Aos olhos do casal, aquilo era quase inacreditável. Rakan assoviou admirado com a estrutura da casa assentada a alguns metros do carro estacionado.
— Uau. — Silvou totalmente vidrado na arquitetura do lugar. — Certeza que é aqui, miela?
— Parece que sim. — Xayah respondeu também surpreendida.
— Ela é rica. — Concluiu o australiano, descansando os seus antebraços sobre o volante estático. — Qual o plano?
— Eu não sei por que ainda te conto. — Sorriu irônica antes de buscar algo no porta-luvas do veículo. — Toma, veste isso e traz os sprays. — Deu um tecido para o amado proteger o nariz. — Vamos pichar o carro dela.
— Mas isso vai cobrir a minha beleza. — Relutou ao receber uma bandana da mão de sua namorada.
— Meu bem, é impossível cobrir a sua beleza. — Ela confortou o ego do loiro.
Convencido, ele voltou a sorrir pomposo. Finalmente envolveu o tecido no rosto, e Xayah fez o mesmo.
— Qual desses é o carro dela? — Rakan questionou confuso ao perceber mais de um veículo estacionado na garagem aberta da casa.
— Sei lá, deve ser aquele preto. — Arriscou.
— E se não for o preto?
— Argh! — Ela revirou os olhos. — Picha todos então!
— Rá! Agora sim! — Disse satisfeito.
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O automóvel se deteve antes da sinalização, permitindo a passagem dos pedestres na faixa.
— E aí, amiga — Karma, no banco de passageiro, virou-se para a motorista ao lado — nada ainda sobre aquela denúncia?
— Não. — Irelia suspirou esgotada, apertando o volante. — Até agora nenhum vestígio, nada... Parece até que se prepararam ou... — balançou a cabeça frustrada — não há tráfico algum.
— Será que aquela garota inventou tudo isso só para não chamarmos a polícia naquele dia?
— Eu espero que não. — Torceu para não estar errada em confiar na jovem rebelde — Mas não posso denunciar ninguém sem provas, Karma.
— Eu sei, meu bem. — Concordou reflexiva.
Os pneus do veículo voltaram a rolar pela estrada, levando a atenção da motorista para o tranquilo trânsito.
— Eu tenho um encontro. — Karma revelou quebrando o silêncio.
— Com quem? — Indiscreta, Irelia perguntou admirada. — Eu o conheço?
— Sim... — Mordeu o lábio inferior um pouco tímida. — É o Shen.
Os olhos azuis se arregalaram pasmos com a revelação da indiana.
— Nem sabia que vocês estavam conversando.
— Eu o reconheci no aplicativo e o chamei para papear. — Explicou-se serena, limpando a garganta antes de sussurrar — E, minha querida, você tem que ver o perfil dele.
— Agora fiquei curiosa — riu divertindo-se do abrupto cambio de postura da terapeuta — Sabe, Karma, eu nunca vi o Shen com alguém.
A indiana concordou, deixando claro que tampouco havia presenciado o homem japonês em um relacionamento.
— As fofocas dizem que ele tinha uma noiva, mas ela o traiu com o Zed. — Suspirou com dó do homem. — É tudo o que sei.
Irelia balançou a cabeça, indignada.
— Cafajeste... — Murmurou. — Como a Syndra se casa logo com aquele cara? — Cuspia as palavras, exalando repulsa para com o marido de sua ex-namorada.
— Amiga, eu entendo a sua indignação. — Tocou-lhe o ombro — Mas a vida dela seguiu. Está na hora de seguir com a sua. — Aconselhou com pesar nas palavras.
— Como se fosse fácil. — Rebateu pessimista. — Digo, não vai aparecer alguém no mínimo compatível do nada.
— Mas para isso acontecer, você não pode ficar só nos mesmos lugares, fazendo as mesmas coisas, na mesma rotina, com as mesmas pessoas... — Karma pausou pensativa, logo abrindo um sorriso sincero. — Olha eu aqui te aconselhando, mas, como pode ver, não sou nenhuma expert em relacionamentos na minha vida.
Riram em diversão à medida que Irelia estacionava o veículo em uma vaga reservada.
— Pronto, chegamos. — Anunciou a motorista.
Tranquilamente, Karma desconectou o cinto de segurança em volta de seu tronco. Em seguida abraçou a indonésia no banco ao lado, agradecendo-a perto de seu ouvido.
— Muito obrigada pela carona. — Ela disse.
— Não foi nada. — Irelia lançou-lhe uma piscadela após se desvencilharem — Tenha um bom trabalho.
