Região da Sicília – Itália.
3:12 da madrugada
Com dificuldades, a mulher tentava se livrar da jaqueta de couro. A peça de roupa trazia consigo vários rasgos e furos, ocultando na cor escura a sujeira tanto de terra quanto de sangue. A madrugada havia sido, digamos, complicada. O importante é que agora Katarina se encontrava em casa.
Estava dolorida e qualquer movimento, por mais simples que fosse, doía suas estruturas. As mãos de sua esposa a ajudaram com cautela, finalmente libertando-a daquele maltrapilho. Agora o colo que tanto adorava marcar estava exposto junto com hematomas que se espalhavam na pele caucasiana da mulher ferida.
— É por isso que prefiro pistolas. — Reafirmou o que sempre advertia à outra.
Katarina revirou suas írises de tom esmeralda; já sabia bem o que a esposa lhe diria quando a visse no estado deplorável em que se encontrava. E mais uma vez, acertou. A gaze bebericada com antisséptico encostou levemente no lábio cortado da russa, fazendo com que a mesma grunhisse incomodada. Agora que a adrenalina em seu corpo havia diminuído, a eslava pôde realmente sentir o estrago de sua recente missão: lidar com um grupo de traficantes italianos.
E não, a Du Couteau não fazia parte, se é que existia, do lado dos mocinhos. Na verdade, era considerada uma das melhores mercenárias do ramo oculto e, sendo sempre fiel às ordens recebidas de seus superiores, apenas executava o que lhe era imposto. E sem perguntas.
— Foi só um detalhe, querida — o sotaque russo se pronunciou junto com um sorriso insolente — que nem o seu incidente do mês passado.
Miss Fortune entendeu as provocações da mulher fazendo referência às feridas já cicatrizadas em sua pele, produtos de uma missão quase fatal. A espanhola aproveitou para pressionar com mais força a lesão nos lábios da esposa.
— Porra, Sarah... — reclamou mesmo sabendo que aquela atitude era bem prevista vindo da amada.
A euro-latina sorriu vitoriosa agora levando sua atenção para os cortes no ombro da outra. Era uma pena ver aquelas feridas na mulher e que não havia sido ela quem as fez. Malditos!
É, ser casada com uma mercenária tinha as suas desvantagens como ela aparecer no meio da madrugada toda ferrada. E a vantagem? Bem... não havia vantagens.
Mas Fortune não poderia reclamar, já que a regra também se aplicava a ela mesma quando o assunto era arriscados serviços secretos.
Ah...
E pensar que se conheceram em umas dessas perigosas missões...
~
6 anos atrás...
Mansão do Senador, Praga - República Tcheca.
Desativava o sistema de segurança enquanto os convidados se distraíam nas futilidades daquele evento. A missão era simples: roubar uma peça valiosa antes do leilão e matar furtivamente um político cercado de seguranças.
Seria como tirar doce de criança...
A ruiva de um vermelho intenso voltou a se concentrar na etapa do momento. E puxando o fio certo, ela silenciosamente desligou os alarmes. Em modo sorrateiro, passou pelos corredores da enorme mansão, sempre oculta dos olhares dos seguranças que perambulavam pelos ambientes do andar superior.
Havia muitos homens armados; se a situação saísse do controle, a coisa ia ficar bem feia... para eles, é claro! Ainda assim, preferia prevenir-se. Chega de cicatrizes que podem ser evitadas.
No caminho do aposento que procurava, contudo, a assassina se deteve ao olhar, desde a sacada interna da mansão, alguém no salão aberto do andar de baixo onde os convidados estavam. Não pôde evitar perder alguns segundos de sua vida admirando de cima aquela mulher que roubava os olhares de todos.
Trajava um belo vestido lilás com detalhes brilhosos que se acomodava perfeitamente em suas curvas definidas. Um colar de pérolas adornava o colo exposto, chamando a atenção para logo mais abaixo: o farto par de seios sustentados pela vestimenta tomara que caia. A mulher de idade similar exalava puro charme e a russa mentiria se dissesse que não havia ficado interessada.
“Foco, Katarina”, voltou a se concentrar no que realmente lhe importava.
Sem ser vista, alcançou o quarto onde estaria a sua relíquia; tudo sem derramar uma gota de sangue que não fosse do seu alvo. O dia não poderia estar melhor...
Tomou posse do objeto exposto em uma vitrine, guardando-o em suas vestimentas. Sem os alarmes, o seu roubo tornou-se célere e fácil. Agora tinha que achar um modo de acessar o político fortemente escoltado e matá-lo.
