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História Até o fim (HIATUS) - Cap. 8 - História escrita por Anadiadorim - Spirit Fanfics e Histórias
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História Até o fim (HIATUS) - Cap. 8


Escrita por: Anadiadorim

Capítulo 8 - Cap. 8


Era muito cedo. Uma das serviçais de Lady Laran mexia um tacho de doce na cozinha enquanto outra preparava um cozido de carneiro. Duas outras separavam grãos que iam cozinhar numa panela já com água no fogo. Jörd inspecionava aqui e acolá, aprendendo a dirigir uma cozinha como sua mãe lhe ensinara. – Mexa mais rápido, Helgi, o tacho está queimando! – E ela bufava, impaciente.

 

Nanna estava com Sigyn na sala, bordando algumas toalhas, enquanto a jovem de Asgard escrevia uma carta com um papel e caneta obtidos pela sua acompanhante. Era uma carta para Loki, e ela acreditava que arranjaria alguém para entregar a ele.

 

-O que você escreve ao príncipe, Sigyn? – perguntou Nanna em voz baixa.

 

Sigyn sorriu. – Onde eu estou e que ele venha logo me resgatar.

 

Nanna franziu a testa. – Você não está sequestrada, está?

 

Ela sacudiu a cabeça e tornou a sua carta, derramando seu amor por seu amigo e pedindo uma definição da parte dele. Sigyn sabia que era arriscado, que Loki podia definir ficar longe dela e ela teria que se casar mesmo com Theoric. Oh... será que ela teria que se conformar e tentar achar uma forma de amar o Conselheiro? Seu estômago se contorceu com essa possibilidade.

 

Gna surgiu a porta e arrastou seus pés até a cozinha, retornando com um prato cheio de frutas e uma faquinha. Ela sentou-se com dificuldade numa poltrona próxima à lareira e começou a partir uma fruta.

 

-Gna – chamou Nanna, - mamãe estava lhe procurando. Parece que há duas pessoas querendo uma consulta.

 

-Não dou mais consultas, Lady Laran sabe muito bem disso! – Respondeu ela enquanto mastigava – Somente quando o assunto me interessar – Gna olhava para Sigyn significativamente.

 

-Você poderia ganhar algum dinheiro com isso, Gna, para o seu bem – Aconselhou a menina com olhos para seu bordado.

 

-Você se mete em assuntos alheios, Nanna, e isso não é bom. Sua mãe não lhe ensinou nada?

 

-Quando se mora de favor em uma casa, é de praxe que nossa vida torne-se interesse de todos que habitam nela. Sobretudo quando há despesas.

 

Gna deu um sorriso amarelado. – Você tem pulso, Nanna, não é igual a soberba de sua irmã, uma tola.

 

Nanna suspirou pesadamente, irritada pela ofensa gratuita à Jörd.

 

-Então, Lady Sigyn, gostaria de uma consulta sobre seu destino? – O olho dela estava em expectativa.

 

-Sim, é claro. – Ela dobrou a carta terminada e a colocou dentro do bolso do vestido.

 

A vidente balançou a cabeça, satisfeita, e pôs seu prato na mesinha ao lado. – Minha vidência pode vir de diversas formas, menina. Eu posso ver nos fios do tear, eu posso ver olhando para o céu e contando as luas e as estrelas. Já vi, também, olhando nas águas do rio a correr. Ver o destino é um dom e necessário é exercê-lo com o espírito certo. Apenas isso. E tudo isso.

 

-Por que deixou o seu trabalho?

 

-Oh, sim, eu deixei o trabalho. Mas o problema, para mim, é que não é um trabalho. Não poderia ser, pois, como eu disse, é necessário ter o espírito certo e nem sempre você o tem disponível, não no momento do pagamento, se é que me entende. Não consigo ver o destino de todos, alguns, para mim, estão fechados. Norns sabem o porquê.

 

-Seria uma deficiência? – Alfinetou Nanna.

 

-Sim, minha cara tolinha, poderá ser uma deficiência. Veja, quantas pessoas me procuram até hoje e pagariam para ouvir qualquer coisa. Que o filho não se tornará um idiota, que o marido deixará de ser um leproso, que a amante dele morra, essas coisas. Teve uma pessoa que veio e se enfureceu, eu não via nada no futuro dela. Nada. Até que vi algo, um vislumbre do que aconteceria. Iria ser uma morte muito feia. – Ela balançou a cabeça em desalento. – Não contei, mas a pessoa morreu em três dias. E a morte é a única coisa do qual não podemos escapar, não há como barganhar. Hela não se deixa enganar.

 

-Eu gostaria que visse o meu agora. Consegue?

 

Gna coçou o lado do olho oco enquanto pensava. Seu olho bom olhava fixamente para Sigyn, como se a avaliasse. – Você sofre por amor. Como muitas donzelas sonhadoras que vejo por aí. Você não será correspondida, não como deseja.

 

Sigyn olhou atônita para ela. – Isso é mentira! A outra völva disse que serei muito amada!

 

A vidente deu uma risada irônica. – Então fique com as previsões dela, se lhe convém.

 

Nanna pigarreou suavemente, olhando preocupada para a visitante. – Não seja grosseira, Gna. Ela não está acostumada com seus maus modos e, além do mais, Sigyn é uma convidada.

 

-Bom, talvez eu conheça uma poção de amor. – Jogou Gna. – Talvez eu conheça e faça uma para você, Lady.

 

-Faria para mim?

 

-Sim, sim. São ingredientes específicos, a poção necessita de lua cheia, de vento do sul, todas essas coisas. Mas no fim, eu afirmo que ele se apaixonará por você, mesmo que por pouco tempo. Seu amado experimentará o que é estar apaixonado por Lady Sigyn. Durará três luas cheias, apenas. E não tem como repetir a poção tão cedo, é perigoso.

 

Ela estava pensativa. Como era humilhante ter que recorrer a uma poção. E depois do efeito, Loki saberá que foi enganado. Provavelmente perderá ele para sempre. Sigyn mordia os lábios em aflição. Mas seria tão bom ver Loki apaixonado por ela, perdidamente, absolutamente em amores. Norns!

 

-Eu preciso pensar. Isso cheira a trapaça, Gna. E ele não gostará disso.

 

-Hum. – Gna calou-se, como tentasse achar uma solução. – Posso fazer a poção de modo suave, como uma sugestão. Será quase imperceptível. Se o seu amado gostar um pouco de você, a poção será um leve empurrão em sua direção.

 

Ela sorriu. – Acho que chegamos a um acordo.

 

Nanna olhava fixamente para a bruxa. – E o que pedirá em troca por esse favor?

 

Naquele momento são interrompidas por uma batida na porta. Uma das serviçais foi atender e era um mensageiro da corte. – Um convite para Lady Snotra.

 

A casa ficou alvoroçada e, quando Snotra desceu para receber o convite, logo leu silenciosamente a carta, enquanto todos ficavam em expectativa. – Parece que minha mensagem de apresentação à realeza Van deu certo. – Ela pigarreou e leu em voz alta: – “Prezada Lady Snotra, convidamos Vossa Senhoria e filha, Lady Sigyn, para uma recepção na corte no dia dos anos da rainha. Permitem-se até mais dois convidados, de relevância para a sociedade. Confirmar presença com o mensageiro. Lady Holda”.

 

A mãe de Sigyn respirou fundo. – Sr. Mensageiro, responda a Lady Holda que eu, Lady Snotra, e minha filha, Lady Sigyn, iremos à recepção. E levaremos mais dois convidados.

 

O mensageiro fez uma mesura e saiu apressadamente em sua carruagem. Nanna e Jörd pulavam de alegria. – Vocês levarão a gente? Sim?

 

-A carta dizia “convidados de relevância para sociedade”, - comentou Gna. – Portanto, vocês estão fora de cogitação.

 

-Bruxa má! – gritou Jörd. – Você sempre quer o nosso mal. Pai, ela fica feliz com nosso infortúnio!

 

-Só disse a verdade. – E ela deu de ombros.

 

-Ora, se o pai de vocês autorizarem, é claro. – concordou Snotra. – Quando será o dia dos anos da rainha? Precisarei comprar algo adequado e mandar enviar para o palácio.

 

Todos os olhares se voltaram para Ólafur, que sorriu. – Será amanhã. E sim, as duas poderão ir.

 

E vários gritinhos encheram o ambiente.

 

~o ~

 

-Então é aqui.

 

-Sim, o reino do regente Brokk, o anão.

 

Os príncipes de Asgard estavam em um extenso salão de mármore, de colunas suntuosas e trabalhadas em seu relevo, janelas imponentes com vitrais que deixavam uma luz vacilante entrar. Loki observava os motivos daqueles vitrais e em geral eram reproduções do cotidiano dos anões, como escavações, fabricações e festejos. – O nosso recepcionista sumiu? – Thor perguntou, olhando para os lados. O anão que os atendera solicitou, com forte sotaque, que esperassem ali e foi andando velozmente para uma porta. Já fazia mais de meia hora que esperavam.

 

-Brokk, como sempre, muito delicado, - disse Loki ironicamente. – Sabemos que ele não simpatiza muito com Asgard.

 

-Como? – Thor franziu a testa. – Ele deve reverência ao nosso reino!

 

Loki ergueu uma sobrancelha. – Nunca diga isso a ele, irmão. Palavras mal ditas podem iniciar guerras. – Ele continuava a analisar a arquitetura do local. – Foram eles que construíram nosso palácio, no tempo de nosso avô.

 

-Oh, sim – o primeiro príncipe estava inquieto, indignado por esperar tanto. – Só espero que estejam já adiantados com nossa encomenda. Estou ansioso para ver esses novos transportes. Eles flutuam, irmão!

 

O mago assentiu com a cabeça. – Um novo brinquedo para o rei – sussurrou para si mesmo.

 

A porta abriu com estrondo, surgindo dela o mesmo recepcionista de início, agora sorridente. – Entrem, Altezas. Nosso regente espera. – E ele apontava para dentro de outra ala.

 

Eles foram acompanhando o anão, cruzando por corredores escurecidos e descendo algumas escadarias estreitas. Loki sentiu que a temperatura aumentava sensivelmente. – Thor, está ficando bem quente.

 

-Podemos voltar daqui, irmão. Não quero que passe mal.

 

Loki fez um muxoxo, passando a mão pela testa. – Aguentarei. Estou curioso com nossa encomenda.

 

Não desceram mais, indo reto por outros corredores até chegar a um imenso pátio, cheio de quinquilharias estranhas acompanhadas de anões que conversavam entre si como se deliberassem sobre os objetos. Lá o calor era mais ameno. Um ruído enchia o ambiente e parecia vir dos itens que estavam dispostos. – Altezas, - tornou o anão – venham, é por aqui. Nosso regente está bem ali, com o seu assistente.

 

Os príncipes foram em frente e logo estavam adiante de um anão de cabelos castanhos bem claros e olhos azuis escuros. Sua roupa o distinguia do restante, com uma bela capa azul com motivos dourados. E, o que era estranho, ele parecia ser o único que tinha barba raspada. – Príncipes de Asgard, - ele cumprimentou com uma leve mesura, - sejam bem-vindos a Nidavellir! Creio que nunca vieram aqui, em nosso humilde reino.

 

-Regente Brokk – Loki o cumprimentou, também com leve mesura. – Estamos honrados em visitar Nidavellir, berço das mais belas criações dos nove reinos.

