y o o n k o o k
Yoongi chegou em casa completamente exausto. No caminho ele teve que parar em alguns momentos para se acalmar e não chorar novamente, ainda um pouco desacreditado que tinha realmente acabado com tudo. Yongsun não foi sua primeira namorada, mas com certeza foi a primeira com quem ele ficou tão sério e por tanto tempo. Ele se apegou nela, se apaixonou. No entanto, ao mesmo que se sentia triste, ele também sentia um alívio.
Estar com Yongsun exigia uma energia emocional que ele não tinha. Yoongi não se achava feio, ele estava bem em ser mediano. Mas quando entrou na vida dela e percebeu todas as pessoas que estavam ao seu redor, ele se sentiu completamente intimidado e inferiorizado. O tempo todo Yoongi sentia que nunca estaria a altura de Yongsun, como se a garota fosse um patamar que ele nunca seria capaz de chegar. Era uma constante adaptação aos hábitos dela, aos amigos e ao estilo de vida. Ele tinha que o tempo inteiro tentar se encaixar em um pequeno espaço que sobrou por acaso, quando Yongsun não fazia o mínimo esforço para sequer se interessar nas coisas que ele gostava. Desde o início Yoongi sabia que o relacionamento estava desbalanceado, onde um estava contente e confortável em continuar de uma mesma forma enquanto o outro se virava e se desdobrava de acordo com o que era necessário.
Mas doía. Doía mesmo que estivesse fadado ao fracasso. Saber que algo vai terminar mais cedo ou mais tarde, não tira sua ansiedade até o dia chegar ou faz com que seja menos impactante quando acontecer.
Quando entrou em casa, qualquer um podia ver estampado no seu rosto que não estava tudo bem. Seu nariz e seus olhos estavam vermelhos e se fosse mais atento, dava para enxergar alguns resquícios de lágrimas pelas bochechas. Então Yoongi só podia torcer para que seus amigos já tivessem ido dormir ou não estivessem em casa, porque não se sentia pronto e nem queria dizer para eles o que estava acontecendo. Para seu azar, os dois estavam jantando no balcãoa. Mas ao contrário do que Yoongi pensou, o motivo da sua cara de acabado não foi a primeira pauta da noite.
– Ah, você chegou – Taehyung não sorria. Ele olhava para Yoongi completamente sério.
Hoseok não disse nada, apenas continuou comendo em absoluto silêncio.
– Oi – Lambeu os lábios e fungou, tirando os sapatos com desanimação. – Achei que já tinham ido dormir.
– Quando você ia contar pra gente? – Se levantando do banquinho, Taehyung questionou com um tom de mágoa.
– Tae... – Hoseok também levantou com um suspiro cansado.
– Não, Hobi. Eu cansei de ficar esperando o bonito se tocar, ele não vai de qualquer jeito.
– Do que vocês estão falando? – Perguntou Yoongi com a testa franzida.
– Sei lá, talvez do fato de você ignorar nossa amizade de anos e agir como se nós não estivéssemos aqui – Taehyung deu de ombros, completamente irônico em seus gestos e palavras. Se aproximou de Yoongi em alguns passos. – Você não confia mais na gente? É isso?
– Eu nunca ignorei vocês...
– Mesmo? E como você explica o fato de que a gente só soube que você vai fazer uma exposição super importante porque o Hoseok ouviu sem querer hoje?
Yoongi abriu a boca, atordoado e sem saber o que dizer. Hoseok estava parado ao lado do balcão, mais calmo que Taehyung, mas não menos chateado.
– Você esqueceu seu carregador na mesa e eu fui entregar... – Hoseok começou a explicar. – Ouvi sem querer você e o Jungkook falando com o Jimin.
– Eu ia contar, só não tive tempo...
– Ia contar quando? Cinco minutos antes da Galeria abrir? Não mete essa, Yoongi. Aproveitando que mencionamos o incrível Jungkook, ele já sabia, não? Se duvidar, ele até já viu a tela. – Taehyung continuou, ainda em um tom irônico e irritado.
– Sabe porque o curso dele também vai participar, por que de repente ele virou pauta na conversa?
