Livro cinco: As crônica da guerra: O canto dos corvos
— CAPÍTULO UM —
Sacrifício
Tanjiro abriu os olhos lentamente, sua visão ainda embaçada, mas a primeira coisa que viu foi o rosto de Giyu, que o observava atentamente, com uma expressão de preocupação contida.
— Você está bem, Tanjiro? — perguntou Giyu, sua voz calma.
Tanjiro respirou fundo, sentindo o corpo um pouco dolorido e ainda abalado pelo que vira antes de perder a consciência. Ele se ergueu devagar, os olhos atentos ao redor, e notou o ambiente estranho em que se encontravam. Os cômodos pareciam mudar de forma e posição, como se estivessem em movimento constante, trocando de lugar de maneira sobrenatural.
— Giyu... onde estamos? — ele perguntou, a confusão clara em seu rosto.
— Não sei ao certo — respondeu Giyu, mantendo a tranquilidade. — Mas, por enquanto, estamos sozinhos. Não vi ninguém por perto, nem soldados de Muzan. Só nós dois.
Tanjiro se levantou completamente, a mente trabalhando rápido enquanto analisava o local. Algo naquele lugar lhe parecia estranhamente familiar, como se já tivesse estado ali antes. Ele estreitou os olhos, tentando capturar cada detalhe.
Depois de alguns momentos em silêncio, Tanjiro começou a caminhar pelo espaço, até que, ao virar um corredor, encontrou uma janela. Ele correu até ela, esperando encontrar alguma pista do que havia do lado de fora. Ao olhar, sentiu um arrepio profundo. Estava diante de uma cidade que conhecia bem demais.
Glicínia.
— Giyu... estamos no Castelo Infinito — murmurou, o choque e a tensão em sua voz refletindo o que seu coração sentia.
Giyu se aproximou, olhando pela janela também. O ambiente, que a princípio parecia apenas confuso, agora tomava uma nova dimensão em suas mentes. A realização de onde estavam era assustadora.
— Então Muzan nos trouxe até aqui... — Giyu murmurou, com o cenho franzido, a seriedade de sua expressão mais intensa do que nunca.
Tanjiro fechou os punhos, seus olhos fixos na cidade abaixo, enquanto sua determinação renascia. Sabia que agora estavam no domínio direto de Muzan e que aquele encontro não era coincidência.
De repente, um corvo surgiu pelo corredor escuro, voando em direção a Tanjiro e Giyu. Seu corpo era envolvido por um amuleto de papel, que brilhava levemente, emitindo uma aura mágica que parecia vibrar com energia. O corvo pousou próximo aos dois e, com uma voz rouca e firme, começou a falar:
— Sigam-me. Fui enviado pelo jovem rei Senjuro.
Tanjiro e Giyu trocaram um olhar, surpresos, mas também aliviados ao ouvirem o nome de Senjuro. O corvo então continuou, batendo as asas levemente:
— Esses amuletos foram preparados por Lady Tamayo. Por meio deles, Senjuro consegue ver através dos nossos olhos e, assim, guiar vocês por este castelo. Ele organizou tudo para ajudar a encontrar o caminho e evitar armadilhas.
Tanjiro assentiu, percebendo o cuidado e a sabedoria por trás do plano de Senjuro e Tamayo. Ele sabia que, com aquele apoio, teriam mais chances de sobreviver e avançar na luta contra Muzan.
Seguindo o corvo, os dois começaram a caminhar pelos corredores mutantes do castelo, com a esperança renovada e uma determinação inabalável. A cada passo, sentiam que estavam um pouco mais próximos do confronto final.
Senjuro estava na sala de guerra, um espaço imponente repleto de mapas e relatórios espalhados sobre a mesa central. O jovem rei observava cada detalhe, as marcas de batalhas passadas gravadas nas paredes, e não pôde evitar um breve sorriso ao lembrar de seu pai. Ele também passara incontáveis horas ali, liderando com firmeza, mas mal tinha tempo para dedicar a ele. Agora, a responsabilidade de proteger o reino era sua, e essa lembrança fez seu coração se encher de determinação.