Escutou vozes; uma masculina de tom muito grave, e outra feminina bem sensual... Katarina poderia identificar o timbre e sotaque espanhol, que não fazia questão de ser reprimido, ecoando pelos corredores até chegar no cômodo em que estava. Aquela voz era uma bela melodia...
Apressou-se para se esconder quando percebeu a aproximação do casal. Eles adentraram no quarto e, apesar da pouca iluminação do ambiente, Katarina pôde reconhecer aquelas presenças ilustres: Era a bela mulher que vira minutos antes chamando a atenção de todos do salão só com a beleza... E acompanhado dela, estava simplesmente o alvo da russa fechando a porta atrás da convidada, livre de toda a rígida equipe de segurança que o rodeava.
“Só pode ser piada”, a mercenária sorriu em pensamentos ao perceber que a sua missão estava cada vez mais ridícula.
Foi obrigada a ver o homem mais velho tocar na bela mulher, encostando-a na parede mais próxima. As mãos masculinas estavam afobadas, apalpando a invitada que lhe roubara a sensatez desde que pisara em sua mansão.
Katarina cogitou matar os dois pombinhos aparentemente ocupados, o que seria um belo desperdício em sua opinião. Contudo, antes que a russa pudesse agarrar as adagas presas em suas costas, ouviu o característico ruído de tiro abafado com um silenciador.
O corpo do homem caiu duro no chão, logo tendo o seu sangue absorvido pelo tapete debaixo de si.
A mercenária arregalou os orbes verdes, ainda escondida na sombra de uma cortina, olhando agora em direção à outra ruiva com as costas apoiadas na parede. A mulher de vestido assoprou o cano da arma dourada em sua mão, esboçando um semblante satisfeito.
Katarina poderia matá-la ali mesmo, mas ficou mais intrigada no porquê a espanhola havia tirado a vida do seu alvo... Será que o político tinha mais inimigos além da agência em que a eslava trabalhava?
“Acredita que ele tocou nos meus seios?!”, o sotaque espanhol ressoou pelo quarto em silêncio. “Mesmo eu dizendo que podia. Rá!”, riu se divertindo da inocência do homem. “Tentou a sorte, coitado”.
A mercenária novamente se surpreendeu. Será que a outra mulher sabia de sua presença naquele cômodo ou estava falando sozinha porque era louca mesmo?!
Fortune abaixou-se para apalpar o terno do político, nem se importando em manchar as suas longas luvas brancas de vermelho. Puxou a carteira do mesmo encontrando finalmente o que procurava. Levantou-se e andou uns passos até alcançar a parede no fim do aposento. Sorriu aliviada depois de analisar um quadro pendurado, retirando-o para revelar o cofre que buscava.
“Nem sei como te agradecer, pois me poupou um trabalho com esses alarmes”, comentava despreocupadamente enquanto digitava os códigos no painel do cofre. Graças a informações privilegiadas, ela sabia que os números certos estavam na carteira do homem morto.
É, ela realmente tinha noção que Katarina estava no mesmo ambiente. Então a russa resolveu se revelar na escassa luz da lua na qual atravessava a grande porta de vidro que dava para uma sacada com vista para a piscina.
“Me dá um motivo para não enterrar uma adaga em sua bela...”, pausou enquanto seus olhos propositalmente passearam dos pés à cabeça da espanhola “...garganta”, completou em descaro.
Fortune bufou em tédio. Por que nunca escolhiam a maneira mais fácil?!
“Eu sou muito linda para morrer?”, palpitou levantando a barra de seu vestido longo.
Não era um argumento válido, mas Katarina distraiu-se ao presenciar a outra mulher subir sensualmente aquele tecido, revelando gradualmente a meia calça por debaixo dele. Pôde ver o contorno das pernas da espanhola mesmo cobertas pela fina tela preta. Que bela visão...
Fortune então guardou o pequeno objeto roubado do cofre aberto em um coldre preso em sua coxa. Sorriu ao perceber a hipnose de seu corpo sobre a mercenária.
“Vai ser o nosso segredinho”, relatou com o indicador na frente da própria boca, usando um batom de mesmo tom que suas madeixas. O dedo logo deslizou, dobrando e arrastando intencionalmente seu lábio inferior. Aquilo foi sexy...
A espanhola fez questão de deixar claro que havia curtido a presença da outra ruiva que exalava perigo e beleza tanto quanto ela. Logo voltou-se a se concentrar em seu objetivo maior: roubar.
