Eventualmente, a vida voltou ao normal no castelo Dimitrescu. A febre de Ella durou mais alguns dias, o que a fez sentir-se fraca demais para fazer qualquer coisa além de se sentar contra a cabeceira da cama e ler um livro ou rabiscar preguiçosamente em seu bloco de desenhos; Alcina estava praticamente pairando ao seu redor, impedindo-a de ir muito longe de qualquer forma, e alegando que seu tornozelo precisava de tempo e repouso para se curar direto. Não fosse a febre, já estaria fora da cama e teria aprontado algo ao lado das garotas, Ella e Alcina sabiam disso.
Além de ter Alcina se preocupando com ela boa parte do tempo, Bela também aparecia algumas vezes ao dia para lhe fazer companhia, assim como Daniela e, às vezes, Cassandra. A última quase sempre perseguindo Agatha quando esta lhe trazia alguma refeição, provocando-a com seus insetos; pelo visto Cassandra ainda estava tendo problemas com sua paixonite.
Alcina também lhe explicou sobre a necessidade de manter o castelo fechado para a segurança das garotas, finalmente o que Agatha lhe dissera dias antes fez algum sentido e Ella entendeu, prometeu que tomaria cuidado. Parte dela estava triste por não poder sair com as garotas, tinha certeza que elas gostariam de se aventurar lá fora se pudessem; principalmente Daniela, Ella tinha certeza que a ruiva adoraria escorregar em um trenó em uma velocidade extremamente perigosa.
Qualquer outra pessoa diria que aquela seria a oportunidade perfeita para fugir, foi o que Ella pensou àquela noite enquanto era abraçada por Alcina. As garotas não poderiam persegui-la lá fora, tampouco uma das criadas seria capaz de alcançá-la; Alcina se provara uma grande caçadora e definitivamente poderia seguir seu cheiro por aí, mas com o truque certo poderia ter horas de vantagem até que a mulher, ou qualquer outra pessoa, desse por sua falta. Mas a questão era: para onde ir a seguir? Sua família estava morta, pelo menos a parte que lhe importava, Klaus morava muito perto e Ella odiaria tirá-lo de sua família, ficar no vilarejo os condenaria à morte certa. Bastou alguns minutos para admitir, ainda que para si mesma, que adorava estar no castelo com sua nova... Família? Bem, Ella não tinha muita certeza de que fazia parte da família Dimitrescu, embora realmente houvesse algo acontecendo entre ela e Alcina, e a essa altura já adorava as garotas, mesmo Cassandra; além disso, estava segura e feliz ali, logo não havia motivos para fugir. Ella se sentiu melhor ao chegar a essa conclusão, como se um grande dilema fosse tirado das suas costas, e muito provavelmente seu coração a denunciou, tal qual seu corpo ao relaxar, porque Alcina a apertou um pouco mais e beijou seu pescoço.
- Tudo bem, draga mea?
- Tudo – respondeu com sinceridade – Perfeito na verdade.
Sorrindo, Ella se virou na cama e escondeu o rosto nos seios de Alcina, o que fez a mulher rir e a puxar para um beijo. Ella sentiu o rosto corar, essa era uma confissão que não faria a ninguém, nem mesmo à sua amante (embora provavelmente já houvesse certa desconfiança quanto a isso), mas ela adorava os seios de Alcina e não perdia a oportunidade de deitar o rosto ali.
A conversa ocorreu dois dias atrás e Ella ainda estava em paz com sua decisão, não achava que algum dia poderia se arrepender de ficar no castelo. Apesar de estar confinada à cama ou ser carregada por Alcina, ao que Ella protestava veementemente contra, tentava ver o lado bom das coisas como, por exemplo, não precisar ver Olívia; sempre que a porta do quarto se abria, Ella sabia que poderia esperar por Alcina, as garotas ou Agatha. Se havia superado o ciúme, ou se algo mais influenciou sua decisão, Alcina não lhe disse uma palavra e Ella apenas aceitou a decisão.
Claro, nem tudo poderia ser perfeito sempre.
Àquela noite em questão Ella estava sozinha no quarto, uma das raras ocasiões em que isso acontecia, e sabia que provavelmente Alcina estava ao telefone com uma mulher a quem se referiam como Mãe Miranda; lembrava-se vagamente de Klaus mencioná-la brevemente em uma das suas conversas, mas por morar perto do castelo, Alcina sempre foi um tema mais recorrente. Ella sabia que Lady Dimitrescu era um dos quatro lordes que governavam a região e que Mãe Miranda estava acima de todos eles, parecia-lhe impossível que alguém fosse capaz de mandar em Alcina mas aparentemente essa pessoa existia. Das poucas conversas sobre os outros lordes que ouvira no castelo, tudo às escondidas é claro, deixaram claro que seu vilarejo estava fora da influência de Mãe Miranda devido à floresta que os separava, mas que essa situação estava sendo alterada aos poucos.
Ella não sabia se isso era uma coisa boa ou não. De toda forma, achou melhor manter os pensamentos para si mesma.
O resquício de liberdade a fez vestir o robe de seda sobre a camisola que usava e ousar se aventurar pelo castelo, o máximo que poderia acontecer seria encontrar Alcina por aí e ser carregada de volta à cama. Quanto mais tempo passava com as mulheres Dimitrescu, melhor conhecia seus limites, embora Alcina tenha afirmado em certa ocasião que Ella adorava testar seus limites, o que não era totalmente mentira.
Saiu dos aposentos que ainda considerava de Alcina e observou os dois lados do corredor, não havia qualquer sinal de outra presença que não fosse a sua, assim Ella decidiu se aventurar mais longe, talvez ir até a cozinha e ver se Agatha estava por lá; além de sentir falta de conversar com a amiga, também queria saber sobre Cassandra. Tudo estava silencioso o que indicava que, um, Alcina ainda estava ocupada e, dois, as garotas deviam estar se aproveitando da ausência da mãe aprontando alguma coisa por aí, o que dava a oportunidade perfeita para que Ella fizesse uma rápida caminhada até a cozinha.
Seu tornozelo não doía mais e há dias já havia desinchado totalmente, embora ainda se sentisse insegura ao apoiar todo o peso nele e isso a fez caminhar um pouco mais cuidadosamente até seu destino.
Um arrepio percorreu sua pele ao se aproximar da cozinha, uma rajada de vento frio correu através do corredor até Ella e a fez parar exatamente onde estava. Alcina fora categórica quanto aos danos que o frio poderia causar às garotas, logo não seria permitido que uma porta ou janela estivesse aberta, principalmente àquela hora da noite. Tudo em seus instintos dizia que algo de muito errado estava acontecendo, mas não conseguiu se decidir se deveria verificar se alguma criada fora descuidada ou chamar Alcina; se a chamasse de forma precipitada e fosse apenas um engano, a criada pagaria dolorosamente por isso, seria um risco a se correr...
O som de algo se quebrando decidiu por Ella qual decisão tomar, abandonando qualquer cautela correu em direção à cozinha e parou abruptamente junto a porta ao observar a figura alta que se erguia sobre a criada e observou, com horror, que se tratava de Agatha.
O homem de aparência forte a segurava por trás enquanto pressionava uma faca em seu pescoço, mesmo àquela distância Ella pode ver a gotícula de sangue que se formava junto à ponta, e sorriu languidamente ao vê-la ali.
- Olá, bonitinha. Acho que você não é uma empregada comum...
Seu olhar pareceu consumir Ella dos pés à cabeça, demorando-se no decote visível através do robe, e seu sorriso aumentou como o de um lobo ao encontrar uma presa deliciosa. Ella puxou a gola do robe para se cobrir o melhor que pode, mas ainda sentia-se despida sob o olhar lascivo do invasor. Não o respondeu e tentou não focar na forma como era olhada por ele, ainda havia pequenos flocos de neve em suas roupas maltrapilhas e cabelos o que significava que não estava ali dentro há muito tempo; o vento frio adentrava o recinto através da porta aberta, e mesmo dali Ella pode ver as pegadas na neve que começava a se juntar. Aparentemente, ela estava atrapalhando seus planos.
- Ella, vá chamar Lady Dimi...
