Mira
Eu rasgo as mangas do meu casaco, tento me alongar o máximo que eu consigo, sinto os meus músculos doerem, e respiro fundo. Como foi mesmo que Fei fez ? Tento me lembrar, será que eu consigo ? Mesmo com a conexão tão instável eu tentarei.
O casebre perto do vulcão está caindo aos pedaços. Mas, existe uma pequena torneira, no que imagino ser a cozinha. Eu abro devagar e posso sentir a água inundar a tubulação aos poucos.Quase como um chiado, devagar, estranho, errado.
A primeira coisa que eu vejo é o vapor. A água sai fervendo da torneira de cobre.
— Um dos lados ruins de se viver perto de um vulcão. - O soldado que ajudou o Riku diz. - E te garanto que esse nem é o pior deles.
Ele tem o rosto sorridente, parece se divertir com o que aconteceu. Eu não consigo sorrir, acho que nunca mais conseguirei.
— Me desculpe. É que você parece muito com o seu pai. -- Ele coça a cabeça parece querer conversar, mas não tenho tempo para isso.
Olho para a pia, e desligo a água. A água fica empoçada no fundo, vou esperar esfriar e tentar, tentar usar a água como cura. Sei que será um desastre completo, mas preciso me recuperar.
Riku está inquieto, anda de um lado para o outro.
— Será que posso me aproximar da beira do vulcão? - Ele diz
— Poder você pode. Mas… - O soldado comenta.
Ele não espera que o soldado termine e sai do casebre.
— Ele é muito impaciente. Ia falar que as atividades do vulcão estão no nível três.
— O que isso quer dizer? - Meelo pergunta.
— Digamos que existem cinco níveis de atividade. Normalmente, sempre está no nível um, quando está mais agitado, chega ao dois. Mas, faz anos que nunca o vi chegar nesse nível, e olha que pulou do um para o três muito rápido. Eu não sou especialista, mas acho que ele está prestes a entrar em erupção.
Riku
É alto, antes fosse esse o principal problema. Daqui eu consigo ver a lava borbulhando e expelindo fumaça. Esse é mesmo um local seguro? Mas, isso não deixa de ser bonito, e a me lembrar de alguém. Eu poderia dizer que a Mira se parece com um vulcão. Quente, mas na dele, exceto quando ele explode, aí ele queima tudo à sua frente.
Olhar para ele me acalma de certa maneira. Mas, o cheiro dele está começando a me incomodar.
No passado toda essa cratera era na verdade capital da nação do fogo. Apesar da União tentar encobrir a destruição da capital, esse fato se espalhou por todo o mundo. Fazendo crer que essa é uma terra amaldiçoada. Por tudo o que eu vivi nesse país, cada vez eu acho que isso é verdade.
Daqui consigo ver toda a cidade. Todos parecem muito pequenos . E é assim que eu consigo enxergá-lo. Quase sem fôlego, subindo a ladeira de uma forma nada eficiente.
Mais que a calmaria que o vulcão me passa. Ver Sina faz um peso enorme sair das minhas costas. É um alívio tão grande, mas, tão grande que posso sentir meus olhos ficarem marejados.
— Riku! – Ele me chama sem fôlego.
Eu não consigo me mexer,o que eu deveria fazer? Correr até ele e abraçá-lo? Com certeza não. Mas, mesmo assim, sinto um impulso de ir até ele.
— Quem é vivo sempre aparece. – Tento dizer despreocupado .
Só que mesmo eu tentando evitar. Mesmo me afastando o máximo que pude. Ele me abraça.
Sinto o seu corpo tremer.
— Estou aliviado. – Ele me diz, ainda tomando fôlego.
Eu não tento sair, nem me desvincular dele. Sina, nunca demonstrou carinho para ninguém. Pelo menos não na minha frente. Ele sempre foi frio, metódico, chato. Mas, ao mesmo tempo insistente, teimoso e corajoso. Talvez, pensando melhor, a coisa mais próxima de uma família que eu tive.