“Pensei que você só roubasse atenções... eu me enganei”, Katarina ironizou as atitudes gatunas da euro-latina. “Para quem você trabalha?”
“Eu trabalho para mim mesma”, virou-se analisando a mercenária por inteira. “Diferente de muitos por aí”, alfinetou.
E ao se dar conta finalmente de com quem estava falando, Miss Fortune admirou-se voltando a continuar com a palavra:
“Espera... Sotaque russo, adagas, e uma cicatriz no olho...”, comentava em rápidas constatações. “Você é a mercenária daquela agência do leste”, concluiu.
A fama de Katarina era notável por seus grandes feitos. E quem entendia o mínimo de agências secretas, saberia reconhecer aquela ilustre assassina.
“Mulher esperta. Gostei”, trocaram sorrisos tendenciosos. A Du Couteau então apontou para o corpo no chão. “Você sabia que ele era um político poderoso e que em alguns segundos vão abrir essa porta porque não acreditam que ele aguente uma gostosa por mais de dois minutos?”
Miss Fortune levou o olhar para o cadáver que ela mesmo havia feito. Analisou-o de longe, e no fim deu de ombros.
“Ops”, fingiu arrependimento.
E então batidas na porta confirmaram o que a eslava havia previsto. Hora de vazar.
Katarina abriu a porta de vidro para fugir pela sacada; porém, antes que pudesse se meter pelos telhados da mansão, percebeu a hesitação por parte da espanhola que preferiu dar-lhe as costas para mirar na porta que em breve seria derrubada por seguranças. Agora ela estava com duas pistolas idênticas, uma em cada mão.
Confusa, a indo-europeia ergueu uma sobrancelha. A agente parecia estar determinada a encarar um bando de homens armados, diferente da mercenária que já estava com um joelho flexionado sobre o corrimão da varanda.
“Isso já é loucura”, a russa alertou.
“Eu entrei pela porta da frente, e vou sair pela mesma”, justificava-se despreocupada. “Se chama código de etiqueta, querida”.
O comentário fez a eslava sorrir. “O que tem de linda, tem de maluca”, refletia admirada.
“Espero nos encontrar mais vezes, hermosa”, Fortune despediu-se com uma piscadela antes de abrir a porta e executar quem estivesse em seu caminho.
~
2 anos atrás...
Em algum lugar da Croácia.
A bagunça estava feita, mas não completa. E, se dependesse de Katarina, a coisa iria ficar ainda mais horrenda.
O homem desferiu um tapa forte com o dorso da mão, fazendo o contato de seu grosso anel abrir um corte na pele da mulher. Sangue escorreu do delicado rosto espanhol à medida que suas mandíbulas pressionavam em raiva.
Então o robusto homem coçou a barba rala enquanto observava a linda mulher se contorcer em dor com os pés e mãos atadas. Não satisfeito, chamou um subordinado que imediatamente se colocou ao lado de seu líder.
“Nada ainda?”, perguntou impaciente.
“Não, senhor”, negou prontamente.
Em um respiro profundo, o chefe dispensou o subordinado com um gesto; pensou que seria mais fácil. Tinha tido muitas baixas em seu grupo de mercenários antes de conseguir capturar a pistoleira. Já poderia ter dado fim à bela ruiva, mas então a esposa dela nunca apareceria... e ele precisava das duas.
“Pelo jeito, a sua mulher não quer cooperar... é uma pena que vou ter que mandar um recadinho seu a ela”, comentava enquanto buscava um dos facões penduradas na parede do cativeiro.
Por um descuido e breve distração em ir buscar a grande arma branca pontuda, o líder do grupo ouviu um objeto cortar rápido o ar atrás de si, em seguida atentando ao barulho de algo caindo no chão. Olhou para o lado para constatar que um de seus subordinados estava morto com uma pequena faca cravada no centro da testa.
Outro ruído rápido, outro corpo no chão. E assim se repetiu até sobrar somente ele de pé.
Aquilo significava que ela estava perto. Muito perto! O coração do homem disparou ao notar que agora estava só, mesmo sem ainda entender como ela havia passado por todo o seu grupo fortemente armado que a esperava do lado de fora, sem praticamente nenhum arranhão e somente com respingos manchando sua pele e roupas de sangue que, com certeza, não eram dela.
Não, não era possível...
“Merda!”, praguejou ao sentir a fria lâmina pressionar contra um músculo do pescoço. Estar com o facão em mãos já não adiantava... Ele absolutamente seria o próximo a ser eliminado.