- Calada! – o homem ordenou e pressionou a faca com um pouco mais de força contra a garganta de Agatha – Vamos deixar algo bem claro aqui, docinho. Se você gritar ou tentar alguma coisa, sua amiguinha aqui vai se afogar no próprio sangue, entendeu bem?
Ella confirmou com um aceno.
- Responde! – rugiu ele – É melhor obedecer.
- Sim, sim eu entendi! – Ella respondeu tentando manter o tom de voz alto o suficiente sem ser considerado um grito, talvez uma das garotas a ouvisse – Não a machuque.
- Eu não quero machucar nenhuma das duas. Vamos fazer o seguinte, você me leva para pegar algumas coisas de certo valor e aí quando eu decidir que está bom libertarei vocês duas – o homem sorriu de uma forma que Ella considerou nojenta e soltou os pulsos de Agatha para acariciar sua cintura – Depois de me divertir um pouco com vocês, é claro.
Ella notou que os olhos de Agatha estavam cheios de lágrimas que se recusava a derramar, continuava tentando parecer forte apesar do medo e a humilhação que se seguiam.
Precisava pensar rápido, fazer qualquer coisa que não matasse Agatha no processo já que a amiga era a que mais se encontrava em perigo.
- Venha comigo e o levarei até meus aposentos, tem joias e ouro – tentou barganhar – Mas peço que liberte minha criada.
- Cala a boca! Você não está em posição de exigir nada e eu já disse que quero as duas.
Ella suspirou, tentou, assim como Agatha, não demonstrar o medo que sentia; não se tratava apenas da própria segurança, assim que começasse a gritar Alcina viria a seu encontro e não tinha dúvidas disso, mas precisava manter a amiga a salvo.
- É só me seguir.
- Vá em frente.
Virou-se com cuidado, não lhe apetecia dar às costas para um ladrão, e possivelmente estuprador, que tinha uma faca pressionada na garganta da sua melhor amiga, mas não havia outro caminho; Ella só precisava guiá-lo ao hall de entrada, longe da cozinha e do frio para que as garotas dessem um jeito nele. Fez o caminho de volta quase contando os passos necessários, atrás dela o homem continuava arrastando Agatha e comentando como dera sorte em encontrar aquele castelo, o que fazia dele um forasteiro que decidiu roubar o pior lugar possível.
- É por aqui – disse Ella em voz alta ao entrarem no hall – Estamos chegando.
Como que invocadas pela sua voz, e talvez tenham sito, um zumbido de enxame se aproximou rapidamente indicando a chegada das garotas. Talvez o próprio homem tenha sentido que algo não estava certo e tentou agarrar Ella pelos cabelos e fazê-la de refém, mas ela foi mais rápida ao usar seus instintos e praticamente se jogar para frente para evitar seu capturador; sentiu uma pontada no tornozelo ainda ferido e teria caído pesadamente ao chão se Daniela não a tivesse segurado bem a tempo de evitar a queda, virou-se bem a tempo de ver Cassandra arrancando Agatha dos braços de seu capturador e Bela sacando a foice do interior do vestido.
- Você está bem? – Daniela perguntou e Ella acenou rapidamente em resposta – Ótimo, ou mãe iria ficar muito brava.
- O que temos aqui? – Bela sorriu de um jeito meio sádico, nada como a garota que passava as tardes junto a Ella – Um ladrão. Mãe vai ficar feliz!
Bela perfurou a perna do homem com a foice e o arrastou pelo chão até que estivessem no centro do hall, seus gritos de dor e medo seriam suficientes para despertar os mortos, já Cassandra parecia mais preocupada em verificar se Agatha se encontrava em um único pedaço.
- Estou bem – Agatha garantiu.
Cassandra a deixou e avançou em direção ao homem, Daniela a acompanhou e ambas se posicionaram dos lados de Bela em uma postura claramente combativa, eram como predadoras altamente mortais se preparando para atacar; enquanto Cassandra era a mais letal, Ella já havia aprendido isso, Bela era a mais centrada para liderar as irmãs e Daniela gostava de brincar com a comida.
- Vocês são loucas! – o homem gritou e tentou segurar a perna que sangrava profusamente – Me soltem, suas bruxas!
Os gritos arrancaram uma série de gargalhadas das garotas,
- Que confusão é essa?
Apesar das garotas terem rapidamente controlado a situação, Ella se sentiu imediatamente aliviada com a chegada de Alcina. A mulher desceu lentamente as escadas e suas filhas obedientemente se afastaram para dar-lhe uma visão do intruso.
- É um ladrão! – Daniela se adiantou em direção à mãe – Podemos ficar com ele?
- Ele merece sofrer! – Cassandra rosnou – Me deixe brincar com ele.
- Eu cheguei primeiro! – Daniela reclamou – Só que parei pra salvar a Ella.
Mesmo de onde estava Ella notou que a garganta de Agatha estava vermelha, irritada, e que sua amiga ainda parecia assustada depois de tudo. Alcina pareceu notar a mesma coisa, sua expressão se contraiu levemente ao notar que a própria Ella tinha os cabelos desalinhados e respiração ofegante.
- Como se atreve a entrar em minha casa e tocar no que me pertence? – Alcina praticamente rugiu e mesmo Ella sentiu os pelinhos do pescoço se arrepiarem de medo. Sem esperar por uma resposta do homem, não que ele parecesse apto a falar alguma coisa vez que continuava chorando e se lamentando, Alcina se virou para Agatha – Pode se retirar agora.
- A cozinha! – Ella se lembrou – A porta está aberta e está nevando lá fora...
- Tudo bem, senhorita – Agatha a tranquilizou, sempre a chamava de senhorita na frente de Alcina – Cuidarei disso antes de me deitar.
Agatha se retirou sob o olhar atento de Cassandra.
- Ella, vá para o quarto, querida – Alcina mandou sem sequer olhar em sua direção – Espere por mim.
Ella aquiesceu e subiu as escadas devagar, seu tornozelo voltou a doer após forçá-lo mas não era o momento de desobedecer uma ordem direta de Alcina, não quando seu olhar parecia exalar raiva daquele jeito. Cada passo enviava uma pequena faísca de dor e Ella soube que pagaria por aquilo mais tarde, no entanto, não conseguiu deixar de se virar para assistir a cena que se desenrolava lá embaixo.
Tão silenciosa como sempre, Alcina avançou sobre o homem caído e agarrou seu braço. Como que em câmera lenta, Ella assistiu seus dentes rasgarem a carne dele e o sangue jorrar profusamente, os gritos de dor e horror contrastaram violentamente com as expressões animadas das garotas; pela primeira vez Ella realmente pode assistir em primeira mão como gostavam daquilo, não se tratava de uma mera questão se sobrevivência e sim de gostar de matar. Deve ter ofegado de surpresa, Alcina o largou e virou-se em sua direção, mesmo àquela distância pareceu capaz de encarar profundamente os olhos de Ella. Havia sangue em sua boca.
- Levem-no para o porão – ordenou Alcina – Sabem o que fazer, garotas.
Ella se virou e caminhou o mais rápido que pode mesmo com o tornozelo machucado, ainda foi capaz de ouvir a resposta obediente das garotas mas não se virou para olhar; não havia lugar para se esconder ou ir, então restava-lhe obedecer Alcina e retornar aos seus aposentos. Ao ouvir os passos ecoando nas escadas não conseguiu deixar de sentir-se perseguida, Alcina estava fazendo barulho propositalmente, deixando-a saber que estava se aproximando cada vez mais, mas ao contrário do seu pequeno jogo na floresta dessa vez era real.
Dizem que um animal perseguido consegue fugir apesar dos seus ferimentos, vai muito além do imaginado para manter a própria vida, patas machucadas e tudo. Ella não era um animal e não estava sendo caçada, mas ainda assim forçou-se a seguir em frente em partes por medo da reação de Alcina; havia desobedecido e visto algo que não deveria, e isso não era nada bom para ela. Com o coração batendo violentamente contra o peito, Ella entrou nos aposentos e praticamente se jogou sobre a cama e arrastou-se para o meio dela, encostou-se na cabeceira e abraçou as pernas junto ao peito em um gesto instintivo de proteção.
A porta do quarto foi aberta e Alcina se abaixou pra passar por ela. Seu olhar caiu em Ella encolhida na cama e a jovem reuniu alguma coragem para retorná-lo, o rosto de Alcina estava limpo novamente, sem qualquer resquício de sangue.