– Porque você age como se só ele fosse seu amigo agora! – Os olhos de Taehyung arderam e ele teve que respirar fundo alguns segundos. – Você faz tudo com ele, mal para em casa ou tem tempo de contar coisas importantes da sua vida. Você sequer falou sobre o motivo de você e a Yongsun terem brigado! Você não confia mais na gente, confia mais em um babaca que conheceu há semanas do que nos seus dois melhores amigos que estiveram do seu lado por anos.
Yoongi sentiu um misto de coisas naquele momento, revolta, mágoa, cansaço e mais outros milhões de sentimentos confusos que vinha guardado há tempos. Então, não foi necessário muita coisa para que ele explodisse de vez.
– Você quer falar de confiança, Taehyung?! Logo vocês?!
– Do que você... – No mesmo momento, Taehyung se viu recuado.
– Quando vocês iam me contar que estavam namorado?! Cinco minutos antes de entrar na igreja?! E ao contrário de mim, que não contei porque não queria preocupar vocês ou não tive o momento certo, vocês tiveram dois anos pra me falar alguma coisa. Isso se, claro, já não estão juntos há mais tempo e eu só tenha descoberto depois.
O clima se tornou pesado. Taehyung ficou um tempo em choque, completamente desarmado ao saber que Yoongi já sabia sobre aquilo há tanto tempo e ele sequer desconfiava. Hoseok não estava muito diferente, sentiu seu corpo gelar e viu-se sem saída, porque não podiam justificar ou negar aquilo.
– Quando você descobriu? – Taehyung perguntou em um sussurro. Yoongi desviou o olhar.
– Na virada do ano novo. Vocês sumiram e eu fui procurar, acabei vendo os dois juntos na sacada.
– Por que não disse nada? – Hoseok perguntou logo em seguida.
– Eu... imaginei que tivessem algum motivo, quis dar espaço pra vocês me falaram quando tivessem mais confiança, não sei. Acabou que em dois anos vocês não disseram nada e eu continuei vendo algumas cenas, a gente meio que mora junto, é impossível não ver sem querer.
Taehyung engoliu em seco, sentindo um medo surreal que ele e Hoseok vinham dividindo desde que começaram a namorar em segredo. Com a voz embargada e trêmula, ele tomou coragem para perguntar aquilo que, vez ou outra, se repetia em seus pesadelos.
– Você sente nojo?
Yoongi franziu a testa e o encarou sem entender. – É claro que não, por que eu sentiria?
– Nós dois somos caras, Gi.
– Eu não ligo, nem sequer passou pela minha cabeça. Não fiquem preocupados com isso. – Yoongi caminhou em direção as escadas praticamente arrastando os pés, seu corpo tão pesado quanto sua cabeça. – Acho que confiança não é o forte da nossa amizade.
E subiu para o quarto no mais puro silêncio como sua resposta.
[...]
Jungkook tinha mandado há mais de sete minutos uma figurinha de um cachorrinho em qualidade duvidosa com a legenda "Cadê o nargas?" para Yoongi, mas ele apenas visualizou e não respondeu. Estava prestes a mandar outra com um boneco amarelo bravo quando alguém completamente encapuzado parou na sua frente.
– O que é isso? Você tá fugindo da polícia? – Perguntou o Jeon ao reconhecer o rosto de Yoongi por baixo daquele moletom gigante, embora a cara dele estivesse bem parecido com um fantasma de algum filme de terror.
– Você é quem deveria estar, que figurinha é aquela? Desde quando você sabe usar tecnologia? – O menor ergueu a tela do celular, apontando para o chat deles.
– O Chan quem me mandou, ele disse que todo mundo usa.
– Ele sabe que isso só contribui com a cara dele de quem fuma coisas ilícitas, certo? Bem que o Hyunjin disse.
Os dois seguiram juntos até algum lugar mais vazio para almoçar, Jungkook com uma marmita trazida de casa e Yoongi com uma barra de cereal. Eles se sentaram na grama e apoiaram suas costas na parede de algum dos prédios, observando as pessoas passarem e vez ou outra algum passarinho querendo roubar comida deles.
– Sem sanduíches esquisitos e nojentos hoje? – Jungkook observou enquanto levava uma garfada até a boca.
– Não, hoje você ficou sem um pedaço dos meus incríveis sanduíches.
