- Lady Sigyn, aonde você vai?
Os longos cabelos são penteados para trás, juntando-se em uma grande trança de fios loiros escuros. Ela observou-se com seus expressivos olhos azuis em um grande espelho oval e aprovou o que vê com um sorriso. Passou a mão mais uma vez no seu vestido, assentando os babados, e observa-se mais uma vez. – Irei aos jardins reais, Ingrid. Por favor, avise mamãe que não me demorarei.
A serviçal, uma donzela, olha para a jovem com olhares de aprovação enquanto juntava a roupa suja em um grande cesto. Sigyn era uma das jovens mais bonitas do reino, sua boa aparência já rendeu alguns contratempos com os rapazes tanto de Asgard quanto de Vanaheim.
Ingrid disse em voz baixa: – O príncipe Loki já está lá.
Sigyn olha de soslaio e um sorriso despontou em seus lábios. – Eu sei – disse num sussurro malicioso. – Volto em breve! – e saiu pela porta apressadamente.
- Sua mãe vai ficar muito zangada – disse a serviçal a sós, enquanto se olha no espelho, e sua imagem não lhe agrada: cabelos muito claros, quase brancos, sardas nas bochechas e olhos muito azuis. Dá de ombros e dirige-se para os outros quartos daquela ala cantarolando.
Ingrid não era uma serviçal exclusiva de Lady Snotra e de sua filha, Sigyn. Ela servia a ala sul do palácio junto com outros, recolhendo a roupa, trazendo-a de novo, pequenos serviços condizentes para alguém tão jovem. Havia somente duas serviçais a serviço delas, que lhe cabiam somente servi-las na hora do banho, nas vestimentas e nos cabelos em tempo de festa. Somente o rei e a rainha tinham serviçais exclusivos em tudo, da mais alta confiança. Confiança moldada por feitiços e runas descritas em cada canto dos aposentos. Um dos deveres dos serviçais reais era experimentar a comida do rei e da rainha toda vez que lhes era servida.
Os aposentos de Snotra eram elegantes, como de todos os nobres que moravam no palácio. Possuíam uma sala de tamanho considerável com uma lareira que deixava o ambiente bem confortável. Os dois quartos que existiam estavam dispostos em lados opostos, todos com varanda ampla. Um grande quadro postava-se acima da lareira, e era do falecido Björn, o antigo general de Asgard, pai de Sigyn. Esta era muito parecida com ele, e quando ele era vivo Björn não escondia sua predileção por ela. O general não tivera filhos homens e toda sua atenção ia para a filha mais nova, que se interessava por velhas histórias de guerra e os feitos de seu pai. Ainda criança ele a treinou, à guisa de brincadeira, no manejo com adagas e espadas. Sua morte trouxe grande sofrimento a ela, e Sigyn, no dia que seu pai foi enviado ao grande mar e cremado, escondeu-se nos estábulos reais, chorando copiosamente. Sua única companhia, além dos cavalos, foi Loki, que a achou logo após seu sumiço. Ela lembra quando ele veio sem dizer nada, um menino franzino com olhos brilhantes, sentando-se ao lado dela e pegando em sua mão. A chuva que caía lá fora abafou todos os ruídos da dor.
A vista do quarto de Sigyn dava para o grande mar e diversas vezes ela perdia-se em contemplação enquanto pensava em seu futuro. Ela havia consultado há algum tempo uma feiticeira, que estava de passagem por Asgard, na vila de Simek, onde sua irmã mora com o marido. Sigyn estava de visita quando soube da presença da feiticeira adivinha e logo quis se consultar com ela. Apesar dos protestos de sua irmã, Lady Alda, acabaram as duas indo até uma praça onde a bruxa se estabelecera. Ambas vestiram uma capa com o capuz cobrindo o rosto, ocultando-se dos curiosos.