- Com medo de mim? Com medo de ter o mesmo destino?
- Não.
Alcina subiu na cama e devagar como uma predadora, sua verdadeira natureza, engatinhou em sua direção; seus olhos brilharam quando Ella encolheu-se minimamente, uma única mão a puxou para perto e roçou primeiro o nariz e depois os dentes afiados em seu pescoço, causando um misto de medo e luxúria.
- Acha que deveria ter medo, bichinho? – a voz rouca de Alcina fez cócegas e enviou arrepios por sua pele – Tão imprudente.
Os olhos de Ella caíram na manga do vestido que outrora fora branco, agora havia uma mancha proeminente e diversos salpicos de sangue espalhados por ela.
- O sangue a incomoda, draga mea? – a mulher perguntou e Ella acenou positivamente. De alguma forma, vê-lo manchar o vestido lhe dava náuseas; um homem tão inferior como aquele não devia macular alguém como Alcina – Volto já. Me espere aqui.
Alcina desapareceu através da porta que levava ao seu quarto de vestir e voltou momentos depois, usando a camisola curta que sempre fazia Ella corar ao observar suas coxas enquanto se movia ao redor; o tecido fino e de bom gosto terminava e deixava a pele macia à mostra para provocá-la e tinha certeza disso. Alcina deu a volta na cama lentamente, seus quadris balançando a cada passo e observá-la fez com que a boca de Ella ficasse seca.
- Então, draga mea... – disse ao se sentar na cama e estender a mão em direção a Ella – Com medo ou não?
Ella pensou por um momento e descobriu que não, não estava com medo de sofrer o mesmo destino, ainda que a cena a tenha chocado, mas de ter desobedecido uma ordem direta e visto algo que não devia. Ao oferecer tal resposta sincera, Alcina apenas meneou a cabeça e se sentou na cama ao seu lado.
- Não queria que tivesse visto aquilo.
- Sinto muito.
- Você não precisa sentir – Alcina sorriu e abriu os braços em direção a Ella – Venha aqui.
Sem pensar duas vezes, Ella se moveu em direção a Alcina e foi puxada para o seu colo; beijos carinhosos e demorados foram aplicados em seu pescoço enquanto a mulher lhe falava de forma mansa, como se quisesse provar um ponto.
- Ele invadiu minha propriedade, poderia ter feito mal às minhas filhas e a você – Alcina se afastou para olhar em seus olhos – Não posso deixa que ele simplesmente vá embora. Você entende isso, não é?
- Sim, eu entendo.
- As garotas me contaram que vocês encontraram um homem na floresta durante sua breve fuga, você não se importou quando Daniela cortou sua garganta – Alcina fez uma pausa e colocou uma mecha do cabelo de Ella atrás da orelha – Por quê?
Ella mordeu o lábio inferior.
- Ele tentou armar uma emboscada, se fosse outra garota ali... Não gosto de pensar no que teria acontecido.
- Pois bem, eu vi que esse homem machucou uma das minhas criadas. Agatha, não é?
- Isso.
- Ele poderia muito bem tentar ir além, e... – Alcina parou de falar e a encarou atentamente – Me diga a verdade. Ele tentou algo?
A expressão feroz de Alcina quase a fez mentir, não desejava despertar qualquer atitude assassina que a mulher poderia ter, mas se viu incapaz ate mesmo de maquiar a verdade; a forma como o homem desconhecido a olhara, como se fosse um pedaço de carne a ser tomado, tampouco a visão de Agatha sendo tocada rudemente, machucada, não a deixaria em paz caso não pudesse desabafar. Alcina a ouviu atentamente, não a interrompeu em momento algum, e ao final seus olhos brilharam de forma perigosa.
- Isso só prova meu ponto, esse verme patético está melhor morto. Não concorda comigo?
- Acho que sim.
- Confie em mim, draga mea – Alcina sorriu e acariciou o rosto de Ella – Não posso deixar que um qualquer invada meu castelo e faça mal a alguém aqui dentro. Tampouco deixarei que alguém lhe faça mal, sabe disso não é?
- Sei – Ella respondeu com mais firmeza – Não sabia o que fazer, não queria que as garotas se ferissem e tudo estava saindo do controle tão rápido...
- Não é sua culpa, e as garotas e eu cuidamos de tudo. Você está segura agora, aqui, nos meus braços.
- Mais do que nunca estive.
Ao acariciar seus cabelos novamente, Alcina emaranhou os dedos aos fios e a puxou delicadamente como se tentasse não assustá-la, seus olhos nunca se afastaram e Ella pode enxergar cada nuance de dourado nas íris da mulher; seus lábios se roçaram aos dela, procurando, provocando, experimentando a textura e o sabor, afastando-se levemente quando Ella ameaçava se a fim de aprofundar o beijo.
A respiração de Alcina fez cócegas em seu rosto, estava tão perto que poderia simplesmente inclinar-se um pouco mais e capturar seus lábios em um beijo profundo, mas não o fez; apesar do desejo e da provocação, estava adorando a proximidade, os toques leves e carinhosos. Alcina enlaçou sua cintura com um braço e manteve a outra mão no pescoço de Ella, guiando-a lentamente de volta aos seus lábios para iniciar um beijo; ainda parecia-lhe incrível e meio sobrenatural como podia ser subjugada com apenas um toque singelo, como se moviam em sincronia treinada e deliciosa, entregando-se alegremente a Alcina e suas carícias.
Seus lábios eram como um veneno doce e irresistível, definitivamente mortal, capaz de levá-la ao paraíso e condená-la ao inferno na mesma oportunidade. Alcina era assim, cheia de paradoxos e sentimentos à flor da pele, sensações exuberantes e atitudes extremas. Linda. Perfeita. Mortal. E ainda assim, apesar de saber dos perigos ao se apaixonar por uma mulher como aquela, Ella se deixou cair cada vez mais rápido, sem controle algum. Só deu tempo de pensar que, definitivamente, estava perdida.
Separaram-se tão lentamente quanto se aproximaram, embora desta vez o coração delator de Ella saltasse contra o peito em uma clara demonstração de suas emoções.
- Você está bem, draga mea? – um sorriso brincou nos lábios de Alcina – Parece um pouco distante.
Ella balançou a cabeça para tentar colocar os pensamentos em ordem, aquela mulher a estava transformando em uma bagunça.
- Estou sim – tentou sorrir. Algumas coisas precisavam ser escondidas pelo seu próprio bem – Acho que só cansada. E...
- E o que?
- Acho que voltei a machucar o tornozelo, não está doendo como antes mas ainda dói.
Com delicadeza, como se pudesse quebrar ao menor toque, Ella foi colocada sobre a cama e Alcina a beijou de novo, dessa vez infelizmente foi mais rápido.
- Não devia ter andado por aí e forçado seu tornozelo, precisa ficar na cama e se cuidar até ficar melhor. Não desejo vê-la machucada.
- Não está tão ruim – Ella ponderou – Já consigo me virar e andar por aí.
- Melhor não, mas sei que precisaria te manter sob um olhar atento para garantir isso.
Alcina se acomodou a seu lado e puxou os cobertores sobre as duas, abraçando-a em seguida; de forma automática, Ella se aconchegou em seus braços e apoiou a cabeça em seu peito. Para outras pessoas Alcina era uma predadora, um monstro, mas para Ella estava se tornando a personificação da segurança, e apesar dos seus sentimentos confusos não havia outro lugar no qual gostaria de estar.
- Pensamentos distantes, eu vejo. O que devo fazer para atrair sua atenção, draga mea?
- Talvez meus pensamentos estejam mais próximos do você imagina.
- Que tal dividi-los comigo? – Alcina a apertou um pouco mais e beijou sua testa – Posso ser uma boa ouvinte.
- Nada demais – Ella balançou a cabeça – Apenas os acontecimentos dessa noite.
- Estou aqui e não a deixarei por nada.
- A menos que Daniela esteja queimando o castelo.
Sua sugestão fez Alcina rir.
- Ela é bem capaz disso e nesse caso precisarei resolver o problema, mas caso contrário não sairei do seu lado.