Ele me solta. Seu rosto está impassível, apesar do abraço.
— A Mira está bem? Aonde ela está?
— Na medida do possível.
— Ótimo. Por que eu não trago boas notícias.
Mira
Eu deveria estar surpresa? As palavras de Sina fazem total sentido para mim. Eu não sei por que? Pelo menos eu não queria saber. Haru? Isso é uma espécie de misericórdia. Dar-me dois dias para me preparar.
— Você só pode estar brincando. É óbvio que isso não vai acontecer. Eu vou. Eu resolvo isso. – Riku parece um pouco mais como ele mesmo. É eufórico, irado.
— Kieran? Tem certeza? – É Meelo que fala agora.
— Quem é Kieran? Esse nome é familiar. – Eu pergunto.
Sina parece incomodado ao falar esse nome.
— Ele estudou com a gente há uns anos atrás. Ele era mais velho, mas por ser um dobrador de metal, ele foi levado para o Clã. Soube que ele tinha morrido.
— Não morreu. Eu o vi, eu conversei com ele. – Ele diz de uma forma amarga.
Há alguma coisa que não estão me contando. Mas, não tenho tempo para pensar nisso agora.
— Certo. Preciso me preparar. – Eu digo simplesmente. Não há como fugir. Eu não posso fugir mais.
Ninguém parece concordar com as minhas palavras. Eu ouço olhares de reprovação. Mas, não há nada a ser feito. É matar ou morrer. E a cada segundo essa ideia parece ser a única opção.
Por isso decidi descansar. Poupar forças. Amanhã treinarei um pouco. E principalmente colocar a cabeça no lugar. A minha pior fraqueza.
Aos poucos eu começo a sentir a falta da Suni. Ela nesse momento me ajudaria muito, além do que estou um pouco preocupada com a sua ausência.
— Onde vocês disseram que a Suni está mesmo?
Meelo aos poucos foi perdendo a sua habitual postura. Ele parece visivelmente preocupado.
— Ela foi ajudar as pessoas que nos salvaram. Você sabe, ela é a Suni. Não temos que nos preocupar. – Nem ele parecia convencido das suas próprias palavras.
O casebre era desconfortável, não havia cama ou qualquer coisa assim. Mas, ainda assim era melhor do que passar a noite na rua. Assim, decido me aninhar debaixo de uma mesa. Riku faz o mesmo e se recosta em uma cadeira próxima a mim.
— Amanhã te ensinarei tudo o que eu sei. – Ele me diz antes de fechar os olhos.
Meelo ainda anda de um lado para o outro, às vezes ele vai lá para fora.
— Ela não é como Sina, ela não conseguirá decodificar a mensagem. Por isso vou atrás dela. – Ele diz sem olhar para trás.
Eu poderia correr e impedi-lo de ir. Mas, se eu pudesse, eu também iria com ele.
— Por favor. Ache-a, e volte logo.
— Pode deixar.Eu prometo.
E assim ele vai embora.
Sina, não diz nada sobre isso. Ele parece preso em seus próprios sentimentos. Por isso não o incomodo.
Quando eu decido dormir. Todo o peso das minhas ações despenca em minhas costas. Toda a vez que tento fechar os olhos, aquelas imagens aparecem na minha cabeça. O meu avô, se é que posso chamá-lo assim, estirado na minha frente. Seu corpo quase que inteiramente carbonizado. O cheiro, a agonia em seus últimos suspiros. Tudo parece muito real. Muito fresco em minha mente.
Eu me reviro, até achar uma posição melhor.
— Não consegue dormir? – Riku diz na escuridão.
Eu o ouço levantar e sentar ao meu lado.
— Não se preocupe, eu estou aqui.
