E conversamos toda a noite,
enquanto a Via-Láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"
- Olavo Bilac
Violeta permaneceu em silêncio, aquela realmente foi uma pergunta inesperada, um tanto dolorosa, até mesmo íntima. Achava que sim, céus, claro que sim! Se permitiu olhar ao redor, olhar pela janela entreaberta, queria delas ouvir doces palavras, queria, enfim, obter respostas. E o silêncio que perpetuou daquele céu deserto a aborreceu. Tolo era Olavo por devanear com lamúrias de estrelas, ou quem sabe ela que nunca havia amado verdadeiramente.
A culpa nem era do poeta. Do vazio íntimo, respondeu:
- Não, nunca as ouvi. Achei ter ouvido, mas não fui capaz.
Olhares cruzados, ela agoniada, decidiu dar um fim a aquela noite.
- Preciso ir. - Falou apressada.
- Está cedo ainda!
- O carro já está me esperando, nos vemos amanhã. Boa noite! - Saiu do cômodo sem coragem de olhá-lo.
- Espere aí, Violeta! - Pegou na mesa de canto do corredor um dos lírios cor de rosa que enfeitava a casa.
Ele a alcançou, sorriu. Viu no olhar dela o medo, a timidez.
- Que flor é essa? De onde tirou isso? - Arqueou a sobrancelha.
- Do vaso do corredor. - Gargalhou. - Aceite! É tua. Posso? - Apontou para o cabelo dela.
Assentiu e o viu colocar cuidadoso aquele lírio em seu cabelo. Perfume sutil, delicado. A mão dele desceu no rosto dela.
- Não tenha medo de amar, Violeta.
Foi pego de surpresa pelo abraço caloroso dela, a apertou contra ele, tirando dela aquele sentimento tão complicado. Amai, Violeta, como quem ouve estrelas.
O deixou ali parado, foi em direção a porta sem olhar para trás, a única coisa que restou para Eugênio foi a mistura do perfume dos lírios e o perfume de Violeta. Fragrância essa que ficaria enraizada nas melhores memórias dele. Sorria feito bobo! Prometeu - a si mesmo - que a faria ouvir dos céus a prosa das estrelas.
- Digam a ela que a amo! - Implorou.
Diriam, Eugênio. Estrelas não mentem.
...
Adentrou a casa com rapidez assustadora, não deu boa noite a ninguém.
- Violeta! - Heloísa a chamou.
- Não quero conversa, Heloísa! - Respondeu indo diretamente a janela de seu quarto. - Malditas estrelas!
- Violeta, está conversando com quem?
- Elas não me respondem!
- Elas quem?
- As estrelas, ora bolas!
- De louco nessa casa, já basta o insano do teu marido! - Heloísa cruzou os braços. - Onde estava?
- Na casa de Eugênio. Jantamos juntos.
Viu a irmã olhá-la com malícia, sentiu o rosto queimar.
- Ele que te deu essa flor? Nunca te vi com flor no cabelo!
- Sim, foi ele. - Pegou o lírio, olhou minuciosa.
- Está apaixonada?
- Não, que ideia de jerico!
- Você consegue se enganar, Violeta, mas a mim não!
- Vá azucrinar outro, Heloísa! Não estou com paciência!
- Sabe o que é isso? - Riu. - É amor! Tá apaixonada pelo sócio!
- Não estou, esquece isso!
- Não se foge do amor, minha irmã! Ele sempre nos acha! - Saiu do cômodo dando risada.
Amor uma pinimba, pensava ela. Viu na imensidão daquele céu quase deserto pequenas manchas cintilantes. Brilhavam timidamente. As estrelas que deveriam tagarelar com ela eram tímidas! Que desatino! Era dona de estrelas que não falavam.
Estrelas podem ser tímidas? Ouvir estrelas tornou-se algo tão íntimo e curioso, passariam os dias matutando sobre aquilo.
...
Após quatro dias, Violeta acordou com Heloísa invadindo o quarto dela. Carregava nas mãos um enorme arranjo de peônias e lírios.
- São suas! Olha que lindas, minha irmã! - Sorria com o arranjo em mãos.
- Minhas? - Estranhou.
- Suas! E tem uma carta! Vamos, leia!
Cautelosa, Violeta abriu o envelope. A letra cursiva era impecável, admirável. Quem seria o dono de caligrafia tão delicada?
"Quão rara era a flor que te enfeitava os cabelos? Quão doce era o perfume dela que se misturava ao teu de maneira sublime, única, indecifrável e inesquecível? Que nome daria eu para esta fragrância que ficou presa em meus sonhos? Me faltarão palavras boas o suficiente para descrever. Dedico a ti - saudoso do teu perfume - as flores mais bonitas que encontrei, quem sabe desta forma possa sentir também o que é a fragrância ébria do amar.
