mente.
A ilusão de vida além do cenário monótono dentro da própria cabeça.
Aparentemente havia acordado do coma.
Catra voltava a copiar o vai e vem da respiração de um ser humano e aos poucos deixava sua audição aguçada reconhecer as pistas sonoras ao redor. Não era a língua nativa da Romênia que se ouvia entre as paredes e corredores daquele lugar completamente estranho. Também notara que estava cercada de vampiros, sentia a presença não humana por todo lado naquele ambiente.
Todos os sentidos queriam tomar a frente ao mesmo tempo e uma certa ansiedade aflorava na recém acordada. Olhar para o lado e ouvir o que se passava não estava ajudando em nada para tentar reconhecer o cenário.
Em contrapartida com o pequeno desespero, sua saúde parecia estar tinindo. Essa era uma das poucas vezes que sentia-se saciada desde que fora transformada. O ferimento no abdome, um dos últimos acontecimentos antes de desacordar, não estava mais lá.
Estava 100%, pronta para outra emboscada, caso seus perseguidores viessem de novo.
O que será que estava acontecendo?
Levantou o corpo, não completamente, apenas o suficiente para apoiar ambos os cotovelos na cama e ter a capacidade de olhar em volta.
Mais do que nunca queria saber que tipo de universo alternativo fora criado enquanto estava completamente alheia do mundo real.
Será que acordou mesmo ou era algum truque de sua mente para variar o breu monótono de antes, já que nunca ficara tanto tempo assim em coma?
Talvez tenha morrido de vez, sem chance de reanimação.
Então esse era o plano espiritual para as criaturas sem alma?
Algo pulsou em seu corpo de dentro para fora, como se fosse um presságio, uma presença. Sentou-se na cama daquele quarto cheio de detalhes arquitetônicos e lançou o olhar para a porta. Era para onde os instintos vampirescos a mandaram se concentrar. Era dali que vinha a tal coisa que despertara o presságio.
Só não havia definido se era algo bom ou ruim.
Em poucos segundos a porta se abriu.
Scorpia entrou no cômodo como uma flecha e ajoelhou-se ao lado da cama. A vampira maior envolveu os braços no tronco de Catra e deitou delicadamente a cabeça na altura da barriga dela.
— Finalmente acordou, pequena! — exclamava a maior num evidente alívio e com a voz abafada pela posição que escolhera.
Era um bom presságio, então. Sentiu a presença de sua melhor amiga.
— Scorpia! — ajeitou-se de frente e a embalou nos braços, apoiando o queixo no topo da cabeça dela. A voz de quem ainda tentava decifrar se era sonho ou realidade — Que saudade!
Afastando-se apenas o suficiente para conseguir olhar nos olhos de Catra, Scorpia segurou o rosto da amiga com ambas as mãos de forma carinhosa e confessou sorridente:
— Você não sabe o quanto estou feliz e aliviada de te ver acordada depois de toda a tensão que foi para te trazer até aqui.
— E onde exatamente é “aqui”? — levemente deitava o rosto em uma das mãos ali apoiada, correspondendo o gesto de afeição enquanto tentava se situar — O que aconteceu? O que te fez voltar para o meu caminho depois de tudo que te causei? Aliás, por quanto tempo fiquei desacordada para tanta coisa mudar assim?
— Vamos lá, vou te contar tudo — ainda de bom humor, a outra começou pacientemente o discurso.
Estavam em Salém, Massachusetts, Estados Unidos. Mais especificamente nos aposentos de um novo clã mais amigável com a convivência entre vampiros e humanos. Um sobre o qual queria ter falado para Catra antes de encontrá-la desacordada. Um que aceitou Scorpia de braços abertos, mas, que ainda iria pensar sobre seu caso em si. Mesmo assim, foram gentis o suficiente para ouvir os apelos de sua melhor amiga e ajudá-la a sair do coma. De agora em diante, viveria por conta própria até conseguir um sim desse clã.
Agora: como? Não fazia ideia.
E nem focou nessa parte, por enquanto. Outras milhões de perguntas dominavam sua cabeça mais do que o medo do futuro próximo.
Como foi isso, afinal? O que possibilitou Scorpia a vir da Romênia até o atual clã com uma vampira desacordada? Qual foi o plano brilhante?