As palavras dele são reconfortantes. Eu sinto que ele é o único que me entende no mundo. Quando ele segura a minha mão, mesmo na escuridão, eu posso sentir o seu olhar. De repente eu me sinto em paz, pela primeira vez em muito tempo. E finalmente eu sinto o sono vir.
— Obrigada. – É a última coisa que digo a ele quando finalmente consigo dormir profundamente.
Esse era um lugar que desejei vir. Um lugar que sempre vim por acidente, mas dessa vez eu desejei profundamente.
Eu vejo Korra. Seu olhar não representa muita coisa. Não diz nada para mim. Mas, eu sinto, sinto de verdade o que sua presença representa.
— Olá Mira. – Ela diz
— Olá Korra. – Eu retribuo o cumprimento.
— Parece que não há mais tempo afinal.
— Pelo jeito não. – Eu concordo.
O lugar vazio aos poucos ganha cores. Folhas multicoloridas cobrem o chão. E o ar ganha cheiros familiares. Coisas que me fazem sentir segura.
— Eu queria que você estivesse mais preparada. Mas, não há tempo. Por isso eu queria te apresentar algumas pessoas.
Nossos pensamentos parecem ter se alinhado. Por isso sei exatamente de quem ela está falando.
— Quando perdi a conexão eu realmente achei que nunca falaria com eles novamente, foi um alívio quando eu a recuperei , infelizmente não é como antes. Porém, você pode falar com eles, um de cada vez.
Eu ainda não conseguia compreender por que eu só conseguia me comunicar com a Korra, mas naquele momento eu soube. Requer um tipo de energia que não temos mais em abundância.
O ambiente em que estamos começa a mudar de forma. Tudo começa a tremular, e dar lugar a um ambiente conhecido.
O ser que forma a minha frente é conhecido. Praticamente está em todos os livros de história, sua estátua no meio de Republic City é estranhamente idêntica a ele, mas mais que isso , sua semelhança com o Meelo é impressionante.
Eu fico acanhada ao falar com ele, mas mesmo assim eu faço.
— Avatar Aang?
Seu olhar diferentemente de Korra é calmo. Me causa um sentimento de tranquilidade.
— Olá. – Ele diz e faz uma pequena reverência.
Olho ao redor e reconheço , estamos na Ilha do templo do ar.
— Esse lugar me trás recordações. – Ele diz. — Mas, não tempo para nostalgia. Mira, eu não posso te ajudar tanto quanto eu queria. Mas, a minha neta, já fez bastante por você. Abrir os seus chacras quando você mal conseguia dobrar a água, ajudou no seu controle do ar. Por isso você foi tão bem nessa dobra. Meelo, meu querido bisneto também te ajudou, apesar das suas limitações agora, eu só posso te dar um conselho.
As palavras me fizeram lembrar de tudo o que aconteceu nos últimos dois anos. Desde o primeiro momento que vi o rosto de todos os Avatares, no fatídico dia que caí na piscina.
— Sei que não está tão feliz com suas ações e atitudes nos últimos tempos. Há muito ressentimento e culpa. Além de decepções que te acompanharão durante muito tempo. Por isso só dessa vez, essa única vez.Tente olhar sempre os dois lados da moeda, tente achar justiça mesmo nas suas atitudes mais reprováveis. Mesmo que isso venha com mais força depois , essa não é uma fraqueza que você pode ter agora. Muitos sempre me viram como um Avatar bondoso, acho que é a imagem que os monges do ar sempre passaram, mas, antes de tudo eu sempre fui justo. Mesmo quando a Justiça não era bondosa.
Com essas palavras Aang começa a desaparecer na minha frente. Suas palavras parecem confusas no início, mas logo eu consigo entender. Só dessa vez, dessa vez, eu não me culparei por não ter salvado todo mundo, não me culparei... A imagem do meu avô me vem em mente, e difícil, muito difícil.
— O que é difícil? Matar alguém que claramente merecia um fim pior?
