meses em que estivera afastado de seu Campus.
O problema real era que tantas coisas haviam acontecido naqueles quatro meses que era difícil organizá-las em sua cabeça por ordem de importância, pois cada uma delas mudara algo dentro dele de alguma maneira.
A perda de sua memória o deixara vulnerável por certo tempo, pois ele dependera das pessoas para continuar vivendo e não desistir. Aquele espaço em branco que durara cerca de dois meses em seu cérebro o fizera ver o quanto valorizar as pessoas que te amam e cada dia que vivemos era imprescindível, pois nunca saberíamos até quando poderíamos confiar em nossas lembranças para não esquecê-las e o amanhã incerto como era não podia também ser contabilizado como uma garantia de que não perderemos nada do que nos era importante, e ele podia dizer isso por experiência própria, porque quase perdera a mulher que ele mais amava na vida, e se não fosse por insistência e infinita paciência dela, ele talvez ainda estivesse em um vácuo de onde não conseguiria mais sair.
Porém, de tudo o que ocorrera e que o marcara definitivamente fora a perda de seu filho. Ele não estava lá na ocasião, e isso ainda o machucava, e Gilbert sabia que isso também havia magoado Anne, embora ela dissesse que não.podia culpá-lo por sua perda de memória, que fora apenas um daqueles incidentes infelizes que ninguém podia prever, mas ele tinha quase certeza que a mulher dentro dela não pensava exatamente assim, por isso havia aquela dificuldade dela em se entregar novamente a paixão dentro dela. Não era algo consciente, e nem planejado para castigá-lo por seus meses de ausência, era um fato que nem mesmo Anne percebia porque estava escondido entre os muitos traumas daqueles meses. Gilbert não entendia muito de psicologia, mas conhecia muito bem sua noiva. Anne era muito intensa em suas paixões, e tão fiel aos seus sentimentos que podia facilmente se machucar por causa disso. Gilbert não agira com ela conforme o esperado por dois meses, e colocar a entre ambos uma distância gigantesca, não por vontade própria, mas porque o destino quisera assim, e se havia alguma lógica para aquilo tudo, Gilbert ainda não a encontrara, e por mais que ainda pensasse sobre isso, ele desconfiava que nunca teria as respostas que procurava.
Esquecer Anne não fora sua intenção, como também não fora sua intenção deixar que ela cuidasse da perda do filho sozinha. Se ele pudesse voltaria no tempo para modificar tudo que a magoara, que a fragilizara e que a afastara dele de alguma maneira. Estavam tentando recuperar tudo o que perderam naquele processo doloroso, mas sempre um pouco de cada vez, não seria algo com o qual lidaria com facilidade, mas Gilbert não tinha pressa, porque estava seguro do seu amor e do que queria para o seu futuro.
O jantar na noite anterior na casa dos Cuthberts tinha lhe dado a última oportunidade de estar com Anne antes de sua viagem para Nova Iorque, e estar com ela sempre era a melhor coisa do seu dia. Quando ela abrira a porta para ele, e o olhara com seus olhos azuis tão expressivos, Gilbert sentiu o impacto de sua beleza emocionando-o de maneira absurda. Ele se admirara que o passar do tempo não significava nada ali, pois Anne parecia cada dia mais estonteantemente linda, e nada podia superar isso. Quando ele colocara aquele pensamento em palavras que dissera em voz alta para ela, Anne dissera:
- Você é sempre tão poético, meu amor. Para quem disse que não levava jeito para a poesia, você tem se superado ultimamente.- o sorriso que ela lhe deu fez Gilbert pensar , que além dos olhos dela o que mais ele amava era o sorriso de Anne, principalmente por que ela não vinha sorrindo muito ultimamente, e ele sentia uma falta tremenda disso, por que quando Anne sorria tudo ao redor ganhava um brilho especial, e se ela gargalhasse era ainda melhor, porque ela conseguia fazer a vida vibrar com o som de sua risada, inclusive ele que se sentia elevado e acabava rindo com ela como se tudo que era difícil se tornasse fácil de repente . Anne era uma pessoa inspiradora tanto quanto seu espírito era apaixonado, mas essa qualidade maravilhosa dela andava um tanto apagada por causa de sua mágoa, e Gilbert daria tudo para que ela gargalhasse naquele momento, somente para levar com ele nessa viagem de volta a Faculdade aquele som musical que comandava seus dias e horas longe dela.
