— Mais alguma coisa?
— Não obrigado.
— Diga para ele encomendar com mais antecedência se for pra me fazer acordar às seis da manhã. — o homem bocejou ainda com a carranca estampada na cara.
— Eu acordei às quatro só pra vir até aqui. — suspirei. — Valeu.
— É melhor tomar cuidado garoto, procuraram por você ontem. — olhei para ele por um momento e depois me virei para ir embora.
— Eu sei me cuidar.
Tudo bem que começar o dia cedo não é ruim, é ótimo para um dia produtivo, saudável andar e se exercitar, como dizem os especialistas, quem cedo madruga... é… Ah tanto faz, eu estou puto, muito. Vou explicar exatamente o que aconteceu só pra você ter uma ideia de o quanto eu to na merda hoje. Ontem, meu chefe me pediu para pegar uma peça, do outro lado da cidade, estaria tudo ótimo se eu tivesse com a minha moto, não daria vinte minutos daqui lá, claro, isso com os atalhos, mas, como sou o melhor amigo que alguém poderia ter, eu emprestei minha moto para meu amigo Jungkook, ele estava sem o carro, e precisava buscar a mãe dele em algum lugar, não lembro onde, mas é, então, sem minha moto o que eu tive que fazer? Pegar o caminho mais longo e mais demorado. Adivinha só quem às quatro da manhã enfrentou dois ônibus e entre eles um terminal de integração? E claro, teria que voltar pelo mesmo caminho se eu quisesse chegar em casa, em casa não, porque eu ainda tinha que ir trabalhar.
— Acho que eu mereço sim um café da manhã. E por conta do chefe. — insira aqui uma risada maligna enquanto eu to com o cartão do meu chefe.
Pra você que talvez ainda esteja em dúvida, mas acredito que já saiba quem sou eu, afinal, a resposta parece estar bem clara ali em cima, melhor amigo do Jungkook, já trabalho, ando de moto, estou very puto, sim, sou eu Jung Hoseok, vinte e dois anos, trabalho como mecânico, nada demais, sou uma pessoa bastante simples que é intolerante a lactose e odeia colegiais. Tenho um melhor amigo que vive em rios de dinheiro, mas insiste em trabalhar numa sorveteria e gastar do próprio dinheiro, vai entender né.
— Alô? — atendi o celular, cara, café é maravilhoso, pão com mortadela também, super recomendo. Se vai leite na massa do pão? Não sei, se for, então eu não tenho intolerância, sempre comi pão e vou continuar comendo.
— Ei viado, pode vir buscar sua moto já.
— Viado é a sua rola. — estou em público? Sim.
— Onde você tá?
— No seu bolso. Eu já vou, vou pegar o ônibus das seis e meia.
— É melhor ir rápido então.
Olhei meu celular e meu corpo gelou, eram seis e vinte, olha a merda, eu tinha que correr, se eu quisesse chegar ainda as oito pra entregar a peça pro meu chefe e não perder o emprego eu precisava dar uma de Flash.
Cara, eu nunca corri tanto na minha vida, sério, isso nunca aconteceu antes, eu sou uma pessoa muito pontual, eu gosto de chegar até mesmo antes, assim eu evito situações como essa, de ter que sair correndo como um louco. E também eu tenho moto.
Bom, cá estou eu, muito pleno e cansado, além de ofegante depois da corrida, estou em pé, num ônibus lotado de colegiais, garotos e garotas. Eu não gosto da maneira que eles ficam me encarando, eu não tenho um motivo muito grande para isso, mas é tipo criança pequena, sabe? Só que no meu caso eu gosto de crianças pequenas e não gosto de adolescentes cheios de hormônios que acham que o mundo gira em torno deles e que eles obrigatoriamente precisam de um namorado ou namorada.
“Ele é tão lindo!”
Escutei uma das garotas no canto do ônibus mencionando, rezei que não fosse para mim, mas foi eu virar pra olhar e escutar as risadinhas e uma delas acenando para mim. Apenas revirei os olhos e voltei a olhar pela janela entre várias cabeças na minha frente.
Entre essas cabeças uma com cabelos bem cortados e castanhos, muito bem penteado por sinal, chamou minha atenção, era um garoto, pela aparência devia ter uns vinte anos, quase a minha idade. Mudei de lugar para que algumas pessoas descessem no ponto e me aproveitei disso para ficar de um lado em que pudesse ver o rosto dele melhor, e cara, aquela foi a melhor coisa que eu fiz. Não é como se eu fosse do tipo que “crusha” alguém, mas aquele garoto realmente eu não podia deixar passar. Ele era lindo, simplesmente lindo, e olha que sou um cara difícil e muito seletivo, ele estava muito concentrado em alguns papéis, parecia ler atentamente. Por um momento ele falou com a mulher ao lado, acho que a mãe dele, se não irmã, são extremamente parecidos. Algo como faculdade será? Ele parece ser um garoto inteligente e estamos ainda no começo do ano.