A mulher observou a indiana sair do veículo, distanciando-se em passos calmos até sumir ao adentrar nas instalações do lugar. Em seguida, uma sombra cobriu-lhe o rosto e ela percebeu a presença de alguém próxima a si.
— Que surpresa te ver aqui, Irelia. — Em uma postura elegante, a líder da Instituição falou.
— Fiora. — Constatou ao reconhecer a inesquecível face da francesa em pé do lado de fora do veículo. A indonésia saiu do carro, erguendo-se para ainda ficar um pouco abaixo da altura da mulher europeia — Quanto tempo... Aqui não mudou nada, aliás. — Disse, admirando o prédio onde um dia estudara. — Continua lindo.
A Laurent sorriu simples.
— Você também não mudou nada. — Revelou ao analisar as feições conservadas da asiática. — Engraçado que um dia desses eu me lembrei de você...
— Então não foi uma boa lembrança, já que nem éramos amigas. — Relembrou-a sincera.
Após o breve silêncio formado entre elas, as mulheres sorriram em concordância.
— Oui, tem razão. — Admitiu. — Mas, ainda assim, foram bons tempos.
Irelia assentiu nostálgica; afinal, naquela época, desfrutava de mais juventude, vários amigos, uma namorada e menos problemas.
— Gostaria de tomar um café? — A europeia, solícita, continuou — Poderíamos colocar o papo em dia com mais calma.
— Eu agradeço, mas... — Pronta para negar o convite, a indonésia interrompeu-se ao lembrar do prévio conselho da amiga indiana: mude um pouco de ar! — Na verdade, seria uma ótima ideia. — Contornou as palavras, e a francesa sorriu.
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Contabilizara a quinta tentativa em entrelaçar a sua mão na de Akali, mas novamente foi refutado com um tapa rápido em sua destra. Não satisfeito, o turco teimoso esticou o braço para descansá-lo sobre o encosto da cadeira dela, tentando uma aproximação mais sutil...
Akali revirou os olhos ao perceber a palhaçada do garoto tentando abraçá-la de lado.
— Sério mesmo, Kayn?
— Quê? — Fingiu demência, mas um sorriso galanteador logo brotou em seus lábios.
— Você é pior que pernilongo, cara. — Cruzou os braços, voltando o olhar para a partida profissional de baseball no campo.
O rapaz inclinou-se para alcançar o ouvido dela.
— Eu seria um ótimo namorado para você. — Sussurrou.
— É o que todos dizem até conseguirem o que quer. — Cruzou os braços, fitando o jogo acontecendo.
— Eu não sou como todos. — Ele contrapôs.
— É o que todos dizem também. — Ácida, debochou.
— Eu posso fazer você gostar. — Confiante, ele afirmou insistente. — Olha, eu vou comprar comida para você todos os dias, te acompanhar até o seu colégio na ida e na volta, e deixar você jogar o que quiser no meu vídeo game, na hora que quiser... Pode até usar o controle principal que ninguém toca além de mim.
— Rá! Parece até que fez a lição de casa. — Ela afirmou mordaz. Em seguida, suspirou cansada antes de finalmente o fitar nos olhos. — Escuta, Kayn, você é gatinho e tal, mas, nós dois, — gesticulou com o dedo, apontando para ele e logo para si mesma — nunca vai rolar. E acho que isto já está bem claro.
O rapaz nada disse e voltou a se recostar no assento. Assim, um raro silêncio perdurou por um tempo entre eles enquanto se focavam somente na partida em andamento.
A japonesa não negaria que havia gostado dos minutos de mudez do turco, mas vê-lo quieto demais a deixou encucada.
Então, em um lindo lance, o jogador de basebol rebateu com perfeição a bola, logo correndo pelas bases até a virada do placar antes empatado. Akali e Kayn, assim como todos os torcedores da equipe local, levantaram-se de seus assentos comemorando aquela incrível jogada.
Na euforia, os dois jovens se encararam satisfeitos.
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Ah, que bela bagunça eles haviam feito...
O casal admirava a própria arte, de cores amarelo e lilás, marcada impiedosamente nos carros daquela residência.
— Nós somos demais. — Rakan afirmou faceiro. — A Ahri tem muita sorte de ter a nossa amizade; além de lindos, somos amigos legais.
Xayah revirou os globos oculares.
— Tá bom, amor, agora se afasta para eu tirar foto disso. — Ergueu o celular e clicou na tela, registrando a traquinagem deles. — Agora do outro ângulo. — Caminhou em direção contrária, ficando perto da parede do lugar.
