Ava não conseguiu pensar em uma só frase coerente, era como se, de repente, seu cérebro pifasse e deixasse a boca abrindo e fechando num movimento instintivo, tentando formular palavras e desculpas impossíveis para a situação que mais parecia um pesadelo.
É isso, pensou ela, apenas um pesadelo. Eu não tenho uma filha com Sara Lance, não sou a mãe dessa pobre criança.
Exceto que as semelhanças estavam lá. Avril tinha seus olhos, o nariz era uma versão pequena e delicada do seu próprio, mesmo os lábios se pareciam; apenas seus cabelos eram mais claros, mais loiros e macios como os dos bebês costumam ser. Era como observar uma miniatura de si mesma e quanto mais Ava olhava, mais semelhanças ela encontrava, o que fazia sentido se levasse em conta que o que dizia naquele pequeno caderno estava certo: ela era a mãe biológica; mas ainda havia um brilho em seu olhar, algo que pertencia totalmente a Sara Lance e Ava tinha certeza que aquela menininha, que permanecia pacificamente abraçada a seu pescoço, seria capaz de destruir aquele quarto em cinco minutos.
- Mamãe, pega!
Aquilo tirou Ava de seus pensamentos. A menina – Avril? – lhe estendia o brinquedo azul e felpudo, algo que deveria ser seu objeto de conforto nas noites escuras enquanto permanecia sozinha em seu berço. Espera... Ela dormia em um berço? Usava fraldas? Precisava de uma mamadeira? Aquilo foi demais pra ela, como se ela fosse tirada violentamente do torpor em que se encontrava. Ela não podia ser mãe! Não tinha ideia de como lidar com crianças – não importava a idade – e definitivamente ela não entraria nessa confusão.
- E-eu não posso. Sinto muito, mas não posso.
Ela praticamente jogou a menina para Sara que se apressou em pegá-la, Avril resmungou de forma descontente, mas gargalhou quando a mulher fez cócegas em sua barriga, suas maria-chiquinhas balançando loucamente com o movimento.
- Você não pode? – o tom de Sara se tornou sério, assim como sua expressão ao se virar para Ava – Acha que eu pedi por isso?
- Eu não sei cuidar de uma criança, Sara! Não tenho ideia do que fazer, como brincar ou... Tudo! Não tenho ideia do que você quer que eu faça. A Sara do futuro parece achar que eu posso te ajudar em alguma coisa, mas adivinha só? Ela estava enganada!
As duas se encaram por um momento, o silêncio é tenso e nem mesmo Avril o quebra, como se pudesse sentir o problema entre elas.
- Ok – Sara concorda – Você não é do tipo maternal, entendi. Nós vamos falar sobre pensão alimentícia e dias de visitas agora? Quanto ganha um agente do Departamento do Tempo?
- O que?
- Você está fazendo de mim uma mãe solteira, então você precisa contribuir de alguma forma e também tentar fingir que se importa, talvez umas duas vezes no mês.
Ava sabia que Sara estava tentando ficar sob sua pele e estava conseguindo. Ela só não podia lidar com aquilo tudo, era demais mesmo para os padrões das Lendas.
- Eu preciso ir... Eu não posso...
Ela se virou para sair, mas a vozinha fina fez com que parasse por um instante.
- Tchau, mamãe! Mamãe vai pro trabalho.
Avril ainda tinha dificuldades em pronunciar a letra r, enrolava as palavras, mas ainda assim falava extraordinariamente bem para uma criança tão pequena e parecia familiarizada com Ava saindo para o trabalho.
- Isso mesmo, amorzinho – ela pode ouvir a voz de Sara – Mamãe vai pro trabalho e nós vamos brincar.
Com isso, Ava se afastou e abriu um portal desaparecendo por ele e deixando tudo aquilo para trás. Não voltou para a agência, indo diretamente para o seu apartamento com a intenção de tomar dois analgésicos, avisar a Gary que não retornaria, tomar um banho e então dormir a tarde – e talvez a noite toda – para apagar aquele dia.