Em resposta ao que ela dissera, Gilbert lhe explicou que a inspiração para aquelas palavras era ela, pois ele jamais conseguir ia ser tão romântico se não fosse o amor que sentia por ela. A figura de Anne colocava aquelas palavras em sua boca, o que nunca aconteceria com outra mulher. Em seguida, Anne o convidou para entrar, pois haveria um jantar especial de despedida para ele, e por isso, ela havia preparado a comida preferida dele.
Eles foram até a cozinha falar com Marilla, que trabalhava sem parar verificando tudo com seus olhos perspicazes. Gilbert sempre se sentia em casa quando entrava na cozinha de Marilla Cuthbert, pois ali continha os sabores e aromas de sua infância, principalmente nos almoços de domingo com seu pai, e algumas vezes Marilla lhes mandava algumas das delícias que preparava com tanto amor e dedicação, e Gilbert via no rosto do pai um prazer genuíno por estar saboreando a melhor comida de Avonlea, como ele sempre dizia, exaltando as qualidade de Marilla como cozinheira. Gilbert desconfiava que havia algo mais ali, mas nunca tivera coragem de perguntar ao pai sobre seus amores de juventude, a única coisa que sabia era que ele e Marilla tiveram um namorico na escola, e depois disso ele partira e só voltara quando a mãe de Gilbert falecera. Que pena que seu pai e Marilla não tivessem reatado os laços do passado, pois assim os últimos anos de vida de sem pai não teriam sido tão solitários e doloridos.
Marília o olhou assim que ouviu passos em sua cozinha, e aquele olhar característico maternal fez Gilbert se sentir amado como um filho enquanto ela dizia com sua voz arrastada e simples de mulher do campo:
- Olá, Gilbert. Que bom que chegou. O jantar está quase pronto. Espero que goste de cordeiro assado. – Gilbert lhe deu um beijo no rosto e respondeu:
- Eu adoro. Aliás qualquer comida feita pela senhora é deliciosa. - Marília sorrir-lhe com o prazer pelo elogio dele estampado em seu rosto. Depois pediu que ele Anne esperassem na sala, pois o jantar seria servido logo.
Anne o levou para sala ao mesmo tempo em que Matthew surgia do andar de cima, cumprimentando-o com um aperto de mão forte, perguntando-lhe se estava ansioso por voltar para a Faculdade. Gilbert não se sentira muito à vontade não pela situação em si, muito mais pela pergunta que ele queria evitar. Poderia parecer bobagem, mas não queria discutir isso na frente de Anne. Não desejava que ela pensasse nisso como um adeus indefinido. Ele estaria de volta no próximo fim de semana e fizera questão de frisar isso, não queria desencadear outra crise como a que ela tivera em sua fazenda, por isso era importante que o subconsciente dela compreendesse o que ele dissera com exatidão.
Marilla surgira logo em seguida, tirando seu avental branco e dizendo que o jantar seria servido, e logo todos entretidos em conversas e comendo uma maravilhosa refeição que foi seguida de sobremesa, e enquanto estavam todos juntos na mesa, Gilbert pensou que era aquela simplicidade que queria em sua vida, uma família feliz e jantares regados a muito amor, e ele daria a isso a Anne o mais rápido possível.
Assim que o jantar acabou, ele e Anne se sentaram na varanda para curtirem alguns no momentos sozinhos. Gilbert olhou para a noiva que tinha seu olhar fixo no céu estrelado daquela noite parecendo tão serena, e desejou que não tivesse que ir e deixá-la ali em Green Gables Ele sabia que ela seria bem cuidada por Matthew, Marilla e seus amigos, mas Gilbert queria estar ali também, e não as milhares de quilômetros longe. Por isso, com a cabeça de Anne apoiada em seu ombro ele disse:
- Você promete que vai ficar bem enquanto eu estiver em Nova Iorque? Por favor, Anne, é importante que seja sincera ou não conseguirei viajar em paz. Não minta para mim somente para que eu me sinta bem. – Anne procurou o olhar dele, apertou forte em sua mão, e disse de maneira que Gilbert pôde ver o esforço enorme que ela vinha fazendo para deixar tudo o que acontecera para trás. Ela sabia ser tão forte quanto uma rocha, mesmo sua fragilidade estando tão aparente naqueles dias, ainda sim ela era resistente e se mantinha em pé, embora a vida a tivesse derrubado ao chão, Anne não desistira de estar ali com ele, assim como ele nunca desistiria do futuro que desejava para ambos.