-Senhora, queremos consultá-la sobre o destino de minha irmã, – disse Alda apontando para a jovem ao seu lado. Após o pagamento, Sigyn foi deixada à sós com a feiticeira, que pediu para Sigyn sentar-se próxima a ela. Olhando bem nos olhos da jovem, ela pegou em sua mão e começou a traçar linhas imaginárias na palma e Sigyn percebeu que ela estava tracejando runas. – Muito bom, menina, muito bom, – falou com sua voz limpa e segura – Você será muito feliz, mas demorará um pouco, eu temo. Será muito amada e irá se tornar rainha, ao final.
Essa profecia nunca deixou Sigyn de tudo. No começo sonhou muitas vezes com ela e Loki, ele tornando-se rei com ela ao seu lado. Eles desfilando por toda Asgard, coroados e felizes. Mas seu coração se contorcia com as implicações disso. Loki rei? E quanto a Thor? O que aconteceria a ele? Ela sabia que pensar dessa forma era traição ao príncipe, e, se não fosse por isso, que fosse por deslealdade ao seu amigo. Nunca cogitou outra possibilidade, de ser esposa do próprio Thor, ou Theoric, um dia, ser rei de Asgard. Ela só via Loki como probabilidade. Dia a dia foi retirando esse desejo de ser rainha em sua alma, mantendo a outra profecia, a que seria muito amada. Loki a amaria, finalmente? Todos os dias ela observava o segundo príncipe, não achando nada que indicasse isso e se martirizava por não ter perguntado mais nada a bruxa. Não houve outras passeando pelas vilas, agora elas eram raras em Asgard. O rei Odin não gostava de feiticeiros estrangeiros, eles eram perigosos visto que não se conhecia a natureza deles e sua fidelidade ao reino, e estavam se tornando frequentes. Por esse motivo, a guarda real vistoriava muitas vezes as vilas em busca de algum visitante não autorizado. Com a campanha feita pelo rei, o próprio povo começou a denunciar a vinda de algum. Às vezes, os guardas tinham que agir rápido para evitar algum confronto ou mesmo linchamento.
E, então, a jovem Sigyn manteve a esperança de um dia ser amada por Loki. A bruxa não ia mentir, ia? Ser prometida a Theoric e casar-se com ele assim que ela alcançasse a maioridade era uma tolice de sua mãe. Ninguém poderia ir contra o destino, Norns o sabem. Ninguém.
~o~
O tempo estava agradável, uma brisa fresca soprava embalando as folhas das árvores e um murmúrio suave saía delas. Loki encontrava-se pensativo enquanto observava a lagoa do jardim real. A vista era magnífica e havia um chafariz próximo, com uma estátua de serpente ao meio e a água esguichava de sua boca. Alguns peixes e serpentes surgiam na lagoa, reaparecendo e desaparecendo periodicamente. Se alguém ficasse tempo suficiente, poderia vislumbrar outras criaturas estranhas nas águas, não catalogadas pelos estudiosos de Asgard. Fileiras de árvores gigantescas rodeavam os caminhos dos jardins, por vezes os deixando sombrio. Dependendo do ângulo, podia-se avistar o grande mar onde os mortos eram depositados, num horizonte sem fim. Alguns escalavam as árvores para a melhor vista de um pôr-do-sol.
-No que pensa? – perguntou Sigyn com um sorriso radiante, sentando-se perto dele em um dos bancos que ladeavam a lagoa. Ela tinha uma flor em suas mãos e a observava com cuidado. – Não me diga que é sobre sua magia, ou a falta dela, de novo. – Ela ajeita seus cabelos e olha para o amigo. Loki vestia as roupas preferidas dela para ele: um casaco escuro, uma camisa de linho por baixo e calças e botas de couro. Suspiro. – Você sempre poderá fazer poções e eu também sei que você é bom com suas adagas.
-Eu sei que sou bom. – ela revira os olhos. – Mas você não entende. Isso daqui – e ele mostra as pulseiras douradas – é um aviso claro do quanto estou vulnerável. Ah, não tão vulnerável, mas é um indicativo. E sabemos que há pessoas não muito afeitas as minhas... brincadeiras. – Ela revira os olhos novamente.