Ainda que seus pensamentos fervilhassem, Ella tentou se aconchegar ainda mais nos braços de Alcina e se forçar a dormir para terminar aquele dia. Foi mais fácil do que ela pensou a princípio, com Alcina sendo tão delicada e acariciando seus cabelos da forma como tanto gostava; caiu no sono aos poucos, de forma tranquila, e sem sonhos.
Despertou da mesma forma que dormiu, com Alcina distribuindo beijos por toda a extensão do seu rosto e pescoço.
- Hora de acordar, draga mea.
- Não – Ella gemeu ao esconder o rosto no peito da mulher – É muito cedo.
- Não é cedo e você precisa tomar seu café, tenho algumas coisas para fazer e gostaria de passar algum tempo em sua companhia.
Sem abrir os olhos imediatamente, Ella foi puxada para o colo de Alcina que se sentou com as costas apoiadas na cabeceira da cama assim que a porta foi aberta; mesmo com a mente anuviada pelo sono, Ella notou que nessa manhã em particular não foi Agatha a trazer a bandeja com o café da manhã e colocá-la sobre a mesa, mas alguém igualmente familiar.
- Não me olhe assim – Alcina se defendeu com um sorriso ao ajeitar seu cabelo – Dispensei Agatha das tarefas de hoje, depois do que aconteceu ela merece ter algum tempo para se recuperar.
- Obrigada por isso, é muito gentil da sua parte.
Ella abraçou o pescoço de Alcina e a beijou, ao que foi prontamente retribuída. Parecia mesquinho, talvez um tanto quanto ciumento, mas só se afastou quando Olívia deixou os aposentos sem dizer uma única palavra sequer.
- Agora posso tomar meu café da manhã.
Se Alcina notou alguma coisa, nada disse, nem mesmo uma pequena provocação, e elas puderam passar algum tempo juntas antes que precisasse sair para resolver o que quer que fosse em relação ao vinho, pelo menos dessa vez não seria uma reunião com os outros lordes; não que Ella admitiria isso, mas essas reuniões sempre a deixavam nervosa, não precisava conhecer aquela que se autodenominava como Mãe Miranda para ter um pé atrás com ela, se Alcina a obedecia sem pestanear devia ser ainda mais poderosa e, desconfiava, manipuladora.
Ella não sabia muito mais do que as garotas deixavam escapar ou dos parcos comentários de Alcina acerca dos outros lordes, Agatha sempre dizia que Karl Heisenberg tinha um dom especial para irritar sua irmã, mas as garotas pareciam gostar dele, então ainda era uma grande incógnita.
Passou o resto da manhã desenhando, traçando cada detalhe do rosto de Alcina conforme lembrava, cada linha de expressão só acrescentava algo em seu charme natural e Ella adorava cada uma delas. Dedicou-se aos olhos perfeitos, lábios apetitosos e traços marcantes, queria capturar a essência de Alcina, toda aquela intensidade que exalava por onde passava, mas nunca parecia ser bom o bastante. Alcina era um turbilhão de emoções, um furacão capaz de virar sua vida de cabeça para baixo sem dó nem piedade, e Ella se permitiu ser levada sem qualquer amarra ou porto seguro.
Sabia bem que em algum momento teria que rever as questões dessa paixão não correspondida, mas poderia muito bem só postergar mais um pouco e aproveitar sua nova vida. Eventualmente lidaria com seus problemas, mas postergaria essa responsabilidade o quanto fosse possível.
Horas se passaram até que a porta dos aposentos fosse aberta e Bela, Cassandra e Daniela passarem por ela, a irmã mais velha carregava uma bandeja com seu almoço e Ella ficou feliz por não precisar ver Olívia de novo.
- Chegamos! – Daniela ergueu os braços e sorriu – Essas duas me acordaram para trazer seu almoço.
- Bela te acordou – Cassandra resmungou.
- Chamei Daniela para vir comigo porque mãe ainda está trabalhando – Bela explicou ao colocar a bandeja sobre o colo de Ella – Não sei o que você está fazendo aqui.
- Obrigada, Bela.
- Não tinha nada melhor pra fazer mesmo – Cassandra deu de ombros – Por isso vim.
- Quer dizer que Agatha não está disponível? – Ella provocou – Você pareceu bem preocupada ontem.
- É claro, mãe ia ficar muito brava se algo acontecesse a você!
Ella riu ao notar que Cassandra ficou notavelmente sem jeito, era tão difícil tirá-la dos eixos que se tornava interessante de assistir. Enquanto comia, Bela se sentou ao seu lado na cama e beijou sua bochecha, apertando os lábios com força contra sua pele, ao que Ella retribuiu em seguida.
- Não sei como mãe aceita que vocês fiquem nessa agarração toda – Cassandra fez uma careta – É esquisito.
As duas loiras trocaram um olhar cúmplice e riram, ao que Daniela deixou escapar um gritinho animado e se jogou do outro lado da cama só para beijar o rosto de Ella como a irmã mais velha havia feito e virou o rosto para receber um beijo de volta.
- Certo – Ella beijou a bochecha da ruiva e se virou sorrindo para Cassandra – Quer um beijo também?
- Não. Credo! – Cassandra fez uma careta.
- Cassandra prefere beijar Agatha! – Daniela cantarolou e pulou da cama para dançar no meio do quarto – Cassandra quer beijar Agatha!
- Cala a boca, Daniela!
- Não calo, a boca é minha! – Daniela estendeu a língua para a irmã e voltou a cantarolar – Cassandra quer beijar Agatha! Cassandra quer beijar Agatha! Cassandra quer beijar Agatha!
- Eu vou te matar! – Cassandra grunhiu.
- Cass só está brava porque Agatha não quer beijar ela – Bela sussurrou – Dani e eu estamos apostando quanto tempo vai levar pra ela desistir.
- Eu aposto que a Agatha vai ceder antes que a Cass desista – Ella sussurrou de volta – Vou falar com ela assim que sua mãe me liberar dessa cama.
Ella almoçou enquanto assistia Cassandra perseguir Daniela pelo quarto, seus instintos podiam ser mais aguçados mas a caçula era bem rápida e ainda tirava sarro da situação. Passou-se quase uma hora até que Cassandra jogasse as mãos para cima em sinal de desistência e se exasperasse.
- Eu desisto, Daniela! Você não passa de uma criança e não vou perder meu tempo com você.
- Você já perde seu tempo comigo! – Daniela sorriu com escárnio para a irmã e recitou de modo teatral – E não sou criança. Eu sou cruel, letal, a personificação da escuridão e comandante do exército de...
- Você dorme com um ursinho! – Cassandra gritou.
- Ele é meu segundo em comando! – Daniela devolveu no mesmo tom.
Ella resolveu intervir antes que as duas realmente resolvessem se estapear no meio do quarto.
- Meninas, que tal fazer outra coisa? – sugeriu – Algum jogo...? De preferência alguma coisa que não envolva vocês duas brigando.
- Eu não vou brigar com a Daniela – Cassandra rosnou de forma ameaçadora – Eu vou matar ela!
- Chega! – Bela mandou – Se mãe entrar aqui e ver vocês duas brigando vai sobrar pra todo mundo.
- Talvez assim você aprenda como é ser a filha do meio – a morena se virou para Ella: - É mais ou menos assim, a mais nova e a mais velha estão brigando e as três levam a culpa.
- Mãe nunca fez isso – Bela revirou os olhos.
- Se mãe me esquecer na floresta ela nem volta porque ainda tem vocês duas.
- Drama – Daniela revirou os olhos – Nós até fugimos com a Ella e mãe nos aceitou de volta.
- Com a Ella, diga-se de passagem – Bela apontou – E mãe nem ficou tão brava assim.
A porta do quarto se abriu e Alcina passou por ela parecendo deveras perturbada, de um modo que Ella ainda não havia visto. A princípio mal pareceu registrar que suas filhas estavam ali, ou que Cassandra parecia prestes a saltar sobre o pescoço de Daniela que mostrava os dentes de forma ameaçadora; em seu encalço, Olívia adentrou rapidamente os aposentos e saiu tão silenciosamente quanto ao levar a bandeja consigo. Algo estava acontecendo e poderia não ser totalmente bom.