- Gilbert, você não precisa mais se preocupar comigo assim. Eu prometo que farei de tudo para ficar bem. Não tem sido fácil, você sabe, mas eu tenho várias coisas com que me ocupar, não vou me trancar em casa. Eu juro. – Gilbert ouviu o que ela dizia com o coração feliz e triste ao mesmo tempo. Era tão bom ver que Anne estava aos poucos voltando à vida, mas também não se conformava em ter que partir e deixá-la em meio aquele processo de recuperação dolorosa. Ele ainda achava que ela precisava de ajuda profissional, mas deixaria que ela decidisse, não iria pressioná-la com isso, porém naquele momento ele quis que ela soubesse como ele se sentia diante de toda aquela situação:
- Eu odeio deixá-la aqui. Odeio não vê-la todos os dias sem saber como você realmente está. Pensei até em transferir minha Faculdade para mais perto, somente para poder vir para casa todos os dias. - Ela pareceu não acreditar no que ele dissera e perguntou se ele desistiria de estudar em Nova Iorque por ela, e Gilbert respondeu
- Eu faria qualquer coisa por você, não entendeu ainda? - então, ela o lembrara que Nova Iorque era o seu maior sonho, e com seus sentimentos às claras refletidos em seus olhos ele lhe assegurara:
- Você é meu sonho. O resto não importa mais. – Gilbert a trouxe para mais perto e seus lábios se tocaram. A intenção dele era apenas beijá-la para mostrar a Anne o que aquelas palavras que ele acabara de dizer significavam, mas, o calor do corpo dela se misturou ao seu, e o perfume que ele adorava seduziu os seus sentidos, e de repente, os beijos se tornaram chamas que queimavam a ambos ao mesmo tempo, ele a sentou em seu colo para senti-la ainda mais perto, e quando sentiu as mãos de Anne suaves e macias contra sua pele, seu controle entrou em terreno perigoso. Sua cabeça lhe dizia que não devia, mais seu corpo gritava pelo corpo dela colado no seu, Gilbert lutava contra as duas vontades, não sabendo quais das duas iria vencer. Seus lábios instintivamente acariciaram o pescoço dela, justamente no ponto em que ele sabia que a enlouqueceria, mas a resistência de Anne enviou mensagens à sua mente, e Gilbert percebeu que já tinha se arriscado demais. Ele se separou dela, embora cada parte de seu corpo protestasse e lhe pedisse para continuar. As palavras de Anne o deixaram em, alerta, pois mais uma vez ela estava se culpando pelo seu bloqueio emocional naquela parte, mas ele sabia que não era bem assim. Ele tivera uma parcela grande daquela culpa, embora Anne não tivesse descoberto ainda:
- Gilbert, eu sei que deve estar chateado comigo, queria que as coisas fossem diferentes-. Ele rebatera aquelas palavras dizendo:
- O que está dizendo, meu amor? É claro que não estou chateado com você. Como poderia? Você tem passado uma fase muito difícil. Que espécie de homem eu seria se não entendesse isso? Não precisamos ter pressa, temos a vida inteira para reencontrarmos o que se perdeu. – Gilbert precisava dela mais que tudo, se ela soubesse que no mundo dele somente existia ela e mais ninguém, talvez ela conseguisse passar por cima daquela barreira que a impedia de ser dele novamente. Por que ele não encontrava uma maneira de fazê-la enxergar isso? Em meio a essa confusão de emoções, Gilbert não esperava ouvir dela tanta coisa que o fizeram ter total certeza de que Anne era realmente a mulher de sua vida, e que nunca mais haveria outra:
- Você sabe o quanto eu amo você, Gilbert? Todas as estrelas do céu reunidas, e todo a água do oceano seriam pouco para medir o tamanho do meu sentimento. Eu nunca pensei que ao deixar o orfanato eu teria direito a um amor assim, e nunca pensei que no meio de todo esse sofrimento que passei eu pudesse encontrar uma razão para continuar, mas você me faz renascer todos os dias, e me faz enxergar que ainda há uma vida lá fora onde eu possa reencontrar o meu lugar. – Ele teve que abraçá-la, assim como teve que dizer a ela tudo o que o coração dele gritava aos quatro ventos desde o dia em que a tinha conhecido:
- Você merece todo o amor que eu puder te dar e ainda mais, porque tudo o que me importa nessa vida é ter você do meu lado, e vou fazer de você minha esposa, Anne e vamos recuperar tudo o que nos tiraram. Você é o amor da minha vida, e seu eu tiver você comigo, eu não preciso de mais nada para ser feliz. – assim terminaram a noite contando estrelas, e namorando como nos velhos tempos quando ainda nem sonhavam com tudo o que estava por vir. Ao se despedir dela naquela noite, Gilbert não pensara que desejaria tanto ficar. De repente, a faculdade de medicina não lhe pareceu mais algo tão atraente como antes, principalmente pelo que teria que fazer no dia seguinte, mas era inevitável.