 

Brokk sorriu satisfeito e Thor o cumprimentou apenas com uma reverência simples.

 

-Este ao meu lado é meu irmão, Eitri. – o anão apontou para outro, que também se vestia com esmero e tinha cabelos castanhos e olhos cinzentos, e uma farta barba também castanha. – Eu e ele já criamos diversas máquinas para o rei Odin e, no momento, finalizamos mais algumas para ele. – Ele olhou para os lados, como se certificasse que ninguém ouvia. – Obviamente não deixamos a encomenda dele por aqui, ela está em um compartimento secreto. Se me permitem.

 

Loki assentiu. – Mostre-nos, o príncipe Thor necessita fazer uma checagem de rotina.

 

-Por favor, acompanhem-nos, então.

 

Foram caminhando por entre os anões, muitos olhando com evidente desdém, até chegarem a uma porta alta de carvalho. Brokk foi até uma prancheta ao lado dessa porta e colocou sua mão na superfície dela. A porta deu um estalo e destravou-se, depois abrindo levemente. – Só eu tenho poder de acioná-la. – comentou o regente.

 

Lá dentro, Thor e Loki puderam ver muitos objetos estranhos, parecendo parte de carruagem, mas sem rodas nem puxadores. Tinham saliências nas extremidades e pontas no que parecia ser a frente. O primeiro príncipe adiantou-se e foi conferindo um a um. – Regente, temos como fazer um teste? Quero que esteja perfeito para ida a Asgard.

 

Brokk assentiu e Eitri foi apressado ao outro lado abrir as comportas que davam para o lado de fora. Loki notou que estavam num vale solitário, sem nenhum espectador. – Sei que o rei Odin não gostaria que vissem seus novos transportes antes dele. – comentou o regente.

 

Brokk, então, entrou num deles e acionou alguns comandos. O transporte ergueu-se do chão, flutuando, e o regente comandou para que ele fosse para o lado de fora. Os irmãos foram acompanhando a pé, encantados com o objeto. – Como chama esse transporte, regente Brokk?

 

-Nave, nave transportadora, o que vocês quiserem, na verdade. – Ele sorria, satisfeito pelo efeito que causara. – Esse modelo é simples, de transporte. Podemos fazer outros exemplares com outra estética, é claro. Enviarei por Vossas Altezas uns modelos em desenho para que o rei possa apreciar.

 

Ele desceu o transporte e saiu dele, convidando Thor a entrar e experimentar. O primeiro príncipe foi instruído no que acionar e como comandar a nave. Ele logo deu a partida e foi flutuando ao longo do vale, no começo devagar, depois pegando o ritmo e indo muito rápido, dando voltas ou retornando com estilo. – É bem fácil comandar.

 

-Há outras, Eitri trará aqui para nós. – E o irmão de Brokk foi correndo lá para dentro, para retornar logo depois com uma nave maior e com pontas agudas em sua frente.

 

-Oh, essa é diferente – disse Thor descendo da sua nave.

 

-Essa é para defesa – informou o regente anão, apontando para as pontas. – Essa parte atira alguns lasers bem potentes. Por favor, Alteza, experimente andar e atirar naquelas rochas.

 

Thor foi ansioso testar aquela nave e os tiros que dera acertou em cheio nas rochas sugeridas, deixando-as em mil pedaços. O príncipe sorria satisfeito e aproveitou para realizar mais manobras, testando a desenvoltura do transporte. Esse podia ir para mais alto, saindo até do vale e indo lá para cima, na superfície. –Thor, - chamou Loki –volte! Você não pode mostrar para ninguém ainda!

 

-Desculpe, irmão – disse Thor ao retornar, - mas não resisti. A sensação é boa, quer experimentar?

 

-Não! – respondeu Loki rapidamente. – Essa tarefa foi incumbida a você. Não ouso mexer nos itens de nosso pai.

 

Thor franziu a testa, mas não disse nada.

 

Acertaram detalhes com Brokk sobre combustível, itens extras das naves, manutenção, e o valor final das peças. O regente deveria entregar, em um ano, cerca de 100 peças de cada, se aprovadas pelo rei Odin.

 

Aproveitaram e viram outros itens da produção de Nidavellir, como maças feitas de material indestrutível e também bem pesadas. Loki nem ousou segurá-las, e Thor, com desenvoltura, ergueu uma e a balançou, lançando a lançando a esfera espinhosa logo depois ao chão de pedra, partindo-o em dois. Brokk sorriu. – É sempre bom ter um guerreiro de seu nível testando nossas peças, Alteza. Os anões as manipulam, mas não conseguem testar com tanta propriedade.

 

Ele mostrou também trabucos, aríetes, machados de lâminas duplas, balistas de alta precisão, espadas de metal raro e alabardas com pontas rotatórias, os quais Thor olhava com brilho no olhar. Ele adorava instrumentos de guerra e todos os itens ele quis experimentar e medir sua capacidade. Loki estava mortalmente entediado e procurou prestar atenção nas palavras do regente, tentando ver algum truque ou algum subtexto em suas palavras, visto que Brokk era conhecido como um astuto.

 

-Então, Alteza – comentou o regente com Loki, - o rei está tentando se precaver de algum infortúnio, guerra, com esses novos instrumentos? Nunca se sabe, não é, o que os inimigos estão tramando.

 

-Não há inimigos à vista, mas o rei sempre gostou de se atualizar em suas armas de guerra. – respondeu Loki com cuidado.

 

-E os Gigantes de Gelo? Tem dado trabalho?

 

Loki via seu irmão atirando flechas pela balista e acertando um alvo em cheio. – Estão quietos, nossas patrulhas tem sido vigilantes nesse reino.

 

-E os Gigantes de Fogo? Sultur? Ouvi dizer, Alteza, que eles têm tentando audiência com o rei Odin e não tem obtido sucesso.

 

O feiticeiro suspirou. – É compreensível que meu pai não queira nenhum contato com esses seres. Não temos nenhuma relação diplomática com eles e nenhuma patrulha naquele reino. Não são nossos amigos.

 

-Mas não poderiam ser...?

 

-Olha, Loki, acertei todas e nem sou tão bom nisso! – gritou Thor, sorridente. – Essa máquina é excelente, falarei com o pai para comprarmos!

 

-Ele é um grande guerreiro – comentou Brokk, sorrindo. – Seu pai deve ter muito orgulho dele por isso.

 

Loki sentiu uma pontada cruel naquelas palavras. Sim, ele era muito querido pelo seu pai. E somente ele.

 

-Sim, e não só meu pai, mas toda Asgard.

 

Brokk continuou sorrindo e pediu que Eitri trouxesse alguma bebida para os convidados. Thor bebeu em um gole só o que foi oferecido e foi em busca de mais armas de guerra. Experimentou um boldrié de couro, muito elegante, e Loki assentiu com a cabeça, aprovando a escolha do irmão enquanto bebericava seu vinho. – Agora preciso de uma arma para combinar – e o príncipe foi analisando uma a uma dos itens que estavam dispostos. Alguns anões o ajudavam no preparo das armas.

 

Loki sorria ao ver o irmão tão animado, como se fosse uma criança numa loja de doces. Brokk pegou o sorriso. – Não lhe agradam os objetos?

 

-São bem úteis – respondeu o mago diplomaticamente.

 

-Poderia escolher um para o rei, como presente, ou encomendar algum como presente para alguém. Alteza sabe que temos uma mina a nossa disposição e de lá extraímos as mais belas pedras e metais preciosos. Deles fazemos jóias e as vendemos para todos os reinos amigos, e muitas são encomendadas sob medida para quem encomendou.

 

Loki voltou-se para ele como se uma grande ideia o acometesse. – Encomendar? Seria excelente!

 

-E o que Alteza gostaria?

 

O feiticeiro mordeu os lábios. Um presente para Sigyn, já que ele a pediria em casamento. Um belo presente para ocasião seria um anel, é claro. Um anel de ouro e prata, seu preferido, com sua pedra representativa: esmeralda. O ouro e a prata intercalando-se e a pedra em destaque, grande o suficiente para causar inveja. – Um anel, e tenho o desenho e o material em mente.

 

-Perfeito. – Brokk chamou um dos anões a postos e pediu lápis e papel. Quando teve os itens à mão, Loki pode descrever como queria a sua encomenda. – Vai ficar muito bonito e podemos entregar em duas semanas.

 

-Sim, está ótimo. E gostaria de mais duas coisas.

 

-Pois não.

 

Loki estava eufórico. – Gostaria de um pingente, com as seguintes características. – E ele descreveu em detalhes para o anão, que escreveu tudo no papel. Ele daria esse presente para sua mãe.

 

-Mais alguma encomenda?

 

-Eu queria um instrumento de poder.

 

Brokk abriu a boca, mas depois a fechou, refletindo. – Para Alteza?

 

-Não, - e Loki riu. – Para meu irmão. Em breve ele será rei e terá que ter seu instrumento mágico. Só não tenho certeza do formato.

 

O anão pensou por uns instantes enquanto olhava para o futuro rei de Asgard. -Se me permite, Alteza, o príncipe Thor é um guerreiro poderoso, o melhor dos nove. Algo que o representasse seria um martelo, talvez, um martelo destruidor e indestrutível. Ele estraçalha, é forte, decisivo, o príncipe e o seu instrumento. Temos o metal apropriado para ele. Nós podemos colocar alguns detalhes nele como pedras incrustadas, adornos elegantes, mas o principal que podemos fazer é que somente ele poderá empunhá-la. Isso será por magia, nossa magia. Todos os outros que tocarem nela não conseguirão movê-la, nem por milímetros. O que Alteza acha?

 

Loki ficou impressionado. -Acho excelente, porém dispensaria as pedras incrustadas e colocaria algumas runas de poder. O que mais o senhor poderia colocar nesse martelo?

 

Ele pensou um pouco. – Bom, numa guerra, seria bom que ele não a perdesse. O que acha desse martelo voltar às mãos do príncipe, ou rei, quando este solicitar?

 

-Hum, seria algum comando verbal? Thor deverá falar alguma frase mágica?

 

-Não. Bastará apenas ele mexer suas mãos, chamando o objeto.

 

Loki disfarçou o quanto pode o entusiasmo. Esse instrumento será extraordinário, será um grande presente para seu irmão. Ele olhou para guerreiro, que agora estava fazendo movimento com as alabardas, muito feliz, e Loki sentiu seu coração derreter. Sim, ele amava seu irmão e queria o melhor para ele. Já imaginava a reação de Thor com o instrumento, e todos espantados e admirados com essa aquisição.

 

-Pode encomendar esses três objetos para mim, regente Brokk? E gostaria que todos fossem antes do baile de Asgard. Sobretudo o martelo, gostaria de dar nessa ocasião ao meu irmão.

 

Brokk assentiu. – Ficará mais caro, por tão pouco tempo de feitura, cerca de oito dias.

 

-Dinheiro não será problema – cortou Loki.

 

Thor aproximou-se deles e falou a Brokk: - Gostaria de levar uma maça, mas que o punho dela fosse um pouco maior. E uma alabarda, quero mostrar ao rei.

 

-Alteza, posso mandar fazer outra maça, maior até, adequando-se ao seu tamanho e ela ficará pronta amanhã. Se não for incomodo, eu, o regente, convido Vossas Altezas a ficarem até amanhã em meu reino. Há acomodações apropriadas para o tamanho estrangeiro.

 

Thor e Loki se entreolharam. – Podemos ficar aqui, se Loki não se opor.

