[Fast - Juice WRLD.mp3]
Perspectiva de Jeon Jungkook.
Koi No Yokan: (n.) a extraordinária sensação,
quando se conhece alguém pela primeira vez,
de que você um dia irá se apaixonar por ela.
-----------------------
Jogo as chaves na cômoda ao lado da cama e abro as cortinas do meu quarto para permitir que a luz alaranjada e quente do fim do dia me invada por inteiro.
Mais um dia insuportável naquela faculdade insuportável e repleta de gente insuportável. A única parte que me despertou algo de verdade foi a aula de Desenho de Edição que estou cursando como matéria optativa no prédio de Cinema e Audiovisual.
Suspiro pesaroso depois de trocar minha calça por uma bermuda e me livrar da minha camiseta, pensando o que meu pai acharia se eu dissesse a ele que não importa o quanto ele insista, eu nunca vou me interessar pelas coisas que ele me obriga a fazer, mesmo que para me levarem para um destino irrevogável. Os meios não justificam os fins.
Fito meu reflexo no espelho.
Eu nunca vou ser como ele.
Vou até a sacada e meu olhar se perde na imensidão do terreno da casa dele. Do meu quarto consigo ver a grama verde esmeralda vibrante forrar o horizonte minuciosamente aparada, assim como cada detalhe do paisagismo impecável, o deck da área da piscina, um dos bangalôs que aparecia no cenário do lado esquerdo e um pedaço da quadra de tênis ao fundo, semi coberta pelas inúmeras árvores que adornam o grande jardim.
Estou perdido no cenário e na beleza das folhas que são refletem e iluminam-se em tons de dourado quando os últimos feixes de sol se despedem de suas faces esverdeadas. O cheiro que algumas exalam quando a noite se aproxima é a minha parte favorita de toda a casa porque me lembra Busan. Eu sentia esse mesmo cheiro lá e é como se por alguns minutos, eu pudesse fechar os olhos e me transportar para minha infância.
Estico meus dois braços e ergo apenas os dedos indicador e polegar de ambas as mãos, fechando um dos olhos e tirando uma foto imaginária daquele momento.
Click.
Mais um registro para o meu repartimento de memórias.
Volto para o espelho e passo os dedos por um machucado no meu supercílio que começava a cicatrizar. Então puxo devagar a casquinha que se formava por cima do ferimento e ela não cede fácil, como se deixasse uma película de pele fina descobrindo agora a linha rósea e marcada, onde um anel veio em cheio junto com o murro que me acertou.
Puxo o ar entre os dentes quando retiro tudo de uma vez.
– Puta merda! – Não acredito que deixei um idiota qualquer me acertar numa briga que começaram com Namjoon e fui apartar, na semana passada.
Observo a cicatriz por mais alguns segundos até suspirar e lembrar que ainda preciso revisar minha moto para terça-feira.
Quando Yoongi me contou pela primeira vez sobre as corridas clandestinas, nunca achei que fosse ficar metido nessa até o pescoço, já não bastasse as outras responsabilidades extraordinárias que me (nos) aguardam. Tornei-me um competidor assíduo ao lado dos meus amigos, e quem diria que seríamos de fato tão... Bons. Aparentemente é isso que acontece quando juntamos os sete.
As corridas “oficiais” valem muito dinheiro e lá você encontra desde endividados a pilotos de motocross competindo pelos prêmios dados pelos patrocinadores.
A que acontecerá na terça-feira é apenas um pedido de revanche de Mingyu depois do grupo dele ter perdido mais vezes que o ego deles permite para o Bangtan¹. Então não me preocupo muito.
Mas mesmo não sendo uma corrida importante, meu lado competidor e orgulhoso não me deixa descansar. Eu uso as corridas para desfocar da vida real. Me acostumei em extravasar meus estresses e ansiedades lutando boxe (ou socando a cara de alguém), correndo de moto ou transando.
– Onde tá a merda da minha caixa de ferramentas? – Preciso revisar rapidamente as válvulas, dutos e passar óleo nas engrenagens.
Abro uma das últimas gavetas do meu armário a procura de onde deixei a minha caixa com ferramentas e outros acessórios para revisar a moto. Primeira gaveta, nada. Segunda gaveta, nada. Terceira gaveta... Lá está ela. Finalmente a encontro, porém junto dela vem um papel quadrado grudado na parte debaixo.
Quando o retiro, vejo que é uma polaroid antiga.
– Mas o quê...?
