Quando a primavera finalmente chegou após um longo inverno, tal qual acontecia todos os anos, o castelo Dimitrescu foi tomado por vida e cores com o fim do enclausuramento; as tardes eram ocupadas do lado de fora, correndo pelos jardins ou então nos estábulos com os cavalos, as garotas pareciam simplesmente não se cansar do ar livre e de todas as possibilidades. Sempre que possível, Ella as levava em uma caminhada por trilhas na floresta, escolhia caminhos seguros e passavam horas lá entre as árvores, e as mais velhas as acompanhavam quando não tinham trabalho a fazer.
Vez ou outra Alcina as levava para uma caminhada no vinhedo, as meninas perguntavam sem parar quando poderiam comer as uvas e adoravam quando mamãe as levantava bem alto para ver o mais longe possível.
A vida era boa daquele jeito, elas haviam entrado em um estado de plenitude difícil de explicar para aqueles que só podiam ser espectadores daquela felicidade.
Quando não estavam do lado de fora ou fazendo suas lições, as gêmeas gostavam de passar o tempo com Donna tanto quanto suas visitas eram bastante desejadas; Alcina não permitia que as meninas passassem a noite com Karl na fábrica, e mesmo que Ella adorasse o cunhado com todas as forças tambem não se sentia à vontade com essa ideia; Karl era ótimo, realmente era, mas não tinha jeito ou responsabilidade para com crianças. Mas com Donna as coisas eram bem diferentes, as gêmeas a adoravam e também a sua namorada, então não viam problema em permitir que passassem a noite com elas.
Ella também tirava algumas horas do dia para ajudar as gêmeas a treinarem suas habilidades, quando eram mais novas simplesmente agiam por puro e completo instinto, mas com a consciência que começaram a desenvolver com a idade as coisas se acalmaram e estavam achando difícil se continuar.
Por isso levou a pequena mesa de chá, aquela do tamanho exato das meninas, e a colocou na estufa em um canto longe o bastante da porta e da bancada de venenos de Bela; não sabia o quanto suas filhas poderiam ser resistentes e não sentia vontade alguma de descobrir.
Naquela tarde em especial, Ella as levou para a estufa junto a Agatha que ficou próximo à porta para garantir que não seriam interrompidas; colocou as gêmeas de frente uma para a outra e o candelabro com uma vela entre elas.
- Isso é para você, Alice – Ella instruiu – Faça como das outras vezes.
A menininha assentiu e virou-se para encarar a vela com uma carranca de concentração no rostinho bonito. Quando eram pequenas suas habilidades se mostraram com mais facilidade, agiam como que por puro instinto quando algo agitava seus sentimentos como era comum para bebês; à medida em que cresciam e tornavam-se mais conscientes do que podiam fazer, bem como do que deviam ou não fazer, se tornou um pouco complicado controlar o que tinham. Vez ou outra Alice colocava fogo em alguma coisa, era sempre fácil de controlar e nunca causou maiores problemas, mas precisam começar a ensiná-la de algum lugar e sem poder contar a Miranda, Ella estava praticamente sozinha nisso.
- Concentre-se... - Ella mandou – E aí tenta acender a vela. Você consegue.
Nada aconteceu durante os próximos segundos. Alice continuou encarando a vela, tentando concentrar-se tanto quanto seria possível para uma menininha de cinco anos, enquanto Theodora parecia completamente entediada por estar ali.
Um fiapo de fumaça escapou do pavio da vela, à princípio não foi nada demais e levou mais alguns segundos até que uma faísca desse lugar às chamas; não foi grande, mas o fogo prosperou e se alimentou do pavio e da cera para prosperar até que começasse a brilhar com toda a força que os parcos recursos lhe permitiam.
- Parabéns – Ella a elogiou ao puxá-la para um abraço – Você é tão incrível, filha!
Alice sorriu parecendo bastante orgulhosa por si mesma.
- Obrigada, mamãe.
- Você conseguiu, Alice. E vai conseguir fazer qualquer coisa que quiser desde que continue se esforçando.
O sorriso da filha a fez pensar que todo o aquele trabalho tinha lá o seu valor, iria treiná-las para enfrentar o que quer que viesse pela frente; sua preocupação não se dava apenas com Miranda e suas intenções não tão inocentes, mas o resto do mundo também poderia ser um perigo em potencial.
No entanto, Theodora não parecia nem um pouco feliz com a ideia de estar presa dentro do castelo.
- Quero ir brincar lá fora.
- Nós já vamos, querida – Ella prometeu – Lembra que te expliquei como isso é importante?
Theo revirou os olhos e ficou extremamente parecida com Alcina ao fazer isso. Aquela menina herdou a aparência de Ella e o temperamento de Alcina, e ambas as mulheres ainda estavam tentando entender como lidar com aquela coisinha petulante. Tendo passado boa parte da vida sendo alvo de agressões, Ella não queria que suas filhas passassem por algo remotamente parecido e estava disposta a fazer diferente, o que lhes dava bastante trabalho em um todo.
- É verão, e eu quero brincar lá fora – Theo reclamou – Não estou fazendo nada aqui.
Era bem verdade que Theodora estava sendo uma mera expectadora em um show que pertencia completamente a Alice. Ella ainda não havia encontrado um meio de treiná-la sem usar uma cobaia humana, e estava relutante em apelar para isso, portando não havia muito o que pudesse fazer.
- Theo, tenha só mais um pouco de paciência e todas vamos sair para brincar lá fora. Até a Agatha.
- Eu não quero ficar aqui! – Theo parecia bem perto de uma birra – Quero minha mãe!
- Theodora...
- EU DISSE NÃO!
Theo gritou com toda a força que seus pulmões permitiam, as mãozinhas estavam agarradas à borda da mesa com tanta força que as pontas dos dedos já esbranquiçavam, e mesmo sem ser tocada a vela tombou de lado e se apagou sobrando apenas um fiapo de fumaça que flutuou até desaparecer.
Foi a primeira vez que a filha gritou com ela, não era uma ocorrência diária, e precisou respirar fundo algumas vezes para se acalmar.
- Theodora...
- Não, eu não quero – Theo reclamou, dessa vez em vó baixa.
Estava prestes a insistir novamente, em se fazer ser ouvida pela filha, quando Agatha a interrompeu.
- Ella. Acho que a Theo já está cansada – Agatha ponderou – Ela só tem cinco anos.
Ella respirou fundo.
- Eu sei... Você tem razão.
Ao notar que estava ganhando aquela pequena batalha, Theo não sorriu ou comemorou como o esperado, ao invés disso seus olhos se encheram de lágrimas e o lábio inferior tremeu ao anunciar o choro que estava por mim.
- Eu quero a mamãe.
Ella estendeu os braços, mas Theo se inclinou para trás como que para fugir do contato.
- Você não. A outra mamãe.
Doeu como um soco no estômago. Mesmo sabendo que não havia feito nada para machucar a filha, pelo menos não propositalmente, naquele momento tudo o que pode fazer foi se culpar e se ressentir pelo que estava acontecendo.
Impaciente, Theo não esperou pela permissão para sair da mesa, correu em direção à saída e sequer olhou para trás, não parou nem mesmo quando Ella a chamou. Aquela menina estava ficando muito espirituosa para o próprio bem, essa era uma parte da maternidade para a qual definitivamente não estava preparada e esperava realmente que Alice não passasse pela mesma fase.
- Theodora!
Correu atrás da filha que naquele breve momento de distração se afastou tão rápido que quase a perdeu de vista ao sair da estudar só teve tempo de gritar para Agatha cuidar de Alice enquanto não voltava. Theo não deu atenção aos seus primeiros pedidos para que parasse, então a surpreendeu bastante quando a menina parou abruptamente no meio do hall de entrada.
- Theodora – Ella chamou novamente – Sua mãe está ocupada, então vamos...
Parou de falar ao notar a figura alta pairando sobre sua filha.
- Olá, Elleanor – Miranda sorriu suavemente – É um prazer vê-la novamente.
Ella trincou os dentes e se forçou a sorrir ao notar que Miranda tinha uma mão sobre o ombro de Theodora.