Em sua testa estava um dos amuletos de Tamayo, que permitia a ele compartilhar sua visão com os corvos espalhados pelo castelo, guiando cada grupo de guerreiros através daquele espaço distorcido. Senjuro suava, a respiração pesada e os ombros tensos, enquanto focava em direcionar seus homens, dividindo ordens e instruções sem parar.
— É um fardo pesado, jovem rei, mas você está indo bem — disse Amane Ubuyashiki, tocando seu ombro com um olhar tranquilizador.
Ao seu lado, Tengen Uzui observava atentamente, os olhos atentos aos detalhes. — Lembre-se de que não está sozinho, Senjuro.
As três esposas de Tengen, Hinatsuru, Makio, e Suma, estavam em silêncio, mas cada uma carregava um dos amuletos em suas testas, seus olhares fixos enquanto orientavam diversos guerreiros, como peças de um complexo tabuleiro de xadrez.
Senjuro assentiu, recuperando o fôlego e focando novamente. — Obrigado, pessoal.
Enquanto seguiam o corvo pelos corredores do castelo, Tanjiro e Giyu logo se depararam com alguns onis surgindo das sombras. Eles avançavam rapidamente, os olhos brilhando com uma fome voraz e malícia, determinados a impedir o progresso dos caçadores.
Mas Tanjiro e Giyu estavam prontos.
Sem precisar trocar palavras, ambos assumiram uma postura de combate e, em perfeita sincronia, ativaram suas técnicas de Respiração da Água. As espadas cortaram o ar em movimentos fluidos e certeiros, como uma correnteza esmagadora e incontrolável. Combinando os ataques, criaram uma sequência de cortes que envolveu e atravessou os onis, eliminando-os antes que pudessem reagir.
— Ni no kata kai: Yoko Mizu Guruma
— Tanjiro exclamou, girando e cortando os inimigos com precisão.
— Shi no kata: Uchishio — Giyu completou, avançando com uma sequência de golpes poderosos e rápidos, imobilizando e destruindo cada oni no caminho.
Em poucos segundos, os onis caíram ao chão e se dissiparam em cinzas. Tanjiro respirou fundo, sentindo o peso da batalha diminuir levemente enquanto o caminho se abria diante deles.
Giyu, sempre calmo, apenas assentiu para Tanjiro, reconhecendo a habilidade e força do jovem caçador.
— Vamos em frente, Tanjiro. Ainda há muito o que fazer.
Tanjiro sorriu e seguiu o corvo, o brilho da determinação refletindo em seus olhos.
Tanjiro e Giyu estavam atentos ao caminho, mas algo os fez parar de repente. O chão começou a estremecer sob seus pés, cada vibração ficando mais forte, como um aviso sombrio de algo terrível que se aproximava. O silêncio pesado deu lugar ao som de pedras rachando, e antes que pudessem reagir, o solo se despedaçou, lançando estilhaços ao ar.
De dentro da abertura, uma figura saltou com uma agilidade assustadora. Seus cabelos rosados, as marcas inconfundíveis que percorriam seu corpo, e a intensidade brutal em seus olhos eram familiares demais para ambos. Akaza, o Lua Superior Três, estava ali diante deles, emanando uma aura perigosa e ameaçadora.
— Finalmente encontrei você, Tanjiro Kamado — disse Akaza, seu olhar fixo em Tanjiro, carregado de uma determinação fria e letal.
Tanjiro apertou os punhos, o ódio queimando em seu peito. Em sua mente, uma única palavra ecoou com intensidade: Akaza.
Shinobu avançava pelos corredores do Castelo Infinito, cada passo cauteloso, sentindo o peso de estar em um lugar desconhecido e envolto em uma atmosfera sombria. Sua respiração estava controlada, mas o coração batia acelerado, um misto de adrenalina e alerta que lhe dizia para manter a guarda alta.
Ela abriu uma porta à sua frente e encontrou um salão vasto e silencioso, iluminado por uma luz fraca e fria. No centro do ambiente, uma mulher ensanguentada estava ajoelhada, os olhos cheios de desespero. Quando viu Shinobu, soltou um grito trêmulo, suplicando por ajuda. Mas, antes que Shinobu pudesse reagir, o homem ao lado da mulher se abaixou lentamente, colocando o dedo sobre os próprios lábios em um pedido silencioso para que ela se calasse.
