— Isso é inadmissível, Joel! Como pôde deixar uma coisa dessas escapar?
— A culpa é minha? — Joel encarou o xerife Kevin há metros de distância — Desde quando é minha responsabilidade esconder tudo da mídia?
— Ah, é mesmo. Só é um guarda florestal — um tom de provocação esteve presente na voz de Kevin.
— Parem! Vocês dois! — Kelly se interviu parando entre os dois, antes que um avançasse no outro — Kevin, boatos saem toda hora. Não tinha como prever que o vídeo da floresta fosse ficar despercebido.
Joel olhou para ela surpreso. Mal falava com ele nesses dias e o defendia. Nem saiu da sala do xerife quando ele entrou.
— Francamente, Kevin, acusar não vai ajudar em nada — ela completou.
— Mas o responsável deverá ser punido. — os olhos de Kevin foram para os dois — Me surpreende que você esteja o defendendo.
— Ela é justa! — falou Joel. Kelly suspirou. Às vezes tinha dúvida se ela era a única dentre aqueles três que tinha maturidade.
— Não me faça me arrepender de contratar você de novo, Joel! — murmurou Kevin.
Ele saiu sério. Kelly e Joel ficaram em silêncio enquanto se olhavam. Um clima estranho estava entre eles nesses dias. Joel aceitava o fato dela não querer mais falar com ele. Soube da verdade da pior forma o possível.
— Há quanto tempo... — ela disse sem jeito. Joel sorriu.
— Começar uma conversa nunca foi o seu forte — falou.
Silêncio de novo.
— Então...
— Há mais lobisomens por aqui? — Kelly perguntou mais rápido — Ou tem, eu não sei... Grupos de vocês? Uma tribo? Eles vão me matar por saber do seu segredo ou...
Ela foi interrompida pela risada áspera de Joel.
— Não somos frescos desse jeito — esclareceu divertido com a situação.
Kelly enrugou a testa e cruzou os braços, desviando dos olhos dele emburrada.
— Não tem com o quê se preocupar — Joel se forçou a parar de rir. Tentou toca-la, mas Kelly hesitou.
— Desculpa...
— Não, eu que desculpo — ele recolheu suas mãos — Eu não vou te machucar.
Ela o olhou. Joel se esqueceu de como aqueles olhos mexiam com ele por dentro.
— Sabe... Se controlar?
Ele sorriu.
— Sim!
Kelly deu um passo à frente.
— Que bom, porque comprei uma Calibri.
Joel riu de novo. Kelly permaneceu passiva e o olhou desafiadora.
— É sério?
— Eu tenho muitos amigos — informou Kelly.
— E essa tal de... Vindicta? Ela...
— Ela não vai tocar um dedo em você — ele garantiu firme — Você não é útil para ela!
— Obrigada... Eu acho.
Houve um silêncio pela terceira vez. Surpreendendo Joel, Kelly pegou sua mão.
— Tem alguma coisa que você queira me contar sobre essas anomalias?
Joel franziu o cenho.
— Anomalias?
— Algo que apresenta uma anormalidade ou irregularidade que se esquiva da norma e dos padrões. É isso o que estou vendo agora.
— Não, nada — Joel tentou tocar no seu rosto, mas ela hesitou de novo.
Kelly, ao invés de se recusar a toca-lo, pegou na sua outra mão e levou-a ao seu rosto. Joel percebeu a hesitação dela ao fazer aquilo, como se temesse que a qualquer hora ele se transformasse.
— Eu confio em você!
Joel mexeu sua mão que estava na bochecha de Kelly e a levou para trás de sua cabeça, puxando-a para que seus lábios tivessem contato.
Kelly não o afastou dessa vez. O beijo não durou nem três segundos, mas foi o suficiente para Joel sentir algo que não sentia há anos. O seu corpo ardendo em chamas e a mente fora daquele mundo. Seus lábios ficaram poucos centímetros de distância, o suficiente para Kelly beija-lo.