– Quer? – Ofereceu a sua comida e Yoongi fez uma careta de nojo, sendo óbvio que a resposta era um enorme "não" porque o almoço de Jungkook estava repleto de carne. – Tem arroz.
– Eu acho que prefiro minha barrinha mesmo, mas obrigado pelos quatro grãos de arroz que você estava disposto a me dar.
– Quatro é muito, estava disposto a três.
Yoongi soltou uma risadinha e não disse mais nada, distraído o suficiente para sequer perceber os olhares preocupados que seu amigo o dava enquanto comia. Depois de um tempo em silêncio, ambos tendo terminado de comer, Yoongi permitiu seu corpo escorregar para o lado para que se apoiasse no ombro de Jungkook. Achou que o Jeon reclamaria ou faria alguma piada sobre não ser encosto, mas nada disso veio. Ele permaneceu quieto mais um pouco, deixando que Yoongi descansasse.
– Não vou perguntar se aconteceu alguma coisa, porque é burrice já que sua cara de morte e tristeza é óbvia. Mas vou perguntar outra coisa, você quer conversar?
– Você vai me ouvir?
– Sim, você tá liberado para reclamar a vontade. Não vou te julgar, pelo menos não em voz alta.
Yoongi o deu um soquinho na perna como repreensão, não se limitando em sorrir pela tentativa de preocupação disfarçada. Ele de repente se lembrou da discussão que teve com seus amigos ontem, especificamente a parte em que Taehyung diz algo sobre ele "confiar em um babaca que conheceu há semanas". Jungkook não é um babaca, mas a parte sobre ter estranhamente confiado tão rápido era um fato que não tinha percebido até então. Eles só se aproximaram naturalmente, o dia em que se conheceram parecia ter sido há séculos atrás comparado com a relação de agora.
– Foi você quem conseguiu os ingressos pra exibição da Wheein, não foi?
Jungkook murmurou um "hm" longo, pensando se era melhor negar ou apenas afirmar. Seguindo a premissa de que não gostava de mentir para Yoongi e de que, se ele perguntou, é porque um motivo para dúvida ele tinha, resolveu apenas falar a verdade logo.
– Foi, como descobriu? Duvido que tenha saído da boca da Yongsun.
– A gente encontrou o cara que conseguiu eles pra você, Changbin. Ele acabou contando muito sem querer.
– Eu esqueci de avisar que não eram pra mim, ele deve ter entendido errado.
– Agora – Yoongi se afastou, encarando-o com as sobrancelhas franzidas. Jungkook achou fofo. – Como você sabia que eu queria ir pra essa exposição? Yongsun provavelmente já tinha esquecido disso.
– Eu ouvi sem querer vocês conversando, ela quase sempre deixa no viva-voz e o meu quarto é de frente pro dela.
– É incrível como ela conseguiu fazer exatamente tudo o que me deixa desconfortável, eu pedi tantas vezes pra ela pelo menos abaixar o volume um pouco...
Jungkook ficou em silêncio observando Yoongi cruzar os braços e brigar consigo mesmo algo sobre "aguentar demais essas palhaçadas". Honestamente, ele parou de prestar um pouco de atenção porque sentia que seu coração estava prestes a explodir de tanto nervoso. Agradeceu a Deus e a qualquer outra divindade por Yoongi estar irritado o suficiente para não notar alguns pequenos detalhes. Como a data em que ele tinha tido essa conversa com Yongsun, que foi há meses atrás, ou o porquê de ele ter corrido atrás de conseguir aqueles malditos ingressos quando sequer eram tão próximos ainda.
– Tá legal, tá legal, já entendi que você foi o próprio Buda nesse namoro falido – Jungkook tentou o acalmar, mas acabou recebendo um olhar mortal. – Digo, namoro em fase de desenvolvimento. Enfim, você ainda não me disse o que rolou.
– Vou ignorar sua crítica ao meu relacionamento, tá certo? – O menor fez uma expressão adorável de irritado e se aconchegou no ombro de Jungkook, que por sua vez passou seu braço ao redor dele. – Eu só... nada parece estar dando certo pra mim esses dias. Não consigo me concentrar no meu projeto ainda, terminei com a Yongsun e discuti com meus dois melhores amigos. Eu simplesmente não sei como consertar as coisas.