Viro o papel e por alguns segundos apenas a encaro surpreso e então engulo seco. Na foto, ela ri para mim, que estava fazendo o click, um riso sincero; sua mão esticada pra que eu não tirasse mais fotos dela e usava uma t-shirt preta minha, seus olhos gatunos fechados com força.
– Yuna...
Minha ex-namorada.
Passo o polegar pelo papel fotográfico, mas na verdade estou passando o dedo pela imagem dos seus cabelos longos e sua pele rabiscada em tinta preta.
Minha mente é incolor. Propositalmente, não permito nenhuma emoção invadi-la; com o passar dos anos me tornei muito bom em fazer isso. E é melhor assim.
Amasso a polaroid até os nós dos meus dedos se tornarem brancos e os tendões sobressaltarem. Vejo o papel se debater contra as paredes de metal do meu lixeiro e e sigo como se não tivesse visto aquele rosto cheio de lembranças para mim.
Seu riso espontâneo e traiçoeiro ainda printado em minha mente mesmo contra a minha vontade.
♆
Desço os dois lances de escadas com a caixa em mãos e me dirijo até a cozinha para entrar pela porta dos fundos na garagem.
Encontro Jangmi instruindo outras funcionárias da casa sobre o cardápio da semana, me aproximo dela e beijo o topo de sua cabeça.
Ela é uma senhora de olhar exigente, porém amoroso; ainda mais diante de mim, que não posso negar, sou seu protegido. Quando mais nova, ela cuidou de meu pai e anos depois, cuidou e cuida de mim, ainda mais depois que vim para Seul definitivamente.
Jangmi não é apenas uma “governanta”, ela esteve comigo desde muito pequeno aqui na casa de meu pai e a tenho como um membro da família.
– Jungkook! Coloque uma blusa para jantar, menino.
Olho para meu torso desnudo, expondo minhas tatuagens do braço e peitoral.
– Tsc, tá muito calor hoje, Jangmi-ssi. – Dou uma piscadela para ela, que só meneia a cabeça e volta a instruir as funcionárias.
Estou com a mão na maçaneta da porta que dá para a garagem quando escuto uma voz grossa e imperativa me chamar.
– Jungkook!
A voz de meu pai ecoa pela cozinha, vindo da sala de jantar. Argh.
Penso em ignorá-lo, mas ele insiste em me chamar. Eu mereço mesmo.
– Oi, oi, oi. – Ando despreocupado em direção à sala.
– Oh, aí está você. – Ele me dá uma olhadela e volta a mexer em alguns papeis, sentado numa cadeira de couro confortável, entre dois sofás, e vestindo roupas casuais de casa.
– Você. Empresa. Sexta às 19h. Tenho uma reunião com os acionistas majoritários e depois com os membros da GD, vamos decidir sobre a proposta de patrocínio daquela equipe de Fórmula Um. Você precisa estar para se inteirar dessa nova fusão, quero você ciente de tudo que lhe convém até o dia que você for tomar posse do seu cargo.
– Que me convém? – Solto um riso soprado com escárnio. – Eu não vou.
– Eu não perguntei se você gostaria de ir. – Ele diz, impassível, e me olha pela primeira vez. Então analisa meu rosto e seu olhar para na cicatriz ainda rósea abaixo da minha sobrancelha.
– Não anda fazendo nada de errado, não é Jungkook?
– Não mais que você.
Odeio ser um Jeon e todo o peso que esse nome traz. O sangue. Só não odeio mais por conta de minha mãe, que amava me chamar pelo nome todo, com orgulho; e se pudesse, certamente o usaria em sua assinatura². Já cheguei a pensar que no fundo ela nunca parou de amar meu pai.
Jeon Joo-Woon é um dos maiores empresários distribuidores do setor automotivo do segmento luxo, com expansão para o ramo das montadoras agora em Tóquio. Ele herdou a cadeira principal da empresa diretamente de meu avô, que fundou o grupo Golclo-Denset. E junto com seus antigos sócios, a companhia chegou a números bilionários revendendo carros de luxo de marcas ostentosas. Mesmo depois do golpe dado pelo ex-sócio de meu pai, Lim BeomSeok, de "alguma forma" ele conseguiu superar a crise, contra todas as probabilidades e... Do jeito dele.
Do jeito GD.
♆
Subo lentamente as escadas até o primeiro andar, onde fica meu quarto, após revisar minha moto de cima a baixo.
Largo a caixa de ferramentas sobre a escrivaninha e pego meu celular, que ressoava indicando mensagens novas.
