Kirk parou de limpar para respirar e descansar, sentou no chão esticando a coluna que doía e engoliu o seco. — Por que parou? — perguntou o caseiro que o olhava de longe. — Eu... Eu só parei um pouco para descansar, minha coluna tá dolorida... — Não importa, volte a limpar. — Mas Alfred disse que eu poderia fazer quando quisesse — um sorriso desacreditado e irônico surgiu de forma maléfica no rosto do homem — Veio da Califórnia, certo? — o cacheado concordou com a cabeça — E você realmente pensa que um americano como você tem o direito de decidir algo aqui? — calou-se constrangido e voltou a limpar, tomado por mais uma humilhação ele quis gritar, chorar e de repente estava de volta à 1978, quando trabalhou em uma lanchonete, aos 16. — Você irá lavar os pratos hoje. — Mas hoje não é o dia do Mike lavar? Saio às sete hoje! — Ele tem um compromisso. — disse a garota que mascava incessantemente um chiclete há horas, também funcionária. — Eu não vou fazer isso! Tenho que estar em casa cedo hoje! — reclamou. — Lavar os pratos ou... — ela abriu a gaveta de dinheiro e fez menção em pegá-los — Não tem câmera... Posso dizer que foi você! Nerd esquisito, tira esse óculos horroroso! — jogou o óculos no chão, a armação frágil foi ao chão deixando as lentes despedaçadas. Kirk não disse nada, pegou os destroços do óculos, pôs nas mãos e colocou na mochila. Seguiu para a cozinha começando a lavar a pilha de louças. A garota provavelmente estava interessada em Mike, metia o dedo onde não era chamada quando se tratava do garoto, mudava de personalidade, aderindo uma maluca e obcecada por tudo que o garoto gostava. Defendia-o com unhas e dentes. Pensava Kirk. Ele negou com a cabeça encaixando tudo e vendo o quanto aquilo era ridículo, suspirou fundo e parou para enxugar o suor de sua testa. Quatorze horas seguidas de trabalho em um fast-food lhe enlouquecia, mas ele precisava da grana pra ajudar sua família. — Por que parou, esquisito? — questionou a garota e ele não lhe respondeu. Voltou a lavar. A menina lhe empurrou contra a pia, fazendo seu rosto chocar-se com as louças empilhadas de porcelanato, quebrando algumas e cortando seu rosto. Ele levantou a cabeça e levou a mão ao rosto, vendo a quantidade de sangue que saía de sua testa, havia sangue também na louça. — Se abrir a boca, já sabe — disse em um tom quase mudo. Ela saiu imediatamente do local e foi embora, sabia que Kirk não entregaria-a. Tranquilamente saiu antes que alguém visse o rosto do cacheado ensanguentado. Desde então, Hammett nunca esquecera desse dia e do quão doloroso foi aguentar ser apenas ele. Saiu do emprego assim que conseguiu dinheiro para um bom amplificador e mais itens para sua guitarra, começando a arriscar a vida de músico, uma longa jornada até chegar na TSAT, aos 20.