Ela não tinha a intenção de ser cruel para a criança, Avril parecia mesmo adorável em seu macacão jeans e camisa vermelha, mas a ideia de que em algum momento ela se casaria com Sara Lance, capitã da Waverider e líder das lendas, era completamente descabida. A mulher era irritante, inconsequente e infantil, Ava duvidava mesmo que ela conseguisse cuidar bem da garotinha e o pensamento a preocupou por um breve momento, mas, assim que pousou a cabeça no travesseiro macio, caiu em um sono sem sonhos. Sem sonhos, sem Sara e sem filhas.
[...]
Durante todo o tempo em que comandou a Waverider, Sara nunca havia visto a nave tão bagunçada. A sala de comando parecia uma creche, com brinquedos espalhados pelo chão, isso se não levasse em conta os painéis de controle e luzes fluorescentes; alerta de spoiler: crianças de três anos não sabiam como se concentrar em uma coisa só.
Foi uma coisa boa ter a equipe ao seu lado, não fosse por Amaya as crianças acabariam comendo pizza ou sanduíches para o almoço ao invés dos vegetais no vapor; Zari e Nate tiveram a ideia de pedir a Gideon pelos brinquedos e Mick, bem ele continuava sendo Mick.
Ainda era estranho que os pequenos continuassem a chamar Amaya de Charlie, mas ela estava recebendo o que podia.
Após o fiasco com Ava, Sara decidiu que Avril e ela mereciam um pouco de sorvete, afinal qual criança não gostava de sorvete? A ideia se mostrou péssima menos de cinco minutos depois, quando Avril começou a correr e pular por todos os lados, comprovando que açúcar realmente não é o melhor para bebês. Então Sara se sentou no chão observando Danny brincar calmamente com dois dinossauros, ocasionalmente fazendo ruídos e imitando rugidos, do outro lado Avril empilhava blocos de madeira, mas sempre que a coisa progredia ela tinha um estranho prazer em trazer tudo abaixo.
- Ei – ela puxou a menina pelo macacão – Que tal uma soneca?
- Não!
- Deve estar cansada.
- Eu tô acordada – a lourinha arregalou os olhos – Tá?
Sem outra escolha, deixou que a menina voltasse para a torre de blocos, completamente surpresa pela coordenação necessária para a construção; aparentemente, sua filha era tão determinada e teimosa quanto ela e a Ava também, dessa ela não podia escapar. Mal terminou o pensamento e Avril derrubou tudo de novo.
- Maternidade real?
Nate se aproximou e sentou-se ao seu lado.
- Algo assim – Sara assentiu - Escuta, onde o Ray está?
- Falou algo sobre o laboratório, é tudo o que eu sei.
- Pode ficar de olho neles por uns minutos? – indicou os bebês com um gesto – Preciso falar com ele.
- Claro, Capitã! Os bebês estão seguros comigo.
- É melhor que sim!
Caminhou pelos corredores estranhamente silenciosos e agradeceu mentalmente ao encontrar Ray no laboratório, mas se o quadro vazio e o olhar perdido serviam como pista, poderia apostar que ele estava ali se escondendo e não trabalhando. Ao contrário dela, Ray não acertou no convívio com o filho, apesar do menino ser a sua cara, parecia bem mais ligado à Nora do que Avril era à Ava.
- Ray?
- Ei, Sara! Não te vi chegando. Há quanto tempo está aí? Tudo bem com o Danny?
- Acabei de chegar e ele está bem, os dois estão. Aliás, o garoto é a sua cara.
O comentário fez Ray sorrir e Sara se aproximou, se sentando ao seu lado.
- Ele gostou quando eu cantei Singin in the rain. É um bom garoto e a aparição dele aqui me fez pensar muito, sobre Nora Darhk e Mallus; talvez haja esperança para ela, Sara, tem que haver esperança. Talvez...
- Se ela é a mãe do seu filho então acredito que sim, em algum momento no futuro, mas não agora – Sara o interrompeu – Agora ela só pensaria em destruir o garoto. Você precisa se lembrar que ela ainda é o receptáculo de Mallus.