Mensagem de Texto
De: Hobi
“Kookie, vamos nos encontrar todos
aqui em casa amanhã antes da corrida, ok?
21h! Não se atrase.”
– Aish... – Sei que vou encontrar Taehyung na casa de Hoseok e ainda não conversamos sobre o que rolou nos últimos dias... Não quero evitar o assunto, mas não deixo de me sentir ansioso sobre isso.
Mensagem de Texto
De: Jennie
“Oie!
Como foi seu fim de semana? Hehe.
Passei pelo prédio da sua faculdade hoje
mas não te vi por lá, só o Taehyung.”
Saio da conversa com Jennie e noto que ainda tenho mais alguns chats não respondidos.
Mensagem de Texto
De: Garota da festa da Engenharia
“E aí, gatinho? Vai estar livre hoje?
Tô sentindo sua falta.
Imagem anexada.jpg”
Arqueio as duas sobrancelhas em um movimento rápido. Um sorriso safado aparece e lambo meu lábio inferior.
“Uou... Pra você eu posso estar...”, penso enquanto observo a foto sacana que a garota me enviou. Então a notificação vinda de um grupo novo criado dias atrás surge na tela, mas eu ainda não havia parado para ler.
Hobi criou o grupo "Bora Tomar Sprite"
Jin-hyung alterou o nome do grupo para "Bangtan Boys & Ladies"
Hobi adicionou você ao grupo.
– Caralho, Jin, como você é brega.
Vejo então as pessoas que estão adicionadas no grupo. Rolo os nomes até parar em um contato específico.
Clico na foto de Aeri e vejo seu rosto. Em parte, não menti quando disse que ainda a vejo como a garotinha da minha adolescência, porque ela ainda tem a essência daquela menina juvenil, inocente e sabichona que tinha bolsa integral na escola.
Sorrio involuntariamente.
Eu a via vez ou outra com Tae quando passava o verão na casa do meu pai, e quando me mudei para cá e passei a estudar na escola deles, eles dois eram meus únicos amigos de verdade. Isso eu tive certeza anos depois.
Não sei onde tudo se perdeu, mas em algum momento da história ela passou a me odiar e eu retribuí, boa parte apenas ofendido. Onde no recorte do tempo eu me tornei mais introvertido ainda e babaca?
Quando vim morar em Seul e vi Aeri novamente, senti algo estranho. E esse algo estranho se repetiu, sempre que a via de novo depois de muito tempo, como se fosse a primeira vez; mesmo quando já tínhamos nossa guerra declarada.
Continuo olhando seu rosto no visor do meu celular e a memória me vem de súbito.
(Flashback cap. 2)
“– Se arrependimento matasse...
– Se arrependeu de ficar com o Jungkook?
– O que você acha?”
Me lembro do que ela falou para Jimin no drive-in.
Me lembro do suéter xadrez que ela usava com uma saia preta de botões e botas pesadas demais para uma garota com rosto delicado e expressões duras.
Me lembro da sua cara de brava e suas palavras incisivas e determinadas.
Me lembro do seu beijo lento e suas mãos que serpenteavam pelo meu cabelo e pescoço, que me desarmaram e em um estalar de dedos eu já não conseguia resistir nem fingir que não queria conhecer cada milímetro do corpo dela. Mas tá aí algo que não quero admitir.
O gosto de Aeri não é como eu imaginava nas minhas fantasias da adolescência, se bem me lembro... De alguma forma, é melhor. Fiquei com o sabor de sua boca mesmo horas depois, quando cheguei em casa e me deitei em minha cama pensando no que diabos tinha acontecido.
Ela diz que não a conheço mas eu avisei que ela iria se arrepender, não avisei? A ironia. Parece que ela faz essas coisas de propósito, só pra arranjar motivo pra encher o meu saco. Além de chata, é teimosa.
O pensamento vagueia pela minha mente e me desperta uma irritação que só ela sabe provocar, até que me dou conta. Claro. Meneio a cabeça e rio comigo mesmo... Pensando bem, ela está certa, eu me equivoquei. É claro que ela estava certa porquê ela mentiu para Jimin. Se arrependeu uma ova.
Ela diz que não queria que tivesse acontecido, mas só consigo me lembrar dela arfando em meu ouvido e puxando meu cabelo.
Volto à foto que a garota da festa da engenharia me enviou, mas não a respondo. Meu olhar passeia pelas curvas dela, a boca mordendo o lábio inferior sem mostrar seus olhos nem o resto do rosto e as mãos que apertavam e cobriam os seios desnudos.