- Mãe Miranda. Sinto muito pela interrupção, não queremos atrapalhar. Theo, vem comigo... Sua mãe tem uma reunião importante agora.
- Está tudo bem – Miranda puxou Theo para mais perto e Ella avançou um passo – Tenho certeza que ela pode visitar a mãe por alguns minutos, Alcina não vai se importar se a reunião atrasar um pouco. Eu com certeza não vou me importar...
Sem pediu permissão, como se Ella não fosse a mãe da criança que levava pela mão, Miranda guiou Theodora pelas escadas enquanto se encaminhava ao escritório de Alcina. Não se importava se ela era a líder de todo o vilarejo, se dava a si mesma os ares de importância de uma deidade, isso não lhe dava o direito de levar sua filha como se a ela pertencesse.
Mesmo dentro do castelo e ao alcance de Alcina, Ella se preocupou e seguiu as duas em silêncio; Miranda perguntou o que Theo estava fazendo e como foi seu dia, o que a fez segurar a respiração por um segundo por medo de que a criança contasse o que estava acontecendo na estufa, mas Theodora provou que pelo menos até certo ponto ouvia o que lhe diziam e respondeu simplesmente que “estava brincando com Alice”.
- Aposto que você adora sua irmã.
- Eu amo Alice – Theo confirmou – E eu sou a mais velha, tenho que cuidar dela.
- Você é uma garotinha adorável.
- Obrigada.
Miranda a levou ao escritório de Alcina e entrou assim que lhe foi permitido, ao que Ella as seguiu e parou junto ao umbral da porta.
- O que houve, querida?
Bastou um segundo para que Alcina abandonasse o papel de seguidora fiel de Mãe Miranda e se tornasse a mamãe superprotetora preocupada com o filhote, ao que Ella foi grata por ter encontrado a pessoa certa para compartilhar uma família.
- Senti sua falta – Theo confessou baixinho.
- Só isso?
- Só – Theo suspirou e abraçou o pescoço de Alcina, e ainda que Ella não pudesse ver daquele ângulo adivinhou que seus dedinhos estavam brincando com os cachos escuros sobre a nuca da mãe – Queria ter ver, mamãe.
- Mamãe está aqui, querida.
Alcina a abraçou e embalou como se ainda fosse um pequeno bebê, e realmente parecia em seus braços; como sempre acontecia, Theo se acalmou consideravelmente e sorriu antes de beijar a bochecha de Alcina.
- Está melhor?
- Sim, mamãe.
- Então se comporte – Alcina pediu ao beijar o rosto da filha – E prometo ter um tempo com você e suas irmãs assim que acabarmos aqui.
- Eu vou me comportar, e eu prometo isso.
- Obrigada por isso.
Colocou-a no chão e Theo abraçou Miranda rapidamente antes de correr para Ella, o que a de pensar que precisava dar um banho na filha como Velaska sempre dizia depois que a líder a tocava de alguma maneira, como se precisasse se livrar do toque impregnando sua pele e roupas.
- Vamos – Ella a chamou – Vamos encontrar sua irmã.
Fechou a porta com cuidado e deixou as mulheres lá dentro, logo Donna chegaria e se as meninas a vissem antes que pudesse entrar no escritório para a reunião Ella não tinha certeza se conseguiria mantê-las longe; por isso afastou-se com Theodora, planejava levá-las para fora o quanto antes, poderiam passar algum tempo ao ar livre e seria bom para elas, mas antes parou próximo às escadas e se ajoelhou para ficar na altura dos olhos de Theodora.
- Ei, querida, preciso que seja sincera comigo, certo? – Ella tentou soar de forma gentil e pareceu funcionar, Theodora assentiu lentamente – Fiz você se sentir deixada de lado hoje? Foi por isso que ficou triste?
Theo assentiu novamente, nenhuma palavra deixou seus lábios mas não eram necessárias naquele momento.
- Me desculpe por isso – Ella pediu com sinceridade – Não foi a minha intenção te deixar chateada. Você pode perdoar a mamãe?
- Sim, mamãe – Theo suspirou e inclinou a cabeça para o lado – Me desculpe por gritar.
- Eu sou a sua mãe, sempre vou perdoar você.
Sorriu ao puxar Theodora para um abraço apertado e encheu seu rosto de beijos, o que fez a menina gargalhar e pedir para ser solta ainda que não fizesse qualquer esforço para se afastar do ataque de carinho do qual estava sendo um alvo fácil.
- Eu te amo tanto... – Ella grunhiu ao apertar Theodora – E agora é a sua vez de escolher o que vamos fazer.
- O que eu quiser?
- O que você quiser.
- Podemos ir lá fora? Quero brincar lá fora – Theo reforçou: - Na floresta onde tem coelhos e bichinhos pra perseguir.
Ella fingiu pensar sobre o assunto. Não poderia jamais negar que toda as vezes em que suas filhas pediam para brincar na floresta, uma centelha de orgulho ardia em seu peito, sentia que estava compartilhando algo muito importante com elas, criando memórias que levariam para a vida toda e esperava que fosse assim para sempre.
- É claro que podemos ir para a floresta.
Theo jogou os braços ao redor do seu pescoço e sorriu.
- Eu te amo, mamãe.
Fingiu um ataque de cócegas, apenas o suficiente para fazê-la baixar a guarda, e beijou a pontinha do nariz de Theo.
- Vamos indo, sua irmã está esperando.
De fato, Alice e Agatha estavam paradas no início da escadas e ao vê-las Theo correu em direção à irmã para abraçá-la, não trocaram uma palavra sequer e ainda assim foi como se algo se passasse entre elas, algo que não desejavam compartilhar com as mães ou irmãs; Ella duvidava que algum dia qualquer outra pessoa fosse admitida naquele mundinho que pertencia somente às suas filhas.
- Theo quer brincar na floresta, a reunião vai demorar algum tempo... – Ella olhou ao redor como quem não quer nada, e então voltou-se para Agatha – Quer ir também?
A ruiva cruzou os braços.
- Só se admitir que me quer lá.
O comentário fez Ella suspirar.
- É como ter uma segunda esposa.
A provocação não funcionou e a postura de Agatha deixou claro que não daria o braço a torcer.
- Tudo bem... – Ella suspirou – Vai ser mais divertido com você. Vamos?
- Eu vou. Iria mesmo se não admitisse.
- Como a Cassandra te aguenta?
- Ela me ama. Você me ama também ou não iria me querer por perto o tempo todo.
- Você tem sorte – Ella apontou, mas desistiu daquele debate sem sentido. Chamou a atenção de Alice e estendeu a mão para ela – Nós vamos passear lá fora, sua irmã quer brincar na floresta. Você vai também ou prefere ficar com as suas irmãs?
- Eu vou também. Theo e eu fazemos tudo juntas.
- Porque somos gêmeas – Theo reforçou como se fosse óbvio – E eu sou a mais velha responsável.
Como Theo parecia prestes a retrucar, e Ella não queria uma nova discussão, resolveu que estava na hora de ir se quisessem aproveitar bem o tempo lá fora; segurou as mãos das meninas e as guiou através do hall de entrada com Agatha em seu encalço.
Permitiu que corressem livres e as observou à distância, Theo e Alice revezaram-se em esconder uma da outra e correr de mãos dadas, sempre inseparáveis. Chegaria o dia em que Ella não poderia mais manter um olhar atento sobre as duas, quando se tornariam jovens bonitas e corajosas; e talvez, assim como a própria mãe, se tornassem indômitas e um ímã para problemas.
Como muitas vezes durante a maternidade, Ella viu-se diante de um dilema que mais lhe parecia um problema difícil se ser resolvido. Desejava que suas filhas permanecessem pequenas, tão inocentes quanto no presente quando os sorrisos eram fáceis e todas as dores e temores poderiam ser resolvidos nos braços maternos, ao mesmo tempo em que desejava acompanhar seu crescimento e presenciar as mulheres incríveis que se tornariam.
Agatha parou ao seu lado e cruzou os braços.
