O nervosismo de Brick poderia ser medido de uma maneira simples: ele pegou o metrô ao invés de voar.
Preferiu passar trinta minutos num trem ao som de sua playlist — que de repente se tornou um poço de satisfação —, do que esperar vinte e nove em casa e mais alguns segundos de voo. Além do fato de que queria sair antes que os seus irmãos o vissem e começasse a enche-lo de perguntas.
Desceu na estação do Parque Litoral de Townsville com a mesma inquietação com qual saiu de casa. Enquanto subia as escadas, averiguara que estava dentro no horário. Dezenove e trinta, o relógio marcava. A temperatura caíra um pouco antes do anoitecer, o ar só não estava mais frio do que o seu estômago.
Foi então que ele viu, na calçada do outro lado da rua, logo abaixo do portal do parque, a pessoa que te ligou. Parada em pé, Blossom olhava distraidamente para um lado e para o outro.
Brick se pôs a atravessar a rua lentamente, ignorando qualquer veículo que passasse atrás ou à frente dele. Só tinha olhos para ela. Na faixa que dividia os sentidos da rua, freou para uma bicicleta que atravessara o seu caminho. Blossom ainda não o havia percebido, nem quando um caminhão freou bruscamente para que não o atropelasse.
— Ei, imbecil! — O motorista buzinou. — Saia do meio da rua!
Brick o ignorou e seguiu andando. O caminhão seguiu seu percurso. Um táxi passou raspando em alta velocidade atrás dele. Brick não sentiu nada, mas o taxista provavelmente sentiu no bolso com o retrovisor que ficou para trás.
Quando Blossom finalmente o viu, ele reduziu o ritmo da passada. A garota abriu um sorriso quase imperceptível quando ele se aproximou. Brick retribuiu, olhando brevemente para o ambiente ao redor deles — as pessoas, as barracas, o parque —, antes de olhar nos seus olhos.
— Oi — cumprimentou Brick, deixando uma risada nasalada tímida.
— Oi. — Foi a vez de Blossom sorrir, desta vez, bem perceptível. E até onde se lembrava, essa era a primeira vez que ela sorria para ele.
Brick a olhou furtivamente da cabeça aos pés. Usava um fino suéter rosa por cima de uma camiseta branca, calças e sapatilhas vermelhas. Seus cabelos de fogo escorriam da boina de crochê rubra até por cima de seus ombros, evidenciando os únicos olhos cor-de-rosa existentes em todo o mundo.
— Você… está linda — disse sem medo, algo que dificilmente ele diria dias atrás.
Blossom pressionou os lábios num sorriso agradecido.
— Desculpe ligar assim, de repente — disse ela. — Foi meio…
— Não, tudo bem! — Brick a interrompeu, balançando a cabeça e dando de ombros. — De repente… Sem problemas, você sabe.
— Que bom, porque… eu achei que já era hora — respondeu, olhando-o nos olhos. — Sabe? De conviver com algumas coisas… Hora de tentarmos ser amigos.
Por um segundo, Brick desviou o olhar e engoliu seco, mas acabou assentiu.
— Amigos, sim. Isso é… — ele balançava a cabeça em afirmação. — Ótimo!
Blossom sorriu.
— Não quero complicações.
— Eu estive pensando nisso, também — concordou. — Odeio complicação.
— Vamos simplificar — sugeriu Blossom.
Brick assentiu.
— Ótimo, ótimo. Falou. Quer dizer… — Eles se viraram e começaram a andar para dentro do parque. — Você vai esquecer tudo o que aconteceu antes?
— “Esquecer”, não. “Lidar” — respondeu ela. — E a propósito, se vamos ser amigos, temos que definir algumas regras básicas.
Brick arqueou a sobrancelha, tossindo uma risada.
— Regras?
Blossom assentiu.
— É, algumas regras básicas.
— Tudo bem — Brick concordou. — Por exemplo?
— Não fale mais que eu estou linda… — ela freou, mordendo o lábio. — Com esses olhões vermelhos e assustadores, está bem?
Brick a contornou até se colocar à sua frente. Arqueou uma sobrancelha e a olhou diretamente nos olhos, com não mais que uma sugestão de sorriso nos lábios.
— Eu estou falando muito sério — Blossom riu, ainda que por um breve instante. — Outra regra, não me provoque.
Brick torceu os lábios.
— Assim você me mata — brincou, balançando a cabeça negativamente. — Suas regras são duras demais. Igual o exército. Vou nessa!
Com um meio-sorriso, Brick lhe-deu as costas e seguiu em frente. Blossom suspirou uma risadinha.
— Qual é! — Soou como uma súplica divertida.
Brick deu meia-volta em sua direção, com um sorriso travesso e as mãos no bolso da jaqueta.
— Primeiro, tomamos um sorvete — disse. — Depois, eu vou.