- Mãe? – Bela arriscou chamar ao se levantar da cama e puxou o braço de Daniela para afastá-la de Cassandra – Está tudo bem?
Alcina se surpreendeu com a filha mais velha e olhou ao redor do quarto para encontrar as outras duas.
- Sim, Bela, e suponho que seja um terrível contratempo.
- O que houve? – Daniela se adiantou em direção a Ella se sentou ao seu lado na cama, como se esta pudesse protegê-la caso algo acontecesse.
- Acabei de atender um telefonema de Donna, através de Angie é claro – Alcina suspirou e apertou a ponte do nariz – O idiota do meu irmão as convidou para um chá da tarde, aqui, e disse que eu estava ciente disso e a espera deles.
Então Heisenberg estava envolvido.
- E o que vamos fazer? – Bela se adiantou em direção a Alcina – Eles vêm?
- Se se tratasse apenas de Karl ele jamais colocaria os pés nesse castelo, mas Donna quase não sai de casa e Angie parecia animada, então não consegui negar. Estarão aqui em duas horas, então me escutem bem – Alcina apontou em direção às filhas – Quero as três limpas e bem comportadas para recebê-los, é muito importante manter a imagem da nobre casa Dimitrescu mesmo que para alguém como Karl; não precisam participar do chá, estarão livres para fazer o que quiser desde que não causem nenhuma confusão. Vocês entenderam?
- Sim, mãe – responderam juntas.
- Ótimo. Bela, querida, preciso da sua ajuda para garantir que elas estarão prontas.
- É claro, mãe.
- Vocês podem ir agora.
Daniela, que parecia estar se controlando para não dar pulinhos de alegria, abraçou Ella e saltou da cama para perseguir as irmãs, Bela lhe acenou em adeus mas não fez menção de se aproximar para um beijo de despedida e Cassandra saiu sem dizer uma última palavra; pelo visto a visita dos outros lordes era um acontecimento importante ou, no caso do homem chamado Heisenberg, não era bem-vinda.
Sem a presença das filhas ou mais ordens a distribuir, pelo menos aparentemente, Alcina começou a caminhar em círculos pelo quarto enquanto resmungava sobre o irmão imbecil, energúmeno, intransigente, deselegante, tolo e alguns adjetivos que Ella não imaginava que seriam capazes de sair do vocabulário elegante de Alcina. A jovem teve certeza de que em algum momento a mulher reclamou sobre a possibilidade de seu castelo ficar cheirando a cachorro molhado, o que a fez pensar que se Alcina era um tipo de vampiro, então esse homem era um tipo de cachorro do mal? Talvez fosse apenas figura de linguagem, assim como chamá-lo de homem do lixo, não é?
-... E minhas filhas! – a exclamação de Alcina a despertou de seus pensamentos – Sempre trazendo presentes e as estragando!
Então a animação de Daniela era justificada, embora precisasse disfarçar para não enfurecer a mãe.
- Ele poderia lhes dar qualquer coisa, mas da última vez apareceu aqui com um maldito filhote de cachorro! As três choramingaram por semanas por causa daquele vira-lata idiota.
Então o homem tinha, de fato, uma ligação com cachorros. Mas seria ele o vira-lata idiota ou o filhotinho sem casa?
Alcina respirou profunda e lentamente algumas vezes para se recompor. Heisenberg devia ser uma figura e tanto para deixá-la naquele estado.
- Ella, querida.
- Sim?
- Quero que... Evite sair daqui enquanto recebo meus irmãos. Mandarei que uma das criadas sirva seu chá aqui e talvez as garotas passem à tarde em sua companhia, elas só estão interessadas no que Heisenberg pode trazer para elas de qualquer forma.
- Com vergonha da sua pequena humana, eu vejo.
Disse em tom quase debochado, como se desafiasse Alcina a lhe prestar uma explicação, sem, contudo, transpor a linha do que seria considerada uma boa educação, mas ainda assim, ser algo que devia ser escondido como um segredo doeu-lhe lá no fundo.
- Não seja boba, draga mea – o tom de Alcina suavizou-se consideravelmente e ela se sentou ao lado de Ella na cama – Não quero que Heisenberg coloque os olhos em você, não por agora e enquanto eu puder evitar.
- Por quê?
- Ele é indigno de qualquer atenção, aquele homem sente prazer em atormentar minha vida e não o quero olhando para você. Seria diferente se fosse apenas Donna e Angie.
- Angie?
- Angie é uma boneca – Alcina voltou a apertar a ponte do nariz – E é extremamente difícil explicar.
- Tudo bem – Ella respondeu devagar – Ficarei aqui.
- Muito bem, há muito a fazer antes de recebê-los!
Alcina inclinou-se em sua direção e a beijou de forma carinhosa, seus lábios macios pareciam cobrir os de Ella perfeitamente; levou as mãos ao rosto da mulher e a segurou para impedir que se afastasse, ainda que não funcionaria caso Alcina decidisse se separar, mas não o fez e isso arrancou um suspiro feliz da jovem caçadora. Quando se afastaram foi devagar, muito lentamente, com sorrisos idênticos nos rostos.
- Sinto por não dispor de mais tempo – Alcina encostou a testa na de Ella – Pode ficar aqui e esperar por mim? Prometo encontrá-la antes do jantar e passaremos algum tempo juntas.
- Posso fazer isso – Ella prometeu – Não se preocupe.
Mais um beijo rápido e Alcina se foi, deixando Ella sozinha mais uma vez. Sem as garotas tudo ficava mais chato e o tempo pareceu se arrastar lentamente, nada do que fazia pareceu o suficiente para preencher a solidão que se instaurou sobre ela; o livro que outrora lia foi abandonado sobre a mesa de cabeceira assim como o bloco de desenhos, restou-lhe deitar sobre a cama e encarar o dossel que se elevava acima dela.
Deve ter cochilado em algum momento entre a saída de Alcina e a hora do chá, vez que seu despertar foi desagradavelmente proporcionado pela chegada de Olívia com uma bandeja o que a fez revirar os olhos.
- Seu chá – Olívia anunciou ao posicionar a bandeja sobre a mesa – Foi excluída da reunião?
- Não é da sua conta.
- Eu avisei que ia acontecer algo assim – falou ao servir o chá – Você não é o suficiente para prender a atenção de Lady Dimitrescu por muito tempo.
- Fui mais do que você, afinal de contas Alcina – Ella frisou o nome – Me escolheu. Precisamos mesmo voltar nisso de novo e de novo? Poupei sua vida ao não te denunciar, aceite isso e esqueça. Você nunca ocupará meu lugar aqui.
- Você é completamente substituível assim como todas nós – Olívia sorriu – E será substituída mais cedo ou mais tarde.
- Então que seja mais tarde e por alguém mais competente do que você.
Olívia riu com escárnio e balançou a cabeça.
- Nem mesmo percebe que ela faz coisas pra te agradar, tentando criar uma ilusão de que você é importante aqui dentro. Já se perguntou o que acontece de verdade nesse castelo? – abaixou a voz como se conspirasse como uma amiga – Quer ver o que restou do invasor de ontem? Ah, você não pode sair porque Lady Dimitrescu a confinou aqui, mas se tiver coragem...
Era uma armadilha e Ella sabia disso, cada gota de veneno em sua voz demonstrava isso, mas parte dela estava curiosa para ver até onde aquilo iria.
- Não? – Olívia provocou – Sinceramente, não sei o que ela viu em você. Não fez nada sobre aquele coelhinho estropiado, nada sobre cada vez que atravessei seu caminho. É realmente um bichinho bem treinado.
Olívia saiu dos aposentos e deixou Ella fervendo de raiva, seu rosto estava queimando e mal podia pensar direito. Foi o bastante, a última linha foi cruzada e não havia como voltar atrás. Ella saltou da cama e se trocou o mais rápido possível, se ia matar Olívia e, consequentemente, ser morta por Alcina pelo menos não estaria usando apenas uma camisola.
Saiu do quarto a tempo de ver Olívia aos pés da escadaria, não havia sinal de Alcina, das garotas ou seus visitantes, tudo estava em silêncio naquela parte do castelo e seria sua única oportunidade de seguir a criada para tirar aquela história a limpo. Atravessou o corredor e desceu as escadas mais rápido e silenciosamente que conseguiu, ao vê-la se aproximar Olívia virou-se e sorriu para provocá-la; mesmo sabendo que poderia acabar mal, Ella continuou seguindo-a até que chegaram a porta que levava ao porão e a adegada.