Uma mulher com vestes antigas aparece, seu rosto está coberto por uma maquiagem branca. Ah, sim. Avatar Kyoshi. Eu sempre quis saber mais sobre ela. Suas ilustrações não representam tão bem a imagem que vejo agora.
Ela é quase o dobro da minha altura, seu olhar é duro, rigoroso.
— Dizem que os Avatares não devem matar. Mas, quando essa é a única saída devemos carregar esse fardo com honra. É um pequeno preço a se pagar pela paz. Pessoas morrem todos os dias, o avatar não deve se sentir culpado por tudo o que acontece em sua volta. Posso parecer dura, mas, se eu não pensasse assim, minha vida teria sido miserável.Eu também não fui reconhecida imediatamente, talvez você não ache que isso tenha te afetado, porém, temos uma coisa em comum, nosso orgulho. Lute com isso em mente. Você é a Avatar, só você pode fazer isso.
As palavras de Kyoshi me incendiaram como fogo. Mas, ao mesmo tempo, me deixaram mais convicta. Como uma fortaleza.
Quando Kyoshi se foi. Eu fiquei em expectativa, será que eu iria ver o Avatar Roku? Seu reino natal era o do Fogo, acho que ele me entenderia melhor do que qualquer outro, só que não foi ele quem veio.
Eu poderia dizer que eu não esperava isso.
Haru. Ele estava sentado em uma cadeira de pedras. Seus olhos estavam fechados. Parecia não notar a minha presença. Só que ele abriu os olhos de surpresa. Eu me assustei, isso era real?
Seus olhos pareciam analisar tudo em volta. Assim ele focou em mim. E sorriu.
— Isso não é uma surpresa, sabe. Eu realmente estava ansioso. – Não era Haru. Pelo menos não só ele.
— O garoto acha que pode vencer. Ele acha que todo o poder que ele reuniu é suficiente. Mesmo para uma avatar sem treinamento nenhum, você é ainda é a Avatar, soberana dos quatro elementos.
Seu sorriso era de escárnio, eu não poderia dizer se ele dizia a verdade. Ele se levanta. Ficamos frente a frente.
— Mira? É você mesma? – O olhar dele muda um pouco. Eu posso dizer que é Haru que está no controle agora.
Eu só olho, não tenho coragem de responder.
— Sabe, muitas vezes eu tentei fazer isso. Essa conexão. Mas, parece que só a minha vontade não é suficiente. Os dois lados precisam querer. E agora você quer me ver.
— Não. Eu não quero te ver.
— Pare de mentir. Eu te conheço, mais do que qualquer um. Somos praticamente a mesma pessoa afinal.
— Não. Você deixou de ser o Avatar a muito tempo.
— Minha querida Mira. Eu sempre fui o Avatar, e você também é. E isso não é bonito? Em breve seremos um só novamente. E eu vou guardar suas memórias com muito carinho. É o que eu mais desejo.
Suas palavras eram repugnantes.
— Sina deve ter falado com você. – O que ele me diz me situa no mundo real. — Estou ansioso. Dois dias são suficientes. Espero que entenda, que não dá para adiar mais. Eu não consigo adiar mais.
— Qual lugar? – Eu reúno força e pergunto.
— Não precisa se preocupar com isso. Seja onde você quiser. Eu vou te encontrar.
E ele sorri, e desvanece na minha frente.
— Ele tem razão. Ele ainda é o Avatar. – Korra diz, me dando um susto.
— O que é que você quer dizer?
— O que aconteceu com Haru, foi desastroso, porém ele ainda é uma parte de nós. Nunca deixou de ser um fragmento da nossa alma. Por isso essa conexão existe. E isso pode ser a nossa fraqueza, mas também é nossa principal força.
Aos poucos eu percebo que estou acordando. Todo o meu sonho, se é assim que eu posso dizer, está claro na minha cabeça. Todos os conselhos, e encontros. Eu me lembro de tudo. Apesar de ainda sentir medo. Pelo menos agora eu sei o que fazer. Riku ainda segura a minha mão, e acorda ao mesmo tempo que eu.