- Acha que fizemos a coisa certa? Digo, nossas versões do futuro mandaram essas crianças para uma época em que seus pais nem se relacionam de forma amigável.
Era uma das perguntas que também ferviam a mente de Sara, mas ela tentava não pensar sobre isso naquele momento.
- Pode ter sido um erro de data, talvez o ano – admitiu – Um problema por vez, Ray.
- Problemas com Ava?
- Problemas com Ava – Sara suspirou – Ela fugiu, mesmo com Avril a chamando de mamãe o tempo todo. Nora Darhk não pode ser mãe nesse momento, Deus sabe que ela tem um demônio vivendo dentro dela, mas Ava não tem desculpa pra agir desse jeito.
- Talvez ela esteja assustada – ele arriscou – Não sabemos nada sobre a vida pessoal dela, talvez ela seja uma dessas pessoas com uma família quebrada e tem medo de fazer mal à Avril se ficar por perto.
- Eu sou a última pessoa que deveria estar perto de uma criança, eu dei sorvete pra ela e agora ela parece um redemoinho de energia...
- Açúcar é um veneno – Ray murmurou – Desculpe, pode continuar.
- Não sei como ser uma boa mãe, nem sei como ser uma mãe mediana, mas estou tentando! O que ela fez, Ray? Ela fugiu – Sara suspirou novamente, tentando se acalmar – Eu sempre achei que se um dia tivesse filhos seria com uma pessoa legal, alguém que fiscalizaria a comida das crianças para que comessem coisas saudáveis, que cuidasse dos machucados e ajudasse com o dever de casa.
Ray pareceu ponderar por um minuto antes de tocar o braço de Sara.
- Isso tudo parece algo que a Agente Sharpe faria, dê tempo a ela. Se você se casou com ela em algum momento, tenho certeza que ela é uma das boas.
- Talvez... Mas agora ela não nada nem perto disso.
Fizeram silêncio por um minuto, ambos perdidos nos próprios pensamentos a respeito do futuro, muito acostumados às aventuras e a salvar o mundo, mas nada como aquilo. A equipe havia sofrido perdas irreparáveis e eles ainda não falavam sobre aquilo, muitas coisas eram guardadas no fundo do armário, pensamentos sombrios que Sara se esforçava para encaixotar e esconder da pequena menina. Droga, ela faria aquilo funcionar de um jeito ou de outro, com ou sem Ava.
Ray foi o primeiro a quebrar o silêncio entre eles.
- Não está tudo quieto demais? Não deveria ser tão quieto com duas crianças pequenas.
- Nate está cuidando delas. Gideon, pode me dizer onde estão todos?
- Srta. Jiwe não se encontra na nave, todos os outros estão na sala de comando com as crianças, Capitã.
- Acha que devemos ir até lá?
Sara queria negar, queria acreditar que estava tudo bem, mas algo dizia que se não verificasse acabaria por se arrepender mais tarde.
- É melhor.
A coisa toda parecia ainda mais surpreendente, nem com toda sua criatividade ela poderia formar aquela cena em sua cabeça. Nate estava de um lado da sala, as crianças em pé sendo firmemente seguradas por ele, Zari do outro lado e Mick sentado no meio observando a coisa toda. Sara se adiantou tentando entender o que se passava.
- O que está acontecendo aqui?
- Vamos fazer uma corrida de bebês – Nate explicou como se fosse óbvio.
- Estou fazendo as apostas – Mick levantou a cerveja que bebia – E apostei no garoto, essa garota tentou pegar o Axl.
- Não se preocupem, está parcialmente equilibrado – Zari garantiu – Demos duas colheres de sorvete para o Danny e mais uma para a Avril, só para garantir. E eu apostei nela, ela tem esse brilho no olhar...
- Sara, não podemos deixar que façam isso com os nossos filhos!
Ray parecia perto de um aneurisma, se pela competição ou pela ingestão de açúcar ela não sabia.
- Quer saber – Sara tirou uma nota do bolso e jogou para Mick – Aposto $10 na minha filha.
- Nate? – Ray insistiu.
- Eu apostei no seu filho.