“Isso é por ter encostado no que é meu!”, alegou dando um golpe fatal na jugular do filho da puta.
O indivíduo não teve chances e seu corpo, assim como os outros, caiu morto em um baque seco. Finalmente havia acabado. A russa limpou suas lâminas na roupa da última vítima e em seguida ergueu o olhar para fitar a amada esposa com um semblante nada contente.
“Porra, amor... Demorou, hein!”, as palavras de Sarah soaram ríspidas.
“Perdão, amor”, desculpou-se já desatando as amarras em volta dos pulsos e tornozelos da ibérica. “Tinha mais gente no caminho do que eu havia imaginado”.
Limpou delicadamente o sangue que escorria da face de Sarah antes de depositar um selinho demorado em seus lábios. Sorriram apaixonadas.
Levantando-se da cadeira, Fortune observou o estrago que sua linda esposa havia feito naquele lugar. Desejou nunca precisar brigar para valer com aquela mulher.
“Nossa, mi amor... assim você me excita”, relatou pousando um olhar carregado de luxúria nos orbes esmeraldas a sua frente.
“Jura? Você precisa ver como está lá fora então.”, sorriu convencida. “Vamos?”, estendeu uma mão para tirá-la dali.
“Espera”, pediu puxando delicadamente a mão oferecida da russa. “Você demorou tanto que talvez eu tenha ficado com saudades”, abaixou o timbre, enlaçando seus braços no pescoço da assassina.
Na verdade, só haviam ficado separadas por menos de quatro horas. Porém, foi tempo o suficiente para sentirem abstinência. Katarina sorriu retribuindo às intenções da esposa. Ela sabia bem o que aquele tom de voz da espanhola significava...
~
Região da Sicília - Itália
Atualmente.
Quatro anos. Esse era o tempo que haviam trocado alianças em um casamento íntimo. Poucos sabiam e, mesmo assim, a notícia se espalhara no meio secreto, deixando o casal famoso tanto quanto as suas separadas façanhas. Não trabalhavam juntas, apesar de se encontrarem com frequência nas missões, e por sorte seus interesses nunca haviam se chocado... até agora.
Em uma reunião de trabalho, Katarina soube qual seria o seu próximo alvo: matar uma agente secreta autônoma que andava causando estragos às ambições da agência do leste.
A notícia não poderia ser pior, apesar da indo-europeia ter suficiente noção que esse dia chegaria. Suspirou melancólica antes de entrar em casa, longe já há meses. Estava com saudades de sua esposa, mas vê-la significaria também perdê-la... E infelizmente, não poderia desfrutar de mais tempo para pensar ou até mesmo fugir.
Adentrou à magnífica casa que haviam comprado juntas com dinheiro de trabalhos sujos. A mansão tinha vista para o mar mediterrâneo e a visão era ainda melhor quando transavam no entardecer sobre a cama localizada em frente à enorme janela para a encantadora paisagem.
As mulheres se cumprimentaram em um aconchegante abraço. Em silêncio, ficaram envolvidas por mais tempo que o esperado.
— Eu vou tomar um banho, amor. Me espera?
— É claro — abriu um sorriso meigo — Vê se não demora, mi amor.
Selaram um beijo rápido e logo o sorriso de Fortune sumiu quando a parceira lhe deu as costas, desaparecendo pelos corredores da mansão.
...
Já banhada, Katarina sentou-se — a pedido da esposa — na cadeira da mesa de jantar. Fortune levantou uma bandeja que cobria o prato com uma refeição pronta.
— Eu fiz para você — relatou sorridente.
— Parece muito bom, amor — mentia — mas estou sem fome... Eu comi no avião.
— Mas que pena... — fez biquinho em decepção.
Katarina também simulou tristeza. A verdade era que sua esposa não sabia — e nem gostava — cozinhar porra nenhuma.
— É uma pena mesmo — deslizou o prato pela mesa, afastando-o de si — Acho melhor dar para os gatos de rua.
— Nem pensar — empurrou de volta o recipiente colocando-o na posição inicial — eu fiz com muito carinho para a minha linda mulher. Anda, experimenta. — Impôs em tom firme a última frase enquanto dava a volta para se sentar na cadeira do lado oposto à esposa.
Katarina fingiu felicidade com a insistência da outra. Havia algo de errado... muito errado. E conhecendo a mulher que tinha, ela provavelmente estava com uma pistola debaixo da mesa. Assim como Katarina estava com adagas presas em várias partes da roupa... e Sarah também previa isso.