-Eu disse para você parar, Loki. Não somos mais crianças! – e ela se sente muito velha falando daquela maneira, sente-se como sua mãe. Um arrepio passa em seu corpo. Alguns membros da guarda real passaram por eles, fazendo sua ronda habitual.
Ele se senta ao lado dela, bufando. – Não são criancices, são apenas distrações. Esse reino é muito entediante. Não vejo a hora de acabarem as tutorias, ir para outro reino, Vanaheim, talvez... – e ele tinha um olhar sonhador. Faltava pouco para o término das aulas do príncipe. Loki esperava que seu pai o indicasse para alguma embaixada, Vanaheim ou Alfheim, até mesmo Midgard. Nidavellir(1) era fora de questão, por Norns, como conviver com aqueles seres ridículos?
A voz de Sigyn interrompe seu devaneio: - Você irá mesmo para lá? – E acrescenta, com acento dolorido: - Vai me deixar?
Ele coloca o braço em volta dela, com um sorriso pretensioso: - Você irá comigo, é claro. Talvez você tenha que se disfarçar, vou pensar em um feitiço eficiente. Ou quer ficar e se casar com o gago? Si-Sigyn, me-me dá a hon-honra... – e ele solta uma risada.
Ela soca o braço dele. – Isso, ria da minha desgraça! Você sabe como me ajudar contra ele, de verdade.
-Não! Não vou me casar com você, isso é errado em tantos níveis! – e ele estremeceu. – Você gostaria de ter um praticamente irmão como marido? Isso estragaria sua vida, Gyn.
Não estragaria não... – Eu entendo, Loki. Mas você sabe o quanto minha vida será miserável. Eu acho Theoric repugnante, e não só pela gagueira. Está bem, sobretudo por ele ser gago, mas... eu vejo como ele age, ele é ruim, escorregadio, mentiroso. Eu o vi mentir sobre a amizade com Lady Jenna. Eu não posso, simplesmente não posso.
-Ele é bastante rico, é um dos Conselheiros do reino. Você não terá falta de nada.
Só de você. – Não me interessa riqueza. Loki, por favor... leve-me com você. Não me importa que meu nome seja desonrado. Não me importa o que dirão de mim aqui, em Asgard. Só me leve. Por favor.
Pasmo, ele abriu a boca para responder, mas logo um burburinho crescente aproxima-se deles, risadas altas de homens e mulheres se misturavam. Eram alguns nobres junto ao primeiro príncipe, que ia liderando o grupo em voz alta. Sigyn logo se levantou e quando Thor fica de frente a eles, ela faz uma leve mesura. Loki se mantém sentado, olhando com atenção para suas unhas numa expressão irritada.
-Lady Sigyn, Loki.
-Príncipe. – responde Sigyn, que olha de lado para o amigo indiferente.
-Ele é sempre assim, não? Orgulhoso. – apontou um rapaz loiro, muito bonito, com uniforme guerreiro. – Vamos ver quando você for o rei, Thor.
Loki levanta os olhos com ódio. – Quando isso acontecer, Fandral, estarei bem longe daqui.
Thor olhava fixamente para o irmão e deu uma risadinha. – Nosso pai não deixará você partir, Loki. Conforme-se com isso.
Ele ergue uma sobrancelha: - Precisarei de permissão?
-Sim, irmão, ou não será recebido por nenhuma corte dos reinos amigos.
Uma mulher do grupo, alta, de aparência imponente, bufou. – Não percam tempo com ele. Já não tem nem sua magia, nem nada.
-A magia não me resume, Lady Sif. – Sigyn sentia o ódio emanar do seu amigo e começou a temer. – Tenho outros talentos, gostaria de conhecer?
-Será que teremos um duelo? – disse um homem bastante corpulento e barbudo, tão alto quanto Thor. – Podíamos marcar no nosso campo de treinamento, seria bem interessante ver o que ele poderá fazer.
