[SeungRi On]
Pessoas morrem com facilidade. Independentemente de quantas vezes já havia visto acontecer, nunca ficava mais fácil. A morte é tudo, menos serena ou fácil. Não a separação real de corpo e alma, mas a dor associada à rejeição, a angústia que resta dentro de cada um após sofrer uma perda irreparável. Minha perda provavelmente não me amava mais, e agora tudo o que me restava era esperar, interminavelmente, que a morte se tornasse mais fácil.
E lá estava eu apoiado na parede da sala de espera de uma clínica psiquiátrica no centro de Seul, apenas porque havia prometido a S/N que iria me consultar. Isso bastava para despertar o pior em algumas pessoas que passavam pela frente da clínica e me viam pelas portas de vidro. Por mais que eu estivesse de máscara e boné, estava me sentindo desconfortável. Em vez de demonstrarem compaixão, bom senso ou solidariedade, muitas pessoas encaravam a clínica com ódio e nojo, taxando os pacientes de loucos. Todos sempre se achavam tão iluminados, e todos tem mais ou menos a mesma escuridão de ignorância e medo.
— Lee Seunghyun? — Uma enfermeira jovem chamou por um microfone, do balcão. Mordi o lábio inferior. — Lee Seunghyun?
"Vamos..." pensei, "Se mexa, Lee Seunghyun..."
— Lee Seunghyun?
Na terceira vez em que fui chamado, consegui criar forças nas pernas, mas não para entrar na sala de consulta, e sim para sair da clínica o mais rápido possível. Minha vontade era de voltar, pelo menos tentar me tratar, mas o medo era maior. Eu não queria ficar ali sozinho.
— Não, não... — Resmunguei, e parei de andar assim que pisei na calçada. — Eu tenho que entrar... Se eu não o fizer, a S/N vai ficar triste...
Está tudo bem, SeungRi. É normal ter medo.
Não, não é. Você é fraco.
Não, não...
Você pode ter medo. S/N não ficará triste.
Seu fraco...
— Aish... — Mordi meu dedo indicador, pensativo, procurando com a mão esquerda a maçaneta da porta da clínica. Foi quando, assim que me virei, esbarrei num homem que provavelmente iria para o trabalho, e sem querer acabei o derrubando junto com sua pasta no chão. — Meu Deus! M-Me desculpa, deixa que eu...
— Saia de cima de mim! — Gritou ele. — Você veio dali de dentro! Saia de cima de mim! Você está com a coisa toda em você!
— Seu idiota. — Xinguei. — Aquilo é uma clínica psiquiátrica, e não...
O estranho me empurrou e se levantou cambaleando. Do outro lado da rua, algumas pessoas observavam a conversa com ligeira curiosidade, mas quando o homem saiu aos tropeços, perderam o interesse. Eu também não queria me estressar, já estava começando a me sentir cansado.
— De nada. — Disse para o vulto que se afastava. — Babaca.
— Criando cena a essa hora da manhã, Seunghyun-ah? — Ouvi uma voz familiar, e me virei; Hyorin-noona. — Você está bem?
— Estou. — Respondi. — Ele é quem saiu cambaleando.
— É, às vezes dá vontade de deixar pessoas intolerantes assim sangrar. — Ela continuou, e havia pesar em sua voz. Culpa, talvez. — O que faz aqui?
— Ahm... — Pisquei, atônito. — Eu... Ah, eu...
— Ok, não precisa explicar. — Hyorin sorriu. — Você me parece exausto.
Eu podia sentir que estava me inclinando ligeiramente para o lado. Hyorin segurou minha mão.
— Sabe, se não começar a cuidar da sua saúde, vai me obrigar a ir até sua casa e fazer minha mágica sopa de atum até você se sentir melhor.
Ri baixo.
— Qualquer coisa, menos a sopa de atum. — Eu ainda me lembrava de como Young-Bae reclamava daquela sopa conosco, mas Hyorin sempre o forçava a tomar quando ficava doente. Ele nunca reclamou da sopa para ela.
— Então vamos comer alguma coisa. — Hyorin sugeriu. — Vamos. Vou te levar a um restaurante. Você precisa de um pedaço de bolo.
Caminhamos em silêncio, sobre pilhas de folhas úmidas e esmagadas.
