Mikasa desceu as escadas até o último degrau, pisando minimamente, sem fazer barulho. Encontrou Levi de costas, olhando para um quadro grande na parede com molduras douradas. O quadro representava uma pintura antiga, de um lugar. Campos verdes, árvores estrondosas, e um lago. Observava atentamente, cada mínimo detalhe. Mesmo de costas, Mikasa pode ver o quanto Levi estava muito bonito com aquela roupa social, toda preta. Mordeu o lábio. Percebeu que, agora, olhava para Levi com muito mais atenção que antes.
–Estou pronta. –Mikasa parou seus passos no meio da sala, esperando qualquer movimento da parte dele. Colocou suas mãos atrás das costas, e segurou seu pulso.
Ao ouvir a voz de Mikasa, Levi deixou a pintura de lado e virou seu corpo completamente para Mikasa. Seu olhar se fixou demoradamente nela. Muito diferente do habitual com aquele vestido longo rosa bebê, que enalteceu seus ombros expostos, de forma delicada e sensual. Os cabelos presos em um coque, com a franja posta de lado, exaltavam maiores detalhes do rosto. Arqueou a sobrancelha. Não havia nada de espalhafatoso, mas de incrivelmente belo. Mas, ao lembrar do compromisso, disparou a andar na frente, tirando a mão do bolso e arrumando seu paletó. Mikasa o seguiu.
A carruagem os aguardava. Entraram e sentaram em bancos opostos, um de frente para o outro. O silêncio se tornou presente, e Mikasa colocou as mãos uma sobre a outra, em cima do seu colo, e direcionou seu olhar para a janela atenta a toda arquitetura das residências de Sina, muito diferente das casas de Rose e de Maria. Suspirou, sentindo-se observada por ele.
Cerca de poucos minutos, pararam em frente ao castelo de Historia Reiss. Levi desceu primeiro e depois Mikasa. Adiante, avistaram um mordomo na entrada, que esperava pacientemente a chegada do Capitão Levi.
–Senhor Ackerman. –O mordomo fez uma reverência, e voltou a sua postura normal. –A Rainha Reiss aguarda a sua presença na sala de Jantar. –O mordomo deu uma rápida olhadela à esquerda, e notou que Mikasa estava ali. Retornou sua principal atenção para Levi, que como sempre, estava sério com aquele olhar entediado. –Trouxe uma acompanhante?
–Como pode ver. –Ele respondeu sem entonação na voz. –Há algum problema?
–O convite era apenas para você, Senhor Ackerman. –O mordomo pigarreou, com o queixo erguido. –Mas já que estão aqui, por favor me acompanhem.
O mordomo subiu as escadarias, e os outros empregados abriram as enormes portas que os levaram a um salão. Mikasa e Levi acompanharam um pouco atrás, observando cada corredor, cômodo, mobília, quadros e objetos. Cada metro quadrado em que pisavam. Para Mikasa, tudo parecia mais bonito desde a última vez que estiveram lá, no dia do seu casamento. Talvez fosse a arrumação que estivesse diferente. Algo mudou. Sentiu um desconforto enorme pelo modo que o mordomo falou com todas as letras que o convite se resumia apenas para Levi. O que lhe irritou. O que História queria com ele, afinal? Porquê essa importância e toda essa privacidade em torno dele? Já bastava ela se intrometer na sua vida, agora isso, repentinamente. Pensou se os dois alimentavam algum segredinho, entretanto, se esse fosse o caso, Levi não teria lhe levado. Sem o seu consentimento, na sua mente emergiram os palpites de Sasha em relação a História, o que lhe deixou inquieta com uma sensação estranha.
A sala de jantar era composta por uma extensa mesa cor marfim, de madeira maciça. No centro, havia um forro vermelho de ponta a ponta, igualmente a um tapete, ganhando seu grande destaque. Castiçais com velas e um jarro com flores vermelhas enfeitavam o centro da mesa. Os talheres, copos e pratos postos à mesa, adequadamente, milimetricamente calculado. O Jantar não foi servido, e a ausência de História naquele lugar, foi evidente.