Ele então virou o rosto em direção a Shinobu, revelando o sorriso impassível e o olhar gélido que ela jamais esqueceria. Era Douma, o demônio responsável por todo o sofrimento e ódio que ela guardava em seu coração, o monstro que havia destruído sua família.
O ódio cresceu em Shinobu com uma intensidade avassaladora. Cada memória dolorosa que ele havia causado se intensificou, reacendendo o desejo profundo de vingança. Ela fechou os punhos, sentindo o peso da raiva transbordar, e sabia que aquele encontro, finalmente, era a chance de confrontar o demônio que arruinou sua vida.
— Notei que temos uma adorável plateia para o nosso pequeno espetáculo… diga-me, quem é você, Garotinha ? — perguntou Douma, espontâneo e sorridente.
Shinobu rangia os dentes, enquanto ouvia a mulher ao lado de Douma continuar a suplicar por sua vida.
Shinobu avançou rapidamente com graciosidade como de uma borboleta em direção a Douma, enquanto ele, num reflexo defensivo, desferiu um ataque com seu leque. No entanto, Shinobu desviou com precisão, e, num instante, a mulher que antes estava ao lado de Douma havia desaparecido. Douma percebeu que Shinobu a tinha resgatado e a levado para longe dele, e, com um sorriso frio, elogiou a sagacidade dela.
— Impressionante, pequena borboleta. Você conseguiu me enganar — comentou Douma, com seu tom usual de sarcasmo.
Shinobu ignorou o elogio e se voltou para a mulher ao seu lado, que tremia violentamente, visivelmente abalada.
— Você está bem? — perguntou Shinobu, tentando acalmá-la. Mas antes que a mulher pudesse responder, seu corpo começou a tremer ainda mais. Seus olhos se arregalaram, e uma camada de gelo rapidamente tomou conta de sua pele. Em questão de segundos, a mulher foi congelada por completo, transformando-se em uma estátua de gelo que, num instante, explodiu em fragmentos.
Shinobu saltou para trás, escapando por pouco dos estilhaços afiados de gelo. Douma riu, seus olhos brilhando com uma frieza mortal.
— Esse é meu Kekkijutsu — vangloriou-se ele. — O toque do frio absoluto. Qualquer um que me toque... congela até a morte.
O olhar de Shinobu, porém, não demonstrava medo, mas um ódio implacável. Ela sabia que estava diante do demônio que arruinara sua vida, e, mesmo com o poder aterrador de Douma, estava decidida a enfrentá-lo até o fim.
Douma observou Shinobu por um instante, inclinando a cabeça com um sorriso curioso, seus olhos brilhando de uma falsa inocência.
— Já nos encontramos antes? — perguntou, a voz doce e casual, como se ele estivesse tentando recordar o rosto de uma velha amiga.
A pergunta foi como uma faísca em uma chama já acesa. Shinobu cerrou os punhos, agarrando com firmeza o haori que um dia pertencera à sua irmã, Kanae. A dor e o ódio em seus olhos eram intensos, e sua voz saiu fria e cortante.
— Eu sou Shinobu Kocho, filha do antigo rei do Sul e irmã de Kanae Kocho — declarou, com o olhar fixo em Douma, cada palavra carregada de desprezo. — E você é o demônio maldito que destruiu minha família, que tirou tudo de mim.
Douma apenas sorriu, como se a dor e a raiva dela fossem entretenimento. Ele deu um leve suspiro, teatral, e levou o leque aos lábios, fingindo surpresa.
— Ah, então você é a irmãzinha da doce Kanae — respondeu, um toque de satisfação perversa em sua voz. — Que reencontro maravilhoso... Mal posso esperar para vê-la seguir o mesmo destino da sua querida irmã.
Shinobu sentiu seu corpo tremer de fúria, mas se manteve firme, os olhos fixos em Douma. Aquele era o momento pelo qual esperara. Ela sabia que estava diante de uma força mortal, mas também sabia que não poderia recuar.