Uma batida na porta fez os dois se afastarem na hora. Kevin chamou Kelly para fazer autópsia de um corpo. Ela teve de sair na hora, mas, antes de fechar a porta, sorrindo para Joel.
O mesmo pegou suas coisas e saiu. Parou na sala central da polícia, mais movimentada nesses dias por conta das anomalias acontecendo. Quando saiu da sala, se assustou ao ver Rae encostada ao lado da porta, de braços cruzados e com um sorriso divertido.
— O que está fazendo...
— Eu vi!
Joel escondeu o desconforto. Kevin e Rae sabem aparecer na hora certa.
Rae correu até ele e cutucou o seu braço.
— O que foi?
— Você conseguiu!
— Fala baixo!
Ela sorriu ainda mais.
— Joelly é real... Acha Joelly um nome legal?
Joel rolou os olhos.
— Eu estou tão feliz por você, Joel!
— Tá, tá, o que você veio fazer aqui?
— Queria falar uma coisa com você... Sobre o vídeo — ambos caminhavam ritmados lado a lado — Como foi que aquele vídeo do Slender Man caiu na internet?
— Ninguém sabe. Só deve ter sido um policial descuidado — Joel num tom que apenas Rae podia ouvi-lo. — Como é que você e o garoto estão?
Rae deu de ombros.
— Eu estou bem... Eu acho. Estou tentando fazer Jonas tomar menos remédios. — seu tom de voz mal o convencia.
— O que houve?
A garota suspirou frustrada. Desdobrou um papel que guardava no bolso do casaco.
— Aquele homem que Jeff matou — ela estendeu a folha do jornal para ele — Ia viajar com a esposa e os quatro filhos para o Brasil... Para tentarem... — a voz de Rae travou. Ela segurava o choro — Uma nova vida...
Joel não falou nada. Apenas a abraçou.
***
Kim não duvidava que Alice e David conseguiriam construir a máquina que detecta ondas eletromagnéticas.
Às vezes, enquanto andava pelos corredores, via a meus abarona dos patins. E sempre a olhando "discretamente". Michael falava com ela e Kim saía com cautela. E quando ela diz com cautela, quer dizer correndo. Ela não se conformava em como Jonas e Rae não ligavam muito para o pai dele. Kim não o juga por causa dele, mas sempre que o olhava via ele, por mais que as semelhanças entre ambos sejam mínimas.
— Kim?
A mesma pulou de susto e virou-se para Katie atrás dela.
— O quê?
— Você esqueceu seu livro de química — ela segurava o mesmo a olhando confusa.
Kim o pegou assentindo com a cabeça, por breves segundos esquecendo-se que ela caia reforço de química com Katie depois das aulas.
— Você está bem? — Katie perguntou.
Ela abria a boca para responder, mas uma garota parou ao lado de Katie exibindo extrema alegria.
— Oi Katie! — cumprimentou Mabel, em seguida encontrando os olhos de Kim — Ah, oi Kim!
— O-oi...
Katie olhou para as duas segurando a surpresa.
— Err... Mabel? — ela tirou-a do transe.
— Ah, oi! — Kim percebeu sua enrolação com as palavras, como se estivesse numa situação tensa e embaraçosa. Por um minuto, ela pensou ser por causa dela — Então... Você é Kim?
Kim franziu o cenho.
— Quer dizer, sim! Você é sim! Nos falamos naquele dia! Mas você... É a que concorreu no concurso de fotografia? Ou não tem outra Kim nessa escola?
— N-Não... Sou eu — murmurou ela, tímida.
— Ah, sim. Suas fotos são incríveis — Mabel disse um elogio. Kim mexeu na pequena trança no lado direito doses cabelo, perdida no meio dos fios louros.
— Obrigada...
— Tem um clube de fotografia, não? Porque eu também gosto e na minha outra escola tinha.
— Tem sim!
— Com certeza eu vou me inscrever. P-Podemos nos f-falar...
— S-sim...
— O.k., Mabel. Nós temos que ir — Katie falou ao vê-la atordoada — Até mais, Kim!
— Até!