— Encomenda para o senhor! — disse o carteiro do palácio batendo na porta do quarto de Ulrich. Ele levantou em um pulo e pegou a pequena caixa. — Obrigado — disse seco fechando a porta em um baque e trancando-a. O jovem estava cada dia mais arisco, seu coração não pulsava mais de forma eufórica, era tudo tão monótono e repetitivo, estava há noites sem dormir pois passava as madrugadas afogando-se em suas próprias lágrimas de mágoa e saudades de quem seu coração tanto ama e pula de amor. Abriu a caixa sem delicadeza alguma e viu o que havia pedido. Estava tudo lá. Respirou fundo e abriu o pacote da seringa, pôs em cima da cama, sorriu largo ao pegar o outro pequeno pacote plástico dentro da caixa. Abriu-o também, seu vendedor era realmente bom: lhe deu uma colher de brinde. — Porra, o cara é bom, melhor assim, não precisarei roubar talheres daqui — sussurrou para si mesmo. Pegou seu isqueiro em sua gaveta de roupa íntima, colocou as pedras de pó em cima da colher e começou a cozinhar a droga. Os cristais estavam derretendo lentamente, talvez fosse o vento gelado da Alemanha impedindo. Fechou as janelas e as cortinas, voltou a acender o isqueiro. Derretia mais rápido agora. A heroína estava totalmente líquida agora na colher, Lars pegou a seringa e puxou todo o líquido para dentro, pegou o cadarço de seu tênis e amarrou no braço para injetar melhor, procurou sua veia e começou a injetar. Engoliu o seco magoado pelo motivo que lhe fizera usar heroína. Terminou e jogou os materiais usados em uma sacola para jogar fora depois. Respirou fundo e esperou o efeito lhe tomar, estava faminto e decidiu dar uma volta pelo palácio e procurar algo para comer antes que a droga lhe derrubasse na cama. De quarto em quarto, Ulrich passou, observou e viu o vazio, assim como todo o local, pacientemente, sentou no chão do corredor e começou a chorar, assim como todos os dias, ele esperava por Kirk ali, como uma pedra, sozinho e largado naquele gigante palácio real, nada nem ninguém poderia ocupar o lugar que Hammett tinha em seu coração. Aos poucos sentia a mágoa sumir, uma euforia intensa havia lhe tomado, mas algumas horas depois, viu que estava chegando a hora de cair definitivamente na cama, notou a garganta embolar e o cansaço lhe tomar, toda a consequência da droga lhe atingira como uma bola de neve. Decidiu andar um pouco mais para espantar toda a sensação, viu sua mão começar a tremer e as pernas também, apoiou no corrimão da escada e começou a descer. Tentava ao máximo aparentar normalidade caso Friederich aparecesse para lhe importunar. Foi ao salão de festas e pegou na dispensa de bebidas a mais forte que encontrara, virou diversos copos sem parar, ameaçou regurgitar mas continuou bebendo até não aguentar mais. Começou a ficar zonzo, pensou que fosse desmaiar, se apoiou no balcão e respirou fundo tentando recuperar seus sentidos. Percebeu que usar heroína e beber ao mesmo tempo foi uma de seus piores idéias, se arrependeu amargamente.
O caseiro entrou na sala novamente, o moreno respirou fundo — Vá preparar o jantar! Os legumes e as outras coisas estão na cozinha — ordenou o mesmo homem. Ele não relutou e obedeceu, rapidamente terminou de limpar e foi guiado até a cozinha. — Use tudo, corte todos os legumes. Eles estão famintos. — ele o fez. Suas mãos estavam criando pequenos machucados após tanto tempo cozinhando, havia se cortado com a faca sem querer, suas mãos estavam avermelhadas descansando mais de oitenta batatas e cenouras. Escutou um barulho sorrateiro no piso, alguém estava se aproximando. Kirk virou para trás para verificar: o som cessou. Voltou a preparar a comida. De repente uma respiração forte e pesada fora ouvida. Arregalou os olhos quando viu Mortalis atrás de si com a língua para fora. Sua respiração era alta e assustadora, o cão parecia faminto. — Oi... Garoto, tá com fome? — perguntou tentando não demonstrar medo, o cacheado não mexia um músculo da perna e o cachorro sentou-se olhando