O restaurante que Hyorin havia escolhido estava quieto, e nós conseguimos uma mesa perto da janela. As pessoas em volta conversavam baixinho e comiam bolinhos de repolho. Hyorin pediu um café e biscoitos para si, mas pra mim acabou pedindo uma tigela grande de kimchi, almôndegas com purê de batata e alguns coquetéis de laranja e limão. Mesmo depois de tudo aquilo, só consegui arranjar forças para falar quando pedi um prato de sobremesa de panquecas de queijo.
— Está muito ruim lá. — Disse. — No dormitório. É difícil.
— Ji Yong tem me atualizado do que aconteceu. — Hyorin suspirou. — Sobre... Ele é Young-Bae terem parado de se falar.
Não havia muito o que eu pudesse dizer, então apenas ouvi.
— O que essa menina S/N quer? — Perguntou Hyorin, se inclinando na cadeira. Ela esfregou o rosto com uma das mãos, e eu pude ver que ela também estava cansada. — Não consigo acreditar que ela esteja causando problemas até agora...
Foi quando ela parou, e pareceu se lembrar de que eu ainda estava ali, e que era perigoso falar de S/N daquela forma. Dei um sorrisinho.
— Você deve sentir muita falta do Young-Bae-hyung.
— É. — Hyorin sorriu. — Muita...
Comemos em silêncio, Hyorin, pensativa, e eu, exausto. A conta chegou, e Hyorin pagou.
— Tenho que voltar. — Suspirei, esfregando a mão no rosto cansado. — Meus hyungs devem estar preocupados...
— Você deveria pegar um pouco de sol. — Disse Hyorin. — Sou sua noona, eu o conheço. Você merece um dia de folga do que está passando. Passeie ao ar livre. Se dê o luxo de passar um dia com um sorriso no rosto.
Sem perceber, dei um sorrisinho. Hyorin riu baixo.
— Vamos, acabe de comer para que eu possa te levar até a porta, pelo menos.
Assenti, e me levantei. Foi quando me lembrei de algo.
— Ahm... Noona? — A chamei. Hyorin sorriu. — Por que você... Me beijou naquele dia?
O rosto de Hyorin ficou branco, como se ela tivesse visto um fantasma. Ela piscou algumas vezes, desviando o olhar, quando ruborizou.
— Eu... — Ela se interrompeu. — Eu preciso ir agora. Até mais, Seunghyun.
Num movimento rápido, ela imediatamente passou por mim e saiu do estabelecimento, sem que eu tivesse uma chance de segurá-la.
— Espera, noona! — A chamei, mas já era tarde demais. Ela havia pego um táxi. — Aish...
Eu até poderia tentar esquecer tudo o que estava acontecendo, mas a preocupação e a culpa com certeza não me ajudariam.
— Quando os sapos coaxam, é hora de voltar pra casa... — Cantarolei. — Quando os sapos coaxam...
Parei no meio da calçada, e encarei o céu. Eu já estava começando a me sentir bem.
— Hum... Para onde eu deveria ir agora?
[…]
Eu não tinha muitas ideias de para onde iria, então acabei indo para a praia. Estava sol e o dia estava com um clima ótimo, e a praia era um ótimo lugar para tentar espairecer.
Como o esperado, ninguém me reconheceu quando cheguei, mas com o tempo, algumas garotas ainda vieram pedir autógrafos e tirar fotos. Como certeza sairia em algum site da Internet algo como "SeungRi é visto tirando uma folga na praia", ou igual, mas eu não estava nem aí. Poderia posar até para os papparazzi.
O som do mar estava me acalmando, e eu até pude esvaziar minha mente por um momento. Suspirei.
— Aish... S/N não vai gostar nada disso...
Eu realmente tinha esperanças de que S/N viesse me visitar novamente, mesmo depois do que havia acontecido naquele dia. A culpa havia sido completamente do Young-Bae, não havia porquê dela não voltar no dorms algum dia.
— Eu poderia comprar um presente pra ela. — Pensei em voz alta comigo mesmo, e sorri. Parecia uma boa ideia. — É... Um presente. Uma jóia, quem sabe? Talvez ela goste.
Sim. Ela poderia gostar. Ela poderia me perdoar, também. Eu compraria a jóia na próxima vez que a visse.
Era bom lembrar de S/N sem sentir dor, ou ficar sem o Ji Yong ao meu lado me perguntando se estava bem umas cinco vezes por minuto. Era bom poder me sentir normal de novo. Sem depressão, aquele dia seria apenas para espairecer. Meu celular vibrou. Ji Yong.