-Marcado – responde Loki rapidamente.
-Loki! – repreende Sigyn, apavorada.
-Acho que você não deveria ficar aqui sozinha com o príncipe, Lady Sigyn – disse outra mulher ruiva, ornada de bastante joias. – Isso não é apropriado, seu nome já está muito falado na corte.
A amiga de Loki sente seu rosto queimar e antes que respondesse o segundo príncipe intervém. – Se há falatório, certamente há falta de atividades entre nossos diletos nobres. Vou sugerir ao rei algum trabalho para eles.
-Todos já fazem o que lhe é devido – corta Fandral, - ao contrário do príncipe, que sabemos que anda fugindo de suas obrigações.
Loki levanta-se, encarando Fandral, e sua amiga prontamente o agarra pelos braços. – Vamos embora, Loki, por favor.
-Não – contesta Fandral - já que temos muito tempo, como insinuou nosso amável príncipe, vamos duelar. Será divertido!
Thor mantinha-se quieto, observando os amigos e o prosseguimento do conflito. Um sorriso discreto apontava em seus lábios quando olhou para seu irmão e capturou um olhar dele. Loki logo desviou seus olhos. – Vamos agora, - disse o príncipe mais novo. - Sigyn, peço que volte para seus aposentos.
-Não, ficarei com você!
Os outros se entreolharam maliciosamente.
-Sigyn...
-Deixe-a ir, Loki – disse Thor, ainda com o sorrisinho. – Que mal poderá acontecer que piorará ainda mais a situação dela?
-Como ousa dizer algo assim dela, Thor? Ela também é sua amiga! – Loki estava indignado.
-Por ser minha amiga também – e ele olha para Sigyn. – Acho que você deveria cuidar dela melhor. A situação é absurda, irmão, e você sabe disso.
Diversas vezes Loki havia tentado “cuidar dela melhor” ao longo da amizade deles. Ele sabia do falatório pelo palácio, do quanto a sua amiga estava exposta. Sigyn era inocente, e extremamente devotada a ele. Loki sabia no fundo o que era aquilo, mas convencia-se vez por vez que era simplesmente amizade, pura e profunda. Houve momentos em que sua mãe, a rainha Frigga, teve que conversar com ele sobre isso, tentando obter alguma confissão amorosa do filho e, ao perceber que não poderia haver uma, calou-se numa mudez sombria. Theoric era um pretendente paciente, um observador silencioso da situação. As intenções dele eram sólidas e ele acreditava na pureza de Sigyn, apesar de tudo, ainda mais com a garantia de Lady Snotra e também dos curadores de Asgard. Estes últimos fariam um teste pré-nupcial quando chegasse a hora, como ele solicitou veemente à mãe da noiva.
-Loki! Loki!
Uma moça miúda, de cabelos muito brancos, compridos, com diversas tranças em algumas mechas, corria em direção ao príncipe. Ela estava descalça e seu vestido esvoaçava com a corrida.
Quando ela chega perto dele se atira em seus braços, rindo consideravelmente. A jovem cheirava a maçã.
-Idunn, como está? – Loki tenta manter a polidez mesmo com a amiga pendurada em seu pescoço.
-Bem, muito bem! Sigyn, tudo bem? Como vai Theoric? – e ela ri mais ainda vendo a expressão de desagrado da Lady. Ela se volta para o restante: - Thor, você está esplêndido – e o abraçou também, alisando seu braço.
-Como está, Lady Idunn? – pergunta Fandral olhando fixamente para ela.
-Vou bem, ainda mais com meus príncipes prediletos. – e ela joga os cabelos sedutoramente. - Está um dia muito bom, vocês não querem nadar no lago?
-Não é adequado, Idunn. – Retruca Sif, revirando os olhos, extremamente irritada.
-Ah, por que não? Eu e Loki tiraremos toda a roupa, vocês podem ficar com sua roupa de baixo.
-Idunn! – reclama todos ao mesmo tempo.