– Hummmm... – Aperto meu pênis por cima da bermuda e minha imaginação vai para lugares perigosos.
Preciso de um banho.
Entro no boxe translúcido e a água fria atinge o topo da minha cabeça, lavando a tensão que se formavam em meus músculos. Penso na corrida de amanhã, na conversa que ainda não tive com Taehyung, no curso de merda que eu sou obrigado a fazer, nos problemas com meu pai, no futuro cada vez mais próximo que me espreita, e então estico meu braço esquerdo e espalmo minha mão, deixando as gotas atingirem minha nuca.
De cabeça baixa, as gotículas se concentram na ponta do meu nariz; fecho os olhos e deixo minha mente esvaziar, puxando o ar pelas frestas dos dentes.
E então a imagem da boca carnuda com o lábio inferior sendo mordido lascivamente invade meus pensamentos. E é um caminho sem volta.
Imagino os seios desnudos à mostra para mim e salivo quase sem querer, levando a minha mão livre para perto da minha virilha.
Abro os olhos e estou movimentando devagar minha mão pelo meu pênis já semi duro, me concentrando em pensar na garota da festa. Desligo o chuveiro e lembro da noite que passamos juntos, dos seus gemidos no meu ouvido, das sacanagens que ela dizia, do sabor do suor em sua pele e de como estava entregue pra mim, implorando por mais.
– Caralho... – Passo o polegar pela glande, apertando até deixa-la vermelha e vejo o líquido seminal escapar, junto com um arfar meu.
Mas a garota sem nome se transforma nela.
De repente estou pensando em Aeri.
– Não, merda.
Meu coração começa a retumbar forte em meu peito enquanto continuo apertando minha glande inchada e minha mente trapaceia. Tento pensar na outra garota novamente, mas então já era. Imagino ela nua, em como deve ser o corpo dela, como deve ser seu gosto e em seu rosto quando sente prazer.
Um prazer que eu podia dar se ela quisesse.
– Desgraçada.
Não consigo parar. Não consigo parar os movimentos da minha mão, não consigo parar de pensar nela enquanto o faço. Moon Aeri.
Meu pau já está duro como uma pedra e é na boca dela que eu penso, aquela boquinha que insiste em me insultar, mas que também beija bem pra caralho. Argh, meu membro se contrai quando penso na possibilidade dessa mesma boca quente me chupando.
Tive que me concentrar quando nos beijamos para não ficar duro ali mesmo só com o toque dela; descobrindo seus lábios, suas coxas, sua cintura, seu toque firme no meu cabelo, tudo pela primeira vez. Eu queria mais. Queria marcar ela toda.
Tive que me concentrar para não puxar seu queixo e beijá-la no drive-in, arrancando dela seus comentários ácidos e o risinho triunfante.
Deixo alguns gemidos inquietos soarem e imagino seu corpo trêmulo e suado contra o meu… Seus lábios me beijando devagar enquanto eu puxo seu cabelo... Tirando sua blusa e seu sutiã, exibindo pra mim seus seios que, tenho certeza, devem ser deliciosos.
Ah, puta merda.
Continuo estimulando meu pênis incansavelmente e as gotas gélidas do chuveiro ainda escorrem pelo meu abdômen contraído, quando me imagino lambendo seus mamilos devagar, chupando até ficarem durinhos, deslizando minha língua por eles e ouvindo sua respiração ofegante.
Agora tudo que eu penso é em tocá-la, senti-la toda, fazê-la minha. Devagar, sem pressa. Um frio na barriga me perpassa e toma meu pênis, ficando agora impossivelmente duro, se é que é possível, ardendo de tesão.
Minha mente ainda é só ela... Essa garota, que ódio. Penso em como ela ficaria linda na minha cama e eu ali, em cima dela, lambendo sua barriga, seu umbigo… Até chegar ao cós de sua calcinha e tirá-la devagar enquanto ainda distribuísse beijos pela pele que fosse aparecendo. Esses pensamentos traiçoeiros estão me deixando louco. Louco para sentir o seu gosto finalmente, louco para senti-la derreter na minha boca, caralho... Quero sentir o gosto que ela tem na minha língua.
Mordo meu lábio inferior e meu cenho franze, sentindo um ardor que vem da base do meu pênis e eu sei que tô perto de gozar. Como eu queria saber como deve ser Aeri gemendo meu nome, fazendo-a chegar no limite... Ela me fazendo chegar no limite, como vai acontecer agora. Argh.
A boca dela lambuzando o meu pau volta à minha mente e essa visão me deixa no auge da excitação, se repetindo atrás dos meus olhos em loop e me deixando mole.