- Quer ver o que tem lá embaixo?
- Não. Meu problema é com você.
- Uma olhada lá embaixo, só uma, e essa imagem de perfeição irá por água abaixo e seus problemas serão outros.
Ella bufou impaciente.
- Você é muito louca, não é? Por que está tentando me convencer que Alcina é um monstro sendo que você quer estar no meu lugar?
- Porque eu não preciso viver uma mentira ao lado dela, aceito plenamente o que acontece por aqui e que tanto Lady Dimitrescu quanto as filhas são monstros.
Foi o bastante para Ella, a última gota. No silêncio que reinava naquela parte do castelo o som do seu punho contra os lábios de Olívia soou alto demais, como o de um galho seco se partindo; Ella mudou a direção do golpe no último segundo, tencionava acertar seu nariz, e ainda assim o sangue escorreu por sua seus lábios em direção ao queixo.
- Nunca. Mais. – Ella avisou – Nunca mais fale de qualquer uma delas assim.
Olívia soltou um rugido meio estrangulado e levou as mãos à boca, seus olhos se arregalaram comicamente ao notar que estava coberta de sangue.
- Da próxima vez vai ser pior.
Mal terminou de falar e Olívia arremessou-se em sua direção gritando em fúria, pega de surpresa e sem conseguir desviar-se, Ella acabou caindo pesadamente ao chão com a criada sobre seu corpo. Um tapa acertou o rosto de Ella e pode sentir o corte se abrindo no lábio inferior, o que a fez ferver de raiva mais uma vez; enlaçou o pescoço de Olívia com um braço e usou toda sua força para puxá-la em sua direção e acertou sua cabeça no chão pra desarmá-la, ao sentir seu corpo amolecer usou o próprio peso para jogá-la de lado e avançou sobre ela.
- Não devia ter feito isso! – Ella grunhiu – Você me atacou e agora é minha vez.
Desceu o punho novamente, dessa vez em direção ao nariz de Olívia e pode sentir a cartilagem se movendo fazendo-a gritar.
- Nós mal começamos... Vai se arrepender de ter cruzado meu caminho.
[...]
Alcina bebericou o líquido vermelho em sua xícara e suspirou levemente, preferia o vinho mas não seria bem visto àquela hora. Tudo estava indo bem e conforme o planejado, dessa vez Heisenberg não apareceu com um cachorro e, embora ela preferisse que ele não desse mais facas a suas filhas, sentiu-se grata pelas lâminas que trouxe como presente.
Claro, Heisenberg parecia procurar motivos para irritá-la como ao criticar seu castelo. Como aquela criança tola, que morava em um lixão, ousava criticar qualquer elemento do castelo Dimitrescu? Sua vontade era arremessá-lo porta a fora e proibi-lo de voltar, mas não podia fazer algo assim na frente de Donna e arriscar que ela se retraísse novamente. Alcina era um das poucas pessoas com quem Donna sentia-se a vontade o bastante para tirar o véu, ainda que insistisse em se comunicar através de Angie se houvesse qualquer outra pessoa no mesmo ambiente.
Pelo menos Donna parecia estar se divertindo.
- Deseja mais alguma coisa, querida?
Alcina perguntou em voz baixa para não perturbar Donna, ela sempre parecia tão arredia como se o menor barulho fosse capaz de colocá-la em fuga. O pensamento a fez perceber que tudo estava quieto demais. Heisenberg saíra da biblioteca há algum tempo antes, afirmando que preferia a companhia das garotas, mas Alcina não foi capaz de apontar quando Angie havia desaparecido; a boneca travessa e de humor ácido poderia causar muito mais estragos do que lhe davam crédito.
- Onde está Angie?
Donna calmamente apontou para a porta e sorriu sem mostrar os dentes. Quase instantaneamente uma balbúrdia atingiu seus ouvidos, o que a fez apertar a ponte do nariz pelo que pareceu ser a milésima vez aquele dia.
- Donna, querida, me desculpe por me retirar assim – Alcina se levantou e tocou o ombro da irmã – Preciso conferir o que está acontecendo.
Um sorriso singelo foi sua resposta, Donna apenas levou a xícara aos lábios e pareceu se perder em pensamentos, pelo menos ela não estava tentando esconder o rosto, fosse com os cabelos negros ou o véu.
Alcina saiu da biblioteca e os sons de gritos e comemorações, além de palmas, chegaram facilmente até ela sem a barreira das portas pesadas, o que quer que fosse estava causando uma confusão em seu castelo, o que a deixava deveras infeliz. Seguiu a algazarra o mais rápido que pode sem perder a compostura, mas não precisou ir muito longe para isso; se o barulho não a fez perder o comedimento, então a visão foi mais do que suficiente.
Bela, Cassandra e Daniela davam pulinhos e gritavam palavras de incentivo e, ainda que a mais velha parecia em dúvida sobre o que estava acontecendo, as outras duas tinham olhares quase maníacos. Angie corria de um lado para o outro, batendo palmas e gritando “Briga! Briga! Briga!”. Heisenberg, porque é claro que seu irmão estúpido estaria envolvido, praticamente urrava e erguia as mãos em sinal de comemoração.
- Eu aposto na loira, meu dinheiro está nela! – Heisenberg gritou – Isso aí, loirinha! Bate mais forte!
Alcina notou, com horror, que estavam assistindo uma briga e ficou ainda mais estupefata ao notar Ella e uma criada engalfinhadas no chão. Ella levantou o punho uma última vez e acertou o rosto da criada que caiu inerte, só então a loira respirou fundo e tentou se afastar, mas não conseguiu se levantar e cambaleou como se estivesse prestes a cair.
- Ding! Ding! Ding! Temos uma vencedora – Heisenberg anunciou – Muito bem, garota!
- O que é isso?! – Alcina vociferou.
Todos ficaram em silêncio, suas filhas a encararam com os olhos arregalados, provavelmente com medo de uma reprimenda; Angie continuou correndo e desapareceu em direção à biblioteca e Alcina lidaria com ela mais tarde, já Heisenberg a ignorou e levantou Ella pelo braço como se fosse uma boneca de trapos, deu dois tapinhas em suas bochechas coradas e gargalhou.
- O que você acha, Alcina? Uma luta! E temos uma vencedora!
Alcina precisou respirar fundo mais algumas vezes para se controlar, podia sentir o familiar formigamento na ponta dos dedos indicando que suas garras estavam prestes a sair. Por sua vez, Ella parecia meio abobada, olhando ao redor tentando entender o que estava acontecendo.
- Você venceu – Heisenberg garantiu ao ajeitar as roupas de Ella e Alcina precisou sufocar um rugido. Ele estava muito perto, tocando demais, para seu gosto – Parabéns! Qual seu nome, querida?
Alcina rosnou.
- Já basta! – vociferou novamente e de virou em direção às filhas – Levem as duas para as masmorras agora!
Suas filhas congelaram e a encararam de forma apologética e isso deixou Alcina confusa; suas filhas nunca hesitaram em lhe obedecer, eram boas garotas e aceitavam suas ordens sem pestanejar, e agora pareciam se rebelar, no exato momento em que precisava delas.
A primeira a se mexer foi Bela, a mais velha e obediente delas, e Alcina se tranquilizou ao notar que Daniela seguiu o exemplo da irmã mais velha, a última a se mover foi Cassandra que não tirou os olhos da mãe; as três moveram-se em perfeita sincronia e se posicionaram de forma protetora ao redor de Ella, Bela assumiu a dianteira e segurou a mão da outra loira.
- Mãe – Bela falou de forma cautelosa – Levarei Ella de volta ao quarto.
Alcina tentou se acalmar ainda que se sentisse próxima a perder o controle. Suas filhas nunca a desobedeceram antes e a primeira vez foi com o intuito de salvar Ella de um castigo, até mesmo Cassandra posicionou-se de forma protetora, e isso a fez perceber que no calor do momento dera uma ordem da qual se arrependeria; não pretendia enviar Ella para as masmorras, apesar da raiva e frustração, afinal de contas havia pedido gentilmente que não saísse dos seus aposentos, tentou se acalmar e respirou fundo.