-Tudo bem, tudo bem! Só eu tiro a roupa! – e segurou no braço de Loki.
Sigyn rolou os olhos e puxou o amigo pra longe da outra. – Vamos, solte o Loki! – e disse em voz baixa para ele: - Nós temos coisas a conversar!
O olhar de Idunn se ilumina. - Oh, sim, vocês vão namorar agora? – com os olhares constrangidos postos nela ela se corrige: - Não?
-Estamos indo! – afirma Sigyn, o puxando levemente pelo braço.
-Oh, sim, – disse Fandral, ainda olhando para Idunn – depois terminamos nossa conversa, príncipe Loki. Será um prazer imenso.
Quando Loki e Sigyn estão voltando ao palácio, em direção à biblioteca, não percebem alguns olhares que observavam o casal de amigos pelo caminho, cochichos entoados livremente e algumas risadas debochadas. Também não percebem um grupo de guerreiros, que estavam reunidos em uma escadaria e olhavam com curiosidade para eles.
-Olha, o príncipe ergi – disse um deles ao grupo enquanto via o casal entrando na biblioteca.
-Com a prostituta particular dele – comenta outro.
-Axel, ele precisa de uma lição. Sem a magia dele está muito mais fácil.
O outro riu. – Sim, só termos paciência. A hora dele chegará.
~o~
-Você me desobedeceu pela última vez, Sigyn! – gritou Lady Snotra no retorno da filha. – Não quero que se encontre mais com o príncipe, isso é uma ordem! Terei que falar com a rainha Frigga, isso é que farei.
-Mamãe...
-Cale-se! – e ela faz um gesto enfadado. – Não terá mais nada com Loki, chega, entendeu? E agora é serio: provavelmente terei que enviá-la para Vanaheim, até que se case e Theoric cuide de você – e ela suspirou exasperada. – Quantas vezes terei que aguentar chacotas por sua causa? Sigyn, você é uma tola! Uma grande tola! Loki não ama você, e é muito mau caráter por manter você assim, tão desonrada! É uma sorte, uma grande sorte por seu noivo não desfazer com você. Penso eu que ele é um homem de grande paciência, graças a Norns! Mesmo ele exigindo, antes do casamento, uma comprovação de sua pureza, ele é um grande homem!
Sigyn segurava uma careta enquanto ouvia sua mãe. Não, não se casaria com Theoric. Seu destino estava com Loki, ela sabia disso. A feiticeira confirmou o que ela sentia, seria amada ainda, era só ter paciência. Sigyn agarrava-se a essa ideia como se sua vida dependesse daquilo. Não podia pensar em outro caminho, não havia, não, seria Loki. Theoric não a teria, nunca a teria.
Por enquanto, deveria manter-se neutra, ouvindo sua mãe submissamente, olhos ao chão, expressão contrita. Sua mente vagava entre os acontecimentos daquele dia. Loki a defendeu. Ele estava chateado com as pulseiras. Ele estava vestindo sua roupa predileta. Pensou nos cabelos negros dele, balançando levemente com a brisa. Lembrou que ele a convidou pra fugir com ele. Sim, fugir! Sem Theoric, sem sua mãe... Ela suspirou profundamente. Ia sentir muita falta dela, oh Norns...
-Está triste, minha filha? Finalmente alguma reação! Pensei que não se importasse, vejo que está amadurecendo! – e Snotra olha com atenção para a filha. – Pense no que falei, muitas coisas mudarão até sua maioridade, e isso é para o seu bem. Agora se retire, vá para seu quarto.
Sigyn estava acostumada com todo discurso proferido. Sua mãe a ameaçava, iria falar com a rainha, iria sair de Asgard, iria tantas coisas. Porém a jovem sabia que sua mãe era temerosa, que nunca enfrentaria a rainha por qualquer coisa, que nunca sairia do conforto do palácio. O que Sigyn deveria fazer é fingir que estava arrependida e tomar mais cuidado com suas saídas.