Sara correu e sentou-se ao lado de Zari, acenando para a menina que lhe sorriu de volta. Por sua vez, Ray parecia derrotado ao entregar uma nota de $10 para Mick e se posicionar para acenar para o filho.
- Vem com o papai, Danny – ele acenou alegremente – Mas não corre muito se achar que vai cair, segurança em primeiro lugar.
- Avril, sua mãe te dá um biscoito se ganhar! – Zari prometeu.
- Zari!
- O que?! Sara, tem cinquenta pratas nessa corrida, se ela ganha cada uma de nós sai com $25.
- Avril! Mamãe vai te dar um biscoito se você ganhar!
- Muito bem, vamos começar – Nate anunciou – Mãe, pai e amigos, a regra é clara: o primeiro bebê a cruzar a linha de chegada vence. Dúvidas?
- Eu tenho uma – Ray levantou a mão – Vamos estipular um limite de velocidade adequado para a idade deles?
- Não, Ray – Nate fez um gesto – A hora é agora, em suas posições, preparar... Já.
Nate soltou os bebês e por um breve momento eles sequer se moveram, mas Danny se mexeu primeiro e começou com vantagem, mas Avril logo se recuperou e o seguiu. Uma cacofonia tomou conta do lugar, Mick e Nate torciam para Danny, o incentivando a continuar na dianteira, Ray gritava coisas como “isso, corre, você consegue!” e “Devagar! Cuidado”, o que fazia o menino correr e parar a todo momento, sem saber qual ordem deveria seguir; Sara e Zari gritavam para Avril correr e continuavam prometendo biscoitos.
A disputa estava acirrada, e faltava pouco para a linha de chegada quando Ray gritou para Danny ter cuidado, fazendo com que o menino parasse e assim Avril passou à sua frente e ganhou com folga. Sara levantou a menina nos braços e comemorou a vitória junto a Zari, Nate e Ray sorriam satisfeitos pela brincadeira, mas Nick resmungava e apontava para a loirinha.
- Essa pestinha... – ele resmungou.
- Paguem o que devem – Zari mandou – Não mandei apostarem no bebê errado.
- Quero uma nova corrida, sem que o Ray interfira no desempenho do meu atleta – Nate informou pegando Danny nos braços – Não é campeão?
- Quero meu biscoito!
É, Sara não devia ficar prometendo coisas para aquela menina.
[...]
Ava acordou de um pulo, o som de alerta do celular a despertou de forma violenta, ainda parecia muito cedo para se preparar para o trabalho e, de fato, constatou que ainda estava muito escuro lá fora. Bateu a mão no aparelho, silenciando-o antes de cair novamente na cama com um suspiro; havia algo no fundo de sua mente, algo que ela não queria trazer à tona, mas que a estava incomodando profundamente.
Pegou o celular, a luz da tela feriu seus olhos sensíveis, mas ao se ajustar percebeu duas coisas: ainda eram 21h e havia cinco chamadas perdidas de Sara. Os acontecimentos do dia voltaram de uma só vez, as lembranças da garotinha loira a chamando de mamãe, a informação de que acabaria por se apaixonar e se casar com Sara (e teriam uma filha!) quando nem suportava ficar no mesmo ambiente que ela.
A tela do telefone se iluminou novamente anunciando uma nova chamada de vídeo e Ava titubeou por um segundo, muito tentada a ignorar e deixar por isso mesmo, mas o pensamento de que Sara realmente precisava de ajuda e que ela tivesse, de alguma forma, danificado aquela criança a fez atender.
A expressão cansada de Sara apareceu na tela.
- Capitã Lance.
- Ava! – ela fingiu alegria – Adivinha quem precisa de você?
Ao fundo era possível ouvir um choro alto, quase agressivo e gritos de “Mamãe! Eu quero a mimi! Quero a mamãe!”.
- O que está acontecendo aí?
- Bom, isso é o que acontece quando uma menininha de quase três anos quer sua mamãe antes de dormir – Sara desapareceu da tela por um segundo e voltou com Avril nos braços – Olha só, é a mamãe Ava!
