O dia de trabalho ainda estava pela metade e a agente Ava Sharpe já pressentia uma dor de cabeça se aproximando e, caso isso acontecesse, a responsável tinha nome e sobrenome: Sara Lance, capitã da Waverider e líder das lendas, que parecia ter como objetivo principal de vida causar as mencionadas dores de cabeça em Ava.
Sara Lance era tudo o que havia de irresponsável, provocante e impulsiva na vida de Ava, tudo o que ela evitava a todo custo em seu caminho para se tornar a agente perfeita. A mulher tinha uma grande dificuldade em seguir regras – em entender que regras existiam por um motivo – e parecia aproveitar todas as oportunidades para bater de frente com Ava – na verdade, com o Departamento do Tempo, mas era impossível não levar para o lado pessoal.
Assim, ela passou a primeira metade do dia gritando com alguns novatos que pareciam incapazes de memorizar o básico do manual de regras, comeu uma salada em frente ao computador e tentou ignorar as primeiras pontadas de uma dor de cabeça ao ler o relatório da última missão das lendas.
A mulher, Zari, agora residia na Waverider não importando o que o Departamento dissesse sobre os criminosos. Por Deus, Sara nem mesmo titubeou quando Ava ameaçou explodir sua nave caso não entregassem as coordenadas de seu paradeiro!
Uma batida na porta tirou a irritante existência de Sara Lance de sua cabeça e, sem esperar por uma palavra convidativa, Gary, seu assistente, entrou na sala.
- Agente Sharpe, achei que gostaria de saber que houve uma significativa oscilação na linha do tempo.
- Como assim Gary? Se não for algo de extrema importância...
- Tem haver com as lendas! – exclamou sem conseguir se conter – O sinal vem da nave, como um anacronismo, mas não vem do passado e sim do futuro.
Definitivamente ela teria uma dor de cabeça.
- As lendas estão recebendo um visitante do futuro? Isso não deveria ser encarado como um anacronismo. Se há algum problema com o sistema...
- Não há! E se não for um visitante?! – Gary guinchou – É um anacronismo nível 4, mas pode aumentar; e se isso destruir a linha do tempo futura?! O que vamos fazer? Não temos um parâmetro para comparar! Um portal foi aberto e...
- Gary!
Foi novamente interrompida, desta vez por um sinal anunciando uma ligação de Sara Lance. Ava suspirou e fez um sinal para que Gary permanecesse em silêncio antes de atender.
- Ava, hey!
Nem mesmo o sorriso forçado da loira faria Ava relaxar nesse momento.
- Senhorita Lance.
- Como vai?
Sara ainda sorria, mas os sons atrás dela pareciam no mínimo uma cacofonia; ela podia ouvir Dr. Palmer pedindo que alguém ficasse parado, Gideon dando instruções sobre algo – era mesmo sobre a temperatura ideal do leite? – e um choro estridente que a fez rezar para que alguém estivesse assistindo a um programa de TV com o volume muito alto. Enquanto isso, Sara permanecia apoiada em sua mesa, sorrindo como uma idiota.
- Algo deu muito errado com as suas lendas e agora precisa da minha ajuda, certo Capitã Lance?
- Não.
Ava a encarou.
- Ok, sim. Pode vir agora? Não precisa me dar a palestra sobre horários de trabalho, responsabilidade e como minha equipe e eu somos inadequados – Sara bufou – Estou lidando com essa merda toda sozinha há três horas, então nada de sermões!
A ligação foi encerrada e Ava grunhiu ao se virar para o assistente.
- Três horas?
- E-eu... Eu me distraí com os relatórios. Definitivamente foi isso – respondeu nervosamente – Eu não estava escolhendo um novo wallpaper do Beebo, não mesmo! Isso seria tão inadequado e...
- Gary, calado! Volte para a sua mesa e trabalhe de verdade enquanto eu vejo o que as lendas estão aprontando.
- Sim, mas...
Ava não esperou o final da resposta, suas têmporas latejavam e Gary só estava piorando tudo. Abriu um portal diretamente para a sala de controle na Waverider e a cena que se desenrolava a deixou paralisada por um minuto; um garotinho corria em volta do painel principal sendo seguido de perto pelo Dr. Raymond Palmer, o pequeno usava apenas uma cueca com desenhos de dinossauros coloridos e chorava a plenos pulmões, a ponto de ficar vermelho.