Então, após outra imagem gravada, a argentina reparou em uma janela perto de seus pés, despertando, assim, uma súbita curiosidade nela.
— Olha, Rakan, eles têm um porão aqui. — Agachou-se para observar a entrada do cômodo.
Estreitando os olhos para focar melhor a visão, Xayah analisou, através do vidro embaçado, o lugar abaixo do nível terrestre: parecia um depósito com estantes para ferramentas, alguns pneus velhos de carro, caixas e... penas azuis espalhadas no chão do lugar.
Os olhos cor-de-mel da argentina se arregalaram em espanto.
— Rakan, tem um pássaro aqui! — Constatou assustada, controlando um tom baixo em sua voz — Olha o tamanho daquelas penas no chão!
Puxou o namorado, empurrando o rosto do rapaz contra a vidraça.
— Vê?
— Acho que sim... — Ele balbuciou as palavras com a bochecha amassada pelo vidro. — Mas não vejo ave alguma, miela.
— Mas tem que ter. — Voltou a analisar o lugar. — Me dá algo para quebrar isso e fica de guarda aqui fora. — Ordenou decidida, finalmente aliviando a pressão contra a face do amado.
Rakan massageou a própria bochecha, vítima da carinhosa brutalidade da namorada. Ah, mas como ele amava tudo isso...
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— Éramos adolescentes. — Pousou nobremente a xícara sobre o pires após bebericar o líquido — Muita coisa mudou, Irelia.
— É, mudou mesmo. — Concordou a indonésia; os orbes azuis fitavam de longe o pátio arborizado do lugar, fazendo-a recordar com carinho daquele aconchegante ambiente.
— Senhora Laurent, desculpe incomodá-la, mas o pai de uma aluna quer te ver. — A secretária comunicou cautelosa. Em seguida, aproximou-se para sussurrar perto de sua chefe. — Ele me dá arrepios.
Fiora franziu o cenho. A quem será que a sua subordinada estava se referindo?
— Diga-lhe que já vou.
A funcionária assentiu e saiu da vista de sua superior.
— Eu vou indo. — Irelia se antecipou educadamente. — Obrigada pelo café.
— Eu peço perdão. — Suspirou odiando-se em ter que interromper a conversa entre elas — Mas antes... — Fiora puxou um celular de última geração, dando-o nas mãos da outra. — Deixa-me o seu contato.
Com um sorriso tímido, a indonésia digitou o seu número pessoal, devolvendo o aparelho para as mãos de sua dona. A mulher europeia depositou um beijinho em cada bochecha da asiática, despedindo-se.
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De semblante frustrado, Talon fitava a tela do próprio celular. Emborcou mais uma vez a garrafa, ingerindo vários goles da bebida alcoólica antes de suspirar irritado: Ahri ainda não havia o desbloqueado, mesmo ele não tendo culpa de nada!
“Foda-se, garota, eu posso ter quem eu quiser!”, praguejou contra a sul-coreana, condenando-se por, na verdade, não conseguir tirá-la de seus pensamentos.
O barulho de vidro se rompendo ecoou do lado de fora e o rapaz, atento, levantou-se da cama. Ele abriu a gaveta da mesinha ao lado, agarrando um de seus canivetes.
Havia alguém na casa... e com certeza não era o seu pai.
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Se antes Fiora estava feliz pela inesperada presença de Irelia em sua instalação de renome, o seu bom-humor foi parar no ralo ao ver aquele homem observando imodestamente o ambiente repleto de símbolos franceses.
A mulher exalou o ar vagarosamente antes de adentrar, pomposa, em seu próprio escritório.
— Marcus DuCouteau. — Reconheceu o odioso austríaco.
— Fiora Laurent. — Virou-se para encará-la, analisando-a friamente de cima a baixo. — A caçula do Sebastien.
— Fico lisonjeada pela sua ilustre presença nesta Instituição. — Mentiu, sentando-se na cadeira principal. — Mas o que te traz aqui, general?
O homem entrelaçou as mãos atrás do tronco negando-se a se sentar na poltrona oferecida pela mulher.
— Eu vim tirar a minha filha deste colégio. — Sem desvios, ele revelou as suas intenções.
— Por qual motivo? — Desconfiada, arqueou uma de suas sobrancelhas.
— Eu não preciso te explicar motivo algum — suas palavras soavam gélidas — mas digamos que esta pocilga a influenciou mal.
Fiora estreitou os olhos azuis, tensionando as mandíbulas em desprezo. Quem ele pensa que é para ser mais arrogante que ela?!