Avril começou a se acalmar no mesmo instante, trocando a birra histérica por um choro baixinho e sentido, com lágrimas gordas rolando por seu rostinho bonito e fazendo o biquinho mais lindo e irresistível que Ava já havia visto.
- Oi... – começou sem jeito – Você deveria estar dormindo à essa hora.
- Mamãe vem aqui – a menina chamou – Eu quero você.
- Ela quer você – Sara concordou.
- Quero a mimi e a mamãe.
- Sua mamãe vai vir logo, eu prometo. Não é, Ava?
Ava queria dizer não, ela teria dito não caso Avril continuasse com a birra, mas aquela carinha ainda meio chorosa e meio esperançosa... Impossível negar qualquer coisa.
- Vou, eu prometo. Só me dê alguns minutos.
Começou a se levantar, precisava se trocar e estaria na Waverider em dez ou quinze minutos no máximo.
- Espera – Sara chamou antes de colocar Avril para baixo – Preciso que traga algumas coisas.
- O que? Gideon não pode fazer essas coisas? São nove da noite, ela precisa dormir.
- Os recursos da nave não são infinitos e seu departamento adora lembrar isso. Além disso, não vai demorar nada, é só uma ida a uma farmácia 24h.
Ava tinha certeza que Sara estava se vingando dela àquela altura da noite, mas tudo bem ela iria com isso até onde conseguisse.
- Ok, o que você precisa?
- Fraldas. Avril sabe pedir para ir ao banheiro, mas tivemos um acidente com o Danny hoje.
- Você realmente precisa de fraldas?
- Ela tomou três copos de suco no jantar e não quer ir ao banheiro agora. E eu não um quero um acidente na minha cama, uma vez que ela vai dormir comigo.
- Ok, o que mais?
- Eu não tenho ideia do que é uma “mimi”, mas ela não vai dormir sem uma.
- E eu tenho cara de quem sabe o que é uma mimi? Por Deus, Sara!
- Consiga algo. Te esperamos aqui, tchau!
A ligação foi encerrada, deixando Ava atônita encarando a tela do telefone. O que Sara queria que ela fizesse e como aquilo virou responsabilidade dela? Parecia que cada momento da vida daquela mulher era fazer Ava miserável ou com problemas absurdos para resolver.
Trocou de roupa e se arrumou para sair em tempo recorde, precisaria usar o carro até a farmácia mais próxima e então voltar para casa antes de abrir um portal para a Waverider, definitivamente ela não tinha ideia como em algum momento de sua vida ela imaginou que um casamento com Sara Lance seria a coisa certa a ser feita. Quinze minutos depois ela estava na farmácia parcialmente deserta, e andando por entre as prateleiras sem saber onde estavam as coisas que precisava.
- Com licença? – uma senhora um pouco mais velha a chamou, usava um uniforme e um crachá de gerente – Precisa de alguma coisa?
- É, sim...
A mulher, seu crachá trazia o nome Rose, a olhou como se perguntasse “sim, mas o que?”
- Ah, é para minha fi-filha – Ava gaguejou – Fraldas. Isso, eu preciso de fraldas!
- Venha comigo.
A mulher a levou para um corredor repleto de produtos voltados para bebês e crianças, tantas marcas e coisas diferentes deixaram Ava tonta. Como era possível que tivesse tantas opções para aquelas pessoinhas que nem sabiam escrever seus nomes?
- Qual o tamanho?
- Eu não sei...
- Ok, qual a idade e peso?
- Ela tem três anos, mas não sei quanto ela pesa.
Um novo olhar, dessa vez um mais julgador.
- Pegue essas – a mulher lhe passou um pacote – São boas. Mais alguma coisa? Pomada para assaduras, lenços umedecidos, produtos para o banho?
- Eu preciso de todas essas coisas? – Ava perguntou e recebeu um novo olhar, um ainda mais afiado como se dissesse “você não sabe do que sua filha precisa?” – Eu preciso... Sim preciso de dois de cada, menos os produtos para o banho. Meninos e meninas usam o mesmo tipo de shampoo não é? Não há nada sexista do tipo menino não pode cheirar a lavanda?