• • •
Somente em seus sonhos que Brick imaginou que em algum dia, ele e Blossom estariam conversando, rindo e se divertindo como amigos. Os minutos haviam passado rápido, e dentro desse tempo, os dois ruivos não haviam tido um desentendimento sequer. “Vai para o Livro dos Recordes”, pensou surpreso tanto com ela quanto consigo mesmo. Enquanto caminhavam pela extensão do píer, Brick e Blossom alternavam perguntas de um sobre o outro.
— Minha vez — Brick disse. — Quem é Jerry?
Blossom franziu o cenho.
— Por que esse interesse repentino…
— BAM! — Brick a interrompeu. — Resposta errada.
Blossom suspirou e girou as órbitas.
— Jerry é o presidente do grêmio estudantil, do clube de xadrez e outras coisas. Eu o conheço desde o Primeiro Ano — respondeu, dando mais uma colherada em seu sorvete de frutas vermelhas. — Quando tínhamos nove anos, ele me deu um daqueles cartões de Dias dos Namorados que dizia “Eu gosto de você. Você gosta de mim? Sim ou Não? ”.
Brick reprimiu os lábios, desviou o olhar para a orla e tentou fingir desinteresse.
— E o que aconteceu?
— Com nove anos?! Nada, é claro! Quer dizer, ele me chamou para sair e queria que eu respondesse no dia seguinte. Então, num ato desesperado usei meu sopro congelante e causei um mini inverno em plena primavera. Mas passou e ficamos amigos depois disso. Ele e a Robin me ajudam com meus “projetos”.
“O soro milagroso”, Brick concluiu. Blossom não tocara naquele assunto diretamente, e ele não queria brigas ou discussões naquela noite. Então, preferiu evitar falar sobre essa questão.
— Certo! Minha vez, agora — Blossom se virou para ele. — Ah… Deixe eu ver. Hm, já sei! Restaurante, chinês ou japonês?
— Chinês — respondeu com convicção. — Chinês, com certeza! Não sou um dos maiores admiradores de peixe. Prefiro eles no mar do que no meu prato, obrigado.
Blossom riu, com a colher saindo dos lábios.
— Sabe, falando nisso, eu estou completamente viciada num lugar onde servem almôndegas coreanas — adicionou.
— Sei — assentiu Brick.
— Já foi lá? — Blossom tinha um brilho nos olhos ao falar. — É uma loucura.
— Sei qual é, aquele na 6ª Avenida que você adora.
Quando o sorriso de Blossom se diluiu, pela primeira vez naquela noite Brick se arrependeu de dizer alguma coisa. “Droga, droga, droga”, praguejou contra si mesmo, fechando os olhos e apertando os lábios em linha. Mesmo estando um passo à frente, podia sentir os olhos dela metralhando suas costas.
— Como sabe? — Ela perguntou.
Brick deu uma colherada em seu sorvete, gemendo um “Hm?!”, enquanto seus olhos procuravam algo em que pudessem se distrair.
— Como sabe que eu adoro? — Blossom perguntou outra vez.
— Porquê… — Brick se apoiou numa das pequenas árvores que se estendiam pelo píer, plantadas em pequenos círculos no chão de madeira. Sem olha-la, ainda, prosseguiu. — Você me disse.
Blossom não tirou os olhos dele, somente por um segundo enquanto batia com a colherzinha no fundo do copinho.
— Só abriu no início da semana.
Brick espirrou uma risada sem graça. Voltou a estar de frente para ela, mas preferia encarar o chão sob seus pés. Blossom lhe-estreitou os olhos rosáceos.
— Você anda me seguindo?
Brick a olhou com cara de uma criança de que havia aprontado alguma e acabara de ser descoberta, se apoiando na árvore e escondendo metade do rosto.
Blossom suspirou e inclinou a cabeça.
— Eu sabia — sorriu vitoriosa. — Com que frequência?
Brick tirou seu rosto de trás do tronco olhando para o lado, virando depois os seus olhos para os dela.
— Só uma vez por dia, às vezes — confessou num murmuro. — Às vezes, mais.
Blossom sorriu e virou seu rosto para baixo. Ela colocou uma mecha do seu cabelo ruivo para trás da orelha.
— Por que? — Ela tornou a erguer a cabeça. Brick não respondeu, ficou apenas olhando os olhos dela, admirando, sem dizer mais nada. — Para ver se estou bem?
Brick assentiu.
— É. E…
— E o quê? — Blossom o incentivou.
— E por ser o mais perto de estar com você sem que começássemos a brigar.
Blossom não sorria mais, mas isso estava longe de dizer que estava brava ou decepcionada. Parecia… surpresa. Brick deu um passo à frente, saindo de trás da árvore e levando seu rosto perto ao de Blossom. Encostou levemente sua testa à dela de olhos fechados, já sentia sua respiração quando…
— Vou me mudar para a Inglaterra — soltou Blossom.
Ela desencostou sua testa da dele e olhou para seu rosto.
Brick abriu os olhos para ela, afastando o rosto de maneira demasiadamente lenta. Ora franzia o cenho, ora movia os lábios em busca de uma resposta. O frio nervoso que lhe-atormentara o estomago voltou, só que desta vez, pairou sobre seu coração.