para Kirk. Seu focinho mexia freneticamente mostrando que ele cheirava alguma coisa. Hammett cortou um pedaço de frango e deu para ele. Abocanhou como se o alimento fosse um mísero grão de arroz: pequeno e fácil de engolir. Sua bocarra abria-se a cada minuto, demonstrando um claro sinal de desconforto e ansiedade. — Tá nervoso? Quer mais? — latiu uma vez. — Ok! Eu entendi, calma! — deu mais um pedaço de frango, dessa vez maior. — Há quantos dias não come? — o cachorro resmungou em um quase latido e deitou no chão, olhando para o cacheado com um olhar carente. Mortalis levantou, virou para a porta da cozinha, arqueou as orelhas, seu rabo estava ereto, seus olhos não se moviam, abaixou a cabeça numa tentativa de autodefesa do que ouvira em direção aos dois. Enquanto isso, Hammett estava nos preparos finais do jantar. — Esse rango não fica pronto nu...nunca?! — reclamou a voz. Kirk virou para ver e se preparar para ter mais paciência e falar que estava quase pronto, mas foi impedido pelo baque ao ver a figura conhecida em sua frente, a faca que ele segurava foi ao chão e um prato de porcelana também. Suas bocas tremiam, estavam incrédulos, tudo parecia tão irreal mas ao mesmo tempo tão real. — Lars... — disse Hammett desacreditado. — Não... eu tô...tô aluci...alucinando, eu tô alucinando, droga mal...maldita! — sussurrou para si e beliscou o próprio braço na intenção de provar que não era real. — Porra! Porra... Não pode ser, Kirk ... Kirk — voltou a chorar como uma cachoeira, estava totalmente fora de si, sua dicção dava claros sinais que seus sentidos estavam falhando e ele estava prestes a apagar. Foi até o moreno o abraçando desesperado e totalmente confuso mentalmente, ele também chorou e abraçou-lhe forte, prensou Lars contra a bancada da cozinha e lhe beijou a cabeça, agarrando os fios claros em uma carícia delicada. — Por favor... Por favor eu... eu quero que você... que sente e me explique co...como veio parar aqui, nem que levem ho...horas ou di...dias de conversa, Ki...Kirk por favor, me diz... — Eu que te pergunto, veio trabalhar aqui também? — o menor riu confuso — Tra... trabalhar? Até que seria mais legal se fosse assim! Eu... Eu na verdade sou... Sou o príncipe daqui — O quê?! Lars você tá chapado? — Eu...eu... Isso aqui é a po...porra de um palácio real, Kirk! O que pensou que fo...fosse?! — O quê?! Que diabos, eu tô ficando louco ou você tá ficando louco? — Que porra te disseram? — Ah isso não importa mais, fui feito de idiota de novo! — Vo... Você... Você... não pô...pôde... Não pôde ter sido tão ingênuo — o moreno pouco se importou para isso, só conseguia se preocupar com Ulrich que demonstrava uma grande confusão mental, afetando até sua fala. — Lars, o que tá acontecendo?! Você usou alguma coisa? Por que está falando assim? Você sempre conseguiu falar 100 palavras por minuto perfeitamente sem atropelar e errar, fala o que você usou! — gritou magoado — Não, Kirk eu...eu só tô com sono eu preciso dormir — disse relaxando o corpo no abraço e quase caindo para trás, se não fosse o cacheado para lhe segurar. — Me... Me leva pra cama... — apoiou a mão no peitoral de Kirk e deitou a cabeça em seu pescoço — Me leva, Kirk... Eu preciso dormir... Me de...deixa dormir agora...eu te amo... Sabe disso? Nã...não sabe? Eu te amo, eu te amo como namorado...como marido... Me leva Kirk, me leva pra ca...cama — segurou na lateral do rosto de Ulrich e lhe deu um tapa. — Acorda, caralho! Fala comigo direito, eu não vou te levar pra cama até ser sincero comigo — o menor sorriu grogue e franziu o lábio formando um biquinho — Beijinho... Dá beijinho — apontou com o indicador para os próprios lábios. — Não... Lars, para! Fala comigo — Eu tô fa... falando — Você bebeu? — cheirou seu rosto — Se eu... Se eu contar o que eu fiz vai me dar beijinho na boca? Um beijo muito gostoso que só... só você tem — Puta que pariu! — respirou pesado e abraçou o menor de lado e caminhou até seu quarto — Onde é o seu