- Não, não há. Espere aqui.
Ava esperou completamente perdida no meio de todas aquelas coisas, ela deveria levar uma daquelas coisas para sugar o nariz do bebê? Avril parecia grande para precisar daquilo...
- Aqui está – a gerente, Rose, voltou com uma cesta cheia dos produtos que havia indicado antes – Mais alguma coisa?
Ela pegou a cesta, ainda olhando em volta.
- Minha filha fica pedindo algo que chama de “mimi”, não vai dormir sem e eu não tenho ideia do que seja. Alguma sugestão?
- Sua filha tem três anos e você não tem ideia de nada sobre ela?
O olhar de julgamento novamente fazendo com que Ava se sentisse a pior mãe do mundo – e ela nem mesmo era mãe ainda! – felizmente seu trabalho exigia que pensasse rápido e resolvesse questões de forma eficaz.
- É a primeira noite dela em casa – explicou – Minha esposa e eu a adotamos, não conseguimos entrar em contato com a assistente social para perguntar sobre essas coisas...
O olhar se suavizou e um sorriso bondoso se formou nos lábios da mulher, problema resolvido.
- Bom, algumas crianças dão nomes para os brinquedos ou objetos importantes. Talvez seja um ursinho?
- Ela já tem um desses – disse se lembrando do Beebo.
- Um paninho que ela goste de cheirar? Uma chupeta?
- Chupeta?
- Oh, querida, se você não tem uma quer dizer que precisa de uma. Venha comigo – seguiram mais adiante no corredor até um expositor cheio de chupetas – Dizem que faz mal para os dentes, eu digo que pagar um aparelho ortodôntico no futuro vale as minhas horas de sono atuais.
Ava não sabia muito sobre crianças, mas até ela sabia que chupetas dividiam opiniões e, além disso, Avril não era tão pequena assim, mas se isso a ajudasse a dormir e impedisse que a Capitã Lance continuasse ligando... Bom, que seu futuro lidasse com aquilo quando chegasse a hora. Assim pegou quatro embalagens de modelos diferentes, cada uma com duas chupetas para que as crianças dividissem; logo ao lado havia mamadeiras e copos com bico de silicone, pegou dois de cada para garantir.
- Acho que já tenho tudo.
- Precisa de fórmula? – Rose perguntou e, vendo a confusão no rosto de Ava explicou de forma bondosa – É leite em pó para crianças, é diferente para cada faixa etária.
- Isso seria ótimo!
Alguns minutos depois ela já estava no caixa ouvindo as últimas recomendações de Rose; aprendeu que deveria ferver as chupetas e os bicos de silicones das mamadeiras e copos, assim como poderia colocá-los em uma tigela com água antes de levar ao micro-ondas, a lavadora de louças não era recomendável... Eram tantas coisas que ela se perguntou por que as pessoas tinham filhos por qualquer motivo além de garantir o futuro da espécie humana, como podiam fazer aquilo por amor?
Saiu com duas sacolas cheias após gastar um bom dinheiro naquilo tudo e precisou se lembrar de novo de como havia concordado com aquilo só para começar. A viagem para casa foi rápido e da sala de estar abriu um portal para a Waverider.
- Olá, Agente Sharpe.
- Olá, Gideon. Pode me dizer onde está a Capitã Lance?
Gideon fez mais do que isso – como sempre – e a guiou diretamente para os aposentos de Sara, afirmando que já era esperada por ela. De fato, Sara estava na cama escovando os cabelos loiros da menina.
- Capitã Lance – disse ao entrar – Gideon disse que já me esperava, por isso vim até aqui assim...
- Mamãe! – Avril gritou feliz – Mamãe chegou.
- Ava, quanta formalidade – Sara se levantou e indicou as sacolas – O que é isso tudo? Eu pedi fraldas.
- A gerente da farmácia me disse que eu precisaria disso tudo. Essas coisas são caras...
Avril caminhou sobre a cama, já usava um pijama azul com pequenos unicórnios e parecia mais calma; sem a menor cerimônia, estendeu os braços para Ava e esperou ser pega no colo e, sem mais opções, ela deu as sacolas para Sara e pegou a menina que logo deitou a cabeça em seu ombro e abraçou seu pescoço.