O trem de Gilbert chegou em Nova Iorque às sete horas da manhã, e às oito horas ele já estava na sala do reitor por quem esperara por mais de uma hora. Quando o viu ali sentado no corredor onde ficava seu escritório, o reitor da Faculdade de Nova Iorque se espantou, pois as aulas somente começariam no dia seguinte. O que teria acontecido para que Gilbert Blythe, um dos alunos mais brilhantes daquele Campus quisesse falar com ele com um dia de antecedência?
- Por favor, Sr. Blythe, me diga no que posso ajudá-lo.- O reitor perguntou, logo que entraram em seu escritório. Gilbert deu um longo suspiro, como se pensasse no que dizer, e então, em um tom decidido ele falou:
- Eu quero fazer uma denúncia.
GILBERT E ANNE
Gilbert olhava pela janela de seu apartamento em Nova Iorque, e sentia que tinha cumprido sua missão afinal. Ele chegara na Faculdade de Medicina há cinco dias, e no quarto dia receberá a resposta de sua denúncia. Sabrina White tinha sido expulsa daquela Faculdade, e não havia chance nenhuma de recorrer. O Conselho da Faculdade reuniu provas suficientes sobre o comportamento abusivo de Sabrina resolveu que ela deveria ser retirada de seu quadro de alunos. Dessa vez, nem mesmo o prestígio de sua família milionária a ajudaria, e ela não seria aceita de volta naquele semestre.
Gilbert não se sentia feliz com o que tinha feito, mas sabia que agira certo, não queria prejudicar ninguém, mas naquele caso não tivera escolha, Sabrina não lhe dera escolha, e ele agora podia respirar aliviado, pois conseguira realizar o que se propora ao voltar para Nova Iorque.
Quando recebera a notícia, ele chorara feito uma criança, principalmente ao se lembrar de Anne. Não fora vingança o que o motivara a fazer a denúncia, foi o seu senso de justiça que gritara em sua cabeça que ele tinha que fazer aquilo por sua Anne. Ela fora a pessoa que mais sofrera naquela situação toda, e ele também tivera participação naquele sofrimento pelo qual ela passara, e saber que pudera fazer algo para amenizar isso, aliviava um pouco sua culpa, mas não ainda toda ela. Ele precisa ajudar Anne a recuperar seu ânimo pela vida, e vê-la feliz era seu próximo passo.
Como ele queria que ela estivesse ali agora, para poder abraçá-la e dizer que a justiça finalmente tinha sido feita, que agora poderiam continuar de onde tinham parado, e viver aquele amor sem mágoas ou dores infinitas. Ele se casaria com ela imediatamente se Anne lhe pedisse, por Gilbert não queria se separar mais dela, aqueles quatro dias longe de sua ruivinha estavam sendo dolorosos, pois tudo o que ele era e queria ser se resumia nos sentimentos que tinha por aquela garota que ocupava seus pensamentos boa parte do dia. Nunca fora tão difícil estudar e manter sua concentração quando sua mente estava fora dali.
Felizmente, seus amigos o estavam ajudando. Tanto Dora quanto Jonas sabiam de tudo o que tinha acontecido, e o estavam apoiando em tudo. Gilbert contara para Dora sobre o problema de Anne, e ela disse que seu tio com certeza poderia ajudá-la, se ela realmente estivesse disposta a tentar o tipo de terapia que ele oferecia. Gilbert apenas esperava que Anne considerasse aquela possibilidade, e ele estaria com ela a cada passo do caminho.
Uma batida na porta, interrompeu o fluxo de seis pensamentos, e só abri-la ficou surpreso ao ver quem estava a ali.
- O que veio fazer aqui, Sabrina? A pobre menina rica veio reclamar por ter sido expulsa da faculdade de Medicina? Está se sentindo injustiçada? Pois eu não ligo a mínima para isso. – Gilbert disse com a voz ríspida.
- Não foi por isso que vim. - Sabrina respondeu, enquanto Gilbert observava suas roupas caras, sua bolsa de grife e os cabelos perfeitamente arrumados, sem um fio fora do lugar. Era inacreditável, que mesmo depois do que acabara de lhe acontecer, aquela garota não perdesse a pose.