— Então vamos treinar? - Ele diz no meio de um bocejo.
— Sim. - Eu respondo com mais convicção que antes.
Meelo
Por ser um dobrador de ar, logo eu percebo a grande quantidade de fumaça que se forma no céu. Por isso eu também sei, que em breve tudo estará coberto por essa fumaça. O dia irá virar noite. Assim eu me apresso. Corro na minha velocidade limite. Antes, eu poderia usar a dobra de ar para me impulsionar, mas agora, eu a evito o máximo que posso.
Quando eu chego próximo aos prédios, percebo que a cidade está vazia. Não aquele vazio de antes, quando as pessoas apenas se escondiam em suas próprias casas. Era quase óbvio, esse lugar havia sido evacuado. Não sei se isso era uma coisa boa, para o que está por vir, ou ruim, por não sabermos o que está acontecendo. Seja como for eu sabia para onde ir.
Eu prestei atenção em tudo o que aquele garoto estava fazendo, seus comandos, seus códigos, tudo era bem simples, fácil de entender, por isso fui em direção a um dos principais portos desse país.
Quando eu encontrei o primeiro corpo, eu tive que me retrair. Eu não lido bem com pessoas mortas, isso me faz lembrar de coisas que eu deveria esquecer. Eu tento olhar para o corpo novamente para conseguir alguma pista. O homem que não deve passar dos seus 30 anos foi atingido por um projétil, só que não foi isso que causou a sua morte. Seu rosto está repuxado, retorcido.
Eu sinto a ânsia vir do fundo da minha garganta. Sinto as lágrimas se formarem. Se concentra Meelo, isso é pela Suni.
Há uma pequena elevação debaixo das pernas do cadáver. Reto, exato. Trabalho da Suni. Isso me alivia por alguns segundos. Eu não consigo imaginar o que ela passou. Como eu pude deixá-la ir. Ainda mais sozinha.
Eu digo, todos dizem : Ela é a Suni, nada de ruim vai acontecer com ela. Ela é uma garota forte, sabe se defender.
Respiro profundamente. E continuo o caminho.
O rastro de destruição aumenta a cada passo. Não tem tantas pessoas mortas, mas encontro uma mulher ferida. Eu a reconheço na hora. Ela estava com o garoto. Seu tornozelo ferido, foi enfaixado grosseiramente.
— Onde eles foram? – Eu digo sem rodeios . Ela está apoiada em um pneu velho. Seu olhar parece vago, vazio.
— Não tivemos chance. Nenhuma. Eles vieram e ela, ela,
Eu seguro a mulher pelos ombros.
— Ela quem?
— Você sabe. Ninguém aqui tinha chance para início de conversa. Tudo era um plano suicida. Era a nossa vida por esse país. Mas, nem tivemos a chance de morrer.
Não consigo compreender.
— Para onde eles foram?
— Sabe, eu sempre achei os dobradores de fogo incríveis, como deuses andando entre nós. Como fui boba. O Avatar é ainda mais incrível não é? Ele fez tudo tão facilmente. Como um verdadeiro demônio.
Falar com essa mulher apenas está me atrasando.
— Para onde o demônio foi? -- Digo simplesmente.
Ela ergue o braço, que também parece machucado. Apontando para ainda mais destruição.
Haru
Ainda sinto o meu corpo tremer em excitação. Nós nos conectamos, como avatares. Essa era a maior prova que eu precisava. Tudo parece tão real agora. Finalmente. Finalmente. Mas, por que eu senti medo? Por alguns segundos, antes de finalmente conseguir vê-la. Mas, ainda estava lá. Uma sensação de terror, que eu só senti quando fui congelado. Tento não pensar nisso. Tudo estava indo conforme o planejado. Exceto por Kieran, que parecia cada vez mais rebelde.