Jungkook suspirou. Ele não conseguiu ficar feliz com aquela notícia, por mais que quisesse muito. Tudo porque Yoongi estava triste. Era até mesmo engraçado a forma com qual os sentimentos e pensamentos de Jungkook conseguiam ser facilmente influenciados pelo outro garoto.
– Dê um tempo para eles e para si mesmo, Yoongi. Vocês todos precisam esfriar a cabeça e pensar melhor nas coisas. Apenas tente esquecer toda essa besteira agora e focar no seu projeto. E, caso não consiga, tudo bem também. Ir bem nessa exposição é importante, mas não define quem você é, sempre vão ter outras oportunidades.
Yoongi ficou em silêncio durante um tempo, absorvendo as palavras cuidadosas e afetuosas de Jungkook. Ele tinha razão. Era difícil não pensar nisso agora, porque sempre foi alguém mais sentimental do que racional. No entanto, aos poucos ele conseguiria entender que precisava de um tempo. Todos eles precisavam.
[...]
Sábado chegou. Com isso, havia uma sessão de RPG esperando por Jungkook e Yoongi. Naqueles dias, desde a briga com a ex e com os amigos, Yoongi focou no seu projeto e em organizar seus pensamentos. Jungkook foi alguém extremamente compreensivo e estava o tempo todo fazendo companhia e o distraindo quando começava a querer se afogar em culpa e tristeza novamente. Ele até chegou a ver Hoseok e Taehyung algumas vezes em casa e na faculdade, mas eles nunca se falaram, mal trocaram olhares. Doía ser tratado como um desconhecido por duas das pessoas mais importantes da sua vida, mas tudo que ele pôde fazer foi se apegar na ideia de que uma hora tudo se resolveria.
– A cada minuto que passa, é um minuto a mais que eu vou passar esganando cada um deles – Jungkook reclamou. Ele estava agachado no chão com o queixo apoiado na mão e o cotovelo nos joelhos. Seus olhos entediados e as sobrancelhas para baixo.
– Eles devem tá chegando, deixa de ser um velho mal humorado! – Yoongi estava em pé ao lado dele, balançando seu corpo de forma distraída para frente e para trás. Os dois estavam embalados em casacos quentes por causa do clima frio do dia.
Repentinamente, Hyunjin pulou do lado deles com um grito estridente. Yoongi soltou um grunhido assustado e acabou pisando no pé de Jungkook, que se levantou com um lamurio de dor e olhos raivosos para o amigo recém-chegado.
– Você ficou maluco?! – Yoongi tinha a mão no coração e os olhos arregalados. Hyunjin gargalhava, algumas lágrimas escorrendo pelas suas bochechas.
O menor avançou para cima de Hyunjin e os dois começaram a brigar feito duas crianças do fundamental. Yoongi puxava o cabelo dele e o mordia no ombro enquanto Hyunjin o puxava pelas bochechas e mordia o braço que o segurava. Jungkook apenas assistiu com genuína descrença, balançando a cabeça suavemente em negação com o seu pé ainda dolorido.
– Chega! Chega! – Cansado daquilo, o Jeon empurrou Hyunjin e conteu Yoongi passando um braço ao redor da sua cintura. – O que vocês são? Animais? Querem uma vacina anti-raiva?
Yoongi estreitou os olhos, erguendo o queixo suavemente para cima para encarar aquele que o segurava. – Não era você quem estava murmurando sobre esganar seus amigos? Por que não esgana ele agora?
– Eu achei que tínhamos feito as pazes desde a primeira vez que brigamos, Gi – Hyunjin limpou uma lágrima do canto do olho, fazendo um bico para o garoto menor que o encarava ferozmente.
– E tínhamos. Mas, depois de hoje, voltamos a ser inimigos declarados! E ele – Yoongi apontou para Jungkook atrás de si. – Ele é meu aliado. Então, se eu fosse você, tomava cuidado!
– Pfft, o Jungkook? Esse daí é um banana, ele nunca-
Hyunjin interrompeu suas próprias palavras ao encarar brevemente Jungkook, que apesar de ter uma expressão neutra, ainda passava uma áurea sutil de ameaça.
– O que você dizia? – Perguntou Yoongi com um sorriso satisfeito. Hyunjin ergueu os braços em rendição.