De acordo com a mais velha, tudo só foi possível graças a uma terceira pessoa disposta a entrar na missão temporariamente. Esta mesma pessoa ajudou a mumificar Catra e trazê-la sem muitas burocracias pela imigração, já que foi devidamente declarada como um “bem artístico de valor intelectual para doação”.
— Que ideia mais absurda, improvável e brilhante! — mesmerizada, Catra não piscava os olhos de tão interessada que estava aos detalhes — E quem foi esse gênio ou gênia que te ajudou? É daqui do clã também?
Pela forma que Scorpia se mexeu para mais longe de seu corpo e ajeitou-se na cadeira como se estivesse desconfortável, Catra sabia que vinha uma informação não tão agradável.
— Não foi ninguém do clã, não… — a outra coçava a nuca enquanto pausava longamente a fala na esperança de não vir mais perguntas.
Se ela achou que isso ia funcionar, estava completamente enganada.
— Então quem foi, Scorpia?
Quem poderia ter sido? Não era lá tão querida assim por muita gente. Talvez por ninguém além daquela na sua frente. Impossível ser alguém de algum dos bares que trabalhava porque mal trocava três palavras com os funcionários.
O cérebro estava a todo o vapor tentando esgotar as possibilidades e a outra presente na sala parecia não se incomodar com o silêncio ensurdecedor pela falta de resposta, deixando a mais nova ainda mais frustrada.
Até que:
— Adora — era quase um sussurro
— O que? Eu acho que não ouvi direito…
Será que Scorpia tinha mesmo falado esse nome?
— Foi a Adora que ajudou, — falou mais alto e suspirou logo em seguida, em um tom meio arrependido — conhecendo você, eu sabia que não iria sossegar enquanto não arrancasse de mim quem foi que ajudou, então é melhor que saiba logo. Eu fui atrás dela depois que te encontrei desacordada naquele estado e a convidei para ir para Transilvânia fingindo ser uma pesquisadora interessada na contribuição dela e, enfim… Quando ela estava lá contei toda a verdade e ela topou te ajudar, entã-
— Espera, espera — Catra levantou uma das mãos em um sinal para que a mais alta parasse de falar enquanto olhava vagamente para o chão, ainda tentando assimilar o que ouvira — Como assim a Adora? Para que ela iria me ajudar se… Scorpia, eu apaguei as memórias dela, ela não lembra de nada que aconteceu entre a gente. Por que…? Como ela topou ajudar?
Involuntariamente, um fluxo de emoção percorria o corpo da jovem vampira. Tudo pulsava, até mesmo o coração parecia estar querendo sair pela boca depois de tantos anos inativo. Ainda que uma sem alma, suas emoções ainda estavam lá e eram facilmente afloradas quando certos gatilhos eram ativados.
Um deles era Adora.
E mais do que nunca, saber que ela foi o cérebro da missão que a salvou mexia completamente com o seu racional.
— E onde ela está agora? — praticamente puxou a amiga pela blusa para que ela não tivesse outro lugar para olhar a não ser em seus olhos desesperados por respostas.
— Ela preferiu se afastar antes que você acordasse… — interpretando a leve virada de cabeça de Catra como um questionamento, Scorpia continuou — Primeiro ela garantiu que você estivesse a salvo e com a ajuda do clã confirmada para te reanimar. Depois ela se despediu e disse que era melhor seguir caminhos diferentes dos nossos ou algo assim.
Soltou a camisa da mais alta e voltou para recostar-se no travesseiro apoiado na cabeceira da cama. Da mesma maneira impetuosa que as emoções surgiram, elas cessaram. Um vazio sobre o que sentir ou pensar a dominava. Não era para estar tão impactada assim com a falta de presença de quem pediu para que nunca mais a procurasse.
— Fui eu… — murmurou em evidente desânimo — O bilhete que deixei antes de ela embarcar…
— Ei… — Scorpia levantou seu rosto com uma das mãos em um toque suave.
Quando encontrou o olhar da amiga, segurava ao máximo para não derramar as lágrimas do sangue que corria para além de suas veias depois de tanto sacrifício.
— No final das contas, acho que ela fez certo, — em um exercício para se acalmar, inspirou e expirou o ar não mais relevante para seus pulmões mortos — o importante é que agora eu tenho mais uma chance, e dessa vez, vou tentar não sobreviver por um fio o tempo todo. Vou tentar viver por mim…
— Isso, e eu vou estar aqui contigo
Mais um abraço apertado e correspondido de Scorpia para Catra.