- É claro, filha. Foi um equívoco ordenar que Ella fosse levada às masmorras, mas ainda quero que uma de vocês leve a criada até que eu decida o que fazer com ela.
- Sim, mãe – Cassandra respondeu prontamente – Como desejar.
- Deixe de ser uma estraga prazeres! Estávamos nos divertindo muito mais aqui do que no seu chá enfadonho.
- Calado, Heisenberg!
- Você precisa controlar seu temperamento, maninha – Heisenberg riu e se virou para sair, chegou a dar alguns passos na direção contrária mas parou abruptamente – Tenho certeza que você não quer machucar essa gracinha aí.
Maldito e estúpido Heisenberg! Alcina sabia desde o começo que aquilo não era uma boa ideia, não bastava ter que receber pseudo irmão idiota, tinha que acabar encontrando Ella rolando no chão aos tapas com uma das criadas! Por que era tão difícil seguir uma simples ordem?! Alcina não estava acostumada a ser desafiada e desobedecida, já Ella parecia sentir um estranho prazer em fazer essas coisas; ao procurar seu olhar a loira abaixou a cabeça, recusando-se a encará-la como nunca havia feito antes. Um filete de sangue escorria de um pequeno corte em seu lábio inferior, o único indício de que participara de uma briga enquanto o rosto da criada havia se transformado em uma confusão de sangue e hematomas; Alcina não conseguia se decidir se queria lamber o sangue no rosto de Ella ou lhe dar umas palmadas como castigo, talvez as duas coisas.
- Bela, por favor, leve Ella de volta ao quarto e cuide do seu ferimento. Seja gentil e providencie qualquer coisa que ela precise – Alcina fez uma pausa – Daniela, ajude Cassandra com a criada e depois vocês duas podem fazer companhia a Ella se assim desejarem.
- Sim, mãe – as três responderam em uníssono.
Alcina se aproximou e suas filhas abriram passagem para que chegasse até Ella, ao tocar seu rosto ainda não obteve um mísero olhar.
- Preciso encontrar Donna, mas nossos planos para a noite continuam, draga mea.
Deixou o local sem receber uma reposta, Ella resignou-se a aquiescer silenciosamente antes de seguir Bela. Alcina voltou para a biblioteca e encontrou Donna ainda bebericando seu chá, ao passo que Angie e Heisenberg continuavam a falar sobre a briga, o que fez Alcina bufar.
- Ah, Alcina! – Heisenberg exclamou como se fosse uma grande surpresa ao vê-la em seu próprio castelo – Estava me perguntando quando se juntaria a nós! Diga-me, onde encontrou aquele belo espécime que conheci agora pouco?
Alcina rosnou.
- Vamos lá, irmãzona – ele zombou – A jovem é linda e forte.
- E briga bem! – Angie completou rindo ao dar alguns soquinhos no ar como se atingisse um inimigo invisível – Ela é boa!
- É meu tipo! – Heisenber riu – É loira, bonita, forte... Tem uma coisa no olhar dela que é diferente dos outros humanos.
- Heisenberg, eu juro que mais uma palavra... – Alcina tentou avisar – Ella pertence a mim.
- Ah, já entendi. Vamos, Alcina, me diga qual seu preço para me deixar ter alguns dias com ela em minha fábrica! Prometo que devolvo inteira, ou quase isso...
Antes que Heisenberg pudesse entender que havia ido longe demais, uma garra longa e afiada foi pressionada contra sua jugular.
- Ela. É. Minha – Alcina proferiu casa palavra em um tom baixo, exalando possessividade – Não se atreva a se aproximar dela. Não olhe para ela. Nunca, jamais, tente tocar nela.
Apesar da expressão ameaçadora e das garras em seu pescoço, Heisenberg sorriu de forma debochada.
- Calma aí, achei que você só estava trepando com ela e não que gostasse dela. Meu erro.
Alcina se afastou ainda o fuzilando com o olhar.
- Cuidado com as palavras ou terei prazer em fatiar sua língua.
- Eu quero ver isso! – Angie se animou – Corta! Corta!
A ameaça fez Heisenberg levantar as mãos em claro sinal de rendição.
- Acho melhor ir embora – disse ao ajeitar o chapéu – Vamos, Donna? Alcina quer foder seu bichinho.
Donna a abraçou e pegou Angie nos braços antes de seguir Heisenberg para fora da biblioteca, no entanto, seu irmão parou próximo ao portal e se virou em sua direção.
- Se mudar de ideia quanto aquela coisinha bonita é só me avisar, vou adorar me divertir com ela.
Alcina arremessou o bule de chá em sua direção e Heisenberg se esquivou no último segundo deixando que o objeto se partisse em centenas de pedacinhos.
Como ele ousava vir em sua casa e falar sobre Ella daquele jeito?! Ella a pertencia, somente a Alcina e ninguém mais, e não deveria ser dividida ou tocada por outras pessoas. Já sozinha na biblioteca, passou a andar nervosamente em círculos, queria ir até Ella, beijá-la, morder seu pescoço macio e marcá-la como dela. Ella pertencia a Alcina!
- Idiota! – Alcina vociferou sozinha – Ella é minha!
A ideia de outra pessoa tocando Ella a enviava em uma espiral de ódio e indignação. Alcina era mais do que capaz de prover tudo o que Ella precisava, de cuidar dela, de garantir que ficaria bem, segura e confortável; o que Heisenberg poderia oferecer além daquela fábrica imunda?! Nada! Ella estava melhor em sua companhia.
Um cigarro após o outro, Alcina remoeu aqueles pensamentos até o céu se tornou escuro lá fora. As luzes e candelabros foram acesos, alguma criada apareceu e limpou rapidamente a bagunça, e Alcina continuou ali até que Cassandra interrompeu seus pensamentos.
- Mãe, podemos falar?
Alcina abandonou a piteira e virou-se para a filha, acenando que Cassandra de aproximasse.
- A criada está em uma cela conforme pediu e Ella está em seus aposentos, Bela está com ela.
- Obrigada, Cassandra. Vocês são tão ótimas filhas – como sua filha não se moveu, Alcina perguntou – Mais alguma coisa?
- Sim, é sobre a criada chamada Olívia. Acho que estava perseguindo Ella há um tempo – disse Cassandra ao se aproximar – Bela comentou que a viu cercar Ella nos estábulos e dizer que não tinha permissão para estar ali. Bela a colocou em seu lugar, mas Ella afirmou que estava tudo bem. E Ag... Quero dizer, a criada amiga da Ella disse que essa Olívia a provoca desde que chegou ao castelo.
Das suas três filhas, Cassandra era a mais direta. E apesar de respeitar Alcina como suas irmãs faziam, era a única que não tinha preâmbulos ao lhe falar; Bela parecia sempre ansiosa, como se a mãe fosse capaz de deixar de amá-la por algo ínfimo e Daniela sempre tentava enganá-la com uma voz doce.
Então Ella estava tendo problemas com sua criada. Daí a explicação de sua repulsa a cada manhã, os ciúmes, a demonstração de possessão ao abraçar Alcina... O pior de tudo foi que Ella não lhe confiou o que estava acontecendo, não a deixou resolver seu problema, e tudo culminou em uma confusão que a fez perder o controle. Seria tão mais fácil se Ella a tivesse deixado resolver o problema de Olívia.
- Entendo.
- Não fique brava com a Ella.
O pedido incomum de Cassandra, até onde sabia elas não eram próximas, surpreendeu Alcina.
- Por que não?
- Eu a vi seguir a criada, estava prestes a impedi-la mas não o fiz.
Alcina encarou a filha.
- Continue.
- A criada nos chamou de monstros. Ella perguntou por que a criada tentava lhe convencer de que somos monstros se queria estar em seu lugar, acho que seu objetivo era substituí-la o quanto antes, e a resposta foi que não precisava fingir que somos inocentes, que nos aceitava como monstros – Cassandra sorriu de forma diabólica – Ella acertou um soco bem em cheio e disse pra nunca mais falar de nenhuma de nós desse jeito. Gostei disso e deixei rolar.