– Dizia que adoraria fazer as pazes com você!
– Cadê o resto dos patetas? – Perguntou o Jeon, pegando a sua mochila e a de Yoongi que estavam largadas no gramado, colocando em suas costas.
– Então, eles me mandaram uma mensagem pedindo pra gente se encontrar no prédio de medicina, no terceiro andar. – Hyunjin explicou, mostrando a tela do seu celular.
Jungkook e Yoongi se entre-olharam, achando um pouco estranho já que nenhum deles fazia medicina. No entanto, não questionaram muito e apenas seguiram com Hyunjin até o ponto de encontro. Surpreendentemente, aquele andar estava interditado. Assim que chegaram, encontraram todas as luzes apagadas e algumas fitas para impedir as pessoas de avançar – o que não era lá muito útil considerando a fragilidade do objeto. Félix e Chan estavam lá, os dois com lanternas e risadinhas maléficas.
– Vocês chegaram! – Chan disse com um sorriso de orelha a orelha, a luz forte da lanterna apontada para o seu queixo iluminando seu rosto de maneira assustadora.
– O que tá acontecendo? – Hyunjin perguntou, se escondendo atrás de Jungkook e Yoongi que, ao contrário dele, pareciam estar bem calmos.
– Há três anos atrás! – Félix engrossou ainda mais sua voz e narrou, andando ao redor dos três recém-chegados. – Uma estudante de medicina recebeu uma carta do seu amado, pedindo para que se encontrassem no terceiro andar do prédio às 03:33 da manhã. Ela, animada, usou um belo vestido vermelho e apareceu no horário marcado. No entanto, era apenas um trote e ninguém apareceu. Quando ela ia embora, em lágrimas, escorregou nas escadas e morreu tragicamente com seu coração partido. Desde então, ela assombra todos os casais que ousam aparecer aqui!
– Uau, minha prima de cinco anos consegue inventar algo melhor – Jungkook comentou com uma voz monótona.
– Eu acho que a história tem alguns furos... – O menor entre eles disse e estreitou os olhos de forma pensativa.
– Ela vai matar a gente! Vamos embora, pelo amor de Deus! – Hyunjin parecia completamente apavorado, se agarrando nos braços de Yoongi e Jungkook enquanto olhava para todos os lados em busca da mulher fantasma.
– Para de ser frouxo – Jungkook puxou seu braço do aperto com uma careta de nojo.
– Nós estamos aqui para flagrar ela – Chan explicou, animado.
– Sim! Sim! E eu vou exorcizar ela! – Félix parecia tão animado quanto, dando pulinhos e mostrando sua garrafinha com um adesivo escrito "água benta". Que tal? Vocês vem?
– Não, valeu, eu vou passar essa sessão de suicídio coletivo – Hyunjin negou ferozmente com a cabeça.
– Tanto faz – Jungkook deu de ombros, sem muito interesse em participar mas também disposto a ver o que aconteceria.
– Bom, eu acho que ela merece descansar em paz – Yoongi afirmou com a cabeça. Ele não acreditava em fantasmas, mas se fosse verdade, sentia empatia por ela ter sido enganada por um babaca. Uma história bem parecida com a sua.
– Então, vamos! – Chan jogou o punho no ar em comemoração e liderou o caminho ao lado de Félix.
– Ei! Eu disse que não quero! Galera? Pessoal?
Hyunjin foi completamente ignorado ao que todos eles seguiam a frente pelo corredor escuro. Ele, com medo, se tremeu inteiro ao ouvir um barulho e saiu correndo atrás do grupo.
[...]
– Por que ela não aparece logo, hein? – Reclamou Félix, agora bem mais desanimado do que antes. Eles haviam andado por quase vinte minutos e nada tinha acontecido.
– Poxa, que pena, hein? Parece que teremos que ir embora – Hyunjin virou as costas pronto para irem, mas foi puxado pelo colarinho da camisa por Chan, voltando novamente. – Porra, o que mais vocês querem? Tentar fazer um sacrifício humano?
– Quase isso – Respondeu Chan com um sorriso arteiro, Hyunjin fez uma careta assustada. – Não literalmente, relaxa. Vamos apenas nos separar em duplas para ela achar que somos casais. Ela é um fantasma amargurado, não homofóbico!
