Sophie nunca havia sentido nada parecido com aquilo. Estava tonta demais para pensar em qualquer coisa. Ela tinha sentido choques de energia estática antes, porém nada na magnitude do que tinha acabado de acontecer. Um raio enorme tinha simplesmente saído de seus dedos.
Ela se lembrava se estar desesperada por ver seu namorado, a única pessoa que lhe restava, sendo quase nocauteado por um ciclope. Então, uma energia percorreu-lhe o corpo com a raiva, desespero, amor, medo e confusão que sentia e um raio saiu de seus dedos da mão direita de encontro ao ciclope.
Por um instante sentiu-se vitoriosa ao ver o ciclope explodir em pó, porém no instante seguinte, uma exaustão imensurável abateu-se sobre ela e a fez cair de joelhos no chão quase perdendo a consciência. Mas não podia. Tinha que se demonstrar forte. Havia dias que John vencia as lutas contra os monstros enquanto ela apenas assistia, sem poder fazer nada. Isso era horrível e deprimente. Sentia que podia fazer mais do que isso. Sem falar que quando John dava ordens a ela, isso quase a tirava do sério. Mas se controlava e permanecia calada, pois se ele quisesse, a teria deixado para trás quando fugiu.
Mas agora ela havia mostrado o que podia fazer e sentia um misto de orgulho e medo. Orgulho por sentir-se forte e medo porque, oras, ela havia acabado de invocar um raio! Quem sabe quais consequências isso poderia causar se não tivesse acertado em cheio o monstro?
Sophie decidiu não pensar nisso; era duro demais pensar que poderia ter acertado John. Sem ele, ela estaria morta, pois assim que percebesse que seu jantar havia sido desintegrado, o ciclope decidiria ir atrás de Sophie.
Sophie tentou abrir seus olhos, porém seu corpo inteiro doía. Podia sentir seu vestido, fumegante. Ela estava ali, parada, imóvel conseguia ouvir ruídos ao fundo, não conseguia distinguir qual era sua origem. Sua mente começou a se desligar, mesmo com Sophie lutando contra isso. Quando estava prestes a apagar, ouviu uma voz, que a fez voltar a realidade:
- Sophie? Sophie! Vamos eu te ajudo a se levantar - era John - Tem muita gente vindo, e você causou um belo estrago. Vamos.
John a princípio tentou carregá-la apenas com uma mão em sua cintura, porém percebeu que ela estava muito fraca. Então John fez uma coisa que, mesmo sem poder ver, Sophie achou a coisa mais romântica do mundo. John pegou-a no colo e a levou até a cabine. Ao chegar lá, colocou-a deitada na cama, retirou seu vestido queimado, pegou uma toalha umidecida com água quente e limpou Sophie enquanto cuidava de seus ferimentos.
Ela queria poder agradeçer, porém a voz não saia de sua boca; estava demasiada cansada para isso. Sophie então pensou que talvez estivesse equivocada durante a viajem inteira; John queria ela ali, ele fora até sua casa naquela noite pois queria que ela o acompanhasse. Sentiu-se envergonhada, porque tudo o que John havia feito até então era para protegê-la. Será que se contasse para John o quanto duvidara do seu amor por ela, ele a perdoaria?
Enquanto pensava nisso, sua mente começou a adormecer. Sophie se entregou ao sono e dormiu.
***
Sophie abriu os olhos, sua cabeça ainda doía e sentou-se na cama. Logo a porta do banheiro se abriu e revelou John.
- Bom dia, Bela Adormecida - disse John lhe dando um beijo.
Ele tinha acabado de sair do banho, mas Sophie percebeu que estava com olheiras por baixo dos olhos verdes, e com uma cara de sono. A água por seus cabelos pretos, descia pelo seu pescoço até chegar em seu tórax definido. John estava enxugando os cabelos, então levantava seus braços fazendo força para fazê-lo e assim, mostrando seus bíceps e tríceps definidos.
Sophie não pôde deixar de suspirar quando viu John daquele jeito, apenas com a toalha enrolada na cintura.
- Por quanto tempo eu dormi? - perguntou.
- Uns três dias - respondeu-lhe.
Sophie sentiu-se abismada, será que John havia passado todo esse tempo acordado velando seu sono? Como poderia ela duvidar de um amor desse?
- Três dias? Mas não eram só dois até o destino? - perguntou Sophie.
- Depois do estrago que você fez, o navio teve que ficar uns dois dias parado - disse John.