 

-Tudo bem para mim, irmão. Só avisar Heimdall, para enviar o recado a nosso pai.

 

Loki sentiu-se feliz, ele poderia até combinar mais detalhes do martelo com o regente, como quais runas seriam e como estariam dispostas. E visitar Nidavellir não era todo dia que isso acontecia, em geral os anões eram muito reservados e ficar mais de um dia na companhia deles era algo raro.

 

O almoço transcorreu sem nenhum incidente, Loki e Thor ficaram em uma mesa alta e eram servidos por serviçais estrangeiros. O regente e seu irmão ficaram a mesma mesa, somente em cadeiras bem mais altas para se adequarem a altura. Outros anões tomaram assento e não disseram uma palavra, atentos ao ato de comer.

 

As mulheres dos anões não eram vistas em lugar algum. O mago sabia do zelo deles para com as anãs, elas eram proibidas de serem vistas por olhares forasteiros. Nem a mulher do regente foi vista para recepcionar os ilustres visitantes. O filho de Brokk estava ao lado de seu pai e era muito novo, com olhos vívidos em cima de Thor, admirado de ver um guerreiro de Asgard tão de perto.

 

Loki notou que algumas serviçais sorriam insinuantes para seu irmão e davam risadinhas entre si. O mago conteve-se em não rolar os olhos, sobretudo porque seu irmão estava distraído com a comida. Ele percebeu, também, que uma delas somente servia ao regente e acariciava sempre os cabelos dele. Brokk lançava longas olhadas para o corpo dela.

 

-Alteza, - chamou dirigindo-se para Loki, - sobre o baile do rei Odin, já possuem a lista de convidados?

 

-O rei já dispõe de uma lista que lhe agrada e que lhe convém.

 

Brokk sorriu, tomando um pouco de vinho. – Certamente os elfos serão convidados. – E o príncipe notou um leve esgar da parte do regente.

 

-Certamente.

 

À tarde, enquanto Loki visitava a biblioteca dos anões, Thor foi passear pelo local, sendo guiado por uma das serviçais do almoço. O feiticeiro sabia que passear seria a última coisa que fariam, e ele tentou concentrar-se nos livros que tentava ler. Eitri fez-lhe companhia, explicando alguns dos volumes mais importantes e a história de cada um deles. O mago desejou possuir cada exemplar daquela biblioteca.

 

Loki sabia ler no idioma deles e viu que eles tinham detalhado toda sua saga, desde os tempos mais remotos, datando cerca de 10 mil anos de história anã. A literatura sobre seus instrumentos e criações ficava em uma ala à parte e ela era vigiada por um Vigia, semelhante ao da Sala de Armas do palácio de Asgard.

 

O jantar foi servido no salão de festas, com apresentações de dança de algumas dançarinas estrangeiras de trajes mínimos. Os músicos também não eram de Nidavellir, pela aparência estranha Loki poderia supor que eram de fora dos nove reinos, porém seus instrumentos eram conhecidos, como flautas, liras, tambores e ocarinas, entre outros.

 

Uma das serviçais se aproximou de Loki, servindo-lhe uma bandeja com diversas carnes. Outra veio e serviu-lhe alguns bolinhos. Thor era servido exclusivamente pela mesma serviçal do almoço e recebia, vez ou outra, beijos e abraços. Uma ou outra tentava também agradar ao primeiro príncipe, mas aquela exigia exclusividade. O guerreiro bebia muito vinho e estava extremamente alegre. Num certo momento, ele começou a contar suas estórias de caçadas e de contratempos, divertindo os anões próximos. Loki balançava a cabeça, vigiando seu irmão para evitar quaisquer deslizes diplomáticos.

 

Brokk retornou a conversa com o mago sobre detalhes do instrumento de poder, e Loki ficou feliz em detalhar sua encomenda. – Ninguém pode saber disso, em absoluto. É uma surpresa ao futuro rei de Asgard.

 

-Certamente, Alteza. Será como desejar.

 

Não passou muito tempo e Loki decidiu se retirar. Ele olhou para Thor, que estava distraído com sua comida, seu vinho e a moça, e foi andando em direção a seus aposentos, guiado por um dos anões. Chegando lá, viu que as acomodações eram simples, tinha uma cama estreita e um aparador com uma jarra d’água e uma bacia. Quando sozinho, ele lavou seu rosto e tirou sua roupa, ficando apenas com sua túnica. Os lençóis eram um pouco ásperos, mas Loki estava cansado. Ele apagou todas as velas e tentou deixar a mente livre de pensamentos para dormir logo, mas seu cérebro tinha outra vontade. Ficou pensando no anel para Sigyn, depois no pingente para sua mãe, um belo pássaro que se mexeria vez ou outra, e o martelo de seu irmão. Ele ficou imaginando Thor em sua coroação com o martelo que ele lhe daria.

 

Quando o sono vinha e os pensamentos já estavam embotados, ele ouve a porta se abrir com força. Loki ergueu-se rapidamente, tentando reconhecer quem estava lá dentro. – Irmão? – era a voz de Thor.

 

-Oh, Thor, você me assustou! – Loki estalou os dedos e duas velas se acenderam – O que faz aqui? Aconteceu alguma coisa?

 

-Eu vim dormir, irmão! – Thor estava um pouco cambaleante

 

-Você está bêbado, e muito! E esse não é seu quarto!

 

-É sim, trouxeram-me para cá.

 

Loki rolou os olhos. – Agora vai ser impossível arranjar algo para você, está muito tarde. E essa cama não nos cabe.

 

Thor olhou para o lugar o notando pela primeira vez. – Dá sim, se ficarmos espremidos. – E ele riu idiotamente. O guerreiro começou a tirar sua roupa.

 

-Não, Thor, você dorme no chão, então.

 

-Está frio. – E ele fez uma cara triste, aquela que Loki não resiste.

 

-Tudo bem, eu desisto de você! – E o feiticeiro voltou para suas cobertas, cobrindo-se até a cabeça, ficando visível apenas parte dos cabelos negros.

 

Loki sentiu a cama ceder bastante do seu lado esquerdo e as cobertas serem puxadas. – Não puxe muito, Thor, eu preciso também!

 

Logo ele percebeu um braço passando pela sua cintura e uma respiração forte soprar em seu pescoço. Thor aproximou-se mais e se encostou a seu irmão.

 

-Thor? O que está fazendo?

 

-Dormindo, irmão.

 

-Poderia dar-me um pouco de espaço? – Ele tentou se desvencilhar do irmão.

 

-Não seja chato, Loki! Assim fica confortável para nós dois. – E ele continuava abraçado a seu irmão.

 

O mago tentou se soltar dos braços de ferro do irmão sem sucesso. Por fim, acabou suspirando. -Você está cheirando a bebida e a mulheres.

 

Thor riu e inspirou profundamente. – O seu cheiro é melhor. Você sempre cheira bem.

 

-Oh, obrigado, - respondeu ironicamente. – Isso se chama “se cuidar”.

 

-Está insinuando que sou desleixado?

 

-Não insinuo nada. Estou afirmando.

 

De repente o guerreiro se afastou do irmão, virando-se bruscamente para o outro lado. Loki percebeu que ele ficou magoado. – Thor, era brincadeira. – Ele cutucou o irmão, que não se virou. – Thor, por favor, não fique chateado. – Ele rolou os olhos. – Não acredito que está tendo uma atitude tão infantil! Thor?

 

E quando Loki estava quase pairando em cima dele, seu irmão virou-se e o agarrou, colocando-o para baixo e ficando por cima dele enquanto ria. – Não acredito, você pensou mesmo que eu estava chateado! – E ria.

 

-Seu idiota! – e Loki tentava dar-lhe socos, mas Thor segurou os braços dele.

 

-Eu vou lhe sujar, meu caro irmão, e terá o mesmo cheiro que eu!

 

-Não! Não! Seu imbecil, não!

 

Thor começou a esfregar sua barba no rosto e pescoço do irmão enquanto ria, passando um pouco do seu cheiro nele. Ele também pegou os cabelos dele e juntou-os com os de Loki, engordurando as cheirosas mechas do mago.

 

-Pare, Thor! – Loki tentou dar um chute.

 

Thor esfregou sua barba mais um pouco em um dos lados do rosto do outro e, quando foi passar para o outro lado, seus lábios roçaram na boca de Loki. O guerreiro sentiu seu coração disparar e fez outra tentativa, outro beijo, um casto beijo. Seu irmão estava paralisado, olhando com seus olhos verdes escurecidos. Thor podia ver, estava ali, naqueles olhos, uma imensa decepção.

 

Ele encostou sua cabeça no ombro dele como se precisasse de tempo para pensar e processar o que acabara de fazer. Loki ainda não se mexia, estático, como estivesse com medo. Mas foi dele a primeira frase. – Thor?

 

-Loki...

 

-Precisamos dormir, irmão. – Disse o feiticeiro, com voz falha. – Temos que acordar cedo amanhã.

 

Thor ergueu-se um pouco, soltando o irmão, e ficou ao seu lado, o máximo afastado possível. Loki ainda não se mexia, olhando para o teto com expressão entristecida. Ele tentou não fazer nenhum gesto que pudesse demonstrar incentivo ou que o repelisse duramente. Na verdade, ele não sabia o que fazer. Era uma situação sem saída.

 

Quando ele sentiu Thor se mexer mais uma vez, e para virar de costas para o irmão, Loki pode por fim virar seu olhar para ele. O cheiro do guerreiro estava impregnado nele e isso causou um leve estremecimento em Loki. E o beijo... Ele passou sua língua de leve em seus lábios quase involuntariamente. Quase.

 

Na primeira hora da manhã eles fazem seu pequeno almoço em silêncio e Thor estava com muita ressaca e uma dor de cabeça muito grande. Loki pediu aos serviçais um chá específico para dores de cabeça e fez Thor tomar todo o líquido. O mago agiu como se nada tivesse acontecido, sorrindo para o irmão como sempre fazia, mas Thor notou que Loki não olhava diretamente para ele.

 

Brokk entregou a clava, o boldrié e a alabarda para Thor, todos perfeitamente ajustados para o tamanho do guerreiro, embrulhados em tecido resistente, e para Loki todos os desenhos dos projetos das naves. Os irmãos encaminham-se para fora do palácio, indo em direção ao ponto de retorno para Asgard. Thor convocou Heimdall e ambos os irmãos partem de volta para Bifrost.

 

Heimdall os recepcionou com olhos curiosos e ele balançava a cabeça para Loki, como em compreensão. O feiticeiro então soube que o guardião viu tudo e um rubor tomou conta de seu rosto. Eu não tive culpa!, quis gritar. Para Heimdall e para si mesmo.

 

~o ~

 

A aula era sobre Midgard e o período que era denominado por estudiosos Aesir como "obscuro”, quando parte do povo midgardiano seguia um deus e fez com que vários outros povos o seguissem também, através da persuasão ou da guerra. Atualmente, Midgard marcava o ano de 1965 e a diversidade cultural era perturbadora. Loki estava recostado em sua cadeira enquanto observava o livro que tinha em mãos, de um conjunto de seis volumes. Ele entendia que não era apenas um reino, Midgard era dividido em centenas deles, cada qual com uma característica em especial, hábitos próprios, o que tornava difícil o estudo daquela região. Percebia também as mudanças de trajes em um período tão curto, e, segundo o embaixador de Asgard, que estava alocado no reino chamado Reino Unido, muitas ainda virão por aí. “As mulheres desse reino estão cada vez mais ousadas. Temo que haja um tempo, e será logo, que elas serão as líderes e os homens serão cada vez mais comandados.” Loki sorriu ao ler esse trecho, seria interessante conhecer esse povo.