- Veio fazer o que aqui então? - Gilbert perguntou impaciente ainda na porta.
- Não vai me deixar entrar? Prometo que não vou demorar. - Sabrina disse com sua voz, cujo timbre sempre irritara Gilbert.
- Tudo bem. Você tem quinze minutos. – Gilbert disse, deixando o que a garota entrasse em seu apartamento, mas manteve a porta aberta caso tivesse que expulsá-la dali.
- Eu vim até aqui para dizer que sinto muito. - O que? Ele tinha ouvido direito? Sabrina dizia que sentia muito? O que estava querendo? Que tivesse pena dela?
- Você sente muito? Depois de tudo o que fez, acha que pode chegar aqui e dizer que sente muito para que tudo seja esquecido? Sinto muito, Srta. White. Mas, não é assim que as coisas funcionam. - Gilbert lhe deu as costas, fixando seu olhar na janela novamente. Não suportava olhar para aquela garota, ela o lembrava demais o sofrimento que causara a Anne e não conseguia engolir aquilo. Sua garganta estava apertada, e só queria que ela fosse embora.
- Não espero que me perdoe ou que esqueça o que fiz. Vim por mim mesma, porque achei que te devia alguma coisa depois de toda a confusão que causei. - ela parecia estar sendo sincera, mas Gilbert não se comoveu com suas palavras, ela não merecia nada de bom que viesse dele.
- Não foi somente e uma confusão o que causou. Você magoou a pessoa mais importante da minha vida. Se fosse somente por mim, talvez eu te perdoasse, mas não quando em toda essa sua sujeira está Anne. Você a feriu, a fez sofrer, e o que eu fiz foi pouco, pois você merecia muito mais. Mas, vou garantir que nunca mais se aproxime de minha noiva, pois para chegar até ela terá que passar por cima de mim primeiro. - Gilbert disse com a voz tão zangada que seu corpo todo tremia, e seu maxilar estava travado pela raiva que sentia
- Você ama mesmo essa garota, não é? - o tom de voz dela não era de ironia, era apenas alguém admitindo uma verdade incontestável.
- Você não faz ideia. Ela é o meu mundo. - Gilbert disse e ambos ficaram em silêncio por um segundo. Então, Gilbert resolveu contar a Sabrina o motivo de sua denúncia. Ela tinha que saber a extensão do mal que causara.
- Quando eu levei o tiro e bati com a cabeça que culminou com minha amnésia, Anne estava grávida e perdeu nosso bebê. Eu somente e fiquei sabendo depois, quando recuperei a memória. Pode imaginar alguém carregando um peso desde sem poder contar com o apoio do pai do seu filho? - Gilbert não olhava para Sabrina, não queria ver o rosto dela, e muito menos se importava se a estava chocando ou não. Queria apenas mandar de volta para ela a mágoa que ela provocara, e que Gilbert não sabia se conseguiria um dia apagar. Os olhos azuis de Anne cheios de desespero ainda estavam em sua mente, e ele sentia a mesma dor daquele dia em que ela lhe contara que tinha perdido o bebê deles. Ele respirou fundo, e continuou sua narrativa, precisava contar tudo a Sabrina e se livrar logo daquele peso que esmagava o seu peito. - Se não bastasse isso, você e ela brigaram, e nessa briga você a empurrou e ela caiu sofrendo uma hemorragia e uma lesão no útero que talvez a impeça de ter filhos. - dessa vez ele olhou para ela, pois queria que ela visse o tamanho de sua dor estampada em seus olhos.
A garota olhava para ele, com os olhos arregalados, pálida e tinha uma das mãos sobre seus lábios como se não pudesse acreditar no que Gilbert lhe contara. Aquele postura toda surpreendeu Gilbert, e ele se perguntou se ela estava fingindo para ganhar-lhe a simpatia, ou de ainda havia algo de humano na alma daquela garota, capaz de fazê-la se comover com o sofrimento de alguém.
- Gilbert, eu não sabia. Meu Deus! Nunca imaginei que algo assim pudesse acontecer
- Você roubou o direito de uma garota maravilhosa de realizar o sonho de ser mãe, e Anne mais do que tudo mundo, não merecia isso. Ela já teve sofrimento demais na vida para que mais um fosse acrescentado à sua carga enorme de mágoas. Agora ela vive com essa espada sobre sua cabeça, sem ter coragem de abrir os exames que podem atestar ou não sua infertilidade, e isso tudo foi causa do pelo seu ato impensado e egoísta. - Gilbert terminou de falar e se sentia exausto, a carga emocional era enorme ali, mas se sentia melhor por que tinha colocado para fora toda a escuridão que o estava sufocando. Um silêncio desconfortável se seguiu depois disso, o qual foi quebrado por Sabrina.