Sophie tinha medo da resposta, mas mesmo assim perguntou:
- O que eu fiz exatamente?
- Lembra que estavámos voltando da festa e cruzamos com aqueles dois monstros? - Sophie assentiu - Então, eu matei a magricela com pernas de cobra. O grandalhão ficou irritado e me acertou fazendo com que eu caísse no chão e perdesse a espada.
Ela se lembrava disso, se lembrava de como havia ficado desesperada.
- Bom - continuou John - Quando ele estava prestes a me devorar, minha Super Namorada jogou um Kamehameha nele que o vaporizou.
Sophie não pôde deixar de rir.
- E no lugar onde ele estava - completou John - Abriu-se uma cratera.
Ele de repente mudou o tom de voz, passou de um tom animado para um tom tristonho.
- E então a Super Namorada voou uns dez metros para trás e ficou la parada - Sophie percebeu que ele estava se segurando para não chorar - A princípio eu pensei que ela estivesse morta. Depois quando me aproximei, vi que tentava se mexer, porém não estava nem um pouco bem.
John começou a andar pela cabine.
- Eu trouxe a Super Namorada no colo até o quarto, tirei a roupa estragada dela, a limpei, e fiquei velando seu sono vinte e quatro horas por dia, durante três dias.
Sophie o encarou e pode sentir uma lágrima escorrendo pelo seu rosto, a enxugou e disse:
- Você sabia que eu tenho o namorado mais incrível do mundo?
John franziu o cenho e perguntou:
- Ele é mais alto que eu?
- Besta - Sophie disse e sorriu.
John fez o mesmo e disse;
- Vamos, Super Namorada. Troque de roupa logo e vamos dar um passeio.
***
- O quê? Quer dizer que ele tropeçou quando esse tal de Chuck gritou? - Sophie não parava de rir ao ouvir essa história de Gally, amigo de John.
Já passava do entardecer enquanto John e Sophie conversavam no deck já reconstruído da “misteriosa explosão” que ocorreu três dias atrás. Sophie riu mais ainda quando John a contou que disseram que a explosão foi causada por uma tubulação de gás que entrou em contato com uma faísca.
- Esses humanos normais fazem de tudo para fugir dos problemas e preocupações - comentou John.
- Por que diz isso?
- Porque veja só, o que é mais fácil? Fingir que foi um erro deles ou admitir pro resto da tripulação que algo estranho e sem explicação nenhuma aconteceu ali? Qual das opções é mais vantajosa e causa menos preocupações? - Ele fez uma pausa e respirou fundo - Eles sabem que se tivessem seguido a segunda opção, as pessoas formulariam diversas hipóteses de que haveriam terroristas ou algo pior no navio e fariam um escândalo.
- Tem razão. Mas essas pessoas ao menos sabem o que realmente aconteceu aqui?
- Como assim?
- Ao longo de nossa viajem, comecei a desconfiar disso, porque não importa o tamanho do monstro; as pessoas nunca o perceberão ou o tratarão como uma coisa cotidiana. Deve ter alguma magia ou feitiço que protege esses humanos normais da realidade em qual vivemos.
- Faz sentido - concluiu John enquanto refletia e movia algumas gotas de água em suas mãos. - De qualquer maneira, temos que voltar ao quarto. Já vai anoitecer e algo me diz que amanhã teremos um longo dia.
- Certo.
Sophie tirou os braços de cima da grade de proteção e, para a sua surpresa - que na verdade não deveria mais ser surpresa alguma - John entrelaçou os dedos nos seus, o que não a fez deixar de sorrir.
Voltaram ao quarto em silêncio e assim permaneceram até que os dois já estivessem na cama.
- Ei, John. Ainda ta acordado? - sussurrou Sophie.
- Sim. O que foi?
- Nada, só estava aqui pensando e... Bem, você acha que conseguiremos chegar até aquele acampamento semideus em segurança?
- Posso te responder amanhã ou depois? Acho melhor descansarmos. Depois que sairmos do navio não teremos meio de transporte além de nossos pés.
- Certo. Boa noite.
- Boa noite. Vai dar tudo certo, eu acho.
Sophie sorriu e deitou no peito de John. Podia sentir seu coração e isso fazia ela se sentir mais segura. Então fechou seus olhos e adormeceu.
Naquela noite Sophie teve um sonho. Desde que fugiu com John, tem tido sonhos estranhos algumas noites. Dessa vez ela estava de mãos dadas com John. Os dois subiam uma colina e ao olhar para trás, Sophie viu alguns monstros subindo atrás deles, e ao focalizar o que via a frente, percebeu que era um exército de adolescentes fortemente armados.