— C’est bizarre... — estranhou — ...já que as notas dela são razoavelmente boas e é uma ótima atleta. — Constatou pousando o queixo sobre as mãos unidas. — A garota está de acordo pelo menos? — Cética, a francesa interpelou.
— Não importa se está ou não; eu sou o pai, e ela é a filha.
— E eu sou a diretora. — Impôs, tão soberba quanto ele. — Então, quando ela se sentir mais à vontade de vir até à minha sala para me pedir isso, eu a atenderei com todo o prazer.
O homem aproximou-se do gabinete da mulher, pousando lentamente as palmas sobre a madeira.
— Não me faça chamar um advogado para uma bobagem dessas, Laurent.
Apesar de contrariada, a europeia suspirou tranquilamente. E com uma nítida má vontade, ela abriu uma das grandes gavetas de sua mesa, dedilhando alguns arquivos.
— Vejamos... — Pegou a carpeta com os documentos que registravam informações no nome de Katarina DuCouteau. — Olha só, ela já é de maior. — Concluiu, apontando para a data de nascimento da jovem. — Você, ou qualquer advogado seu, não responde mais por ela. — Fechou a pasta em mãos com um ar vitorioso.
A face do homem se manteve apática enquanto os olhos presunçosos encararam firmemente os orbes celestes da diretora.
Marcus, calmo, apanhou o documento largado sobre a mesa, rasgando-o vagarosamente ao meio. O ruído das fibras de papel sendo separadas ecoou por longos segundos até serem totalmente afastadas em duas metades.
— Você pode rasgar quantos documentos quiser. — Ela, inabalada, curvou sutilmente os lábios. — Tudo está no sistema.
— Vai se arrepender, mulher insolente. — Bateu o punho firme na mesa tentando amedrontá-la.
Contudo, Fiora nem pestanejou. Com um semblante indiferente, a mais nova entrelaçou os dedos das mãos sobre a mesa antes de penetrar o homem com o seu audacioso olhar.
— Sabe, senhor DuCouteau, eu não tenho medo de pessoas como você. — Revelou, encarando-o estoicamente.
— O seu pai tinha. — Provocou. — Aliás, não foi ele quem foi preso por corrupção na França? Será que a corrupção dele respingou nesta Instituição? — Sugeriu em tom ameaçador. — Isso seria um escândalo, não acha?
— Retire-se antes que os seguranças o façam. — Convidou-o a sair de seu escritório com um gesto, não perdendo a elegância ou, até mesmo, as estribeiras.
Com um sorriso amargo, Marcus ajeitou a gola da camisa social e penteou as madeixas ruivas lentamente antes de dar as costas à mulher. Ele retirou-se da sala.
“Eu preciso de um bom vinho”, a francesa massageou as têmporas quando a porta foi finalmente fechada.
Os movimentos circulares contra a lateral de seu rosto foram interrompidos por um bipe, anunciando que a secretária estava lhe encaminhando uma ligação para o telefone principal. A mulher retirou o aparelho do gancho, aceitando o telefonema.
— Oui, Fiora Laurent falando. — Confirmou batucando as unhas contra a madeira da escrivaninha. Então, depois de ouvir tudo, suas pupilas se dilataram. — Como assim arquivaram o processo de novo?! — Alteou a voz, exalando indignação; os orbes celestes tornaram-se inquietos à medida que novas informações lhe eram repassadas do outro lado da linha.
Decepcionada, a diretora cerrou o punho destro; um sentimento de impotência lhe tomou conta, e ela finalmente desligou o telefone.
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Xayah desceu pela abertura rompida por um pedaço de paralelepípedo, colocando os pés no chão do lugar. Pegou uma das penas azuladas que se moviam pela fraca correnteza de ar e a ergueu na altura de seus analíticos olhos.
— Qual espécie é essa? — Avaliou buscando algo em mente — Uma arara-azul grande, talvez? Ou uma águia azurita? — Cogitou, mas logo balançou a cabeça. — Não... A águia já está extinta.
Um grunhido ecoou no lugar assustando aquela jovem intrusa. Ela correu até o som e retirou uma coberta sobre uma grande gaiola, revelando o que ela mais temia: uma ave encarcerada.
— Não é possível... — Admirou-se com o animal, reconhecendo a espécie vista somente em livros antigos.
E tomada por um senso de justiça, Xayah vasculhou no local pela chave correta da fechadura, mas logo se frustrou ao não encontrar o objeto.
Ah, fodam-se as chaves!
Buscou algo entre as caixas de ferramentas do lugar, não tardando em encontrar o que precisava. Agarrou o corta-vergalhão e o pôs sobre o gancho do cadeado, fazendo força para quebrá-lo.