- É incrível como as crianças tem a capacidade de seguir em frente, não é?
- O que quer dizer com isso?
- É só que não parece que estavam chateadas há pouco tempo. Se não percebeu, Alice também não estava exatamente feliz, talvez esteja exigindo muito delas.
- Eu sei – Ella admitiu – Mas não sei quando é o momento ideal para começar, e não posso perguntar a Miranda sem contar do que são capazes.
Em um gesto de carinho e apoio, Agatha a abraçou de lado e sorriu ainda que minimamente.
- Vamos conseguir equilibrar as coisas, vou estar do seu lado o tempo todo.
- Você é uma ótima amiga.
- Me diz uma coisa que eu ainda não saiba, você estaria perdida sem mim.
- Não posso e não vou discutir.
Theo e Alice continuaram a correr entre gritinhos e risadas sem se dar conta do que se passava entre as mulheres, conversas de adulto ainda não lhes apetecia a ponto de encerrar uma brincadeira; as duas encontraram galhos de bom tamanho para fazer vezes de espadas e duelaram como sabiam, batendo os galhos uns nos outros para simular uma luta.
- Isso aí é coisa da Cassandra – Agatha contou como se Ella não pudesse adivinhar - Com alguma ajuda da Daniela, é claro.
- A parte da Daniela me deixou surpresa.
- Os livros antes de dormir. Alice no País das Maravilhas e Peter Pan são os preferidos nas últimas semanas.
- É bom saber – Ella sorriu ao olhar para as meninas correndo e saltando por entre os arbustos e raízes expostas das árvores – Foi um longo caminho até aqui, não é?
- Sim. Você quase morreu vezes demais, e de alguma forma conseguiu sobreviver. Isso sim me impressiona...
- Às vezes não gosto tanto de você – Ella revirou os olhos de brincadeira – É melhor ir, está ficando tarde.
Exatamente nesta parte as meninas pareceram ouvir e chegaram a protestar por mais tempo, mas não demoraria para que o sol iniciasse sua descida no horizonte e Ella gostaria de estar no castelo quando ficasse escuro; uma coisa era estar sozinha do lado de fora, estava acostumada desde a vida humana e após a infecção pelo cadou só se tornou mais poderosa, mas não se sentia confortável ao ver as filhas longe da proteção oferecida pelos muros altos do castelo.
- Hora de voltar para casa – Ella determinou sem deixar espaço para contestações – Vocês podem ter uma noite divertida com suas irmãs e com mamãe Alcina.
- Sua esposa não está em uma reunião com a Mãe Miranda? – Agatha perguntou.
- Está, mas eu preciso de uma taça de vinho então o turno da noite é dela. Dani e Judy vão ficar com elas, dar o jantar e tal – Ella levantou a voz: - Vamos, meninas.
- Posso colocar a Cassandra nisso? Preciso de vinho.
- Claro. Vamos pra casa, você chama a Velaska e a Naomi, e eu vou providenciar que o jantar seja servido no terraço com vinho.
- Eu te amo mais agora.
- Tenho certeza que sim.
Voltaram rapidamente para o castelo, ao saber que iriam jantar só com as irmãs mais velhas, e que isso significava horas sem supervisão das mães, as gêmeas se animaram e praticamente saltitaram durante todo o caminho de volta. Dani já estava esperando por elas no hall de entrada, Naomi sorridente ao seu lado, e parecia impossível se controlar para não pular.
- Vai ser divertido – Dani comentou assim que as viu – Temos muitos planos.
- Certo, Dani. Você só precisa dar o jantar dela e aí podem fazer qualquer coisa que não envolva ossos quebrados, sangramentos ou um dos vasos da sua mãe – Ella instruiu – E a sua mãe vai dar banho nas duas assim que a reunião acabar, ela vai ajudar com os pijamas e colocar as duas na cama.
- Vai ser muito divertido – Dani repetiu – Não é, Naomi?
- Na verdade... – Agatha deu um passo a frente e puxou Naomi para perto – Nós vamos ter uma noite das garotas.
- Oh... – Dani piscou algumas vezes e olhou para as gêmeas que a encaravam com expectativa – Tudo bem então. Eu prometo fazer tudo certinho.
Ao observar a interação entre elas, Naomi sorriu abertamente.
- Você é maravilhosa!
- Naaaaao – Dani prolongou a palavra – Você é que é.
Já impacientes, e nada dispostas a assistir o romance da irmã mais velha, Theo e Alice pareceram entrar em um consenso silencioso e agarraram as mãos de Daniela para tentar puxá-la para longe.
- Chame suas outras irmãs – Ella mandou – Estaremos ocupadas.
- Pode deixar!
Assim que as três subiram as escadas juntas Naomi suspirou parecendo tão apaixonada quanto no início da relação.
- Dani é tão doce! Não me canso de ver ela com as duas, as meninas parecem tão pequenas e animadas sempre que estão juntas.
- É claro que é – Ella sorriu – Graças a todos os deuses por ter ajuda das irmãs mais velhas, não sei o que eu faria sem elas.
- Mas agora eu preciso de vinho – Agatha empurrou Naomi levemente – Vamos procurar a Velaska e encontrar Ella no terraço.
Isso pareceu fazer com que Naomi se lembrasse de algo.
- A namorada da sua cunhada está na estufa. Lady Beneviento ainda está com Lady Dimitrescu e Mãe Miranda, até Lorde Heisenberg chegou depois de um tempo, e Esmeralda veio também.
Ella e Agatha trocaram um olhar.
- Posso convidar a Esmeralda para participar?
- Por mim sim – Agatha concordou e Naomi imitou o gesto – Então a Naomi vai procurar a Vel, eu vou providenciar que o jantar seja servido e você vai convidar a namorada da sua cunhada para jantar. A mesma que você e Lorde Heisenberg tentaram intimidar.
- Ela fez isso? – Naomi se virou para Ella – Você fez isso?
- Fiz, mas foi antes. Ela passou no teste.
- Vai lá – Agatha insistiu – E nós vamos fazer a nossa parte.
Ella estava prestes a sair quando se lembrou de um detalhe importante.
- Agatha, peça para uma criada servir o jantar no escritório da Alcina. Não queremos que Mãe Miranda ache que somos más anfitriãs – disse com alguma ironia – Não me importo, mas Alcina liga pra opinião dela.
- Deixa comigo.
Esperou que cada uma seguisse seu caminho e caminhou lentamente em direção às estufas, tudo parecia calmo e quieto como se não houvesse mais ninguém naquela parte do castelo, àquela altura da noite as criadas estavam ocupadas com o jantar e a limpeza da cozinha, portanto até mesmo o fluxo de idas e vindas pelo corredor diminuía consideravelmente.
Diminuiu o passo ao se aproximar da estufa, respirou fundo e entrou para procurar a cunhada; logo avistou Esmeralda próxima à bancada de plantas venenosas admirando o trabalho de Bela, aproximou-se sem jeito e sem saber como chamar a atenção para si.
- Olá.
Esmeralda virou-se em sua direção.
- Oi. Eu só estava olhando...
- Minha filha Bela fez isso, ela é ótima com jardinagem.
- Realmente parece incrível – Esmeralda sorriu suavemente – Donna me disse que Bela é boa com plantas, as duas podem falar sobre jardinagem por horas...
Ouvi-la falar com tanto carinho sobre Donna, até mesmo a alteração no tom de voz ao mencionar seu nome, quase fez Ella se envergonhar de ter pedido ajuda ao Karl para descobrir quais suas reais intenções. Mas precisava ter certeza de que Donna estava em boas mãos e disso não poderia se arrepender jamais.
- Espero que não se importe que eu esteja aqui, estou esperando Donna.
- Não, tudo bem – Ella se apressou em afirmar – Na verdade acho que a reunião vai demorar um pouco, às vezes Mãe Miranda e Alcina ficam nisso por horas, e vim te convidar para jantar.
Ficou claro que Esmeralda estava prestes a negar, mas Ella não permitiria.
- Seremos só você, eu, Agatha, Naomi e Velaska. Fazemos isso de vez em quando pra relaxar de tudo, boa comida e vinho suficiente para causar um apagão de memória.