Então, Violeta, lhe digo: amai como as estrelas, amai na escuridão da noite e no clarão da lua. Amai com o esplendor da aurora, amai, lhe imploro, amai! Pois só quem ama pode viver o que há de mais majestoso na vida.
Quem sabe, quando o amor voltar a reinar em teu coração, poderá ouvir das estrelas o quanto te amo. Elas não mentem, Violeta, acredite nelas. Por mais que diga que estou desatinado, que perdi a lucidez, ou que estou embriagado, ainda que se iluda achando ser da boca para fora, acredite nelas. Contudo, lhe imploro, quando ouvires delas sobre meu amor, acreditará, pois aos céus dedico minhas maiores verdades. As entenda, Violeta. As escute. Confie.
- Com carinho, Dr.Eugênio Barbosa."
O olhar lacrimejou com cada frase lida, regava-se com aquele pranto um sentimento bonito que florescia cada vez mais. Sentimento que não queria nomear - era amor - e preferia esquecer. O medo do amar se espalhava por cada célula dela, tinha aversão.
- Violeta? - Heloísa se aproximou cautelosa. - O que aconteceu? Não gostou das flores?
- Não é isso!
- A carta lhe magoou?
- Não! A carta me curou!
- Então por quê está tão entristecida? - Segurou a mão dela.
- Por aflição! Por amor! - Soluçou. - Eu o amo, Heloísa!
- Eugênio?
- Sim! O amo! Ele me faz querer viver!
- Não vejo problemas nisso, minha querida. Amar é tão bonito.
- Não quando se é casada! Como posso amar alguém que não é meu marido?
- Teu marido não é flor que se cheire, Violeta!
- E continua sendo meu marido! - largou as flores na cama - Não sei como lidar com esse amor, essa paixão desenfreada!
- Não precisa lidar, precisa aceitar. Vai ficar se martirizando? - Levantou - Vou lhe deixar quietinha. Pense com carinho, Violeta. Amar não machuca, amar nos cura!
Viu a caçula sair do quarto, estava sozinha, somente ela e o Sol que invadia aquele quarto sem permissão. Estava deserto o céu, não tinha nuvens, nem estrelas, chorou mais ainda, não teria forças para aguardar a volta delas. Passou horas naquele exílio amoroso, presa entre o certo e o errado.
Ao final da tarde, decidiu banhar-se, da água fez saudade que lhe escorria o corpo, queria que naquelas gotas sumisse o amor, quem dera ele evaporasse e voltasse aos céus. Queria que amor fosse apenas delírios de estrelas. Das espumas fez constelações, brilhavam os cabelos que eram invadidos pelo perfume das loções. Secou o corpo, ainda amava, a água - injusta - não lhe serviu de nada.
A blusa de seda azul marinho, escura como os céus da noite, os cabelos caídos aos ombros, os brincos de brilhantes. Mal sabia ela que a noite era ela e as estrelas carregava no peito, que tentavam a dizer que amar não era ruim e ela teimosa não queria dar ouvidos.
E a mulher delicada deu de frente com o marido que carregava em mãos às flores que havia ganhado logo cedo. Recuou um pouco, ele não parecia feliz, pelo contrário, estava bravo como em outrora - quando ainda carregava em si a lucidez do respeitável juiz.
- Quem lhe deu flores, Violeta?
- Uma amiga, ora bolas. - Riu sem humor.
- Quem lhe deu essas flores, Violeta Tapajós? - Grosseiro, jogou o buque nos pés dela. - Diga!
- Matias! Não tomou teus remédios hoje? - Juntou as flores com cuidado.
O homem avançou até ela e a fez levantar. O toque ríspido lhe marcou a pele, magoada, o fitou.
- Está me machucando!
- Responda, Violeta!
- Matias! - Gritou ao ter o braço mais apertado pela mão do homem. - Foi uma amiga, já disse! Me solte!
- Estou louco, mas não morto! Continua sendo minha mulher, querendo ou não!
A empurrou até a cama, estava desatinado com a possibilidade de perder Violeta para algum gatuno! Um gatuno como o mágico que lhe tirou uma filha!
- Nem pense em me tocar! - Ela gritou. - Leônidas! Pare, Matias! Leônidas!
De tanto implorar, Leônidas surgiu impedindo Matias de tocar na patroa. Foi uma confusão, o caos se instaurou, o juiz foi arrastado pelos corredores da casa e Violeta fugiu do engenho aos prantos.
Despedaçada como flor, lembrou das doces palavras de Eugênio. Queria - precisava - ser cuidada. Era a única saída para um coração tão ferido.
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