Félix e Chan naturalmente formaram uma dupla, já que ambos estavam desesperados por uma aparição fantasma. Hyunjin encarou Jungkook por um momento, que o deu um olhar de puro desgosto, então ele rapidamente foi para o lado de Yoongi com medo de ficar sozinho.
– Eu e o Gi vamos juntos! – Hyunjin entrelaçou suas mãos rapidamente, não dando chance dele negar.
– Legal, então eu vou esperar vocês aqui. Se forem possuídos, vão para outra direção, por favor. – Jungkook fez um gesto de descaso para despachar todos eles, se agachando e sentando no chão com o celular na mão.
– Tudo bem, eu e Chan vamos para a direita. Vocês dois, para a esquerda. Qualquer coisa joguem isso nela. – Félix entregou um terço para Yoongi e uma garrafinha para Hyunjin.
As duplas se separaram e Jungkook não se deu ao trabalho de se despedir deles, assistindo um vídeo aleatório sobre hábitos de gatos, sem sequer ter um gato. Hyunjin segurava fortemente a mão de Yoongi, sendo guiado pelo menor que andava tranquilamente na sua frente pelos corredores escuros do andar.
– Você não tem medo de fantasmas? – Ele perguntou quando o silêncio começou a ficar ainda mais assustador.
– Eu? Não – Yoongi respondeu, sorrindo suavemente. – Tenho mais medo dos vivos do que dos mortos, também ajuda eu não acreditar em fantasmas. Mas e você? Por que tem tanto medo?
– Acho que é algum trauma de infância, sei lá – O de cabelo rosa tremeu levemente, percebendo que Yoongi diminuiu os passos para que andassem lado a lado. – Eu tinha muito medo do escuro. Contei pro meu pai e pedi pra ter um abajur, mas ele disse que era besteira e, ao invés disso, me deixou trancado pra que eu "perdesse o medo". Acho que não adiantou muito...
O menor o encarou com empatia e apertou mais seus dedos com os dele. – Não se preocupa, ok? É normal ter medo de algo. E se algum fantasma aparecer, eu posso te proteger.
Hyunjin esqueceu o medo por um momento e sorriu para Yoongi, sentindo-se muito mais próximo dele. Um pouco mais corajoso, ele aproveitou para sondar o terreno em um favor voluntário ao seu amigo.
– Aliás, você sabia que quando eu conheci o Jungkook foi porque ele me defendeu de outros pirralhos?
– Sério? – Yoongi o encarou com curiosidade.
– Sim, hoje em dia eu sou muito mais tranquilo com escuro, mas quando criança eu sequer ia ao cinema mesmo com uma tela gigante iluminando a sala. Teve um passeio e eu me forcei a ir, tive uma crise de pânico e todo mundo ficou rindo de mim e me chamando de medroso. Jungkook disse que todos eles eram um monte de babacas e que com certeza ainda choravam no colo da mamãe quando chegavam em casa.
– Vocês são amigos desde então? – Perguntou enquanto imaginava um mini-Jungkook todo bravinho ao ser maldoso com outras crianças. Riu sozinho, pois soava muito fofo.
– Nem – Hyunjin estalou a língua, negando com a cabeça. – Jungkook era muito sociável quando criança, tinha tantos amigos que eu, muito tímido, não achei que teria algum lugar. Além disso, eu era total nerd, a gente não combinava muito.
– O Jungkook? Sociável? O mesmo que falta se isolar numa bolha pra ninguém encostar nele?
– Difícil de acreditar, né? – Ele também duvidava as vezes de que suas memórias dessa época estavam certas. – Eu mudei de escola um tempo depois e voltei só no ensino médio. O Jungkook tava muito diferente, não faço ideia de como ele teve essa mudança de personalidade. O próprio fragmentado.
Yoongi não perguntou mais, pensativo em relação a aquelas informações novas. Ele nunca pensou em Jungkook como uma criança calma e sociável, do tipo que falava com todos da sala e era rodeado por várias outras crianças. Acreditou que ele tivesse um grupinho, talvez o mesmo de agora, e que fosse mais introvertido durante as aulas. Não gostando de participar daqueles eventos escolares em que se era necessário ter contato com outras pessoas.