- Gilbert, eu realmente sinto muito. Tem alguma coisa que eu possa fazer? - Sabrina estava visivelmente desconcertada, e Gilbert sentiu pena ao olhar para alguém que não tinha nada em suas mãos a não ser seu um deserto emocional e sua solidão
- Não há nada que você possa fazer. Acho que já fez o bastante, você quase destruiu a vida de uma pessoa que deveria receber do mundo somente coisas boas. Você não tem a menor ideia do mal que você fez a Anne, e isso não tem volta, mas felizmente, ela tem a mim, e o meu amor por ela é tão grande que não medirei esforços para que ela seja feliz de novo. Entende agora porque fiz a denúncia?
- Sim. E somente posso dizer que seu amor por essa garota é admirável, e nunca pensei que algo assim existisse nos dias de hoje, e isso dá esperanças até para pessoas cínicas como eu que acreditam apenas na superficialidade do sentimento. - Sabrina disse com a voz triste, e Gilbert percebeu que ela não estava tão indiferente quanto pensara às suas palavras.
- Não sei se consigo te perdoar, Sabrina. Talvez um dia, mas não agora.
- Não estou lhe pedindo nada. Vim apenas me despedir e dizer que eu entendo e aceito sua atitude. Tenho agora que traçar outros planos, e ver o que farei com meu futuro. Tenha uma boa vida, Dr. Blythe. Diga a Anne que ela é uma garota de sorte. - ela encurvou a coluna quando disse isso, em uma postura de derrota, e os olhos estavam marejados mostrando que ela sofria, mesmo que estivesse tentando esconder de Gilbert seus sentimentos, pois seu orgulho era tanto que lhe exigia esse comportamento.
- Adeus, Sabrina. - a voz de Gilbert soou seca e sem emoção nenhuma, e assim que a garota saiu, ele fechou os olhos e visualizou o sorriso de Anne. Ele fazia isso todos os dias agora, para lhe dar forças e a trazer para mais perto atravessando os quilômetros que existiam entre eles.
Ele tornou a abri-los e pegou sua mala em cima da cama, e se dirigiu para a estação de trem. Estava indo para casa, e estava voltando para sua ruivinha, e esse pensamento o fez sorrir de verdade pela primeira vez naquele dia.
Em Green Gables, Anne ajudava Marilla na cozinha. A boa senhora assara uma fornada de pão, e Anne observava o forno a cada dez minutos como Marilla a instruíra. Ela acordara mais animada aquela manhã, pois já era sexta feira, e Gilbert viria para casa. Os dias sem ele eram monótonos, mas ela cumprira o que prometera a ele. Ocupara seus dias com atividades que não lhe permitiam pensar em muitas coisas. O casamento de Diana estava cada vez mais próximo, e naqueles dias elas finalizaram os últimos preparativos. Agora, o trabalho todo era conter a ansiedade da noiva que parecia cada vez maior
Cole enviara um telegrama avisando que viria, e Anne contava com a presença do amigo para ajudá-la naquela tarefa tão estressante de manter o ânimo de Diana o mais estável possível. Ela ia da alegria as lágrimas em questão de segundos, e Anne estava sempre lá para segurar em sua mão.
Durante seus ataques de humor, Diana lhe dera a notícia que alegrara Anne. Jerry não votaria para Paris. Iria terminar sua faculdade nos Estados Unidos, totalmente custeada por tia Josephine. Consequentemente, ficariam morando em Avonlea em uma casa presenteada pelos pais dela, que ficaria apenas alguns metros de onde Anne estava construindo a dela. O pai de Diana também tinha dado a Jerry um excelente emprego em sua empresa, assim ela e Anne não precisariam ficar mais longe uma da outra.
Anne sentia a alegria pouco a pouco voltar a sua vida, e ela se permitia rir mais das coisas que aconteciam ao seu redor, e por isso, se sentia mais leve, seu coração não doía tanto, e ela também conseguia ver alguns de seus desejos renascerem, conforme a vida voltava a ter significado para ela.