- E isso ajuda a relaxar?
- Pra nós sim, mas a minha esposa sempre tem problemas quando eu bebo.
Esmeralda pareceu não saber o que respondeu, então Ella riu e segurou seu braço com gentileza.
- Não se preocupe, Alcina está acostumada e sabe como lidar com tudo. Venha comigo, por favor? Adoraríamos ter a sua companhia.
Se aquela mulher fazia Donna feliz e fazia questão de ser carinhosa com suas filhas, seria muito bem vinda em sua casa.
- Seria um prazer.
- Ótimo, vem comigo.
Segurou a mão de Esmeralda e a puxou para se fazer ser seguida para fora da estufa, explicou brevemente sobre o que ainda chamavam de “grupo de apoio para mulheres em relação com uma Dimitrescu” por falta de um nome melhor e em como se reuniam sem as esposas pelo menos duas vezes por mês.
Chegaram ao terraço onde já eram apertadas por Agatha, Naomi e Velaska.
- Chegamos – Ella anunciou como se fosse preciso – Essa é a Esmeralda, ela é a companheira da Donna como vocês sabem. Esmeralda, aquela é Naomi, ela doce e sempre disposta a ajudar – disse ao apontar para morena baixinha, e em seguida apontou para Vel – Aquela é a Velaska, ela não pensa antes de falar e pode ser bem ácida e inconveniente, mas tem um ótimo coração. E aquela – fez uma pausa ao apontar para a ruiva – É a Agatha e ela é o amor da minha vida, não olha muito pra ela.
Esmeralda riu baixinho.
- É bom saber. E é muito ver rever todas vocês.
- É muito bom ver você também – Velaska sorriu – Agora vamos ignorar que você ama mais a Agatha, precisamos comer antes que eu morra de fome.
Esmeralda a olhou como se dissesse que entendeu o que queria dizer.
- Essa é a Velaska – Ella sorriu – Ela não pensa antes de falar. Vamos comer.
Sentou-se entre Agatha e Esmeralda e durante algum tempo apenas permaneceram em silêncio enquanto as criadas serviam o vinho e o jantar; assim que ficaram a sós, depois que Ella dispensou as criadas para ter um pouco mais de privacidade, Velaska tomou um longo golo de vinho e apontou para Esmeralda.
- É bom ter carne nova por aqui. Então, como é que você acabou com Donna Beneviento?
- Velaska – Naomi disse em tom de aviso – Não seja desagradável, é a primeira vez dela aqui.
- E desse jeito não sei se vai voltar – disse Ella.
Esmeralda ajeitou uma mecha de cabelo que escapou da trança e sorriu parecendo sem jeito.
- Já fazia algum tempo que eu estava vagando sozinha, uma tempestade me pegou e de alguma forma acabei na varanda de Donna, ela me acolheu e cuidou de mim.
- E como foi? – Agatha perguntou.
- Eu estava delirando e não me lembro de nada que faça sentido antes de acordar no quarto de hóspedes, Angie estava com o nariz quase colado no meu e quase me deu um ataque do coração. Acho que foi a febre... Angie disse que eu estava queimando.
Ella e Velaska trocaram um olhar, mas foi a morena e ter coragem de proferir o que estava pensando.
- Talvez não tenha sido a febre. Uma vez fomos lá e eu tive alucinações, juro que minha alma saiu e voltou pro corpo umas três vezes.
- Ainda não fui lá – Naomi comentou ao beber – Mas Daniela gosta muito da Angie. Elas passam muito tempo com a Judy, e se divertem juntas.
- Foram sem ser convidadas? – Esmeralda perguntou – Donna não gosta muito de visitas agora, não posso imaginar como era antes.
Ella balançou a cabeça.
- Tivemos um problema, uma criada tentou matar Alcina e tivemos que pedir ajuda para Donna. Ela dói maravilhosa e veio ajudar, ela também já salvou minha vida em outra ocasião quando eu quase virei comida se lycans.
Agatha riu e contou para Esmeralda:
- Ella tinha a péssima mania de quase morrer a cada poucos meses.
- E Donna me drogou com o chá – Ella riu – Bons tempos... Dei uma palmada na Alcina aquela tarde.
- Agora você faz isso sempre – Velaska riu – Não minta.
- Alcina gosta de dizer pra todo mundo que manda em tudo e em todos, mas a verdade é que eu mando nela.
- Ainda estou tentando entender como uma criada quase matou Lady Dimitrescu – disse Esmeralda parecendo surpresa.
- Eu posso? – Velaska perguntou para Ella que assentiu – Então, longa história curta: uma criada era infiltrada porque queria vingança contra a Lady Dimitrescu e usou uma adaga cheia de veneno pra isso; foi uma loucura, estava nevando e as meninas não podiam sair Ella e eu acabamos na casa de Lady Beneviento pra encontrar ajuda.
Agatha assentiu antes de falar:
- Foi horrível, cheio de lágrimas e promessas no leito de morte. Mas no fim seu tudo certo, Miranda e Donna conseguiram ajudar, e Ella se livrou aquela maldita adaga.
- É... – Ella tomou um gole de vinho – Fiz isso na primeira oportunidade.
- Acho que já deixamos isso tudo bem claro – Velaska assentiu com ares de importância – Ella e eu enfrentamos o inverno rigoroso, matamos alguns lycans, Miranda e Lady Beneviento fizeram sua parte depois que eu fui perseguida por um boneco andando se triciclo...
Esmeralda pareceu confusa e Agatha fez um gesto para que deixasse isso pra lá.
-... Mas o que queremos saber é como a Donna é na cama.
A pergunta fez Naomi engasgar com o vinho e o derramou no decote do vestido, ao que Agatha lhe deu algumas palmadinhas nas costas para ajudá-la a se recuperar.
- Está tudo bem?
- Estou viva – Naomi tossiu algumas vezes – Não estava preparada pra isso.
- Nenhuma de nós estava – emendou Ella.
Agatha se virou para Esmeralda.
- Não precisa contar se não quiser, Velaska não pensa antes de falar e nem sempre reconhece limites.
- Olha, não me culpem por perguntar uma coisa que todas estavam pensando.
Por mais que não fossem a favor de pressionar Esmeralda a contar o que se passava entre ela e Donna, todas se viraram para esperar por uma resposta que poderia ou não vir.
- Bom... Donna é muito carinhosa, ela é fofa e amorosa – Esmeralda sorriu e tomou um gole de vinho – E não tão tímida como todos pensam.
- Agora sim! – Velaska comemorou – É disso que eu estava falando!
- Quero dizer, ela ficou vermelha quando tentou tirar minha blusa e se atrapalhou com o meu sutiã, mas se recuperou bem rápido quando ajudei.
- Isso é meio fofo – Agatha sorriu – É bom ver Donna apaixonada.
- Eu aprendi amar Donna como ela é, às vezes ainda tem dias que prefere ficar em silêncio e volta a usar o véu e tudo bem, eu só espero por ela – Esmeralda olhou para Ella – Sei que se preocupa com a Donna, por isso não tenho ressentimentos sobre ter mandado Karl me assustar.
Ella deu de ombros.
- Alcina me fez prometer que ficaria fora disso tive que apelar pro Karl. Por sorte não precisa de muita coisa pra convencer ele a fazer qualquer coisa idiota.
Começaram uma pequena discussão sobre todas as coisas idiotas que Karl havia feito, inclusive dar poder de fogo a Ella como se isso fosse uma ótima – e segura – ideia.
- Eu tenho uma notícia.
Talvez tenha sido o tom que Naomi usou, mas todas se calaram e olharam em sua direção esperando para o que poderia ser uma grande notícia, fosse para o bem ou para o mal.
- Dani e eu estávamos conversando, na verdade temos falado sobre isso há algum tempo só como brincadeira e agora acho que realmente vai acontecer... – Naomi respirou fundo – Dani me pediu em casamento, queremos oficializar nossa relação e que tudo seja perfeito...