No outro lado do palácio, Loki pensava em sua situação e na de sua amiga em seus aposentos. Ele tinha um livro em suas mãos, mas as palavras escapavam de seu entendimento. O jantar ainda estava na bandeja, ele não quis jantar com sua família, ainda furioso com Thor.
Ele tinha que falar com ela, contar que só a amava como amigo. Apenas isso. Loki temia que essa confissão acabaria com a amizade, e era altamente provável que isso acontecesse. E ele ficaria sozinho. “Não posso ser tão covarde.” A possibilidade de se casar com Sigyn passeava por sua mente, ela daria uma boa e dedicada esposa. Mas acabaria se estabelecendo em um lugar, criar os filhos, ser um asgardiano respeitável. Loki franziu a testa. Seu desejo de conhecer outros reinos era muito forte em seu coração, ele odiava Asgard.
Ele deixou fugir de sua mente os motivos do ódio, plantando fatos como “povo entediante”, “estúpidos”, “brutais”, entre outros, em seu coração. Era mais fácil assim. Ele podia lidar com esses fatos banais. Vez ou outra a figura de seu pai surgia em seu pensamento, com o semblante carregado e cheio de decepção. Ou de Thor e seu sorrisinho malicioso e arrogante. Balançava a cabeça, como se expulsasse essas imagens. Não, não queria pensar neles naquele momento. Sigyn precisava de ajuda, era nela que devia focar.
Ouve uma batida na porta: era sua mãe, que entrava após se anunciar. Ela se aproxima de seu filho com um sorriso aquecido. – Loki, meu filho, está estudando?
-Minha mãe – cumprimenta ele, com uma leve mesura.- Estava lendo alguma coisa.
-Hum. – ela tenta analisar o título. – Não sabe dizer o que é?
Ele folheia e começa a sorrir. – Acho que não estava prestando atenção.
-Sua comida está intocada. Está sem fome? Preocupado?
Loki balança a cabeça, mostrando que isso era algo sem importância. – Não se preocupe, um dia sem jantar não me fará mal.
-Thor não pensaria igual a você – disse Frigga rindo levemente.
-Ele morreria sem seu javali diário – e sua voz tinha uma ponta de desprezo.
A rainha suspirou: - Eu soube do que houve hoje. Gostaria de me dizer?
-Não houve nada.
Ela pegou em suas mãos, observando-o atentamente. – Conte para mim.
Loki revirou os olhos. – Nada demais. Apenas me desentendi com Thor e seus seguidores.
Frigga arqueia a sobrancelha, aguardando por mais. – Eu não cumprimentei meu irmão e Fandral foi à defesa dele. Tão patético!
-Isso não é adequado a um príncipe, Loki. Você sabe disso.
Ele não responde, suas mãos tornam-se bastante interessantes naquele momento. – O que você tem a dizer, meu filho?
Loki controla-se para não rolar os olhos. – Não foi adequado, minha mãe.
Frigga encaminha-se a uma luxuosa poltrona, acomodando-se nela. – Quando Thor tornar-se rei, Loki, seria muito bom se houvesse cordialidade entre vocês. Certamente você terá uma posição de conselheiro principal no reino de seu irmão e inimizade contra ele não seria produtivo.
Loki dá um sorriso maldoso. – Lembro-me quando o rei dizia que nós dois tínhamos chances ao trono. Agora é tão natural que seja Thor, e nunca mais ouvi nenhuma menção ao meu nome.
-Você gostaria de ter o trono?
-Não! Nunca quis. É só que fui dispensado muito rapidamente.
Ela observou seu filho por uns instantes, como se o avaliasse. – Thor se mostrou mais afável, como todos notaram. Você é um rapaz esquivo, orgulhoso, e não muito popular na corte. Sim, você é tudo isso, mas é meu filho e eu o amo. Você terá seu lugar no reino, mas não será o trono.