Ela já sabia...
As duas se fitaram de longe com sorrisos disfarçadamente desafiadores. A Du Couteau não obedeceu à amada, deixando Fortune um pouco frustrada. Inquieta, a ibérica voltou a se levantar, agora alcançando a adega com várias garrafas especiais ali guardadas.
— Vai negar um vinho lacrado também? — Fortune provocou sonsa após escolher a bebida para a ocasião.
Katarina maneou a cabeça em sinal de que dessa vez aceitaria o que a outra ruiva tanto lhe insistia.
— Eu sabia que esse dia chegaria, mi amor — comentava inalterada enquanto girava o saca-rolhas sobre a garrafa — Eu até já pensei em te matar enquanto dormias, mas confesso que... eu não conseguia.
Katarina ergueu uma sobrancelha com a revelação despreocupada da esposa. E é claro que tinha total noção de que poderia morrer a qualquer momento pelas armas de Sarah, principalmente quando estava relaxada e indefesa depois de um intenso sexo. Mas era exatamente o que tornava tudo ainda mais gostoso...
A euro-latina serviu a bebida na taça da russa, curvando-se sensualmente ao lado da mulher recém-chegada de viagem. Era muita ousadia ficarem tão próximas depois daquela confissão e, mesmo assim, Sarah pareceu não se importar com o perigo. Nenhuma delas se importava, na verdade.
A espanhola retornou, mais uma vez, para o seu lugar. Serviu-se do mesmo vinho e então voltaram a se encarar, ambas deslizando seus indicadores pela borda circular de suas taças.
— Um brinde ao nosso casamento, mi amor — cínica, Fortune ergueu a copa.
Katarina sorriu. A eslava estaria mentindo se dissesse que não gostava do jeito ácido da esposa. Ela adorava. Retribuiu ao brinde feito pela ibérica, e as duas finalmente provaram do líquido envelhecido.
Parecia estar tudo bem, tudo tranquilo... Contudo, bastou o casal pousar sincronicamente as taças sobre a mesa para tudo desandar.
E em um movimento rápido, ambas se levantaram apontando suas armas uma para a outra. Separadas apenas pelo comprimento de dois metros da mesa, elas agora se fitavam profundamente. Já poderiam ter atirado naquele mesmo momento, ou até antes, mas não... preferiram, por coincidência, postergar a atitude extrema. Encaravam, o que poderia ser a última vez, os imersivos orbes de cada uma a sua frente.
— Eu sou o seu alvo atual, né?! — Sarah afrontou em um sorriso de lado.
Os músculos de toda a extensão de seu membro superior direito estavam tensionados. O tendão de seu indicador encostado no gatilho da pistola estava pronto para qualquer mínimo movimento que a outra poderia dar.
— Sim — afirmou sem nem pestanejar.
Os lábios da agente autônoma se curvaram ainda mais com a resposta fria da parceira, logo dando lugar a uma risada característica.
— E por que está demorando, Katarina? — provocava ainda sorridente — Você é mais rápida que isso, mi amor.
— Porque eu não quero fazer. — Confessou sem desviar dos celestes da espanhola.
As mãos da russa então relaxaram, abaixando as adagas que miravam a outra mulher. Em seguida, deixou os objetos pontudos caírem no chão em sinal de rendição, dando total vantagem à espanhola.
Desde quando ela deixava de obedecer aos seus superiores?
Incrédula, Miss Fortune ergueu uma sobrancelha.
— Por que não? — questionou confusa.
— É simples, amor — deu de ombros agarrando a taça de vinho próxima. Com movimentos suaves de sua canhota, ela misturava o líquido em ondas antes de levá-lo novamente até a boca, tragando-o tranquilamente — eu não vou matar a minha esposa.
— Se não fizer, eles virão atrás de nós duas — observava-a pousar novamente a copa sobre a mesa — E você sabe muito bem disso.
— Por isso acho que devíamos... — comentava enquanto andava a passos lentos até finalmente alcançar o rosto de sua amada, ignorando a arma apontada para si — ...aproveitar.
Então é isso. O dia realmente havia chegado. Miss Fortune tinha duas opções: matar a parceira ali mesmo e tentar fugir, mesmo sabendo que seria pega por outros mercenários que provavelmente a estaria esperando caso Katarina não cumprisse com a missão; ou simplesmente ceder e aceitar o seu destino ao lado da amada...
E apesar das opções, nenhum resultado tinha um bom final. Não para ela.