Impulsionada pelo ódio, Shinobu avançou como uma flecha contra Douma, a lâmina em sua mão encontrando o alvo preciso: o olho esquerdo do demônio. Ela o perfurou com velocidade, injetando uma dose de seu veneno mortal. Douma recuou apenas um passo, com um sorriso de escárnio, como se aquele golpe fosse nada mais do que uma inconveniência. Sem hesitar, ele invocou espinhos de gelo, que voaram em direção Shinobu. Ela se moveu com agilidade, desviando de cada um deles com movimentos precisos e calculados.
— Oh, eu entendo agora, você não me decapitou porque não tem força para isso — debochou Douma, os olhos brilhando de malícia.
Mas sua confiança foi interrompida subitamente. Uma fraqueza estranha começou a tomar conta dele, espalhando-se pelo seu corpo como uma maré escura. Ele sentiu uma dor aguda no estômago e caiu de joelhos, vomitando sangue. Sua pele começou a ficar arroxeada, e o olho ferido assumiu um tom vermelho intenso, o veneno se espalhando rapidamente.
Shinobu sorriu com uma frieza calculada.
— Você está certo, Douma… — disse ela, sua voz carregada de sarcasmo. — realmente não tenho força para decapitá-lo... mas tenho um arsenal de venenos prontos para acabar com você.
Douma se esforçou para se levantar, mas cada movimento fazia o veneno penetrar ainda mais fundo em seu corpo. A confiança desmoronava de seu rosto, substituída por uma fúria impotente. Ele tentou rir, mas o som saiu fraco, falhado. Shinobu sabia que o veneno era apenas o começo e que, pela primeira vez, Douma estava diante de um oponente que poderia subjugar seu corpo, ainda que aos poucos, numa vingança longa e dolorosa.
Douma cerrou os olhos e, apesar da dor, um sorriso frio e calculista se espalhou por seu rosto. Ele fechou os olhos, concentrando sua energia demoníaca e forçando seu corpo a reagir. Lentamente, o veneno que corria em suas veias começou a se decompor, as toxinas desintegrando-se enquanto seu corpo resistia com uma resiliência assombrosa.
— Impressionante — murmurou ele, com uma calma assustadora, o sangue parando de escorrer de sua boca e o roxo de sua pele começando a desvanecer. — Achei que fosse realmente sentir algo. Shinobu, você quase me surpreendeu.
Shinobu assistia com os punhos cerrados, enquanto Douma começava a se recompor, regenerando o olho ferido. Ela sentia uma raiva fervente, mas também uma determinação inquebrável. Sabia que ele era astuto e resistente, mas aquilo não a intimidava.
— Continue tentando, pequena caçadora — ele provocou, com um sorriso cheio de desprezo. — Seus venenos não passam de um incômodo.
Ela estreitou os olhos, respirando fundo, ajustando seu punhal. Havia preparado muito mais do que apenas uma dose comum, e tinha a vantagem do tempo e da estratégia. Douma ainda não fazia ideia do que estava por vir.
Shinobu avançou com sua técnica da Respiração do Inseto: Seisei no mai: Fukugan Rokkaku, movendo-se com rapidez e precisão. Em cada golpe, ela injetava doses mais intensas de veneno, tentando sobrecarregar Douma. A lâmina cortava o ar em arcos venenosos, e ela sentia um misto de esperança e frustração cada vez que o atingia, vendo o veneno se dissipar e a regeneração rápida de Douma dominar qualquer efeito temporário.
— Você realmente acha que veneno é o suficiente para lidar comigo? — Douma sorriu, a frieza em seus olhos ainda mais intensa. — Sou mais resistente do que você imagina, Shinobu.
Nesse instante, ela começou a notar uma estranha pressão em seu peito. Sua respiração estava mais curta, dificultada, e uma leve ardência surgiu em sua garganta. O ar ao redor estava impregnado de uma névoa gélida, um frio anormal que parecia roubar cada fragmento de calor de seu corpo.
Douma riu suavemente, observando-a com um prazer sombrio.