Mal acabou de falar antes que Ella, Velaska e Agatha saltassem de suas cadeiras para abraçá-la, se não a tivessem segurado Naomi teria acabado no chão; foi uma mistura de risadas, lágrimas e vivas, uma ocasião como aquelas merecia ser comemorada e não se negariam a oportunidade.
Desde que chegou ao castelo, Ella viu Dani como uma criança a ser cuidada e amada, foi a primeira a reconhecê-la como mãe e por isso sempre sentiu que precisava lhe dar a atenção que precisava. Mesmo que Daniela se parecesse, e realmente fosse, uma mulher adulta, uma parte dela sempre seria como uma garotinha.
- Isso é incrível! – Agatha comemorou – Mal posso esperar pra ver vocês duas vestidas de noivas.
Ella a apertou com um pouco mais de força.
- Não existe a mínima chance de eu não levar Dani até o altar. Alcina e eu, é claro... Espere só até ela descobrir.
- Ainda é segredo – Naomi pediu – Dani e eu queremos planejar tudo, escrever nossos votos e tal... Então não contem pra mais ninguém eu só não podia manter isso pra mim mesma por mais tempo. É uma pena que minha mãe não vai querer vir, mas ainda não tive coragem de dizer isso pra Dani.
- Sem problemas, mascote – Velaska sorriu ao esfregar a cabeça de Naomi como se ela fosse um filhotinho – Vou levar você até o altar.
- Vocês são fofas – Esmeralda sorriu – Uma grande família amorosa.
- E agora que você faz parte dela... – disse Velaska ao soltar Naomi e pousar a mão sobre o ombro de Esmeralda -... Me promete que se ver o maldito boneco que me perseguiu vai me vingar.
- Eu prometo.
- Seja bem-vinda à família!
[...]
Alcina só queria uma noite tranquila depois de uma longa reunião com Mãe Miranda e seus irmãos, não achava que estava pedindo demais ao querer um pouco de paz e tranquilidade, mas aparentemente ser mãe significava ter que abdicar se muitas coisas.
Quando a reunião finalmente acabou, Alcina descobriu que Ella estava bebendo com sua nova cunhada e fez o que foi necessário para acomodar Donna em um dos quartos, não queria que precisassem ir embora tão tarde, ainda mais se Esmeralda ficasse remotamente parecida com Ella após algumas taças de vinho.
Estava relaxando em seus aposentos com a sua própria garrafa de vinho após um jantar tenso ao lado de Heisenberg, querendo nada mais do que um cigarro e poder relaxar o resto da noite, quando o choro alto e desesperado chegaram até ela mesmo através das portas fechadas.
- Uma noite... – Alcina murmurou para si mesma – Só uma noite...
A porta foi escancarada com violência e Daniela entrou carregando uma das gêmeas embaixo do braço, então Alcina descobriu a origem do choro visto que sua filha caçula chorava como se o mundo estivesse prestes a acabar e o queixo empapado de sangue.
- Mãe! Foi sem querer, eu juro...
Bela, Cassandra, Judy e a outra gêmea a seguiram com diferentes expressões de medo em seus rostos.
- O que aconteceu?
Dani colocou a criança em seu colo e Alcina descobriu que Theodora parecia prestes a ficar roxa de tanto chorar.
- Nós estávamos brincando, aí ela resolveu pular na cama e Bela disse pra não fazer isso – Daniela contou – Mas aí ela caiu e machucou a boca.
- Tudo bem – Alcina suspirou – Vamos ver o que aconteceu aí.
Não foi tão ruim quanto ela imaginou a princípio, a queda não foi responsável por um corte ou contusão mais séria, e Theodora apenas estava prestes a perder o primeiro dente de leite que já estava mole há alguns dias; o bendito dente, o superior frontal, estava preso apenas por uma beiradinha que continuava colada à pele rosada da gengiva e, aproveitando-se que a menina ainda chorava à plenos pulmões, Alcina o puxou para que se soltasse.
- Pronto, pronto... – Alcina a acalmou – Vai passar.
Foi preciso mostrar o dente para Theo, a curiosidade levou a melhor sobre o choro e ela se acalmou consideravelmente para ver o pequeno pontinho branco sobre a mão estendida da mãe. As outras irmãs também se aproximaram para ver melhor, Bela até levantou Alice em seus braços para que tivesse uma visão privilegiada do que o futuro lhe reservava.
- Você perdeu um dente de leite – Judy sorriu – Se deixar embaixo do travesseiro, a fada do dente vem e deixa uma moeda.
Theo, que estava muito ocupada em passar a língua pelo espaço aberto em sua gengiva, não pareceu gostar da informação.
- Não quero que uma fada leva o meu dente.
- E o que quer fazer? – Bela perguntou.
- A mamãe guarda – respondeu simplesmente.
- É, a mamãe guarda – Alcina colocou o dente ensanguentado sobre mesinha na qual apoiara a taça de vinho e ajeitou Theo em seu colo – Acho que é hora de dormir, chega de brincadeiras por hoje.
As meninas general em desgosto, mas Alcina foi firme em seu posicionamento; as filhas mais velhas, todas adultas, não tinham um horário para dormir, mas já passava da hora das gêmeas estarem na cama e não seria ainda mais flexível sobre isso.
Bela deixou Alice no colo de Alcina e todas elas se despediram com um beijo de boa noite, e uma a uma saíram do quarto.
- Muito bem, foi uma noite cheia de aventuras mas está na hora de ir dormir.
Por mais que a maternidade pudesse ser atribulada e cansativa, Alcina não trocaria esses momentos com suas meninas por qualquer tranquilidade.
Bela, Cassandra, Daniela e Judy haviam se tornado mulheres incríveis das quais se orgulhava, para Alcina cada uma delas representava o orgulho e a honra da casa Dimitrescu, o que as fazia destacar-se; por disse vez, as mais jovens estavam trilhando o caminho da primeira infância e por mais que desejasse que fossem apenas crianças felizes e saudáveis, Alcina tinha certeza que se tornariam mulheres fortes e corajosas como as irmãs.
As mulheres Dimitrescu eram forjadas a fogo e ferro, viviam com o orgulho que não lhes era conferido apenas pelo nome mas também pelas dificuldades enfrentadas com a cabeça erguida. Sua linhagem não poderia lhe dar mais orgulho, e tinha a certeza absoluta de que estava criando mulheres fortes o bastante para liderar um exército de fosse necessário.
A casa Dimitrescu continuaria forte e unida.
[...]
O sol resplandeceu contra o céu azul e uma brisa fresca soprou o cheiro do verão, era um dia perfeito para se estar do lado de fora, brincar livremente pela floresta e não poderiam perder essa oportunidade.
- Sejam cuidadosas – Ella pediu ao beijar o rosto de Alice e em seguida o de Theo – Obedeçam a Stella, não se afastem e não se escondam dela só para assustar.
- Tá bom, mamãe – Alice sorriu obediente – Nós vamos nos comportar.
- Boa menina.
Ella as abraçou novamente, quase como se não fossem mais se ver durante muito tempo.
- Acho melhor ir com vocês...
Alguém pigarreou para chamar a atenção e viram Naomi parada ali com Daniela.
- Eu vou junto e fico de olho nelas, não se preocupe.
- Tem certeza? – Ella perguntou.
- Absoluta. Tire um dia pra você, eu ajudo a cuidar das duas e estaremos de volta antes do jantar.
- Por favor, mamãe – Theo pediu – Queremos ir brincar lá fora.
Ella ainda pareceu incerta.
- Vocês podem ficar nos terrenos do castelo, não precisam sair.
- Mas Stella disse que podemos brincar com o Damian – Alice pediu – E tá tudo bem, mamãe.
- Eu sei que vai ficar tudo bem – Ella sorriu e acariciou o rosto das duas filhas – Vou encontrar vocês em algumas horas, antes do entardecer.
- Obrigada, mamãe! – Alice riu e agarrou o pescoço da mãe para abraçá-la – Vai ser divertido.
- Aposto que vai.