quarto? — Lá em cima — lhe carregou até o andar de cima em um abraço desajeitado, abriu a porta do quarto e se surpreendeu com a imensidão do lugar. Apenas o quarto de Ulrich era o tamanho de sua casa inteira. Lhe pôs na cama e tirou suas roupas lhe deixando apenas de cueca para que ele respirasse melhor. — Tá fri...frio, me veste de volta — Não Lars! Essa roupa tava suja de bebida, você tá péssimo, porra! Vou te cobrir com o edredom. — o cacheado lhe cobriu e uma sacola surgiu debaixo do tecido grosso. Ele olhou minuciosamente e percebeu rapidamente o que era, a colher suja da droga cozinhada, a seringa, os pacotes. Sentiu a mágoa lhe tomar, sua garganta embolar e um choro ameaçar. — Você tá usando heroína seu filho da puta?! — gritou aos berros. Lars sorriu ladino confuso sem ter ideia do que estava fazendo e da gravidade do efeito colateral da droga que lhe atingiu totalmente fazendo com que ele perdesse a noção de tudo. — Você me ama, Kirk... Você me ama mes...mesmo eu sendo um dro...drogado de merda? — riu grogue mais uma vez — Lars... O que aconteceu com você? — ele deixou de segurar o choro e se derramou na frente de Ulrich, sem cessar e se importar. — Não...não cho...chora, Kirk, des... desculpa — olhou para o moreno com pesar. Hammett estava cansado, mas precisava cuidar de Lars. Enxugou as lágrimas, tirou o edredom de cima do menor, pegou um lenço umedecido e começou a passar em seu corpo para tirar o resquício de álcool — Aai! Gelado! — estremeceu o corpo — Shh... Vai passar... Lars, quanto de heroína você injetou? — ele fez um sinal de um com o dedo indicador. Kirk ficou minimamente aliviado, não foi uma quantidade muito alta. Mas não anulava que ainda era perigoso para ele. Passou o lenço no abdômen lentamente e viu Ulrich lhe olhar com um sorriso maléfico com os pelos arrepiados. Agarrou a mão de Kirk e levou os dedos do maior à boca, chupou dois de deus dedos fazendo uma forte sucção — Faz amor comigo? — o cacheado negou com a cabeça e tentou afastar os dedos, mas ele continuava colocando de volta na boca — De...deixa eu te chupar assim — demonstrou sugando os dedos do moreno — ...depois goza na minha boca, aí você me fo...fode bem gostoso, me rasgando, a noite inteira, me faz gemer igual um des...desgraçado condenado — voltou a falar e Kirk não deu ouvidos, com força afastou sua mão de Ulrich. Em hipótese alguma transaria com ele naquele estado, mesmo que se amassem, Lars ainda estaria vulnerável e nem um pouco sóbrio. — Eu não vou transar com você assim, pode desistir. Dorme... — lhe cobriu novamente sentando-se ao seu lado acariciando seu cabelo para lhe fazer dormir de vez — Me abraça... Ki...Kirk — Eu não posso, alguém pode nos ver — Nin...ninguém entra aqui sem avisar antes — deitou e abraçou Lars lhe aninhando em seu peito continuando a acariciar seus fios. Hammett quase adormeceu junto também, abriu os olhos com a voz de Ulrich sussurrando em seu ouvido. — Faz amor comigo agora? — Você ainda tá acordado, porra? E não, não vamos transar agora, durma bem. Fique sóbrio, não toque mais naquela maldita droga ou na bebida que nós iremos transar o dia inteiro — E beijinho? — voltou a fazer biquinho para ele. Hammett tentou esconder o sorriso apaixonado ao ver o amado fazer aquela expressão fofa — Só um beijinho. — disse Kirk que lhe beijou em um beijo molhado e lento, provando de seus macios lábios que há tanto tempo não desfrutava.
Em poucos minutos Lars estava totalmente adormecido. Sorrateiramente com calma Kirk levantou da cama e saiu dali sem fazer barulho para que ninguém lhe visse ou Ulrich acordasse.
Organizou os pratos na mesa e pôs a comida, serviu todos dali. Os restos foram suficientes para alimentar Mortalis.
Agora ele só conseguia pensar se Lars estava certo sobre ser um palácio, mas não havia dúvidas, ele estava mais que acostumado em ser enganado. Foi até o porão comer sua parte sem carne e adormeceu lá mesmo.
Um
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