— Percebeu agora? Esse ar gélido é minha técnica especial. Ele afeta os pulmões como veneno, mas, ao contrário dos seus, eu não posso ser envenenado por ele. Quanto mais você respira, mais ele se espalha dentro de você. Logo, seus pulmões estarão congelados.
Shinobu cerrou os dentes, tentando manter a calma. A dor no peito se intensificava, mas ela sabia que ceder ao desespero só favoreceria Douma. Concentrando-se em sua respiração, ela controlou sua técnica, adaptando-se ao frio.
— Ainda não acabou, Douma — respondeu com firmeza, encarando-o.
Shinobu avançou mais uma vez, sua lâmina dançando ao redor de Douma em movimentos ágeis e fluidos. A cada golpe, ela acertava pontos vitais, mas o demônio parecia apenas se divertir, sorrindo com um brilho cruel nos olhos.
— Impressionante, realmente impressionante — elogiou Douma, com um sorriso de satisfação. — Sua velocidade é deslumbrante, Shinobu.
Shinobu se manteve firme, desviando de uma de suas investidas, mas naquele breve instante de descuido, Douma se aproveitou. Com uma velocidade brutal, ele rasgou o ar em sua direção, acertando um golpe direto em seu peito. A dor foi intensa e imediata, espalhando-se como fogo por todo o corpo, e Shinobu cambaleou para trás, ofegante.
O sangue escorria pela sua roupa, e a fraqueza ameaçava dominá-la. Ela sentia o calor escapar de seu corpo, a respiração se tornando cada vez mais difícil conforme o frio gélido de Douma envolvia a sala.
Douma sorriu, inclinando a cabeça como se estivesse realmente apreciando o desafio que Shinobu lhe oferecia.
— Admiro sua determinação, Shinobu. Mas, no final, todos os humanos são frágeis. E você… — ele murmurou, estendendo a mão como se quisesse tocá-la — não será diferente.
Shinobu tentou resistir à dor, mas o corte no peito era profundo, drenando suas forças rapidamente. Ao cair de joelhos, ela sentiu o calor de seu próprio sangue se espalhar pelo chão frio, enquanto sua visão tremulava entre o presente e as memórias que a mantinham de pé.
Olhando para suas mãos ensanguentadas, notou o quão pequenas e frágeis pareciam. Por um instante, a dúvida cruel se insinuou em sua mente, as palavras de seu pai ecoando de tempos passados, quando ele insistia que ela não deveria empunhar uma arma, que não era o lugar dela lutar. “Será que ele tinha razão?” pensou, uma sombra de arrependimento passando por seus olhos enquanto uma lágrima escorria lentamente.
Então, com o pouco de força que lhe restava, Shinobu se lembrou das pessoas que sempre estiveram ao seu lado, que acreditaram em seu potencial e nunca duvidaram de sua força. Kanae, sua irmã, que a encorajava com um sorriso e dizia que ela seria uma guerreira incrível. Giyu, com quem compartilhava um futuro, com quem jurou reconstruir o reino e encontrar a paz que ambos sempre desejaram. Esses pensamentos acenderam uma centelha em seu peito, mais forte que a dor, mais forte que o frio de Douma.
— Giyu… Kanae… eu prometi a vocês — murmurou entre lágrimas, olhando para cima com um último lampejo de determinação.
A promessa que fizera era maior que o medo, e, mesmo com a fraqueza tomando conta de seu corpo, Shinobu reuniu suas últimas forças, decidida a lutar até o fim.
Shinobu, com o coração pulsando forte, começou a se erguer, ainda tremendo, mas determinada. Douma a observava, inicialmente em descrença, e, depois, com uma expressão de fascínio tão intenso que lágrimas escorriam por seu rosto. Ele sorriu, surpreso e, de certa forma, admirado com a coragem dela.
— Você realmente é fascinante, Shinobu Kocho — disse ele, sua voz carregando uma mistura de respeito e sadismo.
Com um olhar firme e decidido, Shinobu se preparou para um último ataque e respirou fundo.
— Mushi no Kokyu: Gokou no mai: Hyakusoku Jabara !— ela murmurou com voz grave.