Enquanto Alice e Theo mal podiam esperar para encontrar o amigo, ainda precisaram esperar que Naomi e Daniela tivessem uma de suas despedidas cheias de beijinhos e promessas de voltarem a se ver logo, o que lhes causou risadinhas afinal de contas eram crianças e aquilo não lhes parecia realmente importante.
- Dani! – Theodora chamou impaciente – Nós queremos ir, depois você enche a Naomi de baba.
Sua mãe ralhou, mas não o suficiente para impedi-las se sair.
- Agora ela fala como a Cassandra – Daniela balançou a cabeça e beijou a mão de Naomi – Sejam cuidadosas.
- Sempre, amor. Eu prometo cuidar delas.
- De você também.
Naomi riu.
- É claro.
“Isso não acaba nunca.”
A reclamação de Theo fez Alice rir, ela mesma estava impaciente mas não a ponto de verbalizar seu descontentamento e arriscar um castigo por ser mal educada.
“Eu também quero ir logo e elas ficam enrolando.”
Segurou a mão de Theodora e sorriu quando suas peles se tocaram, uma sensação de conforto e tranquilidade que só ela poderia pode trazer.
- É hora de ir – Stella anunciou – Vamos, ou não vão poder brincar por muito tempo.
“Obrigada. Finalmente.”
“Theodora...”
“Não me olha desse jeito, elas estão demorando e logo mamãe vai impedir de sair.”
“Nisso você tem razão.”
Ella lhes beijou uma última vez e foi permitido que saíssem com Stella e Naomi.
Do lado de fora parecia ainda melhor, os pássaros cantavam e aqui e ali borboletas pululavam com suas asas multicoloridas, uma libélula pousou em uma poça de água e permaneceu alguns segundos antes de levantar vôo; Alice tentou guardar tudo, todas as cores e nuances para desenhar mais tarde, talvez até mesmo mamãe a deixasse pintar com suas tintas e os pincéis grandes, normalmente ela se sentia muito importante quando podia usar os materiais de pintura da mãe.
As duas saltitaram à frente enquanto as mulheres a seguiam de perto, o olhar atento jamais se desviando, e ainda assim a sensação de liberdade se abateu sobre elas. Alice podia sentir que Theodora exalava aquela euforia quase selvagem, uma que a fazia sentir que seria capaz de fazer qualquer coisa no mundo.
Um pássaro cantou não muito ao longe, uma melodia bonita e melancólica como uma canção de ninar em que mamãe dizia para o bebê que tudo ficaria bem. Aos seus ouvidos infantis a melodia soou mais bonita do que triste, e Alice arquivou a informação para contar a mamãe; se fizesse isso do jeito certo era bem capaz de mamãe conseguir pintar um pássaro bonito, tão bonito que ia parecer que estava cantando.
Aos cinco anos e meio seu mundo era cheio de cores vibrantes, amor e o sentimento de que nada ruim poderia se abater sobre elas. Mamãe as protegia do mundo, não havia com o que se preocupar quando era tão pequena.
Mal pisaram no vilarejo antes que um menino abandonasse um pequeno grupo de crianças e corresse em sua direção, Damian tinha o rosto sujo de terra e as roupas não estavam em melhor estado, demonstrando que a tarde com os amigos havia sido no mínimo selvagem. O mais importante, seu amigo trazia três espadas de madeira que carregava contra o peito com alguma dificuldade.
- Oi! Oi! Vocês vieram... – fez uma breve pausa para conseguir respirar – Meu pai fez espadas pra gente brincar de pirata!
Damian derrapou ao se aproximar e jogou as espadas no chão para abraçar Stella.
- Oi, tia Stella.
- Oi, Dan. Onde estão seus pais?
- Papai está trabalhando e mamãe está assando biscoitos, mas ela me disse pra ficar fora de casa até ficarem prontos.
Tanto Theo quanto Alice olharam com expectativas para as espadas, ao que Stella indicou que poderiam ir em frente e pegarem as suas; o tamanho ficou perfeito para cada uma delas, foram feitas com madeira clara e lixadas para eliminar todas as farpas, e a empunhadura parecia perfeita em sua mão e pequena.
Era bem verdade que tinham brinquedos lindos em casa, um mais bonito que o outro, até uma caixinha de música em que uma bailarina rodopiava sem parar enquanto tocava uma melodia bonita, mas não precisavam mais do que algumas espadas de madeira para se divertirem por toda a tarde.
Sempre a mais impetuosa, Theo brandiu sua espada e espetou Damian na barriga que, ao ser ferido, fingiu cair.
- É bem legal – Theo sorriu para Stella e Naomi – Podemos brincar na floresta? Vai ser bem mais legal lá!
- Mamãe sempre deixa e leva – Alice argumentou – Por favor.
- É – Damian emendou o coro – Por favor.
Naomi deu de ombros.
- Acho que não tem problema, desde que não se afastem de nós e não tentem ir muito longe floresta à dentro.
- Não vamos – Theo prometeu – E todos nós prometemos.
Os outros dois entoaram o coro sem saber que o destino de todos seria alterado para sempre. À medida que entravam na floresta e deixavam o vilarejo para trás, não viram quando a confusão se formar, tampouco como os moradores gritaram e se desesperaram; a floresta não apenas serviu de abrigo, como impediu que o pandemônio os atingisse.
Assim que atingiram as primeiras árvores o ar se tornou mais leve, o mormaço do verão diminuiu e se tornou ainda mais agradável estar do lado de fora; caminharam alguns metros floresta a dentro, apenas o suficiente para não conseguir ver a estrada mas perto o bastante para encontrar o caminho de volta caso houvesse a necessidade. Stella achou uma pedra afiada e os ajudou a escrever seus nomes nas lâminas de madeira, apenas para identificar a quem pertencia qual espada e eles mal podiam esperar para lutar.
Theo saltou à frente com a espada em punho e a brandiu em direção à Damian que bloqueou o golpe com dificuldade.
- Renda-se, Gancho! – Theo gritou – Você está cercado!
- Nunca! Eu sou o capitão mais temido de todos os sete mares!
- E nós vamos derrotar você – gritou Alice ao entrar na brincadeira – Última chance de se render!
- Jamais me renderei! Desistam agora, vocês jamais vão conseguir me pegar!
E assim iniciou-se a batalha espadachim mais lendária que aquele vilarejo já tinha visto, com golpes e contragolpes dignos de todos os livros que Daniela lia depois da hora de dormir; Theodora era mais ousada, aproximava-se o suficiente para ser acertada e recuava no último instante para dar abertura para que Alice agisse, e não ficava brava quando não ela conseguia ser tão rápida e Damian a bloqueava, apenas começava tudo de novo.
As raízes das árvores antigas se espalhavam por aquela parte da floresta, altas e saltando da terra como veias que guiavam os nutrientes que as mantinham vivas, e eles saltavam sobre elas ou de uma para outra em uma demonstração de agilidade que daria inveja a muitos adultos. Crianças detinham a incrível habilidade de se reinventar, de cair e levantar-se instantes depois como se nada tivesse acontecido, e de ver magia onde os adultos viam apenas coisas mundanas demais para lhes chamar a atenção. Aquele pedacinho do mundo cheio de árvores, mosquitos, sapos coaxando e pássaros cantando lhes parecia o paraíso tal qual o jardim do Éden deve ter parecido a Adão e Eva.
O som das espadas de madeira preenchiam os ouvidos de Alice, tudo o que podia ouvir eram os sons da batalha e os gritos dos guerreiros como nos livros de Daniela, e quando Damian saltou à sua frente precisou recuar para contra golpear como podia. A cada passo que o menino dava à frente, Alice recuava e tentava ao máximo repelir os próximos golpes até que seus pés ficaram presos em uma raiz exposta e perdeu o equilíbrio, o que a fez cair pesadamente ao chão; menos de um segundo depois e Theodora estava ao seu lado, brandindo a espoada com uma euforia renovada, gritando que o faria pagar por aquilo, lutava como uma leoa selvagem e sua expressão era muito parecida com a de Cassandra.
- Peguei você!
