Emma's Pov
Notavelmente preocupada e pensando qualquer tipo de besteira, eu obrigo meu traseiro acomodado a se levantar mais rápido