As duas andaram apressadas para o fim do corredor.
— Eu fui bem? — Mabel cochichou para Katie.
— Muito! — Katie respondeu irônica — Boa sorte para se enturmar com ela! Kim é tímida e não está em bons dias!
— Você precisa me ajudar, Katie! Essa bruxa que vocês me falaram não impediram vocês de falarem que elas têm irmãos — Mabel continuou a falar baixo, temendo que Kim pudesse ter audição ampliada como ela — Isso é estranho... Ver ela como minha irmã...
— Você no acreditou no começo!
— Você também não acreditaria! — ela disse sorrindo, pensando nas coisas que Mabel fará para ficar próxima de Kim.
***
— Não tem outro lugar dessa escola que eu não te encontre a não ser aqui? — Michael soltou essa pergunta andando até ela.
Rae recolheu suas mãos das teclas do piano. Tirou os cabelos com cachos médios e embaraçados uns dos outros, tornando mais visível a sua blusa preta, lógico, e com desenhos cor de rosa, o que atraiu a atenção de Michael pois não costuma vê-la usar nenhuma cor viva.
— Posso te fazer uma pergunta?
— Acabou de fazer — murmurou ela desinteressada.
— Você nunca se cansa de só usar preto e luvas?
Os olhos castanhos dela encontrou os azuis dele em busca de uma resposta.
— Me acostumei. Não consigo pensar em mim mesma sem usar preto.
— E o que acontece de você ficar sem seu casaco? — a conversa ficava cada vez mais interessante.
— Você sentiria um breve frio e levará em torno de 50 minutos para você sentir as vibrações — ela o respondeu passiva. — Por que a curiosidade?
— É de dar agonia ver você de casaco em dias ensolarados — Michael disse, vendo-a esconder a blusa com sua jaqueta jeans preta.
— Eu escolhi uma música para o trabalho — ela mudou de assunto — Quero sua opinião.
— O.k. — Michael resolveu não tocar naquele assunto, por enquanto.
Seus olhos foram para o suporte do piano onde ela deixava os papéis com as notas e viu a letra de uma.
— Bob Dylan? — ele recitou o nome no topo do papel.
— Era do meu pai.
Michael na hora se lembrou de Barry. Imaginou a cena dos dois juntos, mas logo se dissipou. Não era desse pai que ela falava.
— Eram dele. Ele sempre colocava no rádio nas viagens em família — contou perdida em devaneios — Ele gostava muito de reggae. E Bob Dylan era seu ídolo.
Seus dedos amostra passaram com leveza pelas cordas, provocando uma melodia baixa.
— Ele admirava as letras das musicas dele. Lembrava de quase todas as frases dele. Me lembro que quando descobri a minha radiação, ele falava algumas delas antes de dormir.
— E qual é a sua favorita? — Michael ficava mais intrigado.
— São umas três que eu gosto.
— Fale uma!
Ela pensou com cuidado.
— "Um corpo é um corpo. Uma mulher pode ser surda, idiota, mutilada e cega e ainda possuir alma e compaixão. É isso que importa para mim." — recitou Rae com os olhos fixos na letra. — Me lembro de meu pai me falar que eu podia me identificar com essa frase. Todo mundo pode. Ele me via cabisbaixa por causa da radiação e me mostrou essa frase como uma forma de eu me tocar de vez que uma maldição, dom ou seja lá o que isso seja, não me fará menos normal... Bem, talvez um pouco. Mas a minha mente, minhas emoções são humanas.
Ela tocou uma tecla, emitindo um som fino.
— Convenhamos que por fora eu talvez eu não seja normal. Mas por dentro, sou como qualquer outra pessoa.
Rae balançou a cabeça e olhou para Michael, esquecendo-se de que falava aquilo para ele. Ela se perdeu pensando no seu pai, nas noites em que brigava com ele por causa de sua baixa autoestima, nos conselhos que ele dava, das aulas de tocar algum instrumento e ouvi-lo falar frases de seus cantores e compositores favoritos. De todos, Bob Dylan chamou mais atenção dela.