A ponta da espada estava pressionada contra a garganta exposta de Damian, e se estivessem usando qualquer coisa que não fossem espadas de madeira ele estaria sangrando até a morte ali mesmo.
- Eu aceito a derrota – Damian largou a espada no chão – Você venceu.
- Nós vencemos – Theo reforçou: - Alice e eu vencemos.
- Tudo bem, vocês venceram.
Todos os sons da batalha desapareceram e para Alice restaram apenas o canto dos pássaros e o coaxar dos sapos, além das risadinhas das mulheres que os vigiavam de perto.
- É hora de ir – Stella determinou – Não vai demorar muito para o pôr do sol, e temos que deixar Damian em casa.
Imediatamente os três deixaram as espadas de lado e começaram a implorar por mais tempo, apenas mais cinco minutos, mais um jogo que fosse, não queriam nada mais do que aproveitar os últimos resquícios de sol e liberdade bruta dos quais poderiam usufruir.
- Mais um jogo – Stella propôs – Um de vocês procura e os outros dois se escondem.
- Eu procuro – Theo se adiantou – Vou achar os dois bem rápido.
- Eu vou com ela – disse Naomi ao segurar a mão de Theo – E você fica com os dois. Vamos nos afastar um pouco, contar até quarenta e aí começamos a procurar.
Quando Stella estendeu as mãos, Alice prontamente aceitou por saber que não adiantava reclamar, era aquilo ou voltar para casa sem um último jogo, mas Damian se recusou.
- Assim não tem graça.
- Anda logo, menino! – Theo reclamou.
- É isso ou nada – Stella mandou.
O garoto segurou a mão da tia mesmo à contra gosto.
- Vamos – Naomi chamou.
Theo se virou e acenou em um “até logo”, ao que Alice devolveu o gesto com um sorriso no rosto.
Entre risadinhas e sussurros, tentando ser silenciosos quando na verdade estavam alertando a todos os animais pequenos da sua presença, os três avançaram para colocar mais espaço entre eles e Naomi e Theodora, mas nunca se afastaram floresta a dentro porque Stella não queria se arriscar.
Assim que viram um tronco grande caído, Stella os fez se abaixar atrás dele e fez um gesto para ficarem em silêncio, ao que Alice e Damian a obedeceram prontamente.
Os minutos se arrastaram lentamente sem sinal da aproximação de Theodora ou Naomi, nada que indicasse que estavam vindo em sua direção; não haviam se afastado muito, não o suficiente para ser impossível sequer se aproximar de onde estavam.
“Theo?”
...
“Theo? Me responde!”
Não houve resposta, Theo devia estar longe para não ouvi-la, isso acontecia às vezes quando estavam em lugares diferentes do castelo e havia muitas paredes entre elas, ou até mesmo quando Theo não queria responder.
Estava prestes a dizer para Stella que queria ir embora, para encerrar a brincadeira, quando vozes e gritos abafados chegaram até eles, vindas da estrada, e Damian se colocou imediatamente de pé.
- Damian!
- Quero ver o que é!
O menino saiu contornou o tronco e correu em direção à estrada, Stella pareceu incerta por alguns segundos até que decidiu o que fazer.
- Você fica aqui, entendeu? – perguntou e Alice assentiu – Não se levante a não ser que eu volte ou a Naomi apareça. Você me entendeu, Alice?
- Sim, eu entendi.
- Boa menina.
Stella correu em direção à estrada e Alice permaneceu onde estava, encolheu-se contra o tronco de árvore e desejou estar em casa com suas mães e irmãs. Abraçou os joelhos contra o corpo e esperou enquanto os minutos se arrastavam, não conseguiu ouvir nada e foi engolfada por um silêncio que pareceu engolfá-la com a mesma intensidade e imensidão de um lago escuro.
Tentou contar até cem, mas logo se perdeu e desistiu de continuar, precisou conter a vontade de se levantar e ir ver o que estava acontecendo e por que ninguém voltada por ela. Será que a tinham esquecido?
Passos se aproximaram, rápidos e desajeitados, e Alice se alarmou.
- Alice?
Damian caiu ao seu lado, o rosto afogueado e sujo demonstrava medo e, se seu amigo estava com medo, lhe pareceu lógico ter que sentir medo também.
- O que está acontecendo?
- Eu não sei – Damian sussurrou e Alice notou que o amigo estava chorando – Tia Stella me mandou correr de volta, tinham um homem com uma arma.
Deram as mãos e entrelaçaram os dedos pequenos em busca de apoio alívio que só viria quando estivessem seguros nos braços de sua mãe. Alice não queria Deus ou Mãe Miranda, não sabia como chamar por eles em um momento como aquele, não via como uma deidade poderia salvá-la de algo que apenas os braços maternos poderiam servir de escudo; queria suas mães, qualquer uma delas, e queria ir para casa o mais rápido possível.
- Alguém vem buscar a gente... – Alice soluçou baixinho – Eu tô com medo... Tô morrendo de medo...
- Eu também.
A voz de Damian não saiu mais do que um fiapo, como se não tivesse forças.
- Temos que achar a Theo e a Naomi – Alice continuou: - Podemos voltar pra casa.
Damian assentiu rapidamente.
- Vamos pra estrada, aí pedimos ajuda... Talvez tia Stella esteja lá, ou podemos achar meu pai...
Em meio ao desespero que ameaçava tomá-la, Alice se lembrou das palavras da mãe.
- Minha mãe está vindo, ela disse que vinha encontrar a gente. Ela pode salvar a gente e achar a Theo.
Damian assentiu rapidamente.
- Então vamos juntos, né? Não solta a minha mão tá, Alice?
- Tá bom.
Apertaram as mãos com toda a força que tinham, como se ambos precisassem daquele contato.
- Promete que não solta?
- Eu prometo!
Correram juntos e as lágrimas nos olhos de Alice a impediam de enxergar para onde estavam indo, então permitiu que Damian a guiasse adiante sem se importar com mais nada. A floresta antes convidativa agora parecia saída diretamente de uma história de terror, hostil e pronta para devorar crianças abandonadas à própria sorte.
Damian parou abruptamente e Alice trombou com ele quase o derrubando.
- O que foi?
- A tia Stella!
A estrada em si estava vazia, não havia sequer um trabalhador voltando para casa e tudo o que Alice podia ouvir eram gritos indistintos e que pareciam longe demais para realmente importar. Naquele momento a única coisa que lhe importou realmente foi o corpo caído, inerte, no meio da estrada. Stella estava deitada de bruços, com o rosto pressionado contra a terra e devia ser muito difícil respirar daquele jeito.
- Me ajuda a virar ela – Damian pediu.
- Ajudo.
Pela primeira vez soltaram as mãos, saltaram o pequeno declive para cair na estrada poeirenta e se aproximaram da tia Stella. Damian e Alice se ajoelharam ao seu lado, e ambos empreenderam forças para virá-la; a primeira tentativa falhou, Stella era mais pesada do que esperavam e mal conseguiram levantá-la alguns centímetros antes que caísse de volta, onde continuou inerte tal qual uma boneca.
- Vamos de novo.
Dessa vez empurraram com toda a força, não desistiram mesmo quando os músculos jovens e frágeis protestaram pelo esforço, e prenderam o fôlego quando começou a se mover. Agiram ao mesmo tempo quase por instinto, sem que palavras fossem necessárias para combinar o que estavam fazendo.
O corpo de Stella se virou e Alice gritou tão alto que sua garganta doeu como se estivesse em chamas.
Metade do que havia sido o rosto de Stella agora era uma cratera sangrenta, o olho já não existia e não passava de uma órbita vazia cheia de sangue e algo que parecia com gosma cinzenta. O outro olho permanecia aberto, encarando o céu sem realmente enxergá-lo, e os lábios entreaberta estavam sujos se terra e sangue.
Damian permaneceu em silêncio e embora não tivesse como Alice saber, seu amigo estava em estado de choque. A menina sentiu o gosto amargo de bile na boca, o vômito queimou a garganta e saiu sem que pudesse controlar, sujando toda a frente do vestido.
A mão de Alice procurou a de Damian e a encontrou, estava fria ao toque enquanto pendeu mole ao seu lado, apertou-a com força.