— Calma, amiguinho, eu vim te ajudar. — Tentou sossegar a ave feroz que bradou dentro das grades de seu cárcere.
— Ei, garota! — Talon esbravejou quando desceu as escadas do porão, pegando a argentina no flagra. — O que pensa que está fazendo aqui?!
— O certo. — Ela respondeu antes de romper o cadeado, abrindo, assim, a grande gaiola.
Sem perder tempo, e mesmo enfraquecida, a ave alçou voo em busca da sua liberdade. E pela mesma janela que Xayah entrara naquele cativeiro, a águia azul simplesmente escapou.
— Não! — O sírio vociferou vendo o pássaro sumir apressado do lugar.
O seu pai com certeza ficará irado!
Um sorriso aliviado se formou nos lábios de Xayah ocultados por uma bandana. Ela estava satisfeita em ter ajudado mais uma pobre criatura com asas.
Colérico, Talon a encarou; os acastanhados olhos refletiram a imagem daquela desgraçada.
— Ops — Ela debochou dele antes de arrancar em direção à janela rompida, tomando impulso para pular na abertura.
Contudo, Talon a alcançou e puxou por trás o casaco dela, derrubando-a sem clemência no chão. Ela se contorceu com o baque nas costas, mas foi rápida em rolar para o lado, levantando-se em seguida. Golpeou-o a cara com o punho, porém aquilo não foi suficiente para detê-lo. Ele estava furioso.
Talon agarrou com a destra o pescoço da garota, e com a canhota se defendeu de um golpe lateral dela. Encurralou-a contra a parede mais próxima e a imobilizou impiedosamente.
— Acha que pode vir até aqui fazer bagunça, sua pilantra? — Em um movimento rápido, arrancou o tecido que cobria parte do rosto feminino, sorrindo com a revelação da bela face dela — Ah, mas eu nunca mais esquecerei o seu rosto...
— Foda-se, criminoso! — Cuspiu no rapaz, atrevida.
O aroma forte de álcool exalado por ele se fez presente perto da jovem. Então, totalmente alterado, o sírio apertou firme a garganta da argentina, fazendo-a desvanecer gradualmente.
— Invasão de domicílio. — Precipitou-se ele — Danos materiais. Lesão corporal. Roubo. — Arquitetava, acusando-a injustamente.
— E-eu n-não roube-ei nad-
— Quê? Eu não consigo te ouvir. — Sádico, apertou-a ainda mais. — E eu só responderei, no máximo, por legítima defesa.
Ele não parecia estar de brincadeira, e isso desesperou a sul-americana.
— Ra-Rak... — Tentou chamar o parceiro, mas seu fôlego se esvaia a cada tentativa.
Rebateu-se, no entanto, foi inútil. O oxigênio de Xayah ficou escasso; sua força atenuou, e sua visão turvou-se.
— Larga ela! — Rakan saltou contra o covarde que atacava a sua parceira, e ambos rapazes rolaram no chão. — Corre, miela!
O loiro desferiu um soco no moreno que o retribuiu na mesma moeda. Então, entre murros e empurrões, uma violenta dança se fez entre eles.
Em meio a tosses secas, Xayah recobrou a consciência tentando ao máximo puxar o ar de volta para os seus pulmões. Com a vista ainda embaçada, percebeu a briga em andamento entre o australiano e o sírio. Ela, mesmo zonza, pegou do chão a ferramenta que ajudara a libertar a majestosa ave minutos antes.
E em um cálculo rápido, ela golpeou a cabeça de seu algoz, fazendo-o desmaiar ali mesmo.
— Vamos embora daqui agora, Rakan! — Ordenou aflita. — Esse cara é maluco!
— Miela... — Chamou enfraquecido, afastando a mão da lateral de seu próprio abdômen.
As pupilas de Xayah se expandiram ao ver o líquido escarlate minar de uma ferida recente no ventre de seu amado.
Ele havia sido atingido por algum objeto pontudo.
— Não, não, não... — Apressou-se para comprimir a lesão exposta, manchando, também, as mãos de sangue. — Merda, merda!
— Dói. — Sorriu fraco, voltando a pousar a palma na ferida.
— Eu sei, meu amor. — Puxou o braço masculino para se apoiar em seus ombros. — Mas vai ficar tudo bem; você consegue. Eu sei que consegue. — Repetiu esperançosa.
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— É, até que foi legal... — Akali disse ao parar na varanda da sua casa, encarando o rapaz que a acompanhou até lá.