O mordomo puxou uma cadeira acolchoada para que Levi se sentasse primeiro. Passou para o outro lado da mesa, e puxou outra cadeira para que Mikasa também se sentasse. Os dois, como rotineiramente, ficaram de frente um para o outro, trocando olhares discretamente, escondido.
–Com licença Senhor Ackerman. Vou avisar a Rainha Reiss que já está aqui!
Levi observou o homem sair, e Mikasa virou o rosto. Parecia que o mordomo estava descartando sua presença, como se ela tivesse vindo como uma intrusa, e não fizesse parte disso. Começou a bater as mãos em cima da perna, suspirando e olhando para todos os cantos.
Levi reparou a inquietação de Mikasa, entretanto, não quis dizer nada. Para ele, havia momentos que Mikasa parecia muito interessante, outras vezes, um verdadeiro pedaço de estresse. Não conseguia entendê-la, principalmente, em relação ao que Mikasa exatamente queria.
Dentro de todas as suas linhas de raciocinio, mestre em seu ofício nisso, por atuar tão bem como Capitão, a sua melhor hipótese para Mikasa aceitar fazer sexo com ele, foi que talvez quisesse o bebê, após a decepção de receber o resultado dos exames, que também pegou ele de surpresa. Poderia garantir que Mikasa estaria grávida, mas as coisas foram um pouco diferente do que imaginou. O que poderia frustrar a História com sua síndrome de urgência.
Logo, História apareceu na sala de jantar, com um vestido vermelho pomposo e muitos detalhes na costura, em que sua pele clara deu exuberância ao decote. Os cabelos estavam presos em um coque, porém, bastante enfeitados. E nos lábios um batom vermelho, marcante.
Mikasa arqueou as duas sobrancelhas surpresa. Nunca viu História vestida daquele jeito, nem em comemorações ou qualquer outra coisa que envolvesse um evento importante. Se perguntou para quê aquele aparato todo, se seria apenas um jantar com Levi, e nada mais. A menos que ela tivesse interesse nele. Bateu uma leve aceleração no peito quando Levi olhou para História, até o momento que ela chegou na mesa.
O mordomo arrastou a cadeira e a Rainha História se sentou em uma ponta da mesa, no centro dos dois. O mordomo cochichou algo em seu ouvido, e depois saiu. Olhou para Mikasa, e ficou levemente impressionada com a aparição dela.
–Ora Mikasa, porque está aqui?
–Ele me chamou. –Mikasa cruzou os braços. As duas olharam para Levi ao mesmo tempo, e Levi olhou para as duas levando a língua no céu da boca, mas não falou nada.
–Bom… –História retornou sua atenção para Mikasa. –Me surpreende que tenha vindo com o chamado do Capitão Levi. Todos sabem que você não gosta dele. – História lançou a direta, esperando ver a reação de Mikasa e Levi. De fato, não esperava que Mikasa aparecesse assim, do nada, com ele. Foi bem estranho, porém, no fundo, estava gostando daquela situação.
–E me surpreende que você tenha chamado Levi para jantar na sua casa, sozinha. –E vestida daquele jeito. Pensou. Geralmente qualquer assunto era tratado devidamente em gabinetes e salas de reuniões, não em uma mesa de jantar, na sua própria residência.
–Temos assuntos pendentes. –História sorriu pequeno.
O mordomo apareceu com os outros empregados, todos em fileiras, um ao lado do outro, dissipando a conversa.
–Rainha, o jantar está sendo servido.
Um grupo de empregadas colocaram as bandejas em cima da mesa, no centro, em cima do forro vermelho com velas, deixando a mesa farta para todos os convidados, com muitas opções de comida. Foram servidos.
Levi colocou o lenço no seu colo e deu a primeira garfada, observando as duas. Era nítido que uma tensão havia se formado, tanto é que conseguiu notar.
Como História conhecia muito bem Mikasa, sabia que ela carregava um lado ciumento, embora não falasse. Todas as vezes em que esteve sozinha com Eren, Mikasa deixou transparecer isso e a História captou. Decidiu tomar uma atitude mais ousada, para testá-la em relação ao Levi.
–Você tem feito um ótimo trabalho como Capitão, muitas pessoas admiram você. –A Rainha sorriu singela, e colocou sua mão em cima da de Levi, de modo carinhoso.