— O que? — Foi tudo o que conseguiu murmurar em meio ao caos de palavras que subia por sua garganta.
Blossom assentiu com a cabeça.
— É, eu… No ano passado, um amigo do Professor que leciona em Cambridge veio até a cidade e conheceu a minha pesquisa — disse ela, tentando lhe-passar otimista. — Ele me ofereceu um Bolsa de Estudos em Medicina Molecular. Eu já fiz a prova e recebi minha Carta de Admissão há algumas semanas, o que significa que eu já estou dentro. Só falta a prova oral, apenas por questões de protocolo e burocracia. Então, já é certo que eu me mude para a Inglaterra.
Ela o olhava com um sorriso de expectativa.
— Uau — Brick suspirou.
— É — ela mordeu o lábio, abrindo um sorriso enorme. — Eu estou muito animada.
Brick a olhou com um semblante indecifrável por um longo minuto silencioso. Ela realmente parecia feliz, ele não deveria se sentir feliz por ela, também?
— Então… Inglaterra?
Blossom assentiu animada com a cabeça.
— Mas você só tem quatorze anos — indagou Brick. — Nem entramos para o ensino médio, ainda.
— Eu fiz uma Prova de Reordenação, uma espécie de SAT, que me qualificou o Diploma do Ensino Médio — respondeu Blossom. — O que me resta agora é apenas marcar presença durante essas últimas semanas do ano letivo.
Brick fez que “sim” com a cabeça e perguntou:
— Bubbles e Buttercup sabem? — Blossom não lhe-deu uma resposta, apenas suspirou e desviou o olhar. — Vai contar a elas, não vai?
Blossom ergueu os olhos de volta a ele.
— Despedidas são complicadas — respondeu, dando de ombros e pressionando os lábios. — Não quero complicações.
Brick suspirou, com as mãos enfiadas nos bolsos da jaqueta vermelha e um brilho infeliz nos olhos.
— A escolha é sua — disse. — Se você quer assim, não sou eu quem deve contraria-la, não é?
Um sorriso agradecido veio ao rosto da ruiva, evidenciando as maçãs rosadas em suas bochechas. Brick não conseguiu não sorrir para ela, era um convite irrecusável.
— Eu acho que… já é hora — Blossom disse, mordiscando o lábio. — Já está tarde.
— Aham — concordou Brick com um murmúrio e balançando a cabeça. — É! Está mesmo.
— Só quero fazer uma coisa antes de irmos.
— Qualquer coisa — prontificou-se Brick.
Quando Blossom agarrou o pulso de Brick, o garoto corou. Ela não o puxou, guiou-o delicadamente no sentido oposto, em direção a uma cabine fotográfica estilizada como uma das famosas cabines telefônicas de Londres. Blossom puxou de dentro do seu suéter o colar dourado que Brick lhe-dera de aniversário.
— Ainda tem uma vaga — sorriu, abrindo o pingente de coração. Havia dois espaços no interior para comportar fotos. Somente uma delas continha a foto de Blossom abraçada junta de suas irmãs e do Professor. — Me ajudaria a preenche-lo?
Brick provavelmente abrira um sorriso bobo, o modo como Blossom se segurava para não rir denunciava isso.
— Claro que sim, mas… Por que eu?
— Você me deu esse presente — respondeu. — Que maneira mais justa de agradecer?
A cabine lhes-rendeu quatro fotografias impressas. A primeira foto era a mais normal, apenas com os dois sorrindo, com o braço Brick passando por trás dos ombros de Blossom. A segunda mostrava a garota envolvendo ele numa chave de pescoço. Na terceira, houvera uma troca de acessórios; Blossom usava o boné e Brick a boina de crochê. A última, porém, não menos importante, era a mais descontraída, com os dois ruivos fazendo caretas.
— Qual que você vai pôr? — Brick perguntou ao sair, enquanto seguiam rumo ao portal do parque.
— Hm… Essa daqui! — Blossom pegou a foto de chapéus trocados. — Vai ficar perfeita.
A garota franziu os lábios, batendo com a foto nervosamente nos dedos. Com um passo largo, colocou-se no caminho de Brick, estabelecendo uma conexão entre ambos através do olhar.
— Essa noite foi… divertida!
Brick assentiu.
— Quem sabe nós não — ele deu de ombros —, repitamos na próxima?
— É — ela murmurou. — Quem sabe?
Ficaram por ali alguns segundos, apenas se entreolhando sem qualquer troca de palavras, até que Blossom findou o silêncio.
— Então… A gente se vê — disse lhe-dando as costas.
— Espera! Ah… Não vai querer as outras fotos?
— Fique para você — respondeu por fim, antes de sair voando e pintar o céu estrelado com seu rastro rosa.
Brick ficou ali por alguns instantes, apenas a observando desaparecer sob a luz da lua crescente e refletindo com seus próprios pensamentos. Aquela noite havia lhe-sido mais do que perfeita, exceto por um detalhe…
Inglaterra!
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