— Aish... — Suspirei, e atendi. — Oi, hyung.
"SeungRi! Aonde você está?"
— Na praia. — Dei de ombros.
"Sozinho? Mas você..."
— Você deveria parar de me tratar como um débil mental. — Bufei. — Eu sei cuidar de mim mesmo.
"SeungRi, eu só estou me preocupando. Eu sou seu hyung, eu..."
— Eu já vou voltar pra casa, hyung. — Revirei os olhos, e desliguei o celular antes mesmo que Ji Yong pudesse responder. Pelo menos eu havia respirado um pouco, o que havia me deixado calmo e relativamente relaxado.
Caminhei em silêncio, com as mãos nos bolsos, admirando o sol que brilhava em sua glória. A tarde parecia interminável, o que era uma coisa boa, pois assim a noite não chegaria tão cedo e minha insônia iria ter que esperar mais um pouco para poder atacar. Era perfeito.
Pensei em visitar minha irmã antes de voltar. Hanna morava num apartamento simples, não muito longe do centro de Seul. Ela costumava reclamar de que o fogão quase nunca funcionava, mas nunca pareceu querer se mudar. Tinha uma cama e um lugar para as roupas. Era tudo de que precisava. Vivia uma vida mais simples do que a minha, e mais feliz.
Entrei no elevador do dorms, observando os números no pequeno visor em cima da porta. Normalmente, numa tarde ensolarada como aquela, eu me serviria de uma taça de vinho junto com TOP e ficaríamos conversando com os membros na sala de estar. Isso antes de tudo aquilo estar acontecendo.
Naquela tarde, porém, eu apenas preparei café forte e me sentei perto da janela do meu quarto, observando o movimento da rua. Estava começando a ficar chateado, Ji Yong me pedira para voltar pra casa, mas nem ele estava em casa. Não tinha ninguém em casa, pra falar a verdade, o que era estranho, já que de manhã, quando eu havia saído, todos eles estavam tomando café na sala, e Young-Bae no quarto. A espera era a pior parte. Ficar sozinho despertava os demônios do meu interior. Talvez fosse o motivo de não ter conseguido entrar na clínica psiquiátrica.
Foi quando ouvi a porta da frente, no andar de baixo, se fechar num baque violento. Talvez Ji Yong havia chegado? Ou algum dos membros?
Deslizei do assento aonde estava e sai do quarto, descendo as escadas em dois degraus. Uma vez já no andar de baixo e sob a luz, pude ver quem havia chegado: Young-Bae. A verdadeira extensão do estresse dele se tornou clara. As bochechas estavam muito rubras e manchadas com rastros secos de lágrimas. Ele suava, apesar de estar trêmulo como quem tem frio, e parecia desesperado. Ele não me viu em cima das escadas.
TOP surgiu da cozinha, e foi aí que eu me surpreendi realmente. Ele sempre esteve ali? Desde quando?
— Young-Bae? O que foi?
— Hyung! — Young-Bae balançou a cabeça, dando um leve pulo de susto. Aparentemente, ele também não esperava ver o hyung ali. — Eu, ahm...
— Você estava chorando? — TOP se preocupou.
Young-Bae quase tremeu com impaciência, e TOP se aproximou, tocando-o no ombro com uma suavidade dolorosa. Agora, Young-Bae estava chorando, mais livremente, estremecendo e soluçando sob as mãos do nosso hyung. Ele abaixou a cabeça.
— Pode me contar. — TOP continuou, com a voz gentil, e eu me senti tentado a descer e tentar acalmar Young-Bae. Até que ele resolveu falar.
— S/N... — Começou, e meu coração palpitou. — Ela quer voltar para o Brasil...
Por um instante, tive a impressão de ter me transformado em uma tempestade, com negras nuvens curvas, raios e trovões. E tudo o que a tempestade queria era voar no pescoço de Young-Bae.
Meus joelhos ameaçaram falhar, e eu corri para o quarto antes que aquilo pudesse acontecer. Não era justo que S/N seguisse em frente e que eu tivesse que permanecer no estado onde ela havia me deixado, paralisado pelo medo. Sentir deveria ser muito mais que isso. Mais que aguardar por um sinal enquanto abraçamos o medo a medida que todas as feridas se reabrem sem avisar, mais que relembrar todos os arrependimentos.