- Agente Sharpe! – Sara se aproximou – Vejo que acabou de conhecer o pequeno Danniel, um dos nossos hóspedes.
Ela continuou encarando a cena que parecia ser tirada de um filme de comédia canastrão.
- Peguei! – o homem comemorou ao levantar o menino nos braços, então olhou para as duas mulheres e pareceu desconcertado – Vou vestir algumas roupas nele e preparar a mamadeira.
Bem, aquilo explicava o barulho estridente e as instruções sobre esquentar o leite.
- Parabéns, Ray – Sara sorriu apesar do comentário sarcástico – E ele só tem três anos.
- Três anos e dois meses – corrigiu como se aquilo fizesse diferença – Espera até ser a sua...
Algo clicou na cabeça de Ava.
- Espera! Seus hóspedes? Quantos são? E o mais importante, quem são?
Sara fez um gesto para que a acompanhasse até seus aposentos, não dizendo uma palavra enquanto se afastavam de Raymond e o garotinho que ainda chorava, só quando se encontravam em silêncio absoluto nos corredores vazios, ela se pôs a falar.
- Há algumas horas um portal foi aberto na sala de controle, duas crianças, praticamente bebês, passaram por ele e ficaram nos esperando; o menino é Danniel, Danny, filho do Ray e está chorando porque quer a mãe.
- Quero saber quem é a mãe dele?
- Nora Darhk.
- O que?! – Ava parou à porta do quarto de Sara – Nora Darhk? A filha de...
- Damien Darhk. Isso mesmo.
- Como?
Sara a puxou para dentro e Ava tentou controlar a vontade de olhar em volta e aprender o que podia sobre aquela mulher, além do fato de ser irritante aquém do que poderia suportar.
- De alguma forma, no futuro, Nora Darhk se redimiu e eles tiveram um filho que, por acaso, apareceu hoje na minha nave.
- E por que simplesmente não abrir um portal para levá-lo de volta para seu presente? É por isso que precisava de mim? Não podia ter pego sua nave e ido até... – Ava parou de falar – Não foi só ele que cruzou o portal, não é? Raymond mencionou a sua... Sua filha também veio?
A loira mais baixa pegou uma mochila pequena que se encontrava jogada sobre a cama, era azul com um desenho muito conhecido estampado na frente. Beebo.
- Cada um deles tinha uma mochila nas costas, acho que é um tipo de kit para emergências – Sara tirou um dispositivo muito parecido com um celular e estendeu para ela – Veja isso.
Deu play no vídeo e uma Sara mais velha apareceu segurando uma menina pequena, não maior do que Danniel – era esse o nome dele? – que parecia assustada e agarrava o pescoço da mãe; Ava não sabia por que se prendeu a isso, mas ali estava a mochila do Beebo já presa em suas costas diminutas.
- Ei, Sara ou eu, como preferir – a voz de Sara chegou até ela - O que você precisa saber agora é que as coisas não estão nada fáceis por aqui e essa – indicou a menina – é a nossa filha, a filha do seu eu futuro. Não tenho tempo para explicar, mas é de extrema importância que você e as lendas a mantenham segura até que eu possa busca-la; não confio em mais ninguém para fazer isso além das lendas.
Ela fez uma pausa quando a menina começou a chorar em seus braços.
- Ligue para Ava, ela vai ajudar. Volto por eles assim que conseguirmos estabilizar as coisas por aqui e resgatar as Lendas do meu tempo e, por favor, cuide das crianças... A melhor chance deles é ficarem escondidos não no espaço, mas no tempo.
Uma porta bateu fazendo com que a menina chorasse ainda mais e Sara se levantar de um salto.
- Sara! Está na hora!
- Estou indo! – a Sara mais velha tinha lágrimas nos olhos enquanto descia as escadas de algum lugar e beijava o rosto da filha – Te amo, menininha, mamãe ama você. Mamãe ama muito você!