–Obrigado.
Levi escorregou o seu olhar para a sua mão na mesa, em que História segurava, mantendo um contato. Ergueu seu olhar deparando-se com enormes olhos azulados, arredondados e serenos lhe encarando, mas depois olhou para Mikasa buscando alguma reação nela. Algum incômodo.
História notou que Mikasa não estava com uma cara muito boa. Sorriu internamente, e mediante a situação, se afastou de Levi e voltou a comer. Foi o suficiente para saber o que Mikasa sentiu, mesmo que estivesse séria, disfarçando. Estava com ciúmes.
–Mikasa, recebi os relatórios do médico e estou ciente do seu estado atual. –Comentou História, lembrando-se que foi a primeira a saber, até mesmo, antes dos dois. Não estava feliz com o que soube, porém, não poderiam retroceder. –Problemas de fertilidade, quem diria, uma moça tão forte e saudável como você deveria ter muitos filhos.
–Isso prova que, por mais que você queira, não pode controlar todos os eventos. –Respondeu Levi no lugar de Mikasa. Por um lado, estava aliviado por escapar daquela sensação de controle. –Agora lhe resta ter paciência.
História levou a taça à boca bebericando o vinho, ouvindo atentamente Levi, mas olhando para Mikasa. Se dez mulheres estivessem dispostas a se voluntariarem, haveria nascimento de dez Ackerman dentro de nove meses. Esse plano soava bem mais promissor, e rápido. Porém, não poderia ignorar que Mikasa também era uma Ackerman, e seus genes poderiam ser passados aos seus filhos. Estava em dúvida se ainda queria continuar insistindo em Mikasa, mas a ideia principal sempre foi crianças de sangue puro. De toda forma, teria que averiguar toda a situação que mudou, com os conselheiros, o governo central, e os militares envolvidos, como o general Darius Zackly e os outros comandantes.
Mikasa balançou a perna debaixo da mesa ouvindo a conversa dos dois. Primeiramente estava disposta a descobrir as verdadeiras intenções de História com aquele jantar. O toque das mãos, foi o suficiente para que desconfiasse de alguma coisa, os olhares de História para Levi apenas reforçou que não era um simples jantar. Para começar, nem deveria estar ali. Não foi convidada por ela.
–Capitão Levi, podemos conversar no meu gabinete, as sós? –História passou o lenço no cantinho da sua boca.
–Podemos.
–Mikasa, espero que não se importe. –História sorriu, travessa. –Não que você vai mesmo se importar de me emprestar o Capitão Levi um pouco, não é?
Mikasa segurou o garfo e a faca com força colocando as mãos em cima da mesa. Suspirou profundamente, acompanhando os dois se levantarem da mesa, saindo para algum canto. Mordeu sua bochecha. Não entendia porque estava ficando de fora daquela conversa, e porque estava se importando tanto com isso.
Continuou levando o garfo à boca visualizando os empregados. Ainda se perguntava como chegaram àquele ponto. História estava realmente estonteante, porém, o mais irritante ainda, era a forma que olhava para Levi, e em como denunciava o seu interesse.
Procurou se controlar, escolhendo o copo com vinho, bebendo tudo rapidamente, repetindo a dosagem. Aguardou a volta deles, porém, demoraram demais. Tanto é que a comida toda esfriou. Indignada com tudo, levantou-se da mesa, pensando se iria atrás deles. Mas para quê? Não queria presenciar algo desagradável.
Optou em ir embora. O mordomo a seguiu, mas Mikasa pediu para que ficasse, sabendo onde era a saída.
Abandonou a sala de jantar e desceu as escadarias segurando o vestido para que não pisasse em cima da barra, devido a pressa. Entrou na carruagem, batendo a porta, tendo apenas uma rápida imagem das portas do castelo se fechando novamente. Partiu para sua residência, em Sina. Ao chegar, foi direto para o seu quarto arrancando os sapatos pelo caminho e se colocou debaixo do lençol, se cobrindo dos pés a cabeça.