Estávamos em um dos quartéis generais de Lonkin, subterrâneo, coberto de pedras de cima abaixo.
— Mas, será que você não pode liberar ela? – Kieran dizia suavemente. – Você já tem um dobrador de metal a seu serviço. Será que você não me quer mais aqui?
— Pare de drama. – Eu disse secamente.
Suni estava em um dos cantos. Seu olhar era aéreo,e seus sentimentos confusos. Eu a sentia lutar contra o meu domínio o tempo todo.
— Não é tão simples – eu disse para Kieran. – Eu preciso dela. Quando tudo acabar eu a liberto.
— Você está mentindo.
Por vezes eu esqueço que apesar de não estar dominando Kieran, ainda temos essa conexão. Eventualmente compartilhamos sentimentos e sensações. Será que eu deveria controlá-lo totalmente? Não. Essa contradição me faz sentir vivo. Ter alguém por mim, sem controle.
Por falar nisso, eu não via Venon em nenhum lugar.
— Onde está aquele puxa-saco? – Eu disse sem querer.
— Ah, ele está com aquele psicopata.
Lonkin? Isso não parece bom. Mas, não importa. Ele é um cachorro leal.
De repente, eu sinto a Suni, seus sentimentos reviram de uma hora para outra. Ela olha para o teto daquele lugar.
Eu me levanto.
— Alguém familiar apareceu. Será que devemos dizer oi?
Fico sem fôlego. Nossa conexão quase se perde. Seu espírito é forte, e o ódio grita pelas linhas que nos ligam.
— Será que você será mais obediente se resolvermos isso agora?
Kieran também olha para o teto.
— Posso falar com ele primeiro?
— Para que?
— Para mandá-lo embora. Uma luta neste momento não fará bem para nós. Nem para a Mira. Lembra? Você já está controlando uma amiga dela. O que aconteceria se você machucasse um dos seus amigos.
Não tem como sorrir para a ingenuidade de Kieran . Ele é um bom amigo no final de contas.
— Ah Kieran. Mas, você sabe que é uma coisa que eu quero. Eu gosto da Mira, mais do que você pode sentir através dessa ligação. Se ela se descontrolar, a única pessoa no mundo que pode conter a sua fúria sou eu. Será apenas mais um motivo para ela me aceitar, para nos juntarmos de novo.
Kieran ficou emburrado. Mas, não fez nada para me impedir.
Mesmo com todas as amarras. Suni resistiu. Resistiu muito. Por isso eu reforcei sua dominação.
Meelo
Sabe quando você tem um pressentimento que tudo irá dar errado? Eu tinha essa sensação o tempo todo, desde que vim para esse país. Mas, naquele momento, eu só sentia aquilo.
A terra tremeu aos poucos, um buraco foi se abrindo próximo a uma construção. Quando eu vi Suni, eu corri.
Eu a abracei com tanta força que acho que a deixou sem ar.
Meu rosto queimava de vergonha. Mas, isso não importava. Isso era um alívio. Ela estava bem. Quando eu finalmente olhei para o seu rosto vi que tinha algo errado, fisicamente ela estava ótima. Nenhum ferimento. Seu rosto estava perfeito, como deveria ser. Mas, seu olhar...
Desde que eu a conheço, ela sempre teve aquele brilho. Acho que foi um dos motivos que me fez me apaixonar por ela. Aquele brilho de certeza, de convicção. Mesmo, nas piores tempestades, nossos piores momentos. Ele sempre esteve lá. Mas, agora ele não existia.
— É você mesmo?
Suas roupas eram as mesmas. Seu novo penteado ainda era o mesmo. Só que por alguma razão ela não era a Suni.
— Me desculpe. – Eu a vi cochichar.
Quando a primeira pedra me atingiu, eu só pude me defender com os braços. Aquilo me afastou dela, por pelo menos uns cinco metros.
O que estava acontecendo?
— Suni?