Porém, no fundo, ele achava os midgardianos medíocres e inferiores. Mal viviam os cem anos, a grande maioria partia por volta dos setenta a oitenta anos de vida. E faziam muitos filhos, feito ratos, e todos morriam logo. Frágeis, quaisquer doenças os sucumbiam. Era ridículo. Porém, se seu pai lhe oferecesse uma embaixada ele não hesitaria em aceitar. Seria interessante conviver com um povo tão diferente. Ele também já pensou em governar Midgard, para o bem dessa região. Imaginou ajudar na eliminação de doenças, aumentando os anos de vida dos habitantes, talvez para quinhentos anos.  

-Príncipe Loki? – chamou o professor.

-Oh, sim, desculpe-me.

O professor Kvasir sorriu. – Estamos lendo a página 4567, por gentileza, leia o parágrafo 5 para todos.

Após a aula, Loki foi interceptado por Malvik, que também cursava essa disciplina com ele. – Loki! Você anda sumido.

-Algumas obrigações principescas. – O feiticeiro tampou discretamente o nariz. - Como está, Malvik?

-Estou bem. Sabe, temos tempo hoje, não teremos mais aulas após essa, por que não vamos até a vila? Gostaria de comprar algumas coisas para minhas irmãs.

Loki assentiu, sem nenhuma desculpa consistente para negar o pedido. Depois de pegarem um cavalo para cada um na estrebaria, ambos partiram para vila de Höfn. Malvik estava particularmente animado, contando casos da corte de Vanaheim para Loki e o mago ficou atento se alguma notícia de Sigyn sairia daquele falatório.

-Minha irmã está animada como casamento com seu irmão. Está fazendo roupas novas, inclusive as de baixo. – E ele riu.

Loki corou com a indiscrição do príncipe. –Malvik, é de extremo mau gosto contar as intimidades de sua irmã.

-Ah, mas você será da família. Não temos segredos entre nós. Eles sabem, por exemplo, que eu aprecio muito você.

Loki segurou-se para não pedir os detalhes disso. Não, ele não queria saber.

Pararam em uma lojinha com diversas bonecas de porcelana. Malvik foi olhando uma a uma, animado, e encontrou uma de olhos vermelhos. – Olha que linda, nunca tinha visto com esses olhos. Vou levar.

Ele também comprou, em outros estabelecimentos, uma pena de escrever, dois livros de contos infantis e uma bonita capa preta, com detalhes dourados nas bordas. – Ficará bem em mim.

-Malvik, como um príncipe de Vanaheim, você pode mandar fazer uma exclusiva para você.

-Mas eu gostei dessa. – e ele fazia beicinho.

Loki rolou os olhos. – Preciso ir, já está quase hora do almoço. À tarde terei treinamento.

-Você voltou a treinar? Será com seu irmão?

-Obviamente. – O mago sentiu uma leve aversão ao lembrar-se de Thor.

-Eu gostaria de ver você treinando. Você deve ficar muito encantador lutando.

O segundo príncipe de Asgard ficou mudo.

-Poderei assistir? – Insistiu Malvik.

O outro suspirou. -Não é apropriado, Malvik. Por Norns, por que está fazendo isso?

-Isso o quê?

-Praticamente me fazendo a corte.

Ele deu um belo sorriso. – Eu gosto de você. Se você fosse de Vanaheim, eu faria de você meu amante.

Loki ergueu as sobrancelhas. – Inacreditável. Se eu fosse um Van, talvez eu não quisesse.

-Mas eu ordenaria, eu sou o primeiro príncipe.

O mago sentiu vontade de socar o príncipe. -Só que estamos em Asgard. E, aqui, ergi é punido com a morte.

Malvik deu uma risadinha. – Mas não seria eu o ergi.- E ele levantou as palmas das mãos. – Sem ofensa!

O mago estreitou os olhos ofendido. – Por muito menos, príncipe, guerras foram iniciadas entre reinos.

Ele deu de ombros. – Eu não falei nada. – Malvik deu uma risadinha. – E estou fazendo um elogio a sua pessoa, Loki. Devia agradecer. Além do mais, teremos hoje um evento em homenagem a minha mãe, pelos seus anos. Hoje não é dia de brigas e sim de festejo! A realeza Áss foi convidada, obviamente.

Por um momento o mago ficou confuso, olhando para a expressão ridiculamente triunfante do Van. Evento? Convite? – Serei informado pelo rei e a rainha, é claro. – Disse lentamente mais para si mesmo.

-É claro – confirmou Malvik.

Loki engoliu em seco. -Vamos retornar ao palácio e devolver os cavalos.

O príncipe de Vanaheim ostentava um sorriso triunfante, como se tivesse conseguido convencer Loki de alguma coisa. Já para o mago dois pensamentos caminhavam lado a lado em seu cérebro, e ele tentava resolver suas questões ao mesmo tempo: Malvik o ofendera profundamente quando o denominou como ergi. Essa era uma questão séria, Loki estava furioso e indignado. Quem mais pensava assim, além dos Aesir e do príncipe fedorento? Outro pensamento era do evento da rainha Van. Se ele fosse, poderia fugir do baile ou o que quer que seja e procurar por Sigyn. Sua magia ajudaria a localizá-la, talvez. Era uma ótima oportunidade.

Loki conseguiu que Malvik partisse, garantindo que estaria em breve comprometido e não era de bom tom que ficasse o cortejando sem parar.

Quando ele foi almoçar, colocou suas mãos na cabeça e suspirou pesadamente.

~o ~

Quando Loki chegou aos campos de treinamento, Thor já estava lá, fazendo manobras com sua alabarda comprada dos anões. Sif admirava abertamente a arma nas mãos do amigo. – Adorei esse rodopio nela! Poderia ter trazido alguma arma para mim, Thor! Você sabe que adoro esses brinquedos novos.

De manhã o guerreiro tinha feito exibições com sua maça, fazendo uma multidão de guerreiros urrarem de entusiasmo. Quase todos tentaram fazer movimentos com o instrumento, mas apenas alguns conseguiram suportar seu peso. Volstagg foi um deles, dando voltas ao redor de seu corpo com ela e a lançando em direção ao chão com grande estrondo. Loki notou que em certo trecho o chão tinha vários buracos feitos.

-Sif, na próxima vez levarei você comigo. – disse Thor. - Deve ser mais divertido, Loki só ficou olhando de longe e conversando com o regente. Ele não se importa com essas coisas.

A guerreira deu um risinho de escárnio ao ver o segundo príncipe. – Loki, vai lutar hoje? Quer lutar comigo?

Loki estava com uma roupa em tons verdes e preto, com detalhes em prata, divergindo completamente dos outros guerreiros, que estavam somente com a calça. Thor estava até descalço, os pés aguentando firme a aspereza do chão.

-Não me oponho, Lady Sif. – O mago foi até a mesa das armas e escolheu uma espada. – Vamos!

Thor ergueu uma sobrancelha, espantado com a disposição do irmão. – Loki? Você está bem?

-Claro, irmão.

Sif, com um sorriso arrogante, também pegou uma das espadas e se posicionou no campo. – Vamos lá, veremos se é capaz!

Loki estava sério e foi o primeiro a desferir um golpe. Sif estava atenta e defendeu-se rapidamente, iniciando um contragolpe logo em seguida e com tanta força que o feiticeiro teve que recuar. Ela riu. – Precisa comer mais, príncipe. Está fraco.

Ele não respondeu e reiniciou o ataque, tentando acertar o rosto sorridente dela. Sif concentrou-se o suficiente para defender-se de todas as investidas, mas não conseguiu um contra ataque digno. Loki fechava todas suas defesas e contra atacava onde ela era mais vulnerável, em seus braços. Sif teve vários cortes próximos ao ombro e um deles ameaçava sangrar. Agora ele sorria.

-Parece que o príncipe está raivoso – comentou enquanto o media. – O que aconteceu? Saudades de Lady Sigyn?

Outro golpe, e Sif se defendeu com maestria.

-Perdeu a única amiguinha? Ela deve estar se divertindo em Vanaheim.

Mais outro golpe e Sif teve que recuar para não cair ao chão.

Fandral, que se aproximou dos dois, começou a rir. – Nunca vi Loki tão bravo. Ah, já sim. Quando eu ameacei dar-lhe um beijo, éramos crianças, lembra, Loki?

Loki olhou para ele, estreitando os olhos, e Sif não perdeu a oportunidade. A ponta de sua espada roçou o rosto do príncipe, criando uma linha vermelha em sua face. O mago rapidamente se recompõe, iniciando um contragolpe duro e Sif recuou um pouco, analisando seu oponente. Ele arfava e já estava enfraquecido.

-Irmão, já chega. – disse Thor, aproximando-se dele. – Você já está cansado e esse sol vai aquecê-lo demais.

Fandral voltou a rir. – Tão frágil o príncipe! Loki, você precisa fazer mais exercícios antes de voltar aos treinamentos. Se quiser, faça-os comigo, será um prazer. – Mas a expressão de deboche indicava que o prazer seria só dele.

-Não, quero continuar! – Teimou o jovem carrancudo.

Thor suspirou. – Sif, deixe que eu continue o treinamento com meu irmão. – E o rosto dele mostrava que não aceitaria recusas.

Sif fez uma leve mesura com ironia e chamou Fandral para uma luta. – Quero derrubá-lo hoje.

Thor foi até seu irmão que estava de péssimo humor. – Você não prefere descansar?

Loki ergueu a espada contra ele, seus lábios crispados. – Lute comigo!

Após o primeiro príncipe pegar uma espada, ambos iniciam uma luta desajeitada, com Loki tentando golpeá-lo na cabeça repetidas vezes e Thor somente se defendendo, como se avaliasse o irmão através disso. – Ataque, Thor! – pedia o mago.

-Não, irmão, você não está no seu normal. O que houve?

Loki suava e o sangue de seu rosto escorria pela sua face até seu pescoço, mas ele parecia não se importar. Thor sabia que ele devia estar desconfortável, seu irmão estava vermelho e arfava muito. – Vamos descansar, Loki. Nossa mãe não gostará de ver essa ferida.

-Ela não se importa com suas feridas, por que se importará com as minhas? – Ele apontava a espada contra o irmão.

Thor quase rolou os olhos. – Porque é o queridinho dela.

-Eu quero ser igual a você. Não quero que me tratem diferente.

-Tudo bem. Mas até mesmo eu preciso tratar minhas feridas, não é bom deixa-las abertas sem nenhum motivo aparente. Isso pode ficar feio, após um tempo.

Loki abaixou sua espada e passou a mão pelo seu rosto, os dedos sentindo o filete de sangue quente. – Acho que preciso ir aos curadores. – E o olhar dele era desolado e Thor sentiu vontade de carrega-lo no colo.

-Vamos, irmão, eu irei com você.

Loki foi à frente, ficando em uma distância segura do irmão. Após Lady Eir tratar o corte no rosto de Loki, Thor o acompanhou até os aposentos dele. – Amanhã terá sumido, nem cicatriz fará. Essa pomada é muito boa.

Loki assentiu com a cabeça, pensativo. – Thor, vamos lutar mais um pouco? Quero testar uma habilidade nova.

-Mas, Loki...

-Eu insisto.