Até que não aguento mais, vejo estrelas por trás dos olhos cerrados e parece que o box do banheiro aumenta quinze vezes de tamanho. Minha respiração se torna descompassada e meu coração palpita mais rápido que o normal.
Um gemido gutural que se assemelha muito ao nome dela escapa de minha boca e meu pênis pulsa em minha mão quando gozo com a imagem impregnada em minha mente.
Merda.
• ━────── ☾ ──────━ •
Terça-feira.
21h03.
Chego na casa de Hoseok e vou direto para garagem, onde sei que todos estariam reunidos, como sempre fazemos antes de alguma corrida. De longe já escuto a risada característica de Seokjin, que me faz automaticamente rir também, mesmo sem saber do que eles estão falando.
Eles sabem que cheguei pelo ruído da minha moto e quando desço dela e me dirijo a eles, seus olhares se voltam à mim.
– Não acredito que você chegou na hora mesmo. – Hoseok me provoca jogando em minha direção uma garrafinha de Gatorade, que pego no ar.
– Eu disse que iria chegar na hora, não disse?
– Preparado pra fazer o Mingyu comer poeira hoje? – Yoongi se aproxima rindo e dá uma cotovelada de leve em mim, descontraído.
Rio junto com eles mas percebo que um membro do Bangtan continua quieto, bebendo da sua própria garrafinha alaranjada e parecendo estar perdido em seus pensamentos.
– Não esqueci de trazer as luvas. – Falo me dirigindo à Taehyung, que está escorado em um balcão da garagem de Hobi, mais afastado. Mostro a ele minhas luvas pretas surradas e velhas.
Ele suspira fundo.
– Também não esqueci. – E ele mostra as dele, bordô mas igualmente surradas e velhas. Sorrio porque ele não deixou de fazer nosso “ritual”. Trocamos as nossas luvas antes das corridas e apesar de praticamente não ter como as usarmos mais, sempre as colocamos pelo menos no bolso.
Não acredito que Tae seja verdadeiramente supersticioso, acho que ele só gosta de criar lembranças e tradições. Fizemos isso sem querer na primeira vez que vencemos uma corrida importante e desde então... Essa é a nossa tradição. Minha e de Taehyung.
Assim, trocamos as luvas e me escoro no balcão também, ao lado dele, manuseando as luvas bordô e mordendo meu lábio inferior. Odeio estar na posição de quem fez merda e nunca sei lidar bem com isso. Para isso não fui treinado.
Coço meu pescoço e observo agora nossos amigos rindo de alguma coisa que Namjoon quase deixou cair e Hoseok dá um carão nele.
– Eu disse pra ela que não podia ficar com ela, mas acabei... Vacilando.
Ele sabe do que estou falando e não precisamos de rodeios.
– Não é que você não possa. Vocês que sabem com quem ficam no fim das contas, mas eu conheço a Aeri desde criança. Nós dois conhecemos. Você sabe que eu ficava bolado de alguém acabar sendo babaca com ela na época da escola... Não importa nem se esse cara for você ou for eu.
Não digo nada, fito um ponto aleatório e mordo a bochecha.
– Depois que ela voltou, percebi que ainda fico bolado de pensar que alguém pode brincar com os sentimentos dela, mas olha só. – Ele continua, soltando um riso soprado sem graça. – Eu mesmo pisei na bola, então quem sou eu para dizer algo? Não somos santos, Jungkook. Esse é o problema.
– Não fiz nada que ela não tenha pedido. – Retruco de birra.
– Imagino, ela queria me atingir. Acho que conseguiu.
O encaro agora, ele tinha um toque de humor na fala mas ao mesmo tempo um tom culposo.
– Nós vamos ficar de boa?
Taehyung demora um pouco a responder, bebe mais de seu Gatorade mas depois me dá um tapinha com a luva.
– Claro que vamos, né. Só não queria ela se apaixonando por Bangtan nenhum.
Suprimo um riso sarcástico agora. Como se aquela chata fosse se apaixonar por algum de nós. Taehyung tem esse ar protetor e sei que a intenção dele é boa, e até me identifico, sei dos problemas por trás de tudo melhor que ninguém. Mas ao mesmo tempo parece ainda não saber lidar com seu lado galanteador, nem com Aeri nem com nenhuma outra garota que o chama a atenção.
E faça-me o favor, tem caras piores para ela se apaixonar por aí e ele sabe disso. Lim Jae-Beom, por exemplo.
Argh.