Eu fiquei por mais um tempo ali apenas olhando para aquele garoto, pensando se deveria ou não falar com ele, quem sabe um oi, ou perguntar pra onde ele vai, se ele quer sair comigo algum dia ou sei lá.
Acho que estou sendo exagerado. Pelo menos não to planejando casamento, filhos, casa, e tal. NÃO ESTOU!
Mas quem sabe isso seja destino, já que depois daquele ônibus e o terminal de integração, ainda estamos no mesmo ônibus. É destino, só pode.
[...]
— Hoseok! — Jungkook me cumprimentou abandonando as colegiais que estava paquerando.
— De novo com as colegiais? Qual é a do seu fetiche? — me sentei em uma das mesas junto a ele.
— Não tenho fetiche, mas acho interessante saber o que atrai essas garotas, que eu sou lindo eu sei e que sou gostoso também. Mas sobre minha personalidade é novidade.
— Vê se cresce JK. — rimos.
— Então, vai trabalhar ainda?
— Vou. — suspirei. — minha moto?
— Tá lá atrás, você tá diferente, o que aconteceu? — ele riu. — Foi uma pessoa não é? — sorriu mais aberto. — Um garoto?
— JK…
— Se eu não te conhecesse diria que está doente. Hoseok eu te conheço antes mesmo de nascer, eu sei quando você tá afim de alguém, tá praticamente estampado na sua testa. — ele cutucou minha testa rindo. Realmente, eu e Jungkook preservamos uma amizade de infância, meu pai e o pai dele se conhecem também desde crianças e bom, vivíamos um na casa do outro, não que isso tenha mudado, exceto pelo fato de eu morar sozinho e ele ainda morar com os pais.
— Tudo bem, foi no ônibus, da hora que você me ligou até aqui, ele veio pelo mesmo caminho.
— Ele né. — riu novamente. — Era bonito?
— Demais.
— Quantos anos?
— Provavelmente uns vinte, acho que tava vindo pra faculdade.
— Que sorte.
Não muito tempo depois eu tive que voltar ao trabalho, como sempre, depois de entregar a peça para meu chefe e avisar que tinha usado o cartão dele para tomar café da manhã e também levar um sermão pelo atraso, que culpei o trajeto de ônibus, tudo ficou bem, acabei esquecendo aquele garoto.
Isso por duas semanas, quando numa folga Jungkook me obrigou a levantar cedo e ir até a sorveteria, porque ele tinha que me contar algo. Ele é pior que garota fofoqueira. Senhor amado.
— Aquele é o Hoseok. — ouvi alguém falar meu nome. Olhei em volta procurando quem quer que tenha falado. Como não encontrei ninguém e me senti um pouco nervoso, acabei acendendo um cigarro.
Não é que eu fume o tempo todo, só em casos de nervosismo, eu sei que faz mal, mas é, cada um tem algo que o acalme e no meu caso é o cigarro - isso mudou -, um dia eu paro, não hoje, não amanhã e não depois de amanhã, mas um dia.
Novamente indo para a sorveteria que o JK trabalha acabei escutando outro comentário envolvendo meu nome, e isso foi acontecendo sucessivamente. Eu não sei do que se trata, mas sinto que algo está muito errado. E isso tem a ver comigo, meu cigarro, minha jaqueta de couro e aparentemente drogas.
— JK, parece que tem alguém espalhando boatos sobre mim. — falei baixinho apoiado no balcão, ao lado dele.
— Tem certeza que não é outro Hoseok com marra de Bad Boy?
— Isso é sério? — arqueei a sobrancelha. Comecei a inclinar a cadeira para trás balançando ela. Estava com um tédio enorme.
— Eu ouvi alguns alunos daquele colégio que tem no caminho vindo para cá. Parece que você ganhou uma fama que não tem.
— Ah é? — ri.
— É sim senhor traficante que mata bandidos devedores de dinheiro.
— É o que?! — Levantei na hora. Que história é essa? Que tipo de pessoas esses adolescentes são?
Depois de descobrir que essas crianças estavam tirando uma com a minha cara e inventando coisas sobre mim eu resolvi alimentar essa idiotice, afinal, agora que meu chefe contratou um outro cara eu tinha mais tempo livre durante as manhãs, e sempre que eu ia para a sorveteria encontrar JK eu parava um pouco em frente ao portão daquele colégio, fumava um pouco e ficava encarando aqueles adolescentes.
Hoje mesmo, nesse momento eu estou aqui parado em frente ao portão, encostado na parede, cigarro na mão e olhando para aqueles garotos lá dentro. Me aproveitei de um garoto que estava me encarando sem parar, traguei o cigarro, soltei a fumaça lentamente enquanto sorria.
Claro que depois de voltar para casa, já de noite, eu finalmente me toquei de algo que não tinha percebido antes. Aquele garoto, aquele mesmo garoto pra quem eu sorri enquanto fumava, em frente ao colégio, era o mesmo garoto do ônibus.
E ele é um adolescente fervendo hormônios.
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.