De volta aos campos de treinamento, Fandral e Sif arregalaram os olhos com a volta dos dois. – Pensei que ele estava adoentado. – comentou Fandral sorridente.

Volstagg se aproximou, muito suado e com sangue na testa. – Fico feliz que tenha retornado, príncipe. – Ele parecia sincero. – Um grande guerreiro sempre retorna para suas batalhas. Sejam elas quais forem.

Loki assentiu em silêncio, espantado com as implicações daquela frase. Thor pegou novamente uma espada e deu outra ao irmão. – Vamos?

Loki se posicionou e recomeçou a luta contra o irmão, mas desta vez Thor também atacava e contra atacava, derrubando a espada do mago diversas vezes. – Vamos lá, firme o punho!

O mais novo mordia os lábios em frustração e reiniciava os ataques. Se fosse uma guerra, ele sabia que estaria morto há muito tempo. Maldição!

Quando Thor desferiu outro golpe, Loki desviou o corpo para a lateral e golpeou o irmão na perna e o primeiro príncipe soltou um urro de dor. Sif e Fandral pararam sua luta e olharam para os dois. – Thor, vai perder para seu irmão? Não acredito! – provocou o guerreiro.

Loki ergueu a mão livre e mexeu levemente os dedos. Todos se entreolharam, não entendendo o gesto, e Thor desferiu outro golpe contra o irmão, que agora sorria. Ao seu lado, o guerreiro viu que Loki já estava em sua lateral e tentou golpeá-lo, mas ele já tinha desaparecido. Atrás dele Loki o chamou, sorrindo abertamente e Thor avançou contra ele, mas seu irmão já estava no seu lado esquerdo, ainda sorrindo.

-Loki? O que está fazendo?

-O que sei melhor.

Sif gritou. – Ele está usando magia!

-Está fazendo Thor de bobo – comentou Fandral.

Thor tentava acertar Loki de alguma forma, mas todos eram ilusões que apareciam e desapareciam no ar. Ele girava, sua espada em punho, tentando ver onde estava o verdadeiro Loki. E este ria. – Não consegue me acertar?

O guerreiro aquietou-se, observando atentamente as formas que surgiam a sua volta. Deve haver uma maneira de diferenciá-las... Thor sorriu e girou seu corpo, golpeando a espada da figura que estava logo atrás dele e a espada voou para longe.

-Oh, Thor! – gritou Sif, aplaudindo. – Venceu!

Loki suspirou, dando de ombros. – Como conseguiu?

-Sua sombra, irmão. Esqueceu que seus clones não tinham uma.

O outro ergueu sua sobrancelha, surpreendido. – Deveras é o campeão de Asgard.

Thor sorriu para ele. – E deveras é meu irmão.

O mago balançou a cabeça, ainda vermelho com o calor que fazia, e deu meia volta. – Acabou para mim, por hoje. – Disse de costas, dirigindo-se para seus aposentos em passos duros.

 

~o ~

 

Frigga caminhava tranquilamente pelos jardins do palácio com suas damas de companhia e uma escolta. Ela carregava um livro e, ao se sentar em um dos bancos, começou a folheá-lo com fraco interesse. Algo em seu coração teimava em chamar pelo seu filho mais novo e a rainha meneava a cabeça, tentando deixar a sensação de lado. Ele estava bem. Ele estava com Thor, ou apenas sozinho, estudando em seus livros. Sim, ele estava bem. Odin cansava de admoestá-la por esse excesso de proteção pelo seu caçula, o rei dizia que isso o enfraquecia. Frigga sorriu: Loki nunca seria fraco, era um rapaz bastante capaz e surpreendente. Era a joia de sua vida, seu bem mais precioso. Quando ele era pequeno, muitas vezes Frigga adormecia com seu menino no quarto dele, velando pelo seu sono e admirando seu rosto encantador.

-Minha rainha, - perguntou uma das aias, - Vossa Majestade está bem? Está cansada?

-Não, Asa, estou bem. – E Frigga suspirou, olhando o céu límpido que estava acima dela. – Esse tempo está muito seco e quente. Mas a vista é linda.

Asa concordou, sorrindo. – Será, Majestade, que Lady Freya resolverá nossos problemas? Dizem que ela é bastante instável.

-Oh, sim – e a rainha riu. – Uma personalidade caprichosa, eu diria. Mas se o que oferecermos for bom, ela não titubeará.

-Majestade... – a aia hesitou por uns segundos. – Há murmurinhos nas vilas. Os aldeões estão descontentes.

Frigga ergueu uma sobrancelha. – Descontentes?

-Estão perdendo suas colheitas, animais, e estão sem dinheiro. Temem a fome.

-Nunca ficarão sem comida. Nosso rei providenciará os mantimentos estocados. – E ela pensou por uns instantes. – Talvez outro feiticeiro possa tentar resolver tudo isso...

-Majestade?

-Sim, Asa, - ela se ergueu, entregando o livro para a serviçal. – Irei até o príncipe Loki. Vocês todas podem se recolher, a escolta me acompanhará.

Chegando às portas dos aposentos do filho, ela entrou e viu o quarto dele vazio. Um barulho na sala de banho indicou onde ele estava. – Loki? – Ela batia na porta da sala. – Espero você aqui em seu quarto.

Ela ouviu uma resposta ao longe e sentou-se numa poltrona. O quarto dele estava impecavelmente arrumado, a rainha olhou os livros dele e todos estavam alinhados com perfeição. “Andou praticando magia, o meu menino!”.

Depois de alguns minutos Loki saiu arrumado, com uma bela capa sobre os ombros. –Minha mãe. – Ele beijou as mãos dela com carinho e sentou-se ao lado de sua mãe.

-O que é isso em seu rosto? – Ela ergueu-se e segurou o rosto dele, preocupada. - Machucou-se?

-Foi no treinamento, os curadores já me deram pomada. – E ele se desvencilhou de sua mãe.  Ela sorriu e voltou à poltrona.

-Vejo que está usando sua magia para coisas práticas. – E apontou para o ambiente.

-Estou tentando me acostumar novamente. Ás vezes faço coisas manualmente, sem me atentar que posso fazer com o estalar de dedos.

-Isso é bem normal. E você já consegue fazer magias complexas? Lembra-se como realiza-las?

Ele sorriu. – Sim, nunca deixei de treinar, mesmo com aquelas malditas pulseiras. Todas as marcações, posicionamentos, tempo, escritos rúnicos, entoações, todos relembrados constantemente.

Frigga estava orgulhosa. – Meu querido filho, seu nome será grande ainda, para além de Asgard!

-A senhora viu isso? – ele perguntou curioso. – Em seu tear?

-Sim. Mas foi só o que vi. Deverei consultar novamente o futuro em breve e visitar as Norns. Asgard necessita estar segura, sempre. E nós com o reino.

Ele assentiu. Sua mãe sempre monitorava o futuro em busca de algo que pudesse prejudicar o reino. Se houvesse algum episódio dessa natureza, ela e o rei deveriam convocar o Conselho e estudar medidas preventivas, até que o futuro se alterasse positivamente.

-Loki, fiquei pensando se você conhecia algum feitiço para alterar o tempo. Como chuva. – Ela sorriu observando a careta do filho. – Agora, com o retorno de sua magia, não gostaria de tentar?

-Mãe, nunca lidei com esse tipo de magia. Ela necessita que seu executor seja alguém ligado à terra e aos ares, um ser especial. Lady Freya se encaixa nessa descrição. Talvez Idunn, se ela fosse uma feiticeira de alto nível.

Frigga suspirou. Loki tinha razão, seres com vida finita como a deles não tinham poderes de tamanho alcance. Freya existia antes de todos. A rainha soube de relatos que a bruxa tinha outra aparência nos tempos de Borr, uma aparência masculina e se assemelhava ao seu irmão Freyr. Idunn sempre optou por uma aparência feminina, mas as feições também foram alteradas no decorrer do tempo.

-Sou uma mãe, e sempre penso que meus filhos são especiais, acima de todos.

Loki riu. A elevação do status de suas crias sempre era um desejo de ser especial também.

-Mãe, soube pelo príncipe Malvik da recepção que a rainha Lena fará. Fomos convidados?

Ela franziu a testa, pensativa. – Sim, por quê?

-Ora... Gostaria de ir. Eu iria ser avisado do evento?

Frigga suspirou. – Não. Eu não quero você em Vanaheim, por uns tempos. Eu e seu pai decidimos isso. E você sabe o motivo.

-Oh, posso imaginar. – Ele estava nervoso. – Bom, acho que posso então falar do motivo. Eu pensei muito e gostaria de me casar com Sigyn. Em definitivo. Ela é a esposa ideal para mim.

Frigga ergueu uma sobrancelha, pasma. Ela levantou-se e foi andando até a varanda, olhando a paisagem que se apresentava. Oh, Norns!

Loki foi andando com cuidado até ela, ficando ao seu lado enquanto aguardava algum pronunciamento da rainha. Ele a ouviu dar um risinho e Frigga balançava a cabeça. – Eu tento entende-lo, Loki, mas às vezes é difícil. Quantas vezes eu quis ouvir esse pedido, poupar tristezas, abreviar dificuldades e vê-lo feliz? Você e Sigyn? Pensei ter percebido uma resolução firme de sua parte, de não se casar com ela.

Ele engoliu em seco. – Eu a quero perto de mim, mãe. Não sei se a amo, mas isso não é importante. Ela é minha melhor amiga e pode ser a melhor escolha para mim.

-Loki, casar sem amor não é um problema. Isso talvez se adquira depois. Mas veja que a moça em questão tem uma péssima reputação e sinto em dizer que é por sua culpa. – Ela suspirou. – Eu preciso ver com seu pai se é conveniente para você e para Asgard.

-Oh, claro! – E ele bufou em frustração. – Sigyn é uma donzela perfeita, culta, inteligente e muito bonita. Reúne todas as qualidades necessárias para ser esposa de um príncipe.

-Deveras é, deveras é. Como já informei, seu pai decidirá. E espere por qualquer resposta, Loki.

O rapaz assentiu ainda frustrado. Odin poderia recusar e continuar as negociações de casamento com uma das filhas do rei Hagavik, o que era mais vantajoso para Asgard. Um duplo arranjo com Vanaheim, dois elos fortes entre os reinos. E Loki sabia que seria muito infantil se tentasse lutar contra. Foi ele quem tinha escolhido esse caminho, só poderia esperar por compreensão. – Tudo bem, mãe. Falará com ele hoje?

Ela balançou a cabeça positivamente. Seria uma tarefa árdua. – Mas você continua proibido de ir à recepção de Vanaheim. Pedirei a Thor para estar ao seu lado, enquanto isso.

E um longo suspiro raivoso foi ouvido.

 

~o ~

 

A carruagem balançava suavemente enquanto rolava pelos caminhos das vilas de Vanaheim. Sigyn observava, pela janela, a paisagem que passava rapidamente à luz do crepúsculo. As campinas tinham passado e agora divisava-se uma floresta de pinheiros ao longo do caminho, os tons de verdes misturando-se a um amarelado aqui e acolá. Ela ainda pode apreciá-los enquanto sua mente trabalhava. Sua carta estava escondida em seu vestido, deveria haver alguém que pudesse enviar a correspondência até Asgard, até Loki, caso ele não estivesse na festa.