Era, de fato, reconfortante ter sua melhor amiga de volta. Perdeu uma grande oportunidade de rever a possível paixão inconsequente de seu passado recente, mas, reconquistou a presença vital de quem tanto clamou pela volta.
E quanto ao desejo de Adora de não fazer mais parte de sua história, iria respeitar. Era o mínimo que podia fazer por ela. Estavam quites agora, salvaram-se da morte.Talvez esse seja o único objetivo pelo qual o destino as colocou uma na vida da outra.
A missão foi cumprida, é hora de virar a página.
Os primeiros dias de adaptação ao novo local foram um pouco intensos. Porém, graças a uma ajuda misteriosa que Scorpia vinha conseguindo provavelmente de dentro do clã, Catra conseguiu arrumar logo um quarto e sala para morar. Era no porão de uma casa, com entrada independente e pouca interferência da luz do Sol. Perfeito para suas condições vampirescas. Também ficava a poucos minutos andando do clã onde agora morava sua melhor amiga. Era com ela que pegava as quantias doadas anonimamente para pagar o novo aluguel, comprar peças de roupa e alguns outros itens essenciais. Em paralelo, também ganhou uma boa quantia de bolsa de sangue do clã que conseguiria mantê-la alimentada por um bom tempo.
Por causa da facilidade com a língua nativa, não demorou muito para conseguir um emprego noturno em uma pizzaria da cidade. Depois de poucas semanas já estava minimamente confortável com uma nova rotina, não tão menos trabalhosa, porém, infinitamente mais segura do que na Romênia. Não se sentia perseguida e nem ameaçada pelos vampiros com quem se esbarrava pela rua, não era proibida de ser vista com a melhor amiga pelo medo de punição. Sentia que este novo começo era um presente do destino depois de tanta crueldade que ocorreu nos últimos tempos, depois de tanto que perdeu.
Inspirada pelos novos ares, pesquisou um pouco a história do local e descobriu um ponto turístico interessantíssimo. Queria muito levar Scorpia lá para um momento descontraído, passar um tempo leve e construir boas memórias como forma de gratidão por todo o esforço da amiga para ajudá-la com a nova fase.
Em um dia de folga, esperou o último raio de sol desaparecer no horizonte para correr até Scorpia. Cheia de mistérios, implorou para que a amiga fechasse os olhos e a deixasse ser guiada para uma surpresa. Como era a poucos metros dali, foram andando pela rua de braços dados.
Uma cena e tanto: uma grandona de olhos fechados sendo guiada por uma “meio metro” ainda confusa com a geografia da nova casa.
Alguns minutos andando a levaram para um dos diversos cemitérios espalhados por Salém. Catra guiou Scorpia até um dos milhares de banquinhos em volta de centenas de lápides e a deixou reabrir os olhos.
— Old Burying Point, ou um dos cemitérios mais antigos dos Estados Unidos e o mais antigo daqui de Salém. Foi inaugurado em 1637 e muitos dos nossos ‘amiguinhos’ caçadores de vampiros e bruxas estão enterrados aqui, — Catra informava confiante e imponente, como uma especialista no assunto — e na rua ali de trás fica o memorial das bruxas, da época da inquisição.
— Sua nerd… — a mais alta soltou uma breve risada enquanto olhava em volta — A gente veio aqui porque era uma surpresa para mim ou porque você estava querendo soltar a historiadora contida que tem dentro de você?
Com as sobrancelhas arqueadas, a mais baixa lançou um olhar incrédulo para a amiga e abriu um sorriso de ponta a ponta.
— Tá, eu queria sim vir aqui para conhecer de perto o que antes eu só tinha visto em livros, — aproximou-se da amiga enquanto falava para dar uma leve empurrada no ombro dela — mas também você não queria conhecer os principais pontos da cidade? Acabei fazendo uma vontade sua, por isso foi uma surpresa, viu?
— Sei — apesar do olhar desconfiado, Scorpia não escondia o sorriso do rosto.
Depois de convencer que o passeio era, sim, uma iniciativa carinhosa dela para a amiga, Catra a puxou pelo braço para que caminhassem pelo lugar e explorassem livremente os pontos que tanto tinham curiosidade de conhecer, enquanto a calada da noite permitia.