Meu corpo amoleceu, e eu bati com os joelhos no chão frio, tentando me firmar na parede. S/N iria embora, e eu não tinha nem ao menos forças de ir até ela e pedir para que ficasse. A dor era demais, e tudo o que eu conseguia fazer era chorar. Chorar, até a garganta arder, até meu corpo desidratar, até tudo parecer melhor.
Mas não era tão fácil assim.
[…]
Eu havia perdido as contas de quantas horas eu havia perdido no quarto. Uma, talvez duas?
Eu não sabia se, subitamente, o sol havia descido às 16:00 e dado lugar a uma noite fria, ou se apenas eu não conseguia mais ver a luz.
Você e suas crises...
Percebe que tem ficado tão irritante a ponto de nem a garota que você ama aguentar você?
Até S/N já está cansada
Você deveria morrer de uma vez
Livre-a desse encosto que é a sua vida
— Cala a boca... — Solucei. — Por favor, cala a boca...
Você nem ao menos deveria existir
Você sabe que o BIGBANG seria muito melhor sem você
Me levantei, me apoiando nos móveis do quarto, e consegui chegar até a porta. Meus hyungs não estavam mais na sala de estar, e como se eu estivesse num transe, desci as escadas sem me preocupar se estava sendo visto por eles.
Queria ficar sozinho. Queria me recolher com a minha dor. E o primeiro lugar que vi para fazer isso foi a piscina do dorms, numa parte afastada. Era mais como uma área de lazer completamente coberta, mas com enormes janelas de vidro que deixavam a Luz do sol entrar e iluminar o local completamente. A porta também era de vidro.
Me sentei na borda da piscina com os pés na água, e senti uma lágrima escorrer pelo meu rosto. Havia tanta coisa que eu queria dizer a S/N, tanto que eu gostaria de dizer que a amava... Mas eu já nem estava mais em condições. Até eu estava assustado comigo mesmo. S/N nunca me ouviria. S/N nunca me daria outra chance. Senti meu celular vibrar, mas eu nem me incomodei em atender. Queria refletir, pensar, me torturar, sozinho.
Era o fim.
Pulei na água da piscina, antes retirando por inteiro o plástico que a protegia. Era um mergulho sem intenção de volta, mas é um instinto natural dos mamíferos reagir daquela forma à asfixia: procurar respirar de alguma forma, e emergem mesmo os que desejam a morte. Eu ainda ouvia vozes, e sabia que o suicídio por afogamento não é um método simples. Sabe-se que os suicidas escolhem a forma de morrer, privilegiando métodos que lhes assegurem rapidez e que eliminem ou reduzam sofrimento. Não por acaso, estima-se que 64% dos homens e 40% das mulheres que se matam em todo o mundo usam armas de fogo.
A morte por afogamento envolve uma das mais aterrorizantes experiências. Escolhê-la é, por isso mesmo, um gesto de loucura, não de desespero ou depressão aguda. Mas eu já nem me importava. Já estava louco, de qualquer forma.
A água invadiu minhas narinas, queimando tudo por onde passava, e eu não tive coragem para continuar. Como na clínica. Como sempre. Assim que consegui emergir, me segurei na borda da piscina e as lágrimas desceram livremente, os soluços fazendo meu peito tremer. Cuspi toda a água que havia engolido, e pressionei os olhos.
Você é tão fraco...
— Fraco... — Solucei.
Me deixei boiar na água, encarando o teto do lugar. O vazio cósmico, como diziam os cientistas. Young-Bae havia pedido para que pintassem anjos no teto, como uma forma de proteção, e também porque ele adorava anjos. Seu favorito era Rafael.
Como ele reagiria se soubesse que seu irmão estava cometendo o maior pecado, segundo a Bíblia?
— E então eu vi Satanás sucumbir... — Murmurei, fechando os olhos. — Como um raio caindo dos céus...
Ouvi pingos começarem a cair no chão, como se uma fina chuva estivesse começando a cair, e eu procurei com o canto do olho a fonte daquele som. Uma cascata de parede destilava seu charme e elegância em sua condição de design, uma decoração escolhida por Ji Yong. Pequenas pedras de cascalho enfeitavam seu chão, culminando em uma bem maior, no centro, deixava tudo com uma aparência mais calma e tranquila.
Foi quando minha mente finalmente se abriu, e a morte nunca me parecera tão fácil.
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.