Ella estava protegendo sua imagem e de suas filhas. Para a maioria das pessoas podiam ser consideradas como monstros, mas Alcina odiava a terminologia, fazia-la sentir-se quase bestial.
- Não pretendo punir Ella por isso.
- Obrigada, mãe. Eu gosto da Ella, não do jeito estranho como Bela ou da forma infantil como Daniela gosta.
Cassandra fez uma pequena mesura e estava prestes a sair da biblioteca quando Alcina se lembrou de um detalhe importante.
- Cassandra, chame suas irmãs, e vocês podem se divertir com a criada. Façam o que desejarem, mas a quero morta até os primeiros raios da manhã, entendeu?
- Sim, mãe! – Cassandra respondeu animadamente.
- Mas lembre-se de compartilhar com suas irmãs.
Parecendo um pouco desanimada por ter que compartilhar seu novo brinquedo, Cassandra desapareceu em uma nuvem de insetos e deixou-a a sós com os próprios pensamentos. Ella a surpreendeu novamente e, embora Alcina não tenha gostado nada da situação ou do contato com Heisenberg, não podia negar que se sentiu um pouco orgulhosa, até lisonjeada, por ter despertado a fúria protetora da jovem daquela forma.
Talvez Ella merecesse uma recompensa.
Com esse pensamento em mente, caminhou até seus aposentos para falar com a jovem, mas a cena que encontrou foi ligeiramente diferente do que esperava. Ella e Bela não estava conversando com cumplicidade como sempre faziam, ao invés disso a jovem caçadora tinha a cabeça apoiada no ombro da sua filha e seus olhos pareciam inchados e vermelhos de chorar.
- Bela, sua irmã a espera no porão.
Bela entendeu o recado e se desvencilhou gentilmente de Ella, beijou sua bochecha e saiu do quarto sem dirigir uma única palavra à mãe. Era normal que Daniela fizesse beicinho e Cassandra se rebelasse contra alguma regra, mas Bela? Isso era um acontecimento inédito e uma prova de que Ella estava balançando o equilíbrio da casa.
- Ella – Alcina chamou tentando fazer com que a loira a olhasse nos olhos – Desejo falar com você.
- Bom, eu não quero falar com você!
- Por qu...
- Você ia me mandar para a masmorra! – Ella gritou – Para a masmorra!
Tremendo de raiva, seus olhos brilhavam com lágrimas com as quais parecia travar uma batalha, não desejando deixá-las cair por nada. Alcina entendeu sua indignação, mas ainda tivera lá seus motivos e a enfureceu que Ella estivesse disposta a esquecer como tudo aquilo começara.
- Você parece ter se esquecido de quem eu sou! – Alcina rosnou e se aproximou de Ella, seus rostos quase colados e ainda assim a jovem não se afastou – Se tivesse me obedecido e ficado aqui, nada disso teria acontecido.
- Eu sei.
A confissão junto a sua expressão desolada desarmaram Alcina, também foi capaz de lembrar que Ella havia defendido a sua honra de suas filhas, ainda que pelos meios errados tentara fazer o certo.
- Escute, draga mea – Alcina continuou com a voz suave, doce: - Sinto muito se me exaltei com você, admito que perdi o controle.
Tomou uma das mãos de Ella nas suas e a levou até os lábios, onde pressionou um beijo demorado.
- Não fiquei brava por vê-la brigando – mentiu – Mas ver meu irmão asqueroso com as mãos em você me tirou do sério. Não suporto ver outra pessoa tocá-la, você entende isso?
Ella assentiu.
- Você é minha e, assim como me sinto na obrigação de protegê-la, não gostei de como meu irmão a olhou ou dos comentários que teceu posteriormente.
- Que comentários?
- Nada que valha a pena repetir sem soar ofensivo. Desgosto que refiram-se a você desta forma, draga mea, ainda mais quando merece ser tratada de melhor e mais educada forma – Alcina fez um gesto exasperado com a mão e tentou sorrir de modo gentil – Me perdoe por perder a cabeça, não foi minha intenção mandá-la para as masmorras e corrigi isso assim que Bela chamou minha atenção.
- Que sorte a minha que suas filhas gostem de mim.
- Oh, elas a adoram. Você conquistou até mesmo Cassandra – Alcina levou a mão ao peito, próximo ao local onde estavam as três rosas negras que representavam suas filhas – E não poderia ser diferente. Você é tão especial, dragam mea, e espero mesmo que possa perdoar meu pequeno deslize.
Ella sorriu e seu coração disparou no peito. Desde o começo Alcina sabia das reações que conseguia causar na jovem, bastava se aproximar ou inclinar-se para deixar o decote à mostra para fazê-la corar, mas seu coração era o maior denunciador. O inesperado foi começar a sentir as mesmas coisas ao vê-la sorrir, exceto pelo fato de que não poderia corar.
- Eu a perdoo.
- Obrigada, draga mea.
Alcina inclinou-se em direção a Ella, um sorriso predatório se abriu em seu rosto ao notar como o olhar da jovem caiu diretamente para seu decote, e a beijou. Moveram-se em perfeita sincronia, Ella afastou os lábios quando Alcina passou a língua por eles e aprofundou o beijo. Lentamente, Alcina deitou a jovem sobre a cama e pairou sobre ela, suas mãos levantaram a saia do vestido para expor as coxas macias enquanto movia a boca para seu pescoço, sugou o ponto de pulso e ganhou um gemido quase pecaminoso como recompensa; Ella era deliciosa e Alcina desejava aprender cada som que escapava dos seus lábios, cada expressão de prazer ao tocá-la intimamente, adorava vê-la de olhos fechados e com a respiração ofegante, os lábios abertos ao clamar que Alcina lhe desse mais dos seus dedos e língua.
Seus lábios alcançaram os seios de Ella através do decote do vestido, mordiscou a pele sensível e chupou o seio direito com força suficiente para causar um hematoma. Desejava marcá-la como sua, e que lugar melhor do que na cama?
Escorregou as mãos através das coxas, arranhou a pele macia, e as separou, mas antes que pudesse atingir seu objetivo Ella ficou tensa e tentou segurá-la.
- Não! – disse com a voz firme – Alcina, eu disse não!
Foi difícil se controlar, principalmente porque sua calcinha já se encontrava molhada, mas apesar de todas as coisas que era capaz de fazer, tocar uma mulher sem sua permissão não era uma delas.
- Por que não?
Soou mais duro e ríspido do que gostaria, mas era difícil pensar direito quando estava tão excitada e sabia que a outra se encontrava em similar situação.
- Eu te perdoei, mas isso não significa que vou transar com você hoje. Entendi porque ficou com raiva, mas me magoou muito.
Alcina desviou o olhar e endireitou o corpo, a rejeição a fez rosnar levemente de raiva mal contida. Devia sair dos próprios? Mandar que Ella saísse? Afinal de contas não queria sua companhia e estava deixando isso bem claro.
- Não quero que vá embora – Ella pareceu ler seus pensamentos ao ajeitar a saia do vestido para cobrir suas coxas – Mas irei se assim desejar.
Lembrou-se de Cassandra relatando como Ella a defendeu, como foi capaz de ver nelas algo que a maioria não conseguia, e decidiu que a queria por perto.
- Fique – Alcina pediu – Gosto de abraçá-la enquanto durmo.
Ella riu.
- Sou seu aquecedor pessoal?
- Não – Alcina sorriu levemente ao inclinar-se sobre ela e a beijar – Mas você é minha, draga mea, e não estou disposta a perdê-la.
- Você não vai – Ella pensou por um momento – Acho que gosto de ser sua.
Mesmo sabendo que Ella lhe pertencia gostando ou não, ouvi-la lhe causou uma sensação de júbilo inigualável. Voltou a distribuir beijos rápidos pelo pescoço que parecia se oferecer a ela, deixando marcas de batom aqui e ali, marcando-a como sua.
- Prometo que vou me comportar, só quero adorar você.
- Tudo bem – Ella suspirou e fechou os olhos – Confio em você.
Alguém devia ter lhe ensinado a não confiar em monstros, mas Ella não a via assim e Alcina não viu problema em continuar beijando-lhe o pescoço. Além do mais, tinha um plano pra se fazer ser realmente perdoada e poder voltar a tocá-la como realmente queria, e o colocaria em prática assim que possível.
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