Com uma curva nos lábios, Kayn, incrédulo, ergueu uma sobrancelha.
— Tá, foi muito legal. — Ela se corrigiu risonha. — Valeu.
Ele deu de ombros mostrando um sorriso simples.
— Viu? Não sou tão péssima companhia assim. — Alegou, e a garota somente revirou os globos oculares. — Bem, é melhor eu ir; estou cuidando do turno noturno no tatame para o Zed poder ficar com o filho dele.
— Você já está liderando uma turma? — Admirada, a japonesa questionou e ele prontamente assentiu.
— Três turmas. — Corrigiu-a satisfeito. — E eles gostam de mim, talvez até mais do que do Zed. — Sorriu de lado.
— Legal... — Ela, estarrecida, murmurou.
— É, é bem legal. — Kayn elevou rápido os ombros, em seguida dando as costas à garota. — Aparece lá quando quiser.
— Espera, vai embora assim? — Perguntou desconfiada e, até mesmo, surpresa quando o viu se distanciar alguns passos. — Não vai nem me provocar ou soltar alguma piadinha sobre nós?
— Não. — Respondeu simplório ao voltar a encará-la, agora mais longe um do outro. — Por quê?
— Porque você sempre faz isso, ué.
— É que você pareceu gostar tanto do dia que eu não quero estragá-lo te enchendo o saco. — Confessou sincero com uma curva amena nos lábios. — Além do mais, você foi bem clara sobre a gente mais cedo.
— Mas eu sempre fui clara contigo. — Cruzou os braços.
— Foi? Eu nunca percebi. — Fingindo buscar algo na memória, ele fitou o céu coçando o ângulo da própria mandíbula.
— Idiota. — Ela riu entendendo a ironia do rapaz.
Kayn sorriu brincalhão, mas a canção dos grilos escondidos no jardim se fez mais presente quando os jovens se tornaram mudos, entreolhando-se à distância.
— Você pelo menos já gostou de alguém, Kali? — Perguntou.
Ela nunca havia se perguntado isso, muito menos sentido algo naquela proporção.
— Não. — Negou ela.
— E como sabe se nunca deu abertura para ninguém? — Kayn sugeriu erguendo uma sobrancelha.
— Para que dar abertura se eu já não gosto? — Rebateu cínica.
— Se você não experimentar, como vai saber se gosta? — Provocou. — Ou você tem medo de se apaixonar, Kali? — Desafiou-a.
— Argh! — Ela, impaciente, caminhou a passos firmes até o turco. — Eu te provo que eu não gosto de você.
— Como? — Sem entender, ele observou a aproximação da menor.
Com a destra, ela envolveu a nuca do rapaz antes de puxá-lo para si, colando os seus lábios nos dele. Ah... aquela com certeza foi a melhor surpresa da vida do garoto.
Poucos segundos se passaram, mas foi o suficiente para ambos conhecerem a textura oral um do outro. O coração de Kayn acelerou e seu sangue involuntariamente se distribuiu para lugares mais íntimos.
Akali se afastou voltando a abrir os olhos, deixando o rapaz hipnoticamente paralisado.
— Viu? Não senti nada. — Ela concluiu antes de, em um movimento rápido, agarrar a gola da camisa do garoto — Se você me passar mononucleose, eu te mato! — Soltou o tecido da vestimenta após ameaçá-lo, virando-se em seguida para entrar na residência. — Sayönara, idiota!
O rapaz, atordoado, não conseguiu esboçar reação e somente viu a porta do lugar se fechar, deixando-o parado sozinho no meio daquele jardim.
“É, até que não foi ruim...”, recostada na madeira atrás de si, a japonesa analisou a própria atitude contra os lábios do turco.
— Ele beija bem?
A voz ecoada fez Akali se espantar, olhando de supetão para a dona daquela pergunta sentada quietamente no sofá: Kai’Sa.
— E-eu não sei do que você está falando. — A menor rebateu sem jeito. — Espera, você estava me espionando pela cortina?!
— Foi mal — deu de ombros, abaixando o olhar — eu não quis me intrometer na sua vida.
Akali desarmou notando, além da voz abatida, um semblante cabisbaixo da namibiana. Algo não parecia certo...
Então a visão da japonesa se deteve em uma equipagem ao lado do sofá, deixando-a totalmente confusa.
— Por que essa mala aí? — Apontou para o objeto perto da mais alta.
Com as írises violáceas perdidas em algum lugar do piso, Kai’sa exalou o ar melancólica.