– Terminaram a DR? Precisamos sair agora senão a gente perde de W.O! – Yoongi declara rindo em alto e bom tom e reviro os olhos.
♆
Essa corrida vai acontecer em um lugar que geralmente corremos para treinar. Um barranco de terra batida distante da cidade, no meio da autoestrada e com um galpão abandonado. Só sabe chegar lá quem conhece, quem já foi.
Hoje provavelmente outros estudantes ou apreciadores dessas corridas estarão lá para ver a tal da revanche que Mingyu encheu a boca pra falar durante a semana passada toda. Mesmo sendo uma competição clandestina e sem fiscalização ou segurança, não eram exatamente... Secretas.
Mas todos os envolvidos tentam mantê-las assim o máximo possível para não acabarmos denunciados e fodidos. Porém sempre tem a fruta podre do pomar, como o meu adversário que gosta de afagar seu ego e assim saiu divulgando sua, espero eu, futura humilhação. De novo.
Rio sozinho ao pensar que agora terá um público maior para testemunhar isso.
Quando estou na linha de cruzada improvisada, me ajusto no assento da minha moto. Não é uma moto para se fazer motocross, mas é uma moto que vai deixar esses merdinhas pra trás.
– Vamos, garota. – Dou duas batidinhas no tanque e engato a primeira marcha, puxando o acelerador.
As luzes dos holofotes que foram instalados no decorrer da demarcação das voltas quase me cega e observo desconhecidos sentados na arquibancada improvisada; logo mais perto de mim, meus amigos estão numa baía com expressões despreocupadas.
Um tipo de “camarote” exclusivo para os figurões, que se divertiam em ver os competidores se subjugarem a essa vida furtiva, estava ocupado hoje. Virá de algum deles o dinheiro que alguém vai levar hoje.
Do meu lado, Mingyu e mais outros três competidores da noite estão alinhados paralelamente. Ainda vai acontecer mais duas outras voltas, onde Taehyung e Jimin irão correr. Ainda assim, a competição principal sendo apenas entre mim e Mingyu nessa volta. Agora.
Um cara mais velho que nós, se aproxima com uma bandeirola e dita algumas “regras”, andando de um lado para o outro para que nós cinco possamos ouvir. Regras essas que já ouvi inúmeras vezes; regras que funcionam apenas para que não sejamos banidos das corridas, mas em si... Não existe nenhuma. Assim como nenhuma garantia de segurança e suporte.
No fim das contas somos um bando de playboys viciados em adrenalina e com dinheiro pra alimentar esse vício. Bem, não todos, muitos realmente precisam da grana, mas uma boa porcentagem é como eu.
Meu olhar está vidrado na bandeira que o velho carrega. Acelero mais algumas vezes e esquento meu motor, Mingyu e eu travamos uma última encarada antes d’eu fechar meu visor do capacete.
Esse babaca vai aprender a não desafiar Jeon Jungkook de novo.
O tecido da bandeira mal resvala no ar, quando meus dedos puxam o acelerador sem piedade.
Os gritos e ovações ficam pra trás a medida que avanço a pista de terra batida. Conheço bem essa pista, é a que usamos para treinar e não a de corridas “oficiais”. Isso serve também para despistar qualquer denúncia de um local fixo. Então sempre que quero fugir da realidade ou apenas correr por diversão com meus amigos, nós voltamos até aqui. Para uma corrida de revanche, o requisito de know how é simples: velocidade. Então me concentro no trajeto, eu só preciso chegar em primeiro e fazer Mingyu engolir suas palavras.
A terra desliza pelas rodas sem dificuldade e cinco rastros formam desenhos irregulares pelo trajeto. Será uma volta, sem mais direito à redarguições. Não me interessa o valor do prêmio nem se terá um. Eu só quero sentir a velocidade me alcançando e levando, culminando na sensação de conseguir me superar.
Acelero mais e mais. O tempo parece se confundir na dualidade entre vertiginoso e lento. Aqui é meu mundo paralelo.
A volta passa em uma batida de coração, quando dou uma olhada rápida para trás e percebo que ultrapassei o babaca.
Quem é o otário agora?
Troco a marcha e desacelero na curva fechada próxima da linha de chegada. E como se estivesse em câmera lenta, vejo Mingyu esticar sua perna esquerda. Acelero perigosamente na merda da curva e seguro o guidão tão forte que meus dedos doem, inclinando meu corpo e minha moto mais próxima ao chão. Então o chute dele alcança apenas o ar.
O que esse imbecil tava pensando?!