— Vamos lá, querida. Por que me poupar? — insistiu.
— Se eu te matar, meu bem — levou suas digitais para acariciar a pele macia a sua frente — eles mesmo assim vão depositar uma bala em minha testa. Eu não sou idiota.
Katarina tinha razão. Seus superiores não a teriam dado essa ousada ordem se não fosse somente para facilitar o trabalho deles... E não importava o quão prestativa a mercenária era; todos, sem exceção, tornavam-se descartáveis.
Sarah passou a mão livre no próprio cabelo, tentando ingerir rapidamente todas aquelas informações que ela, no fundo, já havia refletido e, outrora, imaginado todas as possibilidades finais de um casamento com uma mercenária.
Suspirou.
Decidida e sem mais tempo a perder, Fortune pousou a arma sobre a mesa para poder avançar nos conhecidos lábios que a esperavam.
O beijo era sedento e necessitado, ambas tendo noção de que seria o último delas. Subiram apressadas até o ninho de amor do casal; queriam finalizar sob a luz do luar e a canção das ondas do mar.
...
Despidas sobre a cama, os corpos se envolveram em um abraço quente, buscando o contato entre suas intimidades. Gemeram ao se encontrarem finalmente, ambas fazendo questão de estreitarem o máximo possível tanto as suas vulvas quantos os seus seios.
Sentir a esposa assim tão próxima, levava a espanhola à loucura. Friccionavam-se embaixo enquanto as línguas dançavam a melodia de sempre e que tanto adoravam. Podiam sentir o aroma e sabor do vinho seco que ambas degustaram minutos antes, deixando o ato ainda mais lascivo.
Katarina afastou-se para poder descer a boca pelo corpo da amada, alcançando o que tanto desejava. A saliva da russa se misturou à lubrificação da esposa, agora mais estimulada do que nunca, passeando a língua por todo o conjunto de estruturas que formava parte daquela intimidade.
Miss Fortune arfava com o toque ousado da víscera oral em sua vulva. A destra espanhola se enroscou nas madeixas vermelhas da esposa entre suas pernas abertas enquanto a canhota se segurava no lençol debaixo de si. Poderia pedir para parar antes que gozasse, mas não tinham o tempo ao seu favor. Então, com um gemido profundo, Sarah permitiu-se terminar ali mesmo, na boca da amada.
...
As falanges ibéricas deslizavam pela cavidade da eslava. O êxtase de ser tocada uma última vez por sua esposa era imensurável. Katarina gemia com afinco, e aquilo só excitava ainda mais a mulher, mesmo já satisfeita, que lhe estocava em movimentos de vai-e-vem.
Em seu ápice, a russa estreitou ainda mais o contato entre seus corpos, logo se desmanchando nos dedos que tanto a estimulavam. Sarah pôde sentir as contrações vaginais da esposa em volta de seus dedos embebedados pelo gozo da mesma.
Ofegantes, perderam-se mais uma vez nas írises que tanto amavam. Agora estava mais perto do que nunca de se separarem para sempre. E depois de tantas vidas que haviam tirado, preferiram aceitar seus destinos juntas.
Pressentiram presenças se aproximarem da casa; eles haviam chegado. O casal suspirou triste, mas conformado. Miss Fortune pegou dois frascos pequenos, preenchidos por um líquido quase incolor, na mesinha de apoio ao lado. Entregou um deles para a amada enquanto se deteve com o outro.
Ouviram os vidros da sala serem rompidos, acompanhados em seguida de passos dentro dos ambientes. Naquela situação, eles não precisavam ser nem um pouco sutis.
“É a nossa deixa”, a russa afirmou erguendo o frasco. “Eu te amo”, declarou-se mais uma vez como sempre fazia em todos esses anos de união.
“Também te amo, mi amor”, replicou verdadeira imitando o gesto da amada.
...
Adentraram, com armas carregadas, no quarto do casal. A brisa tranquila atravessava a janela aberta com a bela vista noturna para o mar, movendo suavemente as cortinas de tecido suspendidas no suporte acima.
Roupas espalhadas pelo chão, travesseiros fora do lugar, lençóis desordenados e... dois corpos abraçados na cama.
O líder do grupo de mercenários enviado escutou seus chefes perguntarem algo pelo dispositivo auricular do homem. Colocando a gema do indicador no ponto acomodado em seu ouvido, ele então relatou a situação para os seus curiosos superiores.
“Está morta...”, o mercenário garantiu. “E, de certa forma, ela cumpriu a missão”.
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