— Soubemos hoje que a minha avó está internada e... — suspirou, esforçando-se para continuar — ...parece bem sério. — Cerrou as pálpebras, apertando-as antes de abri-las e erguer um olhar pesado para a japonesa. — Eu e meu pai estamos indo pra África do Sul.
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Atravessou o corredor em direção à sala do modesto apartamento.
— Parabéns, Katarina, o seu irmão é um psicopata. — Quinn concluiu séria após desligar a ligação com notícias quentinhas de Miss Fortune.
Entretida em mudar os canais da televisão, a austríaca ergueu um olhar despreocupado.
— É, pasme ou não, eu sou a mais legal da minha família. — Deu de ombros sarcástica.
— O que é bem preocupante. — A belga rebateu baseando-se na personalidade ácida da outra europeia. — O amigo da Sarah foi esfaqueado.
Confusa, a ruiva arqueou a sobrancelha.
— E como ele foi esfaqueado se meu irmão mora na cidade ao lado?
— Ele e a namorada foram na sua casa. — Coçou a nuca, sem jeito.
— E que porra eles estavam fazendo na minha casa? — Katarina indagou estoica.
— É uma ótima pergunta. — Reflexionou. — Enfim, vou dar uma passada no hospital para entender melhor o que aconteceu.
Quinn pegou a chave pendurada de sua moto e, antes de abrir a porta de entrada, o seu celular voltou a vibrar. Os âmbares da belga tornaram-se inquietos pois, desta vez, não era a sua namorada na chamada.
— Diretora Laurent? — Ela atendeu desconfiada.
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Preocupado com o horário, Zed analisava, a cada instante, o relógio da cozinha. Com uma caneta na mão, ele concomitantemente anotava uma lista de compras que a esposa lhe ditava.
— Também acabou o arroz — Syndra analisou o armário aberto enquanto acalmava o bebê em seus braços. — E vai acabar o azeite.
— Arroz, azeite... — Murmurou ao escrever os itens no papel, voltando a encarar os ponteiros que mediam a hora. — Mas onde está aquele moleque?!
E quase sem esperanças, finalmente viu a presença despreocupada do turco adentrar no mesmo ambiente.
— Kayn, está quase na hora do treino. — Zed chamou-lhe a atenção. — Onde estava?
O rapaz, imerso em pensamentos, ignorou a pergunta do mais velho, agarrando uma lata de energético da geladeira.
— Eu quero me transferir para a Instituição Laurent. — Anunciou decidido após abrir a bebida em sua mão.
— Por que isso agora, garoto? — Indagou desconfiado; o mais novo nunca fizera questão de sair do colégio do bairro onde estudava com os amigos.
— Porque é melhor. — O turco justificou simples, dando em seguida um gole no energético.
— O que você acha, querida? — Zed buscou o olhar da esposa com o filho nos braços. — Você já estudou lá.
— Rá. — Riu amarga. — Considerando quem é a diretora atual, deve estar uma merda. — Resmungou ressentida.
Zed, confuso, ergueu a sobrancelha.
— Pensei que havia gostado de estudar lá. Era atleta, popular... — pigarreou antes de concluir a frase — ...e tinha até uma namorada.
A mulher então o encarou séria ao ouvir a última palavra dita por ele, sentindo o ar sutilmente provocador do homem.
— Não importa quem era a minha namorada no colégio; a questão era que aquela francesinha arrogante me perturbava a paz só porque o pai dela era o diretor. — Explicou gélida antes de voltar a fitar o bebê que aos poucos se acalmava no colo da mãe. — Mas se quer mesmo estudar lá, Kayn, por mim tudo bem. É só evitá-la e fingir que não me conhece.
O rapaz turco sorriu satisfeito; depois levou o olhar para o patriarca da família, esperando o alvará dele.
— Tá bem. — Zed cedeu finalmente — Agora vá logo para o tatame!
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Angustiada, seu pé balançava em movimentos nervosos até uma mão amistosa pousar em seu joelho flexionado. Ahri, de braços e pernas cruzadas, ergueu o olhar abatido, encontrando as esferas azuis de Sarah.
— Ficar batendo o pé não vai adiantar nada. — A caribenha articulou sentando-se ao lado da asiática. — Eu trouxe café.
— Tomar café também não vai adiantar. — Suspirou antes de aceitar o recipiente oferecido a ela — Mas obrigada.
Caladas, as jovens fitaram as cadeiras no fim do corredor: Xayah apoiara a cabeça no colo de Seraphine quem afagava carinhosamente as madeixas magentas sobre as suas coxas, consolando a mais velha. De olhos fechados, mas inchados, a argentina esperava do cirurgião notícias... Boas notícias.