É claro que nem tudo era um mar de rosas. Havia dias que ela se sentia triste e solitária agora que Gilbert tinha voltado para a Faculdade, mas quando isso acontecia, ela fazia longas caminhadas, visitava a construção de sua casa e adquira o hábito de ir até a praia quase todas as tardes. Ali encontrava paz e equilíbrio para enfrentar seus demônios interiores, e conseguia entender melhor seus sentimentos acerca de tudo o que lhe acontecera sem se culpar ou se desesperar demais. Estava aprendendo a ter calma, caminhar com os pés mais firmes no chão, estava aprendendo a escutar seu coração que lhe dizia que precisava ir devagar para encontrar o ponto onde se perdera, onde a dor se tornara maior que sua alegria, onde ela tropeçara e caíra, onde deixara seu orgulho de ser quem era morrer para dar lugar a sua auto piedade. Ela era mais forte que isso, e Anne no fundo de si mesma sabia que iria vencer cada obstáculo, e ter seu amor próprio de volta.
E naquela tarde era para a praia que se dirigiu novamente, depois de ter finalizado suas tarefas em Green Gables. Gilbert normalmente só chegava à noite dessas suas viagens de Nova Iorque e ela teria tempo de sobra para se arrumar e esperar por ele.
Ela estava envolta naquela paz que aquele lugar lhe transmitia, quando sentiu alguém sentar ao seu lado e abraçá-la pela cintura. Antes de olhar ela sabia que era seu noivo, só estava surpresa por ele ter chegado mais cedo do que ela esperava, mas estava imensamente feliz por ele estar ali quando a falta dele começava a pesar em seu coração. Ela deslizou os olhos para a figura de Gilbert tão descontraída naquele fim de tarde, os cabelos despenteados pelo vento, a camisa aberta no peito dando-lhe a clara visão dos pelinhos que haviam ali, aquele sorriso de tirar o fôlego que mexia com seu sangue. Ela levantou a mão e tocou os cabelos dele, despenteando ainda mais os seus cachinhos que lhe davam aquele ar travesso de menino, embora ela soubesse, que o que tinha ao seu lado era um homem completo, inteiro e maravilhoso, o único homem que queria e sempre desejaria.
- Você chegou mais cedo. Como soube que estava aqui? - Anne disse brincando com a gola da camisa dele.
- Passei por Green Gables, e Marilla me disse que você tem vindo aqui todas as tardes. - Gilbert olhava para Anne enquanto falava e a única coisa na qual conseguia pensar era no quanto ela era linda. Cinco dias sem ela tivera esse efeito sobre ele, a beleza de Anne superava sua imaginação. Sem resistir ele estendeu a mão e pegou uma mecha do cabelo dela, enquanto buscava no rosto dela sua constelação de sardas. A sua garotinha tinha se tornado uma mulher deslumbrante, mesmo que ainda conservasse seu jeito de menina, ainda que às vezes se mostrasse tímida, ele a conhecia na profundidade de seus sentimentos, e sabia o quão apaixonada ela podia ser.
- É verdade. Gosto da paz que esse lugar me provoca, e também porque me sinto mais próxima de você quando está longe de mim. Foi aqui que nosso amor realmente começou, que fomos felizes e sofremos, mas em cada parte dessa praia existe um pedaço de nós. Não consegue ouvir, Gilbert? Cada onda que chega até aqui conta nossa história, isso não é incrível? – ela o olhou como antigamente a alegria dançando em seus olhos azuis.
- Senti saudades. - Gilbert disse enquanto tomava o rosto dela entre as mãos.
- Eu também. - ela respondeu hipnotizando-o com seu olhar. E de repente, estavam se beijando de maneira tão doce, mas não menos intensa que as outras vezes, fazendo o coração de Anne cantar de felicidade. Gilbert estava em casa, seu amor tinha voltado, mesmo que fosse apenas por dois dias ela o teria todo somente para ela. Eles se separaram sorrindo um para o outro, e Gilbert pegou as mãos dela entre as suas e disse:
- Preciso te contar uma coisa. – Anne olhou-o cheio de expectativa, esperando por suas próximas palavras. Gilbert fez um certo suspense, e depois falou por fim:
- Eu denunciei Sabrina para o Conselho de Medicina da Faculdade, e ela foi expulsa. - Gilbert viu Anne estremecer, e depois baixar a cabeça e teve medo de ter provocado outra crise. Talvez devesse ter esperado um pouco mais para contar a ela, talvez tivesse se precipitado e seria o único culpado se Anne começasse a chorar desesperada.com aquela dor estampada em seu olhar que o partia ao meio por não saber como agir. Então, ele disse antes que ela desmoronasse ali na sua frente:
- Anne, eu sei que é difícil para você até em ouvir esse nome, pelas más lembranças que te causa, mas, fiz isso por justiça a você. Eu não deixaria que ela saísse impune pelo que te fez. - Anne continuou em silêncio, e Gilbert começou a ficar preocupado, ele tocou o ombro dela com cuidado e pediu:
- Amor, diz alguma coisa para que eu possa saber como você está se sentindo. - Anne levantou a cabeça, e duas lágrimas escorriam pelo seu rosto, mas diferente das outras vezes ela lhe sorria e disse:
- Eu te amo, Gilbert Blythe. Nunca em minha vida alguém fez algo assim por mim. Nem sei como te agradecer. - Gilbert a abraçou, sentindo seu coração disparar, ela sempre o emocionava mesmo quando não lhe dizia nada, somente a presença dela era a luz que ele precisava para sorrir e ser feliz.