- Ela ficou bem até o jantar, mas aí começou a chamar por você sem parar – Sara explicou enquanto tirava as coisas das sacolas – Mamadeiras e fórmula?
- Eu não sei, Sara, só trouxe o que poderia ser útil para que você não me ligasse de madrugada – Ava afastou a franjinha da testa da menina com um carinho – Mamãe Sara cuidou bem de você?
- Eu ganhei um biscoito e sorvete.
- Sara...
- Ela comeu brócolis e tomates no almoço, deixei as cenouras passarem mas ela comeu bem – Sara se explicou como se fizesse sentido – Só dei o sorvete depois que você foi embora, só queria que ela ficasse feliz; no jantar ela comeu macarrão com queijo.
- Você gosta de macarrão com queijo? – Ava perguntou tentando manter um nível de conversação com a criança.
- Aham!
- Ela gosta tanto que esfregou até no cabelo e precisou de um bom banho depois.
- Eu ganhei um biscoito na corrida...
- Corrida?
Sara parou o que estava fazendo, sua expressão dizia claramente que Avril não deveria ter contado aquilo.
- Fizemos uma corrida de bebês e ela ganhou.
Ava tentou imaginar a cena por um breve momento: as crianças correndo e os adultos planejando e incentivando uma competição que com toda a certeza não era segura.
- Quero saber mais sobre isso?
- Não – Sara respondeu simplesmente – Pra que tanta coisa assim?
- Oh, algumas são para o Danny. Eu não poderia trazer apenas para a Avril.
Sara sorriu, como se a atitude fosse além do esperado.
- Na verdade, isso foi meio doce da sua parte.
- Eu já disse por que fiz isso – Ava replicou.
- Pra não ter que me atender, ouvir minha voz e ver meu rosto. Também não é o momento mais agradável do meu dia – ela tirou uma das embalagens com chupetas e acenou com ela – Quantas crianças você acha que tem aqui?
Ava ia replicar, dizer que elas eram de formatos e cores diferentes e por isso havia tantas delas, mas Avril guinchou feliz e estendeu a mãozinha gordinha.
- Mimi!
- Isso é a mimi? – Sara perguntou – Uma chupeta?
A menina acenou freneticamente, seus dedinhos abrindo e fechando em direção à chupeta; Sara abriu a embalagem e lhe entregou uma que logo foi enfiada na boca sem a menor cerimônia.
- Sara, isso precisava ser fervido!
- Nah, ela vai criar anticorpos. Por que você não coloca a fralda nela e passam um tempinho juntas? Vou levar algumas fraldas e chupetas para o Ray.
Dizendo isso, Sara saiu sem esperar ou sequer dar a chance de Ava responder, e negar, sua sugestão. Sem outra opção, colocou Avril na cama e tirou sua roupa antes de perceber que não tinha ideia de como fazer aquilo.
- Tem certeza que não quer fazer xixi agora?
Avril negou em silêncio, muito ocupada com chupeta em sua boca. Aquilo parecia uma droga feita pra crianças.
- Gideon? – tentou – Pode pesquisar sobre como colocar uma fralda?
- Claro, Agente Sharpe.
- Obrigada.
Seguindo as instruções que Gideon lhe passava, Ava passou o creme para assaduras na pele delicada da menina e precisou tentar três vezes antes de prender a fralda do jeito certo. Pelo menos a mulher na farmácia havia acertado quanto ao tamanho. Fralda no lugar certo e pijama vestido, Avril acenou para que se deitasse ao seu lado na cama e Ava suspirou mais uma vez, aquele dia não acabava nunca.
- Mamãe, vem...
A menina gemeu descontente, mas seus olhos mal ficavam abertos agora que tinha tudo o que precisava. Ava verificou o corredor, mas não havia sinal de Sara retornando, provavelmente estava ocupada ajudando o Dr. Palmer a colocar fralda no filho e o pensamento a preocupou, duvidava seriamente que qualquer um dos dois soubesse como fazer isso – mesmo que ela precisasse de instruções de Gideon para completar a tarefa.