Foi quando aquele cara surgiu. Isso era óbvio.
— Olá Meelo. Que bom que veio até nós.
A voz dele me dava asco. Tudo nele irradiava perigo. Todo o meu corpo me mandava ficar longe dele. Porém, eu só conseguia olhar para a Suni.
— Você fez de novo. Igual aqueles dobradores do palácio presidencial.
— Ah, é! Você é o esperto do grupo. Muito esperto de vir até aqui sozinho, sem apoio. Sem a Mira ou aquele fedelho do fogo azul. Os únicos que poderiam realmente fazer alguma coisa.
Eu apertei os meus punhos. Nunca me senti tão impotente.Mas, isso não importa. Nada importa. Só a Suni importa.
Respirei fundo. O ar ainda era instável, estranho. Mas, era a única coisa que eu tinha.
Das pontas dos meus dedos, até a palma da minha mão. E fiz o poder irradiar o máximo que eu pude. Não era suficiente, mas eu tinha esperança de que pelo menos eu conseguiria salvá-la das mãos dele.
Na escola de combate, eu posso dizer que eles não nos ensinam suficientemente bem para reagir a situações de extremo perigo como essa. Pelo menos não a turma de dobra de ar. A maior parte das aulas é sobre defesa. Métodos para proteger nossos companheiros de ataques. Métodos para ganharmos tempo.
O ar costuma ser um elemento desvalorizado, idealizado por monges. Toda a história nos prova que ele não deve ser usado para combates diretos. Só que houve uma pessoa que foi contra esses preceitos.
Meu pai, todos à minha volta poderiam me reprovar por ter estudado as técnicas, por ter de certo forma um pouco de admiração por Zaheer.
Não me orgulho disso. Pelo contrário. Mas, tenho que admitir que ele foi um dos melhores dobradores de ar do século. Mesmo ganhando a dobra com tão pouco tempo, ele dominou e criou técnicas até pouco tempo desconhecidas. Tudo o que ele fez depois disso, é recriminável. Por isso seu nome foi aos poucos sendo esquecido.
O vácuo. É uma dessas técnicas. Eu já a treinei algumas vezes escondido. Usando balões de ar. Eu treinei com precisão suficiente, para controlar todo o fluxo de ar que um corpo recebe.
Eu só preciso chegar perto . Não acho que consigo matar Haru, por isso se eu conseguir atordoá-lo suficiente para levar Suni, já vai bastar.
Antes que eu conseguisse me mover, eu percebi que quem tinha me atacado, não era o Haru, mas sim a Suni. Ela me atacou de novo. Mas, diferente das batalhas dos nossos treinamentos, isso não era uma brincadeira. A pedra era maior e bem mais pesada. Eu tentei fazer um escudo, mas não rápido o suficiente.
A dor me fez perder a concentração. Meu braço doía tanto, mas tanto, que eu só conseguia pensar nisso. Ele estava quebrado? Eu o movi para baixo e para cima. Cada movimento me fazia perder o fôlego. Claramente tinha alguma coisa errada. Eu tentei movê-lo de novo. E me segurei para não gritar.
Quebrado. Isso era uma certeza.
Eu rasguei um pedaço do tecido da minha roupa e tentei improvisar uma tala. Eu não posso perder o meu braço em um momento como esse.
Haru se sentou em um pedaço de concreto.
— O que a Mira faria se soubesse que seus dois amigos lutaram até a morte?
Eu nem conseguia responder. Meu olhar estava totalmente nela. Normalmente Suni se movia graciosamente. Apesar de estar quase sempre descalça, ela andava com firmeza e precisão. Nunca tropeçou ou deu um passo em falso. Mas, agora eu pude notar, ela se arrastava, mesmo que somente um pouco.
Isso me deixava esperançoso. Ela estava lutando contra o controle dele. A minha Suni ainda estava lá. E eu só precisava trazê-la de volta para mim.
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