Meu sangue fervilha e acelero mais que o necessário, insano para cruzar a linha que acabaria com essa idiotice de revanche.
Devo me acostumar em ser colocado no meio de vinganças e revanches?
Percebo Mingyu colado em mim mas conto com a potência da minha máquina quando exijo mais do motor. Puta merda. Mais uma vez tudo se torna lento e compassado quando tudo que vejo é a terra alaranjada em rajadas verticais. E então o resvalar do tecido da bandeira novamente me trás de volta ao espaço-tempo real.
Quando paro a moto, seis vultos aparecem correndo se aproximando de mim e param ao meu lado ainda gritando.
– Por isso te chamamos de Golden Maknae, caralho! – Ouço Namjoon gritando e eles batem em minhas costas comemorando.
Ganhei?
Ganhei. Ganhei, mas podia ter me fodido na pista por conta daquele...
Tiro meu capacete e vou em direção à Mingyu que está brigando com algum membro do time dele. Assim que me vê, ele coloca sua melhor expressão de escárnio.
– Jeon... Devo te parabenizar? O Lim me contou sobre seu pai, ele deve ter roubado bastante pra conseguir comprar esses brinquedinhos caros pra você. É assim que você consegue ganhar as corridas, não é?
– Como é, seu idiota? – Me aproximo feroz de seu rosto sarcástico. – Não use sua boca suja pra falar da minha família. Você não conseguiu ganhar nem tentando trapacear, nem pra isso você serve.
O sorriso que ele me dá é uma mistura de ironia com ira. Então ele passa o dedo pelo meu colar que reluzia o brilho dos holofotes da pista. A essa altura, os olhos alheios e curiosos já se voltavam para nós dois.
– Não encosta em mim. – Rosno.
– Não posso encostar nas coisas que ele rouba pra te dar? O que é isso? – Ele ousa se aproximar mais e enrola o dedo dele em meu colar, revelando o pingente. – Uma florzinha?
Erro rude.
O idiota mal completa a frase, já desfiro um soco no lado esquerdo do rosto dele. Não consigo mais raciocinar, só vejo tudo vermelho e meu único pensamento é de acabar com a cara dele. O osso de seu maxilar vai de encontro à minhas juntas e deposito uma força demasiada nessa primeira golpeada.
É quando estou tentando voltar da minha cegueira momentânea que abaixo a guarda e ele me acerta em cheio perto da boca.
Filho da puta.
Passo o dedão no meu lábio inferior e o líquido carmim o colore, sinto o sangue escorrer frio e o gosto cobre férreo invade minha língua. Rio com asco do mau perdedor.
– Jungkook-ah! – A voz de Jin ressona longe de mim.
– Vai continuar usando meu pai pra justificar você sempre perder pra mim? Não cansou, Kim-ssi³?
Acho que inflamo a cólera dele porque isso o faz vir para cima de mim novamente. Era o que eu queria. O empurro e aproveito quando seus passos vacilam cambaleantes, para levá-lo ao chão de uma vez. Meu pensamento está no automático, seguro a gola de sua camisa e me posiciono em cima dele, mas Mingyu ri para mim.
– Tá irritado porque eu falei a verdade, seu filhinho da mamãe?
Ele ativa alguma coisa que me ensurdece.
Eu sei que agora meus amigos estão próximos de mim e que brigam com os amigos de Mingyu, e também sei que eu estou deferindo tantos socos na cara dele que os próprios nós da minha mão são açoitados. Mas não registro nada em minha mente, é um vazio no modo piloto regido pela ofensa que ele mal sabe que proferiu.
Eu disse que ia fazê-lo engolir suas palavras. Seu olho já começa a fechar, tamanha é a quantidade de golpes que deposito incessantemente em seu rosto, até duas pessoas tentarem me puxar de cima dele.
– Jungkook!
Chega.
– Nunca mais encoste em mim. – Digo antes de cuspir ao lado dele.
E antes que pudesse me distanciar, o idiota ainda tem forças para me dar uma cabeçada que atinge o alto da minha bochecha e a sensação quente como uma queimadura cortante me chicoteia.
– Jungkook, caralho, tá louco?! Você ia acabar deixando o Mingyu inconsciente! – Jimin me pega pelos ombros e sacode meu corpo. – O que deu em você? – Ele procura pela resposta nos meus olhos, mas não o encaro.
Merda. Merda. Merda.
– Jimin, agora não. Preciso respirar um pouco. – Estou desnorteado.