- Mamãe! – Avril gemeu de novo, dessa vez mais desperta.
Com um suspiro resignado, não querendo que a menina acordasse de vez, Ava se deitou ao seu lado na extremidade da cama e acariciou seus cabelos macios; Avril suspirou, parecendo feliz e relaxada, pronta para uma noite de sono e fez algo que surpreendeu Ava: passou a mãozinha gordinha em seu rosto. Os dedinhos acariciavam seu rosto e os cabelos soltos, desceram por seu pescoço e afagaram seu peito bem perto de onde seu coração batia; o gesto pareceu certo, bem vindo, a personificação da palavra amor. Sua família era quebrada, insuficiente, nada parecia verdadeiro ou certo o suficiente, mas ali estava aquela menininha que ela sequer conhecia, mas que a conhecia muito bem, fazendo carinho em seu peito para conseguir dormir.
Não conseguiu se segurar, aplicou um beijo na cabeça da menina apreciando o cheiro de bebê que ela exalava; a mãozinha de Avril subiu ao seu rosto mais uma vez antes de voltar para seu peito e permanecer ali, imóvel e relaxada. Seria bom, ótimo na verdade, se ela continuasse daquele tamanho, imutável e inocente para sempre.
Um pigarro chamou sua atenção e percebeu que Sara estava de volta, apoiada na porta e com um sorriso tranquilo no rosto. Ava se desvencilhou da filha e com a ajuda da outra mulher colocou alguns travesseiros para impedir que ela rolasse para fora da cama.
Sara fez um gesto para que a acompanhasse até o corredor e ela a seguiu.
- Obrigada, você sabe, por vir e ajudar.
- Não foi nada – Ava pigarreou para manter a voz firme – Você cuidou muito bem dela.
- É – a loira mais baixa balançou a cabeça como se ponderasse – Mas eu também apostei em uma corrida de bebês, então...
- Por que isso não me surpreende nem um pouco? – Ava jogou as mãos para cima, mas então se lembrou de algo e fez uma careta – Eu não trouxe escovas de dente! Ela está dormindo e não escovou os dentes...
- Ava – Sara chamou sua atenção – Ela tem uma escova de dentes, providenciei isso. Sei que já disse isso e você deixou claro que só veio por ela, mas obrigada por ter feito o que fez.
- Tudo bem, Sara.
- Eu pensei que podia cuidar dela sozinha, que daria conta, mas ela queria tanto você que já não sabia mais o que fazer. O irônico é que pensei que ela não era tão apegada a você quanto Danny é apegado à mãe, só que a coisa toda da hora de dormir é algo de vocês duas.
- Não foi nada. Quero dizer, na hora pareceu alguma coisa, mas agora vejo que não foi. Eu quero falar sobre algumas coisas, sobre ela e isso tudo.
- Claro, seria muito bom que falássemos sobre isso.
Ava fez uma pausa, mexeu no cabelo e mudou o peso de um pé para o outro, nervosa sobre o que queria até Sara interromper o gesto.
- Algo mais? Ava?
- Ela vai acordar depois que eu estiver no Departamento e, até onde ela sabe, dormi aqui. Então, pensei que você talvez pudesse, eu não sei, me ligar quando ela acordar.
- Posso fazer isso – Sara garantiu – Avril ficará feliz.
- E será que eu posso... Aparecer? Talvez mais tarde?
- Pode aparecer quando quiser para ver a Avril, não posso e nem quero impedir isso.
Ava sorriu, aliviada por ter acesso à menina mesmo naquela situação, mas então algo lhe ocorreu.
- Desde quando agimos como um casal divorciado compartilhando a custódia das crianças?
- Desde hoje eu acho. Boa noite, Ava.
- Boa noite, Sara.
Ela retornou ao seu apartamento, pela primeira vez em algum tempo sentindo seu coação um pouco mais quente. Seria bom ter a menina por perto, aprender com ela, mesmo que para isso tivesse que suportar Sara Lance ao seu lado.
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