O instinto primordial de mover-se para longe do perigo agiu e eles se levantaram.
Ainda de mãos dadas, caminharam lado a lado em direção ao vilarejo.
[...]
Ella estava prestes a sair do castelo quando encontrou Agatha vindo ao seu encontro parecendo um misto de desespero e afogueamento. Havia se atrasado para encontrar as meninas, não mais do meia hora havia se passado desde que gostaria de sair e o sol logo terminaria de descer no horizonte, e queria trazer logo as filhas para casa.
- Ella!
- O que aconteceu?
Agatha desmontou do cavalo com uma agilidade invejável e correu em sua direção.
- Alguma coisa muito errada está acontecendo no vilarejo!
- O que?
- Fui visitar minha irmã... Tem fogo, pelo menos uma casa e um celeiro estão pegando fogo! – Agatha respirou fundo algumas vezes – Naomi e as meninas? Stella?
Negou com um aceno. Ella sentiu o corpo inteiro gelar como se tivesse mergulhado em um balde de água gelada em pleno inverno. Não acreditava que Naomi ou Stella permitiriam que suas filhas permanecessem no vilarejo em um cenário desses, algo estava muito errado.
- Ella! – Agatha a chamou com mais urgência – Precisamos ir lá agora!
Um galope se aproximando chamou sua atenção, Ella ergueu os olhos e jurou que se fosse humana teria desmaiado. Klaus se aproximava rapidamente, estava claro que forçava o animal a correr o mais rápido que conseguisse, e trazia uma criança consigo; ele mal precisou se aproximar para notar que se tratava de Alice com o rosto completamente tomado pelas lágrimas e a frente do vestido toda suja.
- Klaus!
- Ella – ele desmontou com agilidade e carregou Alice enquanto corria para encontrá-la – Eu a trouxe... Não sei... Não sabemos o que aconteceu.
Ella tirou a filha dos braços do amigo e a apertou como se fosse um pequeno bebê, Alice não gritou ou disse uma palavra e permaneceu estranhamente imóvel.
- Como assim? Cadê a Theodora? Onde está a minha filha?!
- Eu não sei... Não sei... – Klaus soluçou e esfregou o rosto, ao que Ella notou que suas mãos estavam sujas de fuligem – A Stella tá morta! Mataram minha irmãzinha... Umas crianças sumiram... Eu não sei... Não sei... Talvez tenham morrido no incêndio, não sabemos.
Ser atacada por lycans tinha doído bem menos, Ella preferia ser destroçada de novo e novo pelas garras impiedosas das feras do que o sentimento de pavor e incerteza que a invadiram.
- Agatha... – chamou com a voz fraca – Agatha eu preciso de ajuda.
- Estou aqui
Ella beijou a testa da filha e a entregou para Agatha, com quem estaria segura.
- Cuida dela pra mim, protege ela como se sua vida dependesse disso...
- Eu vou – Agatha prometeu – Eu cuido da Alice.
- Liga pro Karl, diz pra ele ir pro Vilarejo e pra soltar os lycans. Ninguém entra e ninguém sai, quero que cerquem tudo – fez uma breve pausa e ajeitou os cabelos atrás da orelha em um gesto nervoso – Liga pra Donna e pra Miranda, se Naomi ou... Se uma delas estiver ferida, vamos precisar de ajuda.
Não conseguia sequer pensar na possibilidade de que Theodora não estivesse bem, pronunciar tais palavras estava fora de cogitação.
- Vou precisar de todo mundo agora.
Menos de cinco minutos depois e Ella já havia mobilizado toda a sua família, fez com que Klaus voltasse ao vilarejo e pediu que ele cobrisse uma área da floresta; em partes porque seu amigo era muito bom em rastrear e também porque não queria que ouvisse o que faria a seguir. Alcina e suas filhas seguiram diretamente para o vilarejo, ao longe pode ouvir os rosnados dos lycans se mobilizando e adivinhou que Karl estava se movendo mais rápido do que imaginou ser possível, eles iriam revirar tudo em busca de Naomi e Theodora, Ella não se importava com quem ou que aparecesse em seu caminho; que colocassem cada casa abaixo se fosse necessário para trazer seu bebê para casa, que matassem todos eles se assim fosse preciso.
Enquanto sua esposa e filhas seguiam para o Vilarejo, Ella e Velaska adentraram a floresta em direções opostas para cobrir mais território.
Nunca havia presenciado tal cenário em sua vida. Mesmo ao longe o céu que escurecia rapidamente estava manchado com as cores do fogo que ainda ardia sem que os aldeões conseguissem controlar o incêndio, o cheiro de carne e de madeira queimada, o som cheio desespero dos animais que tentavam fugir de tal destino e o crepitar violento do fogo quase tomavam conta dos seus sentidos.
Tudo nela, cada célula, estava focado em encontrar a filha.
Ella correu pela floresta sem notar para onde ia, mesmo se estivesse cega ainda conseguiria se guiar, o mofo que contaminava a tudo ao seu redor parecia guiá-la de alguma forma, mostrar onde pisar e em qual direção seguir. Estava em seu elemento, aquele lugar lhe pertencia, e nada poderia pará-la a não ser o medo que ameaçava tomar conta.
Aquilo parecia consumi-la, o medo estremo que só uma mãe pode sentir quando levam sua cria embora.
Tentou não pensar em como Theodora mal havia deixado de ser um bebê, de como ainda precisava dela, de como queria seu nenenzinho de volta... Se começasse a pensar nessas coisas logo perderia o controle, e esse era um luxo que não poderia se dar.
Uma figura caída a fez parar abruptamente, era grande pra ser Theodora, mas Ella precisava conferir.
- Deus... Não...
Naomi estava caída, apoiada em uma árvore para onde se arrastara após ser baleada. A frente do seu vestido já estava empapada de sangue, a pele tão pálida quanto uma vela, e tão imóvel quanto um cadáver.
- Não...
Aproximou-se rápida e silenciosamente. Naomi parecia cansada, mas os olhos estavam fechados e Ella notou, com alívio, que ainda estava respirando.
- Vou salvar você, Ratinha – Ella prometeu entre lágrimas – Eu prometo, tá? Vou te levar pra casa agora...
Passou um bravo de Naomi sobre seu pescoço para ter algum apoio e a ergueu com facilidades ela lhe pareceu tão leve naquele momento, tão pequena e indefesa...
Ella correu de volta à estrada, àquela altura estava mais perto do vilarejo do que do castelo, e tentava calcular o que precisaria ser feito. Se Miranda estivesse no castelo elas teriam uma chance, mas se ela tivesse ido encontrar Alcina no vilarejo perderiam um tempo precioso do qual Naomi não poderia dispor...
Assim que atingiu a estrada a visão a arrebatou. Labaredas de fogo ainda ardiam sobre um celeiro, pessoas gritavam e choravam enquanto homens e mulheres tentavam apagar o fogo com baldes de água, suas filhas entravam e saíam das casas completamente focadas em achar a irmã mais nova que sequer notaram Ella bem ali com Naomi em seus braços.
Alcina a notou e se adiantou em sua direção, pela expressão em seu rosto Ella soube que ainda não haviam tido sucesso.
- Ella...
O chamado não partiu da sua esposa e sim de Velaska que se aproximava com um objeto estranho na mão.
- Sinto muito.
Sua amiga estendeu os pedaços de uma espada de madeira, onde as letras riscadas de qualquer forma se confundiam com as manchas de sangue.
Theo.
Os joelhos de Ella falharam e ela caiu no chão sem, no entanto, soltar o corpo inerte de Naomi e o grito que escapou da sua garganta poderia rivalizar com o de um animal mortalmente ferido.
A dor queimou e se espalhou como veneno, tanto que ela mal pode se mexer.
Gritou novamente em direção ao céu em um berro inumano capaz de amaldiçoar qualquer deidade que atrevesse a assistir aquela cena, e sentiu-se desprender da realidade como se não mais pertencesse àquele mundo.
Iria caçar e matar o responsável por aquilo.
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