Não entendo o que ninguém mais fala. Ouço os murmúrios exaltados de meus amigos que continuam discutindo com os parceiros de Mingyu que também o ajudam a se levantar. Então levo minhas mãos para o rosto e esfrego meus olhos.
Preciso sair daqui e respirar. Vou até minha moto, acelero e pego a estrada.
• ━────── ☾ ──────━ •
Estou na rodovia mal iluminada voltando para a cidade e não tem quase nenhum outro carro ou caminhão na pista. Ignoro o vibrar do meu celular no bolso da calça e sigo.
Sou eu, minha moto, a estrada e a noite que caía estrelada e sombria.
O vento chicoteia a minha roupa e o ruído do tecido que se agita contra meu corpo me lembra que ainda estou no limite permitido. O cenário ao meu redor é adornado de vastos campos que devem estar tão verdes quanto as árvores da casa de meu pai quando o sol as toca, enquanto acima de mim apenas rastros da escuridão noturna enquadram minha silhueta.
Não penso nos problemas. Não penso na corrida, em Mingyu, na GD, na faculdade... Não penso em nada, agora é meu momento de respirar fundo.
A moto me traz uma sensação inebriante. Me sinto livre e confiante.
Confiante que nada pode dar errado, e então eu acelero mais. E mais. E mais. Mudo de marcha e puxo o acelerador.
Quanto mais eu sinto confiança e intensifico as puxadas, mais rápido quero ir.
Livre.
Eu gosto da adrenalina, de chegar no limite... Sentir que eu estou vivo é viciante e eu consigo isso, ironicamente, quando me coloco em risco. Um conselho que não daria a ninguém; mas apenas faça o que eu digo, não faça o que eu faço.
Não escolhi a vida que tenho, mas optei pelo rumo que a levo.
Odeie o jogo, não o jogador.
E quer um spoiler? A vida não é um filme bom com personagens com personalidades incríveis, que tomam decisões corretas e que termina com uma lição de moral decente. Na verdade, isso nem se assemelharia em nada com a realidade, seria sim a verdadeira ficção, a grande utopia que almejamos.
♆
Percebo ao longe as luzes da cidade e avisto o rio Han.
Meu coração ainda insiste em fazer um solo fora do tempo, mas me sinto mais calmo e racional. Não costumo perder a cabeça, mas quando perco, a consciência pesa e me cobra depois. Reduzo a velocidade e acredito que devo ter ficado dirigindo por mais de uma hora a essa altura... Pelo menos é o que acho, até perceber que inconscientemente estou no quarteirão das habitações estudantis da Universidade de Seul.
Moon Aeri.
Acho que involuntariamente ela deve ter permeado meus pensamentos no subconsciente, porque mal notei quando peguei o caminho para cá.
Agora ando mais devagar do que nunca, com receio do ruído da moto fazer muito alarde na vizinhança.
E é aí que a vejo.
De costas, seu cabelo amarrado em um rabo de cavalo alto, ela leva consigo uma sacola de loja de conveniência em mãos. Me pergunto se ela está voltando do trabalho ou se foi fazer compras para a casa a essa hora. Então me dou conta de que eu não posso simplesmente dizer a ela que dirigi até aqui sem perceber que queria esbarrar sim com ela.
Meneio a cabeça quando penso no que ela responderia a isso.
Mas pensando bem, acho que temos um assunto a tratar... Talvez a implicância da chatinha me distraia por alguns minutos antes d’eu voltar pra casa.
Ao ouvir o barulho da moto se aproximando, Aeri se vira para trás e parece que me reconhece, porque logo revira os olhos e aperta o passo. Marrenta.
Não sei qual é o seu dormitório mas parece que não vou demorar muito para descobrir.
Estaciono a moto perto da guia da calçada e ela retira uma chave do bolso da saia que usava.
Sou pego de surpresa quando percebo que ela está prestes a fechar a porta na minha cara. Então dou passadas largas e consigo colocar meu pé antes, entre o batente e a porta.
– Fugindo de mim?
--------------------
“I don't want nobody to think that I'm an asshole;
I don't try to be mean on purpose, I promise;
[...]
I been living fast, fast, fast, fast;
Feeling really bad, bad, bad, bad”
¹ Bangtan: nome da sub-unidade e time de corrida dos 7 garotos.
² As mulheres na Coréia do Sul não tem o costume de adotar o sobrenome do marido.
³ Usar o sufixo "-ssi" depois do sobrenome é inadequado, pois transmite ar de escárnio/sarcasmo.
✶✶✶✶✶✶✶✶✶✶
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.