Sophie pensou “Ótimo! A salvação!”. Foi quando um grupo deles chegou e os acompanhou até o alto da colina enquanto o resto descia e combatia os monstros. Ao chegarem lá em cima, alguém grita:
- GREGOOOS!!
De repente ela acordou com batidas na porta. Aparentemente John já estava acordado havia algum tempo. Ele olhou para Sophie, levando o dedo indicador até a boca indicando para que ficasse em silêncio. Pegou seu celular, o transformou em espada e foi silenciosamente até a porta com espada em punho pronto para atacar.
Quando abriu a porta, John teve que esconder o mais rápido possível a espada de sessenta centímetros que havia em sua mão. Era o segurança que por razões que Sophie não sabia estava ajudando eles.
- Olá amigos. Bom dia para vocês. Só queria avisá-los que todos tem que estar no Deck para a liberação da saída. Duas horas em ponto, Ok? Sei como são enrolados, só não queria que vocês acabassem voltando. A gente se vê.
E saiu andando. John suspirou aliviado.
- Essa foi por pouco - comentou ele - Bom, vamos aproveitar que estamos os dois acordados, nos arrumar e arrumar essa bagunça.
- Se importa se eu tomar banho primeiro? - perguntou Sophie
- Claro que não, enquanto você toma vou tentar organizar algumas coisas.
Sophie estranhou, John parecia assustado. Talvez tivesse tido um sonho como aquele de Sophie, talvez estivesse só ansioso. Talvez. Essa era uma das palavras que Sophie vivia usando desde que fugiu de casa. Talvez ficassem bem, talvez sobrevivessem, talvez ficariam em segurança. Talvez.
Quando terminou o banho, Sophie percebeu que John havia terminado de limpar quase tudo. Ele a entregou uma roupa limpa, pegou sua toalha e foi tomar banho. Sophie se trocou e foi pentear seus cabelos. Antes de fugir, quando queria pensar em alguma coisa penteava-os, e dessa vez não foi diferente.
Logo que começou a alisá-los, começou a pensar: “E se tudo acabar? E se ele não for o certo? E se a gente morrer?”. E se. Outra coisa que ela podia colocar no dicionário: “Coisas que a Sophie mais fala depois que fugiu de casa”. Não existia “e se”. Ia dar tudo certo. John logo saiu do banho. Os dois terminaram de arrumar as coisas, levaram as toalhas e a roupa de cama para a lavanderia - escondidos é claro - e deixaram a chave na porta.
Seguiram a multidão que rumava em direção ao deck. Todos cheios de malas e os dois apenas com mochilas. O sol brilhava forte no céu e quase os cegava, já que estavam até pouco tempo atrás no quarto e com as janelas fechadas. Ao chegarem lá descobriram que a saída só seria liberada após os nomes serem chamados.
Ops. Os dois não tinham nome na lista. Eis que surge o primeiro problema do dia. Tinham que pensar em alguma coisa e rápido.
De repente John puxou Sophie pela mão e os dois chegaram junto de uma família que tinha acabado de ser chamada. Ninguém estranhou, então eles conseguiram sair.
- Até que foi fácil - comentou Sophie após alguns minutos.
- Realmente. Enfim, está com o mapa aí?
- Não, não. O deixei no navio. Vem pegar comigo?
John gelou por um momento, mas logo depois percebeu o sarcasmo na voz da namorada.
- Não faça isso de novo - disse John exalando o ar que não percebia ter segurado e colocando uma mão sobre o coração.
Sophie riu e pegou o mapa na mochila.
- Certo. De acordo com esse mapa, é para irmos para aquele… - Sophie se interrompeu e gelou ao ver duas mulheres um tanto quanto esquisitas olhando para eles. Quer dizer, isso se você considera criaturas com tronco de mulher, pernas uma de burro e a outra de bronze e com os cabelos em chamas, estranhas. - … lado. Sou só eu ou você também está vendo aquelas, hum, mulheres ali? Quer dizer, aquilo são mulheres?
- Não sei e nem quero saber, mas precisamos sair daqui. Vamos nos infiltrar na multidão. Quem sabe assim “elas” nos percam de vista
Sophie concordou prontamente e logo eles já estavam no meio da confusão de pessoas no porto. Após alguns minutos, John olhou para trás e não as viu.