Passaram horas lendo lápides e tentando adivinhar quem era mais importante que quem ali para a história política local, e também quem foram os principais disseminadores do ódio que matou milhares de humanos e outras tantas espécies sem nenhum motivo real. Também passaram no memorial e prestaram condolências às amigas bruxas e às muitas pessoas, principalmente mulheres, que também foram rechaçadas numa época de uma doutrina tão sombria para a humanidade.
Quando finalmente decidiram sentar e apreciar o vasto campo que era a área do cemitério, a madrugada já estava quase no fim. Durante o silêncio confortável, Scorpia lançou um olhar caloroso para a mais baixa e abriu um sorriso.
— Obrigada por essa noite, pequena.
— Imagina, — encostou a cabeça no ombro da amiga mais alta que sentava do seu lado e também sorria — estou realmente feliz de poder passar o tempo contigo de novo.
Não estava mentindo. Catra realmente via a volta de Scorpia como uma das melhores coisas que aconteceram desde que acordara novamente.
Fechou os olhos apenas para aproveitar o silêncio reconfortante que pairava mais uma vez. Contudo, o momento foi logo cortado pela voz da vampira mais velha.
— Catra, tem uma coisa que quero te falar há um tempo, — havia hesitação no tom de voz, mas, mesmo assim, continuou — aliás, acho que já devia ter sido honesta contigo o quanto antes.
— Pode falar — Catra levantou a cabeça para olhar propriamente para a outra e dar-lhe a atenção necessária.
— Nesses últimos meses, eu passei por um processo de superar um amor platônico que sempre tive por você. — Scorpia deu uma pausa por precaução e continuou ao ver que não seria interrompida — Principalmente depois de ter passado pelo medo enorme de não conseguir te ajudar a acordar e te perder, coloquei à prova meus sentimentos e vi que finalmente me sinto confortável vendo outra pessoa em sua vida, e como isso jamais vai excluir o quanto eu sou importante para você e você, para mim. Estou feliz de poder confessar sem nenhum peso mais, depois de tantos anos guardando isso dentro de mim.
Um tapa na cara teria tido um impacto menor do que essa confissão.
Provavelmente seus olhos estavam arregalados, pois não conseguia, nem com muito esforço, mover as pálpebras em choque. Desviou o olhar para o chão para não ter que encarar a outra vampira.
Precisava de uma resposta, antes que causasse um mal estar.
Limpou a garganta e sem pensar muito deixou com que a fala viesse de seu coração:
— Você sabe que é a pessoa mais importante do mundo para mim, mas, nunca foi no sentido romântico, — criou coragem para manter a firmeza na voz calma e voltou a encará-la para enfatizar o quanto estava sendo sincera — e me desculpa se um dia te dei qualquer tipo de impressão errada. Eu deveria ter sido mais cuidadosa contigo. Eu te amo muito, mas é como se você fosse minha família, a única que eu tenho. Olha… Não quero atrapalhar qualquer que seja esse teu processo e, se for preciso, posso me afastar por um tempo-
A mais alta se ajeitou-se até ficar de frente e segurar seu rosto com as mãos como se fosse o ser mais delicado do mundo, como habitualmente fazia.
O toque era um dos principais gestos de amor de Scorpia, sempre foi. Por isso sequer desconfiou que eram nesses momentos que ela acabava confundindo a liberdade que Catra a dava de tocá-la.
Scorpia só tinha essa permissão porque era alguém em quem confiava de olhos fechados, e não porque queria incitar outras intenções.
— Não, claro que não, Catra! — Scorpia a interrompeu, indiretamente pedindo a palavra — Eu já passei da fase de afastamento. Ou esqueceu que ficamos um ano sem falar uma com a outra? Foi difícil para caramba, mas muito necessário. É por isso que hoje consigo lidar muito bem com nossa amizade. Eu te amo, pequena. E sua parceria, do jeito que é, é mais do que o suficiente para mim.
Ainda confusa em como interpretar esses toques agora que soube da verdade, segurou as mãos de Scorpia com as suas próprias e as tirou de seu rosto sem ser muito rude. Continuou as segurando firme para mostrar que não tinha medo da proximidade, que era apenas um mecanismo para não mais confundir a própria amiga.
— A última coisa que eu quero é ser um problema para você, Scorpia, de verdade, — apertava as mãos da amiga, inconscientemente demonstrando a aflição de perdê-la — eu não me importo de te dar o espaço que for necessário.