Fechou os olhos e suspirou, ouvindo os batuques do seu coração. Não queria pensar em nada. Só queria dormir, mas algo lhe consumia e lhe devorava de dentro para fora, sugando toda a sua paz. Seu coração estava apertado. Houve uma mistura de sentimentos que lhe perturbou, ficando em estado de alerta. Por um instante, quis tomar uma atitude, sendo afetada pelo abalo da possibilidade de perdê-lo. Talvez as emoções estivessem lhe cegando ao ponto de querer mesmo, fazer isso.
Encarou o ursinho que estava na sua frente, perdendo a noção de quanto tempo esteve ali, debaixo daqueles lençóis como se pudesse se esconder de si mesmo, e do mundo. Mexeu no lencinho no pescoço, com a ponta dos seus dedos. Ouviu o ranger da porta do seu quarto, e soube que estava aberta. Ficou quieta, apenas escutando. Tudo era silêncio. Aguardou por alguma movimentação. Passos, voz, toque, mas não existiu. Ao invés disso, a porta foi lentamente fechada. Pensou se poderia ter sido Levi, e a hipótese lhe fez empurrar o ursinho para fora da sua cama, que caiu no chão.
Apertou o travesseiro fechando os olhos, sem dar asas para a imaginação, ou vontades ocultas. Agora, só desejou dormir.
Mas como?
&-&-&
No dia seguinte, Mikasa desceu as escadas apressadamente vestindo sua jaqueta no caminho, quase perdendo a hora, mas ainda estava dentro do Horário, pois sempre foi alguém de responsabilidade. Sentou na cadeira, tomando primeiro o copo de suco, e quase de imediato, ao olhar para frente, notou que Levi não estava lá. Apertou o copo olhando para Elizabeth, com o coração apertado, sufocada com a ideia de Levi não ter voltado da casa da Rainha História.
Como se Elizabeth tivesse percebido as suas indagações, logo respondeu.
–O Senhor Ackerman saiu um pouco mais cedo para o quartel. Disse que era para você ir depois.
–Entendi, obrigada.
Mikasa quebrou com as mãos as torradas, levando os pedacinhos na boca. Terminou rapidamente, e passou para o docinho de banana colocado em um cantinho do prato. Comeu vagarosamente, pedacinho por pedacinho, saboreando, como se estivesse no céu, mas sentiu que não degustou como gostaria.
–Elizabeth, tem mais docinhos?
–Tem sim. Vou pegar para você.
Elizabeth foi no armário e tirou de lá um pontinho pequeno de vidro, com mais 3 docinhos. Abriu, e colocou um no prato de Mikasa.
–Me dê todos. –Pediu Mikasa. Não faria sentido guardar, se poderia comer antes que estragassem.
Elizabeth colocou os últimos docinhos no prato de Mikasa, e deixou o vidro em cima da pia para lavar depois. Mikasa saboreou o seu segundo docinho, amassando a embalagem. Sua curiosidade girava em torno de uma coisa, que nunca quis perguntar, até agora.
–Esses docinhos são muito deliciosos, Elizabeth. Como você faz?
–Não sou eu que faço. –Elizabeth deu um sorrisinho, aguardando Mikasa terminar para retirar a mesa.
–Não? –Levemente surpreendida, Mikasa cogitou uma segunda opção. –Então onde você compra?
–Também não sou eu que compro, Senhorita.
Mikasa comprimiu os lábios com uma leve expressão confusa, olhando fixamente para Elizabeth. –Bom… –Ela franziu a testa. –Se você não compra, e nem faz, de onde vem todos esses docinhos?
–O Senhor Ackerman. Ele sempre sai toda manhã bem cedinho, antes de você levantar, e compra para você.
Mikasa que mastigava o seu docinho parou, com o seu olhar contínuo em Elizabeth. Seu coração palpitou, banhado por uma sensação boa, e qualquer movimento naquela cadeira, parecia lhe derrubar no chão de perplexidade. Como poderia ser logo, ele? Nem se quisesse poderia acreditar nisso. Não fazia em nada o perfil do Capitão Levi.
–Tem certeza?
–Absoluta. Ele faz isso todos os dias.
Mikasa se levantou da cadeira perguntando-se como Levi poderia saber que o seu docinho preferido era aquele, se ela nunca comentou. O único que sabia disso era Eren, e mais ninguém.
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