- Eu te disse que faria qualquer coisa por você, e que te devolveria cada coisa que perdeu. Eu sei que isso não é o suficiente para te fazer esquecer de tudo e voltar a ser aquele raio de sol que sempre iluminou minhas manhãs, mas eu te prometo que vou te amar para sempre e passarei a vida toda me esforçando para que você seja a mulher mais feliz do mundo. - diante dessas palavras, Anne se rendeu, ela se agarrou a Gilbert, seus lábios como fogo sobre os dele, as carícias suaves dele em suas costas mandavam mensagens excitantes para o seu corpo, enquanto Gilbert a deitava sobre a toalha na qual estavam sentados e beijava a curva sensual de seu pescoço. Ele sabia que não a teria ainda, embora estivesse louco para senti-la completamente sua novamente, mas naquele instante, Gilbert queria apenas tocá-la com suavidade e mostrar a Anne o quanto era amada. Suas mãos desceram devagar pelo corpo dela, acariciando-a por cima do vestido, ele podia sentir Anne se excitar ao seu toque, mas ainda sentia a reserva dela, e não ia forçá-la a enfrentar seu trauma dessa maneira.
Gilbert beijou todo o rosto dela, sugando-lhe os lábios com uma sensualidade latente. Sua boca correu pelo colo dela macio que o decote do vestido deixava adoravelmente à mostra. Ele desceu mais um pouco e seus lábios tocaram os seios dela sobre o tecido, e ele ouviu Anne sussurrar seu nome, acariciando sua nuca e puxando-o para mais perto. Com a ponta da língua ela traçou o contorno da boca de Gilbert, e aquela carícia tão simples o fez aprofundar o beijo, deixando que viesses à tona o seu desejo imenso por ela, Quando se deu conta, suas mãos estavam nos botões do vestido, e ia começar a abri-los para deixar que seus olhos desvendasse todas as delícias que haviam por baixo dele, mas então, Gilbert caiu em si e parou o que estava fazendo, pois estava a ponto de perder o controle. Ele se sentou na areia novamente e trouxe Anne com ele, mantendo-a no círculo do seu abraço.
Gilbert esperou que sua respiração voltasse ao normal, enquanto Anne fazia o mesmo. Ele podia sentir o desejo dela como espelho do seu, mas Gilbert sabia precisavam de tempo para que Anne se entregasse a ele sem medo ou dúvida. Ele a queria na mesma intensidade que a amava, mas não podia apressar as coisas. Gilbert queria que Anne viesse até ele por vontade própria e não por imposição dele. Algo lhe dizia que não demoraria muito, ele tinha apenas que aprender a esperar. Entretanto, enquanto não pudesse ter o que desejava, Gilbert pretendia ter Anne ainda mais perto de si, por isso, ele lhe fez um convite que esperava que ela não recusasse.
- Eu quero te pedir uma coisa. - ele disse meio incerto se ela aceitaria bem o que ele diria.
- Claro. Você pode me pedir qualquer coisa. - Anne disse tocando a face de Gilbert e mantendo sua mão no maxilar dele. Com os olhos brilhando ele disse:
- Vem comigo para Nova Iorque? - os olhos dela se arregalaram de surpresa, depois ela desviou os olhos dos dele e ficou pensativa, como se avaliasse o peso daquele pedido, em seguida olhou para ele de novo, e Gilbert ansioso perguntou de novo:
- Quer vir para Nova Iorque comigo? - e a resposta que ela lhe deu foi somente um sorriso.
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