Eles continuaram a conversar calmamente pelos corredores vazios. Hyunjin estava distraído o suficiente tagarelando sobre um RPG de um Youtuber que ele assistia para reparar numa sombra por baixo da porta de uma das salas mais a frente, como se alguém ou algo estivesse atrás dela. Assim que se aproximaram, ela se abriu e uma sombra avançou para cima deles. Os dois se assustaram. Hyunjin, que deixou a garrafa de água benta aberta, rapidamente a jogou em cima da figura desconhecida na escuridão e tropeçou nos próprios pés, caindo para trás no chão. A figura recuou e agarrou o braço de Yoongi, o puxando para dentro da sala, batendo a porta logo em seguida.
– Yoongi?! Yoongi?! Ei! – Hyunjin se desesperou, batendo na porta com força. Ele tentou abrir, mas não conseguiu
[...]
Longe deles, Jungkook assistia tranquilamente seu vídeo sobre gatos quando Félix chegou com uma expressão desanimada e entediada. Ele bufou e se jogou ao lado de Jungkook.
– Já mandou a coitada pro além? – O Jeon perguntou mais para perturbar ele do que de fato interesse, sequer o olhando.
– Não, só encontramos ratos e baratas.
– E o Chan?
– Sei lá, a gente se separou depois de um tempo. Quer me ajudar a procurar ele?
– Não.
Félix aproveitou que Jungkook não estava o vendo e levantou o dedo do meio em pura birra. Os dois ficaram um tempo em silêncio até o celular de Jungkook tocar, um número desconhecido brilhando na tela. Ele estava prestes a recusar quando Félix arrancou o celular da mão dele.
– É o Hyunjin! Você não salva o número dos seus amigos não? – Ele perguntou com indignação, Jungkook apenas deu de ombros. Então, Félix atendeu. – Oi, o que foi?
Jungkook o encarou sem muito interesse, ouvindo a voz de Hyunjin saindo alta do telefone. Não se importou, acreditando que ele apenas estava surtando de medo e que Yoongi não tinha conseguido o acalmar. Não é que ele não se importasse com os medos de Hyunjin, apenas sabia quando ele estava realmente apavorado e quando era mais algo de momento que ele provavelmente esqueceria depois.
– Ok, tudo bem, se acalma, nós estamos indo, continua tentando abrir a porta. – Félix desligou, encarando Jungkook com receio.
– O que? Ele se trancou em algum canto e não consegue sair?
– Não... – Franzindo os lábios, Félix se levantou um pouco agitado. – Hyunjin disse que alguma coisa puxou o Yoongi pra uma sala e ele não consegue abrir nem ouvir nada.
Em um instante, Jungkook desfez sua postura de despreocupado e se levantou do chão. Ele não esperou instruções de Félix e saiu correndo na direção que Yoongi e Hyunjin tinham ido antes. Os dois foram rápidos e em questão de poucos minutos ouviram a voz de Hyunjin batendo e tentando abrir a porta, usando o som para saber onde ele estava. Jungkook não disse nada quando chegou, apenas empurrou levemente Hyunjin de lado e começou a arrombar a porta sem qualquer hesitação.
– Desculpa, foi muito rápido, eu não consegui... – Hyunjin tinha a voz trêmula de medo e principalmente preocupação. Félix o abraçou pelos ombros, tentando o confortar.
– Você ouviu alguma coisa? Ouviu ele? – Jungkook perguntou com urgência na voz. Ele nunca teve medo de fantasmas, sequer acreditava neles e achava os filmes de terror uma pura piada. No entanto, agora ele realmente estava amaldiçoando todos os espíritos e demônios.
– Não...
Com força, Jungkook conseguiu enfim quebrar a tranca da porta com um chute certeiro. Ela bateu com tudo na parede em um som estrondoso e os coturnos do Jeon pisaram com força no chão para dentro da sala. Seus olhos procuraram por Yoongi como alguém procurava água no deserto, e assim que reconheceu duas figuras no escuro, agarrou a que lhe era desconhecida e o jogou no chão segurando os braços atrás das costas de forma que ficasse imobilizado.
Em um estalo, a sala se iluminou, revelando o ambiente por completo.