Sua mãe estava silenciosa ao seu lado, às vezes com olhos fechados, como se dormisse, mas Sigyn sabia que ela apenas meditava. Nanna e Jörd, extremamente bem arrumadas e bonitas, estavam a sua frente e tagarelavam sobre diversos assuntos, sempre os concluindo com risadinhas. – Há diversos rapazes bonitos na corte.

-Oh, se há, Nanna, fico imaginando se alguém se interessar por minha pessoa.

Sigyn franziu a testa. – Mas não podem cortejá-las, podem?

-Os aldeões é que não podem – respondeu Jörd, corada. – Foi isso que papai disse. Mas ele não falou nada sobre jovens da corte.

Nanna assentia. – Sim, é verdade. Jovens da corte são infinitamente melhores que nossos pobres aldeões.

-Os guerreiros frequentam a corte? – perguntou Sigyn.

As filhas de Ólafur se entreolharam. – Não temos guerreiros aqui, Sigyn, - respondeu Jörd. - Apenas alguns guardas distribuídos por aí. Vanaheim é protegido pelo seu reino.

-Oh, é verdade. – A jovem de Asgard se lembrou de alguns comentários de Loki a respeito. Vanaheim não pode ter exércitos e nem formação de guerreiros, visto que Asgard se incumbiu dessa tarefa, em acordos antigos entre o então rei Borr e o rei Merik.

-Eu gostaria de conhecer alguns guerreiros – declarou Nanna sorridente. – Eles são bonitos, lá em seu reino?

-Sim, são todos muito bem-apessoados. O maior e melhor de todos, é claro, é o príncipe Thor. Vocês nunca viram os que estão em patrulha por aqui?

-Nunca vieram à nossa vila. – disse Jörd. – As donzelas, quando sabem que eles estão em algum lugar próximo, correm com suas carruagens para vê-los.

-Não fazemos isso, é claro, temos nossa dignidade – e Nanna erguia o queixo, tentando demonstrar o que dizia.

-Muitas se casaram com um guerreiro Áss, um bom casamento.

Nanna deu de ombros, um pouco despeitada, e bufou pesadamente.

-Irmã, não fique assim. Os nossos futuros maridos serão lindos também.

-Que Norns a ouçam! Eles precisam parecer com os guerreiros! Oh, por favor!

Sigyn deu uma risadinha alegre. Ah, se elas soubessem que Loki era o mais lindo de todos os Aesir! Ela achava até mais que o grandioso Thor. Não tinha o físico potente, os músculos de ferro, o tamanho gigantesco, mas era lindo! Ela gemeu suavemente, encantada com suas lembranças. “E ele é só meu”, pensou, ignorando sua razão.

Ela ficou observando as meninas a sua frente e viu o quanto elas estavam bonitas. Nanna fez um belo arranjo em seu cabelo escuro, amarrando-o no topo de sua cabeça e deixando cair alguns cachos em cascata. Ela tinha colocado uma pintura no contorno de seus olhos, realçando seus grandes olhos azuis. Joias completavam o quadro, fazendo-a parecer mais madura do que realmente era. Já Jörd optou pela discrição, com seus cabelos amarrados num coque simples e um broche completando o penteado. Ela tinha um vestido comprido e leve, com alguns bordados brilhantes em alguns pontos; sua irmã vestia um com um belo decote e uma fenda na altura da coxa.

Sigyn olhou-se com um olhar mais crítico: seu vestido negro, de gola alta, ajustado no tronco e solto da cintura até os pés, era sisudo demais. Uma gargantilha de ouro por cima da gola era a única joia que usava. A serviçal de Lady Laran fez-lhe um bonito penteado, com tranças espalhadas em seu cabelo dourado que se encaminhavam para sua nuca e alguns brilhos dispersos em sua cabeleira.

-Meninas, vocês terão muitos pretendentes hoje. – avisou Snotra, que abrira seus olhos e observava as jovens. – Aproveitem a juventude, mas com prudência.

As meninas assentiram rapidamente com a cabeça, ficando em silêncio logo após. Sigyn olhou para fora da carruagem, prostrando-se em tristeza novamente.

Após um longo tempo a paisagem foi mudando, o próprio caminho tornando-se calçado, casebres e construções foram se tornando constantes até chegarem a uma grande muralha e em frente a um portão gigantesco de ferro que estava entreaberto. Guardas falaram com o condutor e logo a carruagem tornou a andar, adentrando as muralhas. As meninas olhavam espantadas pela janela, olhando todo o entorno com encantamento. Nem mesmo Sigyn ou Snotra puderam disfarçar o entusiasmo, tudo ao redor estava brilhante e iluminado devido as tochas espalhadas pelo local. Quando a carruagem parou novamente foi em frente a uma escadaria imponente com diversas pessoas em prontidão.

-Senhoras, - disse um senhor que abria a porta da condução para elas saírem – serão escoltadas até o salão da recepção.

Elas assentiram e colocaram suas capas, subindo as escadarias acompanhadas de uma mulher e de dois guardas. Chegando ao fim, viram uma porta de carvalho aberta e um som vindo de dentro do grande salão. Sigyn reconheceu que tocavam lira e ocarina numa melodia leve e agradável. Sons de vozes também eram ouvidos, num burburinho alegre e confuso. – Por favor, senhoras, deem-me suas capas. – Disse a serviçal. – A rainha as espera no salão. – E ela fez uma mesura.

Ao entrarem no salão, elas são anunciadas por alguém em voz alta e todos se voltam para elas e alguns fazem mesuras. Sigyn ficou impressionada com a quantidade de pessoas que lá estavam e com a riqueza da decoração. Uma senhora muito elegante aproximou-se delas e as cumprimentou. – Vejo que são Lady Snotra e convidadas. Sou Lady Holda. – Ela tinha cabelos acinzentados num grande coque acima da cabeça e adornos em ouro.

-Lady Holda, estamos felizes pelo convite nos dias da rainha. – disse Snotra polidamente. – Nossos cumprimentos e um presente foram enviados nesta manhã.

-Oh, sim, claro. – Holda deu um meio sorriso. – Por favor, venham até nossa rainha Lena, juntamente com o rei Hagavik.

Sigyn ouviu uma das meninas darem um longo suspiro de emoção. Todas se encaminham mais para frente, seguindo Holda, e os outros convidados as avaliavam abertamente. A música aumentou sensivelmente e a jovem de Asgard percebeu que estavam indo ao encontro dos músicos também. Ela pode divisar a seção da realeza ao fundo, onde havia cadeiras de espaldar alto e dourados e nelas estavam dispostos o rei, a rainha, ambos com suas magníficas coroas, e os príncipes. Holda aproximou-se deles e fez uma longa mesura. – Majestades, príncipes.

Snotra e Sigyn fizeram o mesmo, curvando o suficiente suas cabeças. Nanna e Jörd as imitaram.

-São essas nossas visitantes de Asgard? – era o rei que perguntava. Sua voz era rouca e profunda, um pouco cansada. Sigyn olhou para ele e percebeu sua idade avançada e evidente fadiga. Ele parecia mais velho que o rei Odin, seus cabelos brancos estavam escassos, rugas estavam proeminentes e um leve tremor era notado em suas mãos. – Lady Snotra e sua filha, Lady Sigyn.

-Sim, Majestade – confirmou Holda. – Essas são as acompanhantes, Lady Nanna e Lady Jörd, filhas do senhor Ólafur e Lady Laran.

Ele assentiu, parecendo satisfeito. A rainha sorria polidamente enquanto as analisava. Lena era bem mais jovem que o rei, seus cabelos ruivos eram lisos e compridos, suas tranças iam até seus joelhos, ela vestia um vestido dourado, com algumas tiras em tecido preto que envolvia seu tronco e braços. O colar que ostentava era incrustado com pedras brilhantes. – Senhor Ólafur possui uma formidável criação de lyeag. O príncipe Malvik deseja ter um para seu uso. Um dia desses solicitaremos a sua compra.

Foi nesse momento que Sigyn notou os príncipes da casa, que se movimentaram para perto de seus pais. Malvik, que ela já conhecia, sorria abertamente para ela. O cheiro desagradável dele ainda não atingia suas narinas. Ao lado dele estavam três moças vestidas com esmero, porém apenas uma era realmente bela. Sigyn adivinhava que seria a noiva de Thor, princesa Astrid. Ela olhava para todos com cabeça erguida e olhos penetrantes, olhos esses miúdos e azuis claros.

-Sim, gostaria muito de voar com ele – disse Malvik. – Um príncipe não deve andar como os comuns. Ainda mais um príncipe herdeiro.

Sua mãe deixou cair o sorriso e olhou para ele severamente, porém o príncipe não percebeu e continuou a falar. – Em breve o rei terá passado e mudarei muitas coisas aqui. Como rei, terei coisas exclusivas para mim.

-O rei viverá muito ainda, príncipe – cortou Lena. – Concentre-se em aprender primeiro.

-Senhoras – disse Holda – esses são os príncipes, - e apontou para Malvik – o príncipe herdeiro, Malvik, e as princesas Astrid – e a bela moça sorriu, - Niva, - era a mais feiosa, com um nariz um pouco torto e não fez questão de sorrir, - e Otta. – Essa era bem rechonchuda, de bochechas bem vermelhas e olhos castanhos, seios fartos e seus cabelos eram bem loiros, quase brancos. Seu sorriso era bonito e sincero.

-Príncipes – e fizeram suas mesuras.

Malvik se aproximou de Sigyn e beijou-lhe a mão com delicadeza. – Lady Sigyn, conceda-me uma dança! Estou maravilhado que aqui esteja e gostaria de ouvir sobre sua estada aqui em nosso reino.

Ela olhou para sua mãe, que aquiesceu, não notando o olhar de desagrado da rainha. O cheiro do príncipe começou a atingir suas narinas, um cheiro podre. – Sim, Alteza.

Guiando a jovem pela mão, Malvik foi abrindo caminho entre as pessoas até o centro do salão, onde havia alguns casais dançando ao som da música dos tocadores. Ele curvou-se a ela e Sigyn fez um cumprimento e ambos começaram a dançar. Ela pode ouvir alguns comentários e risos, e, de relance, várias pessoas apontavam para eles. Malvik parecia não notar.

-Então, Lady Sigyn, está na vila de Reykjavík, na casa do Senhor Ólafur. Está gostando?

Ela sorriu enquanto tentava respirar somente pela boca. – Sim, é bem agradável e tranquilo, Alteza. – E eles rodopiavam.

-Por que se afastou do príncipe Loki? Pensei que estavam enamorados ou algo assim.

-Sou noiva de Theoric, como o próprio príncipe lhe explicou em uma ocasião.

Ele sorriu. – Então o príncipe realmente vai se casar com uma das minhas irmãs! O rei Odin esteve aqui em negociações com meu pai. Talvez seja Otta, mas Niva ficou entusiasmada. Não que seja da conta delas, é claro. Porém o príncipe Loki é bem bonito e desperta certo furor nas moças. E nos homens também.

Sigyn arregalou os olhos e suas mãos ficaram trêmulas. O rei esteve aqui? Para casar Loki?

-Ele será meu cunhado, veja só. – E ele deu uma risadinha. – Tentei fazer-lhe a corte, mas ele não deve ser ergi. Espero mais sucesso depois, quando ele vier mais a Vanaheim. Ele pode servir a duas camas.

Ela se desvencilhou e olhou para ele com fúria. Como ousa dizer algo assim para ela? E sobre Loki? Malvik era nojento demais, nos modos e na alma. – Alteza, isso não é assunto para uma donzela.