Ele se aproxima dela, se ajoelhando a sua frente. – Eu não quero um lugar aqui, gostaria muito de uma embaixada, algo em Vanaheim, Midgard, qualquer lugar. Em pouco tempo a tutoria regular acabará e estarei pronto. A senhora falaria com o pai por mim?
Sua mãe acaricia os cabelos dele, agora com uma expressão dolorida. – Loki, seu pai não permitirá isso. Ele precisa de você ao lado de seu irmão, nós precisamos. Thor necessita de alguém sagaz e de confiança ao lado dele, e esse alguém será você. Não há outro.
-Há Fandral, o servo fiel. Por que não?
-Loki! – exaspera-se Frigga. – Estou falando sério. Fandral será um ótimo general, um dia, mas não é um conselheiro exemplar. Bastará apenas que ele seja bom guerreiro e fiel, e ser fiel já é muita coisa nos dias de hoje.
Ele se levanta e se joga na poltrona ao lado, totalmente desanimado. – Não é possível que ficarei preso aqui, oh Norns.
-Isso não é uma prisão, meu filho, é sua casa!
-E por que sinto que não é?
A rainha congela a expressão, olhando fixamente para o filho. – De novo essa estória?
-Eu ainda sinto, minha mãe. Eu não pertenço aqui, por mais que a senhora e meu pai digam ao contrário. Eu... eu sou tão diferente!
-Não, não, você é meu filho! Loki, pare com essas desconfianças!
Loki bufou, irritado. – Eu nem pareço com vocês, não? Já Thor... é impossível não ver as semelhanças entre vocês. – Ele põe a mão nos cabelos. – Cabelo de corvo. Era assim que me chamavam.
-Você é lindo, Loki, várias moças da corte têm olhos para você.
-Eu não afirmei que não era – retruca presunçoso. Frigga dá um sorriso. – Só queria ser parecido, porque assim, talvez...
-Talvez...?
Ele suspirou. – Nada. Essa conversa está indo para lugar algum.
Ela faz uma pausa, analisando seu filho. -Bom, e falando em moças, nenhuma lhe agrada?
Loki corou. – Não, minha mãe. A senhora já perguntou isso para mim seis vezes.
-Nem mesmo Sigyn?
-Não, – respondeu rapidamente. – Para essa pergunta, foi a oitava vez.
-Loki, eu e seu pai estamos preocupados. Você vai precisar se casar em breve, provavelmente após o casamento de seu irmão.
Ele balançou a cabeça, a irritação a muito custo controlada. Thor se casaria com uma das princesas de Vanaheim, obviamente bela e muito jovem. Estavam só esperando ela alcançar a maioridade para realizar o evento.
-Eu não sinto vontade, minha mãe.
-Não é questão de vontade, Loki. E você sabe que não aprecio esse tipo de resposta. Não vindo de um príncipe.
Loki ajeitou-se melhor na poltrona. Ele não mentia em relação a sua falta de vontade, o segundo príncipe não se interessava amorosamente por ninguém. E isso o fazia sentir-se ainda mais estranho, agora não só entre sua família como em toda Asgard. Thor era famoso por deitar-se com cada jovem bonita que existia. Seus bastardos também eram de conhecimento geral, ele poderia até formar um exército com eles. Mas Loki era reservado. Ele não sentia o desejo ainda. Várias vezes ele se olhou no espelho, analisou seu rosto sem barba, e comparou-se com os outros, com o próprio Thor, que tinha uma barba loira farta, como Fandral ou Volstagg. Ele parecia um menino ainda.
-Desculpe, minha mãe. Mas não estou em condições de responder a isso.
-Seu pai lhe chamará para uma conversa, eventualmente. Espero que tenha mais disposição, sabe que Odin não tolera meias respostas.
-É claro.
Ela se levanta e o beija suavemente na testa. – Boa noite, e não se deite muito tarde.
Ele assente com a cabeça e a vê se retirar. Um suspiro audível é desferido em seu quarto, enquanto Loki remexia suas pulseiras douradas.
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