— Não é, não é um problema, olha… — entendendo e respeitando o gesto da mais baixa, voltou a sentar-se normalmente dando o espaço físico que Catra parecia precisar — Sabe o motivo de eu ter te contado tudo isso agora?
— Desencargo de consciência? — Catra chutou uma resposta tentando quebrar o clima de tensão que pensou ter criado ao fazer Scorpia sentar mais distante.
Pelo visto, só ela achava que havia tensão, já que Scorpia soltou uma risada breve e continuou em um tom gentil:
— Sim, também. Mas, o principal motivo é que eu finalmente conheci a única para quem você abriu esse espaço no seu coração. E ela realmente é uma pessoa incrível.
A última frase foi suficiente para fazer com que a cabeça de Catra girasse e, novamente, o fluxo caótico de emoções voltasse à superfície. Sabia exatamente de quem sua amiga falava, o que automaticamente trouxe memórias que tentou tão dificilmente enterrar para não mais acessar.
— Ah, não, Scorpia, não vamos começar a falar dessa pessoa, — sua linguagem corporal entregava a fraqueza que esse assunto a trazia, pois sua voz era evidentemente trêmula e suas mãos foram direto para o rosto na tentativa de escondê-lo — eu mesma já me questionei o suficiente sobre isso, e quanto mais o tempo passa, menos sentido eu vejo no que eu achava que sentia por ela.
— ‘O que você achava’ coisa nenhuma, o que você sentiu, — sem lutar muito mais contra sua própria maneira de ser, lá estava Scorpia acariciando um dos ombros de Catra para consolá-la — e o que ainda sente!
Catra suspirou profundamente, tirou as mãos do rosto e fixou em um ponto aleatório no chão para não ter que encarar a amiga. Ou a verdade que era jogada na sua cara.
— Não tem como negar, Catra. Você moveu mundos pela Adora e eu vi o que você viu nela. O brilho nos olhos, a determinação… Quando ela se comprometeu em ajudar, pôs o coração e alma dela em cada ação, cada palavrinha. Dava para notar o quanto te ver naquele estado a incomodava, e que o que ela mais queria era te tirar daquela situação. Não foi à toa que não mediu esforços para te trazer até aqui comigo.
Apesar da voz tão gentil, a vampira menor sentia que cada entrelinha dessa fala a acertava como uma estaca no peito. Por que a Scorpia estava insistindo nisso? Por que estava contando esses detalhes? Nada disso importa mais.
— E foi assim que ela ganhou você, não foi? — Insistente, a voz macia da mais velha ecoava em seus ouvidos e chegava até o mais profundo poço que tentou esconder um certo sentimento por uma certa humana — Ela trouxe de volta toda a vida que você achou que tinha perdido quando a Weaver te transformou.
Não queria ouvir mais do óbvio. Não queria porque sabia que já tinha perdido essa batalha e não era mais possível recuperar o tão pouco tempo de felicidade que conseguiu viver ao lado dessa humana.
— É, talvez você esteja certa, mas acabou, — sua voz falhou na última palavra, como se involuntariamente não quisesse admitir o que admitira e, ainda assim, insistiu — já era. Eu sinto que nosso tempo passou e tudo o que podíamos viver dessa história juntas já vivemos. Ainda pode ser perigoso para ela estar perto de mim. E lembra, ela foi embora, ela quis ir, e eu vou respeitar. Ela não tem mais nada a ver com a minha vida, nem eu com a dela.
— Será? Porque eu tenho a sensação de que vocês ainda vão-
— Quer saber? Vamos parar com esse assunto, — Catra levantou abruptamente do banco e claramente interrompeu a amiga sobrepondo a fala sob a dela — e é melhor voltarmos antes que o sol comece a nascer, não falta muito.
Estendeu a mão para que a outra levantasse num gesto que selava que estavam de bem. Queria deixar claro que não estava chateada com ela nem pela confissão repentina e nem pelo assunto que tanto mexera com seu coração.
Abriu um sorriso para tornar tudo ainda mais convincente e esconder a dor da ferida cutucada.
Sabia que esse assunto viria à tona novamente. Por hoje, contudo, não queria falar sobre Adora, não queria jogar terra nos bons momentos que ali passara com sua melhor amiga.
De enterrado já bastam os tantos corpos naquele cemitério.
De enterrado já basta o amor que jamais conseguirá reviver.
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