Malvik pegou novamente suas mãos e a trouxe para si com força. – Continuemos a dançar, Lady. Não terminei. – Ela sentiu-se gelar e tentou não falar mais nada. O príncipe não gostava de ouvir. – Vai ser interessante ver sua reação quando ele se casar. Vou querê-la no casamento deles. – Ele fez um estalo com a língua. – Você mantém sua virtude ainda? É claro que deve manter. Mas ainda é muito jovem, tem todo tempo à sua disposição.

Sigyn sentia uma repulsa imensa contra Malvik, porém ela mantinha uma expressão neutra, o rosto virado para os convidados, sem coragem de encarar seu par. Ela vislumbrou uma moça olhando fixamente para ela enquanto bebia alguma coisa. Uma bela moça ruiva de olhos azuis intensos. Oh, Norns!

O príncipe ainda falava, mas a jovem resolveu abstrair, pensando em outras coisas, pensando em Loki. A música nunca acabava, ia se renovando, e Sigyn esperava que Malvik se cansasse dela, pois o bom de uma tortura é o sofrimento da vítima. Um homem bem arrumado, com anéis e outras joias, aproximou-se deles com um sorriso. - Príncipe Malvik! Vejo que encontrou alguém para si.

Ele virou-se e cumprimentou secamente o homem. – Senhor Ingvarr Nielsson, folgo em vê-lo nos anos da rainha.

-É um evento que eu não perderia por nada, meu Príncipe.

Sigyn foi se distanciando aos poucos dos dois sem que percebessem, invisível que estava para eles. Foi procurar sua mãe e a avistou ao longe, com Lady Holda. As meninas não estavam próximas. Enquanto ia em direção a elas foi interceptada por dois jovens muito bonitos, que a seguraram pelo braço. – Uma donzela sozinha num baile? Isso merecia uma reprimenda pública, é inaceitável. – Disse um deles sorrindo, um belo sorriso.

-O senhor não encoste a mão em mim! – Exigiu Sigyn puxando seu braço com força. – Sou uma Lady de Asgard!

-Oh, lá as mulheres também são guerreiras, manejam bem a espada. – Comentou o outro, atento às ações da moça. – Qualquer hora eu gostaria de lutar consigo.

Ela olhou espantada para o rapaz. Ele estava sério e bebia seu vinho com calma. – Seria um prazer, senhor. As mulheres de Asgard sabem se defender.

Ele assentiu com a cabeça e Sigyn saiu de perto deles, indo direto para sua mãe. Snotra ria de algo que Holda dizia e parecia que haviam se dado muito bem. – Lady Holda, nós temos por costume examinar os pretendentes por dois critérios: bens e dentes.

Holda riu. – Aqui somente pelos bens. Como pode ver, os dentes não são prioridades. – E riram.

Naquele momento surgiu uma serviçal, que entregou uma mensagem a Holda. Essa leu rapidamente o que estava escrito e suspirou. – Se me dão licença, tenho alguns afazeres. Por favor, sirvam-se a vontade de nosso vinho e comida. – E ela se retirou.

-Mamãe, acho que não gosto dos Vanir. – Sigyn afirmou em voz baixa.

Snotra assentiu com expressão desgostosa. – Terra de bárbaros! Não reconhecem hierarquias, não diferenciam nobres de plebeus. – Ela olhava para todos os lados. – Onde estão as filhas de Laran? Espero que não me deem problemas.

Sigyn deu de ombros, olhando para os convidados. Uma música bem animada começou a tocar e vários casais se posicionaram no salão, iniciando uma dança coletiva. Os que assistiam começaram a bater palmas de modo cadenciado, incentivando os dançarinos. A jovem asgardiana viu Nanna e Jörd no meio deles, acompanhadas cada uma de um jovem e dançavam alegremente. Ela mostrou a sua mãe, que suspirou aliviada. – Estão bem, estão bem.

Um homem de certa idade aproximou-se delas e convidou Snotra para uma dança. – Oh, senhor, eu não sei, eu...

-Por favor, Lady. Será uma honra!

-Vá, mamãe, ficarei bem aqui aguardando. - disse Sigyn.

Ela concordou e Sigyn ficou sozinha, olhando a multidão. Diversos rapazes a interpelaram com convites, mas ela recusou a todos. Tomou um pouco de vinho e foi andando pelo salão, respondendo laconicamente as perguntas que lhe jogavam. Uma esperança vã pairava em seu coração, que alguém de Asgard, qualquer um, aparecesse na festa. Afinal, eram os anos da rainha de Vanaheim, por Norns! Quando o rei Odin e a rainha Frigga virão? E os príncipes?

-Sozinha? Nenhum nobre lhe agradou?

Ela virou-se e viu a princesa Astrid próxima a ela. Aquele mesmo olhar arrogante estampava no rosto da belíssima donzela. – Você não é muito de conversar, não é? Ou está enfadada? – A princesa a avaliava sem nenhum pudor.

-Alteza, temo ser muito tímida.

-Bobagem! Você pode ser muitas coisas, Lady Sigyn, menos tímida.

Sigyn ficou muda olhando para Astrid e aguardou o próximo movimento da princesa.

-Você é uma típica donzela Ásynja: arrogante em sua medida, inteligente, corajosa e muito determinada. Acertei? – Astrid tomou seu gole de vinho.

-Se Alteza assim o acha, resta-me aceitar.

Astrid deu uma gargalhada, chamando a atenção de todos. Um serviçal veio encher novamente sua taça e retirar-se rapidamente.

-Falsa, muito falsa. – Ela acusou, olhando fixamente para Sigyn. – Diga-me, se casará com Conselheiro Theoric? Aquele paquiderme? Ele é muito feio.

-Ele é apropriado.

-Bobagem! – Astrid fez um muxoxo. – Você gosta de outra pessoa, assim disseram por aí. De um príncipe.

Sigyn permaneceu quieta. Não era para uma maldita princesa que iria abrir seu coração.

-Bom, não quer confessar, não forçarei, - disse jogando os cabelos para trás graciosamente. – Diga-me, então, como é o príncipe Thor de verdade. É bom na cama?

Ela corou fortemente, arregalando os olhos para a princesa. – Não sei dizer.

-Dizem que ele tem muita força, se é que me entende. Sua futura esposa necessitará de muita energia. – Deu de ombros. – Isso eu tenho, só me entedio facilmente. A vida é um tédio, aliás.

-Quando amamos, a vida passa a ter outro significado.

-Oh, sério? – E ela dá outra risada. – Sabe por experiência?

-Não é só amor romântico, mas também o amor por alguém, um amor desinteressado. Como por um pai, uma mãe.

-Bobagem! Você acredita mesmo nessas coisas? Anda lendo livros muito bobos. Vi que dançou com meu irmão, e que causou a ira da futura rainha de Vanaheim. - Astrid apontou para a jovem ruiva que estava ao longe olhando para elas. - Problemas, problemas.

Sigyn olhou para a noiva de Malvik e fez um leve cumprimento. Depois sorriu sem graça para Astrid e fez uma mesura para a princesa, afastando-se dela logo depois. Como era desagradável, a família real toda era desagradável? Ela foi andando pra fora do salão, querendo respirar um ar puro e pensar sobre sua vida. Chegando numa varanda, encontrou Holda com uma serviçal. Parecia que discutiam.

-Pode se retirar – mandou Holda para a subordinada assim que viu a asgardiana. Quando a sós, ela voltou a sorrir. – Perdida de sua mãe?

-Ela está dançando e fiquei só. Perdoe-me por atrapalhar e...

-Não, não, está tudo certo! Só dando umas ordens, Lady. Coisas do palácio.

-Posso lhe fazer uma pergunta?

-Claro!

-Teria como mandar entregar um envelope para mim? É para alguém do palácio de Asgard.

Holda demonstrou surpresa. – Oh, claro, Lady. Será um prazer.

Sigyn retirou o envelope de seu vestido e entregou-o para ela. – É urgente, se puder ser enviado amanhã, logo de manhã, seria muito bom.

-Claro, isso será feito. – E Holda colocou o envelope atrás de seu cinto.

-Posso lhe fazer outra pergunta? – E Sigyn mordia os lábios.

-Sim, por favor.

-Onde estão os reis de outros reinos? Reis, rainhas, príncipes... Não são os dias da rainha?

Holda ficou pensativa por um tempo e depois sorriu. – Asgard virá, foi confirmado. A realeza e alguns Conselheiros. Já Lady Freya e o Senhor Freyr, em geral, não saem de seu palácio. São bem reservados. O regente Brokk declinou do convite, e não estabelecemos contatos com os elfos.

O coração de Sigyn estava acelerado. Ele virá? Loki virá?

-Obrigada, Lady Holda. – Ela procurava respirar.

A Van franziu a testa. – A música acabou faz um tempo. O que será que aconteceu? – E ela se dirigiu apressada para o salão, com Sigyn atrás.

Sigyn parou na entrada, estática. Lá estavam o rei Odin e a esposa cumprimentando a realeza Van, junto com dois Conselheiros e suas respectivas esposas. Ela viu sua mãe próxima a eles, talvez na expectativa de falar alguma coisa. A jovem olhou para todos os lados, procurando por ele, mas parecia que Loki não tinha vindo. Ela forçou-se a andar em direção aos reis, esgueirando-se entre a multidão alegre e falante, e antes que pudesse fazer algo, a rainha Frigga virou-se para ela e sorriu. – Lady Sigyn, que bom vê-la.

-Estamos encantados! – disse Snotra, segurando a mão da filha. – Majestade, é bom vê-la e bem!

Frigga inclinou sua cabeça com um meio sorriso. – Os príncipes não vieram. – Disse sem rodeios. – Tiveram algumas atividades a realizar. – E a rainha jogou seu leque a sua frente, abanando-se suavemente, e dando-lhes as costas em seguida.

Snotra fez uma mesura e afastou-se dos reis, levando a filha consigo. – Não faça nada imprudente, Sigyn! – Sussurrou entredentes. – Isso é sério!

A jovem desvencilhou-se da mãe e foi andando em direção a mesa de vinhos. Um dos serviçais lhe serviu uma taça e ela tomou tudo em um só gole. Em poucos segundos Sigyn sentiu um grande mal-estar e recostou-se em uma coluna, tentando garantir sua dignidade. Loki não estava lá. O mundo estava cinzento, ainda.

O restante do tempo transcorreu sem muitos transtornos. Sigyn conversou ainda com as princesas Niva e Otta, que foram mais simpáticas e agradáveis que seus irmãos. Ela gostou, sobretudo, de Otta, que era mais delicada e sensível, além de gostar muito de ler, hábito em comum entre as duas. A princesa prometeu a Sigyn que enviaria alguns livros a casa de Ólafur para ela. – Impossível ficar sem leitura, acho que morreria sem meus livros!

Após a distribuição do bolo e do discurso da rainha, Lady Snotra chamou sua filha e as filhas de Ólafur e foram embora. Nanna olhava o tempo todo para trás quando estava na carruagem, talvez torcendo para que algum nobre Van a resgatasse de lá. Jörd tinha um leve mau humor e não quis explicar o motivo.

Sigyn encostou-se ao seu banco e deixou-se embalar pelo balançar da carruagem, adormecendo logo depois.