— Agora entende por que eu não queria você com ele? — Fortune se voltou para a amiga ao lado, referindo-se a Talon.
Ahri assentiu sem jeito.
— Sim. — Uma lufada de ar saiu de seus pulmões antes de novamente encarar as írises azuis — Ele já te fez algo, Sarah?
A ruiva acomodou-se melhor no assento, também cruzando as pernas.
— Ele já me ameaçou — deu de ombros antes de curvar sutilmente um lado dos lábios — mas aí eu o ameacei de volta.
— Ah, Sarah... — preocupada, Ahri suspirou — E por que nunca me disse nada?
— Porque eu não curto que os meus problemas respinguem em quem eu gosto. — Revelou sincera.
Em quem eu gosto...
A frase ecoou na mente da coreana, fazendo-a sorrir boba.
— Então você ainda gosta de mim, apesar de tudo? — Brincou formando um biquinho.
— Nunca deixei de gostar — empurrou o seu ombro, de forma leve, contra o da amiga ao lado — o que não muda o fato de eu ter amaldiçoado você e toda a sua geração. — Sorriu amarelo.
— Justo. — Ahri assentiu com uma risadinha contida antes de, subitamente, se abater abaixando o olhar. Os seus polegares se friccionaram enquanto os outros dedos das mãos se envolveram sobre o seu joelho. — Sinto a sua falta. — Confessou franca, exalando o ar em seguida. — E, se quer saber, a equipe nem é a mesma sem você.
— Então por que não me apoiou na votação da equipe? — Fortune questionou ainda ressentida — Ou por que deu chilique no meu aniversário? — Relembrava — Ou até mesmo negou o meu convite para sairmos juntas?
— Não é óbvio? — Fitou a caribenha, analisando o celeste de seus belos olhos. — Eu senti... — suspirou antes de se corrigir — eu sinto ciúmes de você.
— Ahri, eu também sinto ciúmes de você — deu de ombros — É normal, mas isso não justifica-
— Não, Sarah — Interrompeu-a balançando a cabeça — não é esse tipo de ciúmes.
A porto-riquenha, sem palavras, fixou-se no movimento das pupilas negras contrastadas no dourado das írises coreana. E foi ali, naquele olhar carregado, que a caribenha entendeu a veracidade dos sentimentos da amiga asiática.
— E-eu não imaginava — sem jeito, a latina declarou — até porque você tem regras sobre isso e, sei lá... — expirou, ainda surpresa, tentando achar uma solução — talvez você só esteja confusa.
Confusa...
Ahri engoliu em seco contrariada.
— Fecha os olhos. — Pediu e a cabeça da ruiva, hesitante, pendeu para o lado. — Por favor.
Fortune obedeceu cerrando, por fim, as pálpebras. Ela nada viu, mas os seus lábios sentiram uma macia estrutura encostar-se contra si. E, em um movimento quase involuntário, Sarah retribuiu sutilmente, tardando em se afastar daquele beijo. Então os olhos azuis voltaram a se abrir encontrando-se com os dourados recém-abertos de Ahri.
— Não, eu não estou confusa. — Reafirmou os sentimentos ao se afastar.
As bochechas de ambas se enrubesceram; e se o coração de Sarah já havia perdido o ritmo correto, ele só faltou sair pela boca quando a ruiva ergueu a vista deparando-se com Quinn em pé no começo do corredor.
Ela vira tudo.
Nervosa, Miss fortune levantou-se rápido.
— Cariño, nós...
— Eu só vim deixar algo para vocês comerem. — A belga cortou em tom firme, mostrando a sacola cheia de pãezinhos e doces em sua destra. — E saber se tudo está bem... mas parece que está. — Concluiu amarga.
O semblante decepcionado da jogadora era nítido, fazendo a namorada engolir em seco. Ainda assim, a caribenha se aproximou da europeia.
— Aquilo nã-
— Depois, Sarah. — Refutou entredentes, entregando-lhe a sacola — Vá dar apoio aos seus amigos. — Sugeriu antes de fitar seriamente Ahri se encolher no banco com uma mão ocultando o próprio rosto em vergonha.
No caminho de volta do banheiro, Ezreal cruzou as duas jovens em pé no meio do corredor.
— Eba, pãozinho! — Animou-se salivando — Valeu, namorada da Sarah! — Agarrou uma unidade do saco, não tardando em dar uma bela mordida no alimento. E ainda com a boca cheia, ele finalmente percebeu o clima esquisito entre o casal — Err... Está tudo bem, meninas?
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