Ava teve vontade de desviar o olhar. Aquela Sara mais velha, chorando enquanto beijava a filhinha que estava prestes a mandar para longe para garantir sua segurança era bem mais do que ela poderia aguentar. Pode ouvir gritos e batidas na porta enquanto alguém tentava invadir, Raymond aparecer no canto do vídeo com um menino nos braços e a filmagem foi desligada; Sara, a versão mais nova e irritante, tirou o aparelho de suas mãos e o jogou na cama.
- Ok... – foi tudo o que Ava conseguiu dizer – Vocês não podem enviar os dois de volta.
- Bem observado.
- Então, ela é sua filha e algo muito ruim está acontecendo no futuro... Você precisa cuidar dela...
- Concordamos que o melhor é tentar fingir que tudo está como deveria ser? Quero dizer, como explicar para o Danny que a mamãe é uma bruxa do mal que está sendo possuída por um demônio? Podemos apenas dizer que ela tirou férias e papai vai cuidar dele?
- Quer dizer agir como se nada tivesse acontecido e eles estão em casa? Me desculpe, senhorita Lance, mas não a vejo como uma boa mãe nesse momento; no futuro você pode ser uma mãe sensata, mas agora... – Ava tinha vontade de rir, chorar e se desesperar ao mesmo tempo. Ela tinha certeza que Sara tentaria alimentar a criança com todo tipo de comidas erradas e não daria horários ou regras – Me corrija se eu estiver errada, mas você entende algo sobre crianças?
- E você entende, agente Sharpe?
- Não! E não sei por qual motivo sua futura eu acha que eu poderia ajudar. “Ligue para Ava?” Desde quando temos tanta intimidade?
Ava bufou e jogou as mãos para cima, aparentemente Sara Lance conseguia tirá-la do sério em qualquer época de suas vidas. A Sara mais nova – ela evitou pensar em sua Sara – abriu novamente a mochila e tirou uma agenda pequena.
- Engraçado você dizer isso, sabe? Acho que deveria dar uma olhada nisso aqui.
As portas do quarto foram abertas, e a mais nova integrante da equipe das lendas, Zari, apareceu trazendo a menina pela mão. Por um momento Ava não olhou mais para Sara, mas apenas para a pequena figura loira que carregava um Beebo de pelúcia embaixo do bracinho.
- Mamãe, mamãe!
A menina guinchou feliz, deixou seu bichinho de pelúcia cair no chão e se afastou de Zari com um movimento brusco que quase a desequilibrou, mas foi rapidamente amparada pela mulher mais velha. Ava assistiu, fascinada, a menina correr tanto quanto sua habilidade motora de três anos permitia e ir em direção a Sara.
Exceto que ela não foi. O corpo pequeno se chocou com suas pernas e a menina começou a pular estendendo os bracinhos para ela enquanto ainda gritava “mamãe!”. Ava olhou da menina para Sara, as palavras morrendo em sua boca antes que pudessem ser pronunciadas e, mesmo assim, o que ela diria numa situação com aquela? Sentiu vontade de negar aquilo que estava bem na sua frente, dizer a si mesma que não havia uma garotinha – praticamente um bebê! – batendo em sua perna, cada vez mais impaciente por sua atenção.
- Desculpe, Sara – Zari se aproximou – Ela estava ficando impaciente e Danny só parou de chorar agora.
- Agente Sharpe – Sara chamou a atenção de Ava – Posso não entender de crianças, mas acho que quando fazem isso é porque querem ser pegas no colo.
Ava agiu mais do que pensou, como se fosse um sonho terrivelmente realista, pegou a menina no colo e assistiu enquanto ela se acalmava e passava os dedinhos gordinhos por seu rosto e cabelos.
- Acho que é você deveria mesmo ler disso.
Sara lhe entregou a agenda que havia tirado da mochila e, na primeira página, com sua caligrafia perfeita, estava escrito:
Avril L. Sharpe-Lance
Data de nascimento: 13 de novembro de 2022
Tipo sanguíneo: O -
Mãe biológica: Ava Sharpe-Lance
Mãe de nascimento: Sara Sharpe-Lance
- Temos uma filha juntas, Agente Sharpe.
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