~o ~

Frigga caminhava em seus aposentos, ajeitando seus cabelos e torcendo as mãos logo após. Deveria falar com seu marido sobre Loki, novamente. Ela sabia que ele ficaria furioso, esbravejaria, mas, com alguma sorte, logo aceitaria o desejo do filho e iniciaria as negociações com Lady Snotra e o Conselheiro Theoric. Talvez ela fizesse isso, sem impor, mas conquistando as vontades. Oh, Norns! Que seu filho seja feliz! Se Frigga pudesse, deixaria o seu caçula sempre próximo a si eternamente, aos seus cuidados. Seu filho bebê.

Odin entrou no quarto já tirando seu longo casaco e indo preparar-se para o banho. Frigga o seguiu silenciosamente e o rei ergueu a sobrancelha enquanto tirava sua roupa. – Vai me dar um banho, esposa?

-Se assim o desejar, marido. – E ela sorria ternamente. – Foi uma festa cansativa.

Frigga dirigiu-se até a banheira e, ao encostar um dedo nela, imediatamente encheu-se de água. Com um gesto essa água tornou-se tépida e um cheiro delicioso exalou no ambiente. – Um pouco de perfume, meu querido.

Ele assentiu, satisfeito, e entrou na banheira e relaxou. Frigga pegou um frasco contendo um líquido azul e derramou em um pedaço de pano, que usou para esfregar as costas do rei. Avançou para todo corpo, extraindo gemidos de prazer de Odin. Pegou outro frasco, cujo líquido despejou diretamente nos cabelos dele e começou a massageá-los. Ele estava tão relaxado que quase adormeceu. – Está bom?

-Como estar em Valhala, Frigga.

Ela sorriu e começou a tirar toda espuma dele; depois o secou e o ajudou a vestir sua túnica de dormir. – Confortável?

-Oh, sim. Agora você vai me dizer o que a aflige?

-Nada lhe escapa, marido.

-Nada, esposa.

Ele foi para debaixo das cobertas, seguido de sua esposa, e ele a abraçou depositando beijos em sua fronte. – Se o assunto não for Loki, poderá falar agora mesmo. Se for nosso terrível filho, prefiro deixar para amanhã.

-Ele não é terrível, Odin. É nosso caçula.

-Seu caçula. Loki não é meu filho.

Ela afastou-se dele abalada. – Você o levantou como seu perante toda Asgard e os nove reinos. Ele também é seu, sua responsabilidade!

Odin bateu com a mão no colchão exasperado. Sempre Loki! Sempre ele para causar discussões entre sua esposa e ele. – Então diga logo o que esse rapaz quer desta vez. Ele é cheio de vontades, Frigga! Thor nunca me deu trabalho, sempre obediente, ele é um exemplo!

-Loki quer se casar com Sigyn. Ele decidiu isso.

Odin olhou pasmo para ela e logo depois começou a rir, chegando a gargalhar. – Claro, claro, essa é uma decisão dele. Ele pode escolher quem ele quiser!

-Ele quer de verdade, Odin. Serão duas pessoas felizes, e por que não?

-Casamento não tem a ver com felicidade e sim com compromisso. Felicidade vem depois, nós sabemos disso!

-Ele tem apreço por ela e não quer que Sigyn sofra com Theoric. Eu vejo que Loki não a ama de verdade, mas tem muito carinho por ela, Odin! Será uma união muito produtiva.

-Produtiva? Não darei um ano para que ela queira se separar por qualquer motivo, que corra para as saias da mãe, chorosa e lastimável. Loki não é fácil e ela descobrirá isso do pior jeito. Enfim, estou poupando essa descerebrada de problemas futuros.

Frigga conteve um suspiro. – Loki será um marido adorável. Ele tem os mesmos gostos que ela, ambos se darão muito bem como marido e mulher, assim como são como amigos.

Odin deu de ombros. – Isso não importa. Já estou quase fechando um acordo com Hagavik sobre uma das filhas dele. Gostei da princesa mais robusta, dará ótimos herdeiros. Só precisamos ficar atentos ao nascimento deles, as crianças podem nascer azuis.

-Loki não é azul, por que elas seriam?

-Podem seguir o sangue, apenas isso. Ou azul ou com aquelas horríveis orelhas.

-E isso nos desmascararia. – Sussurrou Frigga, pálida. – E marcaria as crianças para sempre. Devemos estar presentes no parto.

Odin virou para seu lado da cama, irritado. – Eu quero dormir em paz, Frigga. Deixe-me.

-Vai pensar nisso, marido? Sobre Loki?

Ele grunhiu alguma resposta e Frigga não o pressionou mais. Seria melhor voltar ao assunto no período do desjejum. E torcer para que o humor dele estivesse melhor.

 

~o ~

 

Uma grande tempestade varria as ruelas das vilas. Pessoas choravam, tentando se esconder da grande ira. Casebres eram lançados ao longe, mulheres agarravam-se aos seus filhos em pânico. Trolls riam enquanto, com suas clavas, arrasavam casas e pessoas. Uma criança corria por vários caminhos, sozinha e chorando, até chegar próximo a uma árvore. Ela olhou para cima, fixamente em alguém, e disse com ódio: - Foi sua culpa! Tudo sua culpa!

Loki ergueu-se da sua cama suado, o coração batendo apressadamente. Ele levantou-se e correu para jarra d’água, tomando um copo em um só gole.

Foi sua culpa! Tudo sua culpa!

A criança... Ela olhava para ele, era para ele a acusação.

Loki voltou a sua cama e tentou lembrar mais detalhes do seu pesadelo, mas tudo ia ficando obscurecido, partes do que vivenciou agora eram apenas borrões. O que ficou de tudo era a acusação. Pesadelos, para feiticeiros, nunca eram meros sonhos ruins. Em geral eram presságios.

Ele conjurou uma esfera verde em suas mãos e ficou olhando para ela, tentando se acalmar. As luzes verdes se refletiram no quarto todo, criando longas sombras em todo local. Loki queria sua mãe com ele, ela saberia acalmá-lo. Ou Thor. Após o jantar no salão ele despediu seu irmão com indiferença. O guerreiro havia insistido em ir com ele, mas o tinha repelido com firmeza. O olhar de tristeza dele não comoveu o mago.

Agora ele estava lá, pensando em seu irmão. Não era mais possível que ele dormisse com ele, não era mais. Thor estava passando dos limites novamente. Loki sabia que era questão de dias que o guerreiro voltasse às velhas práticas, Thor e ele. Isso não podia acontecer, nunca mais!

Loki olhou a sua volta, o vazio era muito gritante. Ele via as sombras, imaginou que elas iam contra ele, o sufocando. Pensou até ver uma se mexendo, mas que bobagem! Se ele mexesse a esfera, era óbvio que elas também se mexeriam.

Thor...

Ele levantou-se da cama e colocou seu casaco, indo correndo para a porta. Fora de seu quarto, no corredor iluminado por tochas, foi caminhando em direção ao quarto de seu irmão. Ele não bateu a porta dele, foi entrando e, no início, uma grande escuridão tomou seus olhos, mas logo foi se adaptando a luz das velas que estavam no ambiente. E...

Thor não estava só.

Ao lado dele estava uma moça muito bonita e nua, enrolada no corpo dele e adormecida. No lado oposto estava Idunn, também aconchegada ao príncipe, também sem roupa nenhuma. Como Thor.

Loki ficou paralisado por um momento, sentindo-se muito estúpido em ter invadido o quarto de seu irmão. Era claro que Thor nunca estaria sozinho, era o guerreiro mais cobiçado de Asgard, as mulheres disputavam um lugar em sua cama.

O mago foi andando para trás com cuidado e, quando chegava à porta, esbarrou em algo no aparador e um barulho fino ecoou no local. Maldição. Thor se mexeu um pouco, abrindo seus olhos em direção a silhueta que estava saindo às pressas. - Loki?

Loki voltou ao seu quarto correndo e jogou-se na cama, cobrindo-se até a testa. Procurou suavizar sua respiração e fingir que dormia profundamente. Thor iria atrás dele, isso era certo. E não demorou muito para ouvir sua porta se abrir e alguém subir em sua cama. Uma mão deslizou pelos seus cabelos, jogando algumas mexas para trás, descobrindo sua testa. Sua coberta foi puxada para revelar seu rosto e Loki fingiu que acordava, esticando seus braços, mas não teve coragem de abrir os olhos, ainda não.

-Loki!

A voz de Thor chamou ao longe, enquanto alguém batia a porta.

-Loki, abra essa porta. Eu sei que foi você.

Ele abriu os olhos, assustado. Ao seu lado não havia ninguém, ele estava só. Oh, Norns...

Loki foi apressado abrir a porta e olhou para seu irmão como se visse um espírito. O guerreiro estava com um roupão e entrou no quarto, olhando para todos os lados. – Você foi ao meu quarto agora?

Ele não conseguiu mentir, sua mente estava confusa. – Sim, eu...

-Você não sabe bater? – Thor estava aborrecido.

-Sinto muito. – O jovem foi até sua cama e sentou-se cabisbaixo. Quem havia entrado no seu quarto, minuto antes? Quem o tinha alisado? Loki sentiu um arrepio de asco em seu corpo.

-E por que você foi lá? Estava precisando de algo?

O feiticeiro franziu a testa, com mau humor. – Volte para suas amantes, Thor. A cama deve estar esfriando.

-Já as dispensei, irmão.

O outro deu de ombros. – Chame-as de volta ou peça outras. Qualquer guarda traria o que você quisesse.

-O que aconteceu? – insistiu indo até o seu irmão caçula.

-Nada. Bobagem minha. – Loki cruzou os braços, ainda cabisbaixo.

Thor sentou-se ao lado dele e o abraçou ternamente. – Desculpe minha rispidez. Você pode ir quantas vezes ao meu quarto, é que... Você corre o risco de ver coisas particulares.

Loki rolou os olhos. – De você fodendo alguém? Oh, novidades!

-Então, o que aconteceu?

-Thor, eu tive um pesadelo. E fiquei com medo, só isso. Sinto ter atrapalhado suas “particularidades”.

-Conte para mim.

Thor ainda abraçava o irmão, seu rosto enfiado na nuca dele e sua mão acariciando suavemente o braço de Loki. O mago sentiu uma onda calma atingí-lo, seu irmão sabia como deixa-lo tranquilo. Mas era de Thor, também, a fonte de muitas de suas apreensões.

Loki contou o que se lembrava do pesadelo e da sensação que sentira. Da estranheza das sombras, da mão que o acariciou, uma mão sem dono. – Eu pensei que era você.

Thor ergueu-se, olhando para todos os lados. – Dá-me sua adaga, Loki!

O feiticeiro entregou para ele e o guerreiro foi andando pelos aposentos, vendo atrás de cortinas, embaixo da cama, na sala de banho, na varanda, na sala de estudo e no laboratório. Estava tudo quieto e vazio. – Não há ninguém aqui, pelo menos por agora.

-Deve ter sido imaginação minha, por conta do pesadelo.

Thor tinha uma expressão severa. – Vou dormir aqui, Loki, mesmo que seja no chão. Não o deixarei sozinho.

Loki deu de ombros. – Podemos dividir a cama. – E ficou vermelho, imaginando as implicações dessa frase. Ele se acomodou na cama e seu irmão foi atrás. Thor encostou-se em Loki, segurando seu corpo contra o dele. – Assim posso sentir qualquer problema que vier – sussurrou no ouvido do irmão.

Loki pode sentir que Thor, discretamente, aspirava seu perfume novamente. Um arrepio passou por seu corpo e desta vez não foi de asco. Mas não quis pensar nas implicações disso. Somente que ele estava protegido, que estava com seu irmão.



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