— Ele tem razão — concordou ele. — Se vamos fazer o trabalho sobre Bob Dylan. Qual música acha melhor?
Ela endireitou o corpo.
— Você mal sabe qual escolher, não é? — ele perguntou ao ver a dúvida na cara dela.
— Não só Bob Dylan, qualquer outra música de reggae ou de outro estilo musical. Não escuto tanto Bob Dylan como meu pai escutava. Faz um tempo que não escuto.
Michael concordou.
— Já escreveu músicas, Rae?
Ele olhava-a intrigado, vendo a incerteza tomando conta do olhar dela.
— Não...
— Escreve poemas?
— Mais ou menos... — ela deu de ombros — Frases. Antes de conhecer Jonas e Kim eu desabafava comigo mesma além de Joel. Escrevia frases no meu quarto, cantava elas com o violão... Meu caderno do Death Note era meu psicólogo além do Twitter.
— Vocês já são bem amigos — admirou ele — Só para confirmar, estamos de boa, não?
— Por que não estaríamos?
— Sei lá, com tudo que está acontecendo...
— Nem me lembre disso. Estou tentando manter a consciência saudável.
— Se precisar de minha ajuda, você, Jonas e Kim podem falar comigo — disse ele.
Ao olhar nos olhos dele, Rae sentiu aquela sensação de novo. Ela sentiu isso nesses dias, antes de dormir vinha o rosto dele e se sentia envergonhada em pensar tanto Michael. Rae já teorizou o que seria e não quer admitir. Se admitir, sabe que será pior. O mais sensato a se fazer é fingir que aquele sentimento não existe e logo desaparecerá. E quer se lembrar perfeitamente bem o que o pai de Michael faria a respeito disso. Pensou se se preocupa mais do que ele faria do que o que Michael pensaria.
Mas aqueles olhos a marcavam de um jeito que ela não sabia descrever. Não era do que era por fora. Se perguntava de onde vem todo esse mistério de Michael. O altruísmo dele, sua lealdade...
Ela afastou aquilo da cabeça, mas sabia que no fundo, aquele sentimento estava aumentando.
É passageiro. Pensou.
***
— Posso te ajudar, jovem?
O homem mais velho se aproximou de Jonas. Sua voz tamborilando as paredes e vitrines da igreja e provocando um eco. Jonas olhou para o padre de meia-idade. Sua babar nascendo, sua careca e o bigode meio cinza na pele morena.
Jonas se mexeu nos bancos de madeira desconfortáveis.
— Eu estou bem — aquela frase não era mais convincente. — Por que? Vão fechar?
O padre da cidade riu.
— A igreja não fecha de tarde — aquilo fez Jonas percebe que o céu nem escureceu ainda — Deus estará sempre ouvindo suas preces.
Ele assentiu com a cabeça.
— Algum problema?
— Muitos! — afirmou ele, rindo tenso.
— É normal ter problemas na sua idade — o padre falou. Jonas olhou para o altar, com a mesa debaixo de um lenço branco e dourado e, na parede, Jesus Cristo crucificado. Jonas vinha muitas vezes quando criança para a igreja e aquela cruz não mudou nada.
— Acho que esse lugar... Me faria ficar calmo...
— Falar com Deus é uma boa opção a se fazer.
Os olhos do padre caíram no relógio de Jonas.
— É do meu pai — ele falou — Nem presta mais!
Jonas o guardou.
— Eu espero que Ele me ouça.
— Ele sempre ouvirá, Jonas! Ele sempre ouvirá!
O padre caminhou até a saída. Levou segundos para Jonas se tocar que nem falou o nome dele.
— Ei! Espera!
Mas ele já havia saído. Mesmo assim, depois de pensar por um tempo como ele sabia, Jonas concluiu que aquilo não era importante, talvez o padre reconheça ele. É uma cidade pequena. Por mais que o suporte onde as pessoas usavam para se ajoelhar doesse muito, Jonas ajoelhou, juntou as mãos e baixou a cabeça.
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