Antes que Douma pudesse reagir, ela avançou, movendo-se com uma velocidade assombrosa, rápida demais para que ele acompanhasse com os olhos. Ele tentou lançar um ataque de gelo, formando lâminas afiadas que cortaram o ar ao seu redor, mas apenas rasgou o haori de Shinobu, sem conseguir detê-la.
Num golpe poderoso, Shinobu ergueu sua espada de baixo para cima e desferiu um corte direto e feroz no pescoço de Douma. Ele mal teve tempo de reagir antes que sentisse o veneno em sua pele, queimando-o como fogo. Com a lâmina cravada em seu pescoço, ela o empurrou com uma força sobre-humana — fruto de uma droga especial que havia ingerido antes do combate.
Com uma determinação inabalável, Shinobu arrastou Douma, sua espada ainda fincada nele, levando-o até o teto. O corpo do demônio se chocou contra a superfície com um estrondo, e ele rugiu, contorcendo-se sob o efeito do veneno, seus olhos arregalados de surpresa e dor enquanto fitava a pequena guerreira que, contra todas as probabilidades, havia encontrado forças para desafiá-lo até o fim.
Enquanto Shinobu começava a perder as forças, seu corpo deslizando em direção ao chão, Douma, com um movimento rápido, a envolveu em um abraço macabro. Suas mãos geladas a seguraram firmemente, e ele a trouxe para perto de si, seu rosto inundado por lágrimas que caíam em um misto de euforia e tristeza.
— Você é realmente... impressionante, Shinobu Kocho — ele sussurrou, sua voz baixa e estranhamente emocionada. — Uma verdadeira guerreira. Tão forte, tão determinada... Jamais conheci alguém como você.
Shinobu sentiu o horror tomar conta de si. Por um momento, ela não conseguiu se mover, e as palavras dele ecoaram em sua mente. Em seus olhos, não havia mais a fúria do combate, mas algo ainda mais aterrorizante: uma devoção insana.
— Eu quero que fique comigo para sempre — Douma sussurrou, o sorriso doentio ainda em seus lábios. — Mesmo que o mundo mude, mesmo que tudo desapareça, você estará aqui, ao meu lado.
Shinobu tentou se afastar, mas estava enfraquecida. Em vez disso, ela sentiu uma pressão desconcertante em seu corpo, como se algo sugasse sua energia. Ele estava começando a absorvê-la lentamente, a presença dela desaparecendo em meio ao toque gélido de Douma.
Com cada segundo, Shinobu sentia a vida se esvaindo, seu corpo cedendo ao abraço mortal de Douma. Mesmo assim, em seus últimos momentos de consciência, ela manteve o ódio em seus olhos, recusando-se a se render.
Kanao corria com todas as forças pelos corredores do Castelo Infinito, guiada pelo corvo que seguia na frente, trocando de direção repentinamente. Ela tentava controlar a ansiedade que crescia a cada passo, até que ouviu, ao longe, sons familiares de combate. Sentiu um calafrio percorrer seu corpo e, sem hesitar, seguiu em direção ao som, passando por uma porta aberta que revelava um grande salão.
No centro do salão, estava Douma. Ele a olhou com um sorriso presunçoso, levantando a mão como se a cumprimentasse. Kanao sentiu um aperto no peito ao ver a figura sombria dele, mas o horror aumentou ainda mais quando percebeu o que ele estava segurando: o corpo de Shinobu. Ele era sugado para dentro de Douma.
— Ora, ora, você veio para a festa também? — Douma disse, com uma voz suave, porém carregada de crueldade. Ele lambia a pequena presilha de borboleta que antes pertencia a Shinobu, ainda manchada com o sangue dela. Seus olhos brilharam com uma satisfação insana enquanto murmurava — Que sabor sublime... Obrigado pelo banquete.
Kanao sentiu as lágrimas se acumularem em seus olhos, seu corpo tremendo de dor e fúria. Com um grito sufocado, ela sacou sua espada, seu olhar de puro desespero fixo no oni que acabara de tirar a vida de companheira. Ignorando o medo, ela avançou, determinada a acabar com o monstro à sua frente, custasse o que custasse.
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