– Você tá brincando que as luzes pegam?! – Hyunjin gritou com Félix.
– Eu nunca disse que não pegavam – Deu de ombros em resposta.
– Você tá bem? Se machucou? – Jungkook ergueu o olhar para Yoongi, que ao contrário de todos eles, parecia estar muito calmo.
– Eu? Tô sim, mas acho que ele não – O menor apontou para a figura segurada por Jungkook. Que, agora na luz, era claramente uma pessoa e não uma fantasma amargurada vestida de vermelho.
– Eu posso explicar! Eu posso explicar! – Ele gritou, sentindo seu braço e seu tronco dolorido. – Sério, me solta, por favor, sinto que meu braço vai ser arrancado fora.
Yoongi tocou suavemente o ombro de Jungkook em um pedido silencioso para que ele deixasse o fantasma falso levantar. Ele estalou a língua em resposta, mas obedeceu e ficou ao lado do menor, entrelaçando seus dedos para que tivesse a certeza de que ele estava ali e bem. Em seguida, encarou desconhecido com desgosto.
– Então? Se eu fosse você, me esforçaria para fazer uma explicação convincente – Félix disse com um sorriso divertido, conhecendo bem aquela expressão impaciente de Jungkook.
– Meu nome é Han! – O fantasma falso se levantou do chão e tirou o lençol que cobria seu corpo, qual o dava uma aparência de figura esquisita no escuro. Por baixo daquilo, ele vestia roupas normais, o que só ressaltou o fato dele ser um humano. – Sou do curso de Engenharia, um veterano. Nós começamos a assustar a galera como um trote para os calouros e acabou virando uma prenda entre meus amigos durante as festas. Uma besteira sobre o primeiro a negar uma bebida ter que vir aqui e assustar uma galera.
– Você não acha que foi longe demais não?! Eu tava quase tendo um ataque cardíaco ali, porra! – Hyunjin reclamou com raiva, seus dentes rangendo e sua mão fechada em punho. Ele realmente ficou assustado com a ideia de algum espírito ter levado Yoongi embora.
– Eu ia fechar a porta, dar um sustinho e abrir de novo! Juro! – Ele deu alguns passos para longe de Hyunjin e ergueu as mãos para o alto. – Mas quando eu bati, ela emperrou e eu não consegui abrir, parece que ela trancou sozinha, sei lá.
Jungkook encarou Yoongi, esperando uma confirmação para tudo o que Han dizia. O menor acenou com a cabeça e ajudou o outro estudante.
– É verdade, eu tentei abrir também mas não consegui.
– E por que não respondeu quando eu gritei? – Hyunjin pareceu mais calmo ao se dirigir a Yoongi, sua pose caindo em menos de cinco segundos.
– A sala tem isolamento acústico – Han respondeu pelo menor e deu uma risadinha sem graça, apontando para as paredes. – Esse prédio era do curso de música antes.
– Foram vocês que começaram a lenda da mulher de vermelho? – Félix perguntou com esperança de que ela ainda existisse, murchando em desânimo quando Han afirmou. – Que saco, perdemos tempo atoa.
– De qualquer forma, desculpa mesmo, era pra ser só uma brincadeirinha, mas deu tudo errado. – Ele se virou para Yoongi com um olhar culpado. – Eu te fiz ficar trancado comigo aqui, foi mal, você deve ter ficado apavorado.
– Tudo bem – Yoongi negou com a cabeça. – Mas parem de fazer isso, por favor. Algumas pessoas realmente tem medo de fantasmas e do escuro.
– Sim! Sim! Prometo, nunca mais vou aparecer aqui!
Eles começaram a sair. Antes de Han se afastar completamente, Jungkook aproveitou que todos estavam distraídos e o agarrou pelo colarinho. – Se eu te ver aqui de novo, faço você virar a nova mulher de vermelho.
O estudante afirmou ferozmente com a cabeça. Ele conhecia a fama de Jungkook e não duvidava em nada de suas palavras.
O grupo encontrou Chan na entrada do prédio, que parecia preocupado pelo sumiço coletivo e quase chamou um padre. Hyunjin rapidamente começou a contar com mínimos detalhes todo o seu drama enquanto entravam na Van e seguiam enfim para a sessão de RPG daquele dia.
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