- Sophie, acho que conse… - não pôde terminar a frase pois eles trombaram com uma pessoa em sua frente. John olhou para a frente e viu que era uma daquelas criaturas.
Os dois tentaram correr, mas a outra já estava atrás.
- Vão pra algum lugar, queridinhos?
Novamente os humanos que passavam a sua volta não pareciam notar nada de errado nas duas mulheres no meio da multidão. Apenas desviavam como se fossem pessoas normais paradas no meio do caminho.
Justamente nessa hora, o porto começou a esvaziar e John decidiu esperar para que todas as pessoas comuns saíssem dali em segurança.
- Ui, dando uma de heróizinho? - disse a mesma criatura.
- Não é assim que os semideuses são chamados na mitologia grega? - disse Sophie, já que conhecia mais de mitologia do que John.
- Sim, claro claro. Tanto faz. - disse o monstro fazendo um gesto de indiferença com a mão - O que importa é que vocês estarão mortos até o fim do dia.
Com essa deixa, as duas criaturas atacaram ao mesmo tempo, deixando os dois semideuses surpresos e despreparados. Sophie se jogou no chão e rolou para o lado, mas John não foi tão rápido assim e foi arranhado no braço. Com o outro, ele pegou seu telefone e liberou a espada.
O sol refletiu em sua espada e cegou uma das criaturas, que ficou desnorteada. Ela saiu correndo em direção a um carrinho de salgados, caindo de cara em uma bacia com óleo fervente. A criatura foi consumida por bolhas de queimadura, distraindo John. Ele então percebeu um movimento diferente a sua esquerda, quando se virou para olhar a segunda criatura estava andando em direção a Sophie que estava caída no chão rastejando para trás em um movimento de desespero.
John percebeu que precisava fazer algo, não podia deixá-la morrer daquele jeito. Enquanto isso a criatura andava em direção a Sophie dizendo:
- Onde está toda a sua coragem Semideusa?
Sophie não sabia o que dizer, de repente ouve John gritar:
- Hey seu monstrengo, já acabei com a sua irmãzinha, vai ser mole mole acabar com você.
John parecia estar fazendo de propósito, para atrair a atenção da criatura para ele. Sophie queria poder sorrir, porém estava demasiada assustada pra isso, mas sorriria pois sabia que ele estava fazendo isso para tirar a atenção do monstro de Sophie para ele.
- Ei, vem aqui pra eu acabar com você também monstrinho de araque.
Agora John tinha pego pesado, a criatura se virou e bravejou:
- Vou te mostrar o monstrinho de araque.
A criatura saiu “correndo” em direção a John, que começou a andar para trás em direção a beira do porto. Sophie logo deduziu que seu plano tivesse algo a ver com o mar, até porque seu pai Poseidon o ajudaria. Quando estava na beira, John virou, ficando de lado para o mar. A criatura, por sorte, também fez o mesmo e os dois ficaram lá se encarando por um tempo.
John, em um movimento rápido correu e empurrou a criatura que caiu no mar, afundou e subiu, mas ficou se debatendo. Ela não sabia nadar. Sophie já estava de pé e ao lado de John, os dois observando a criatura. John entendeu sua mão, e se concentrou, fazendo com que o mar “cuspisse” a criatura que caiu estatelada e tossindo no chão.
Sophie e ele se aproximaram da criatura, que mal conseguia respirar. John pegou sua espada e apontou para o pescoço dela.
- Diga-me porque você e os outros monstros estão atrás da gente - Rosnou John
O monstro riu e disse:
- Será que é porque vocês são semideuses muito poderosos?
- Diga-me! - John estava prestes a cortar a garganta dela.
- É muito maior que vocês dois, é muito maior que o olimpo. Vocês tiveram sorte de ainda estarem vivos, muitos de vocês não tiveram a mesma sorte - Ela riu novamente; um riso com gosto como se ela mesma tivesse se encarregado de matar alguns.
- Porque vocês nos querem mortos?
- Porque foi um irmãozinho seu, um tal de Percy Jackson, que a dezesseis anos atrás instalou a paz. Mais isso está prestes a mudar. Novamente, nós monstros seremos maioria, seremos tantos quanto as areias da praia, e se quando isso acontecer você ainda estiver vivo, farei questão de matá-lo.
- O que ele fez de tão grandioso assim?
- Desculpe, queridinho, mas isso fica pra uma outra vez.
Ela puxou a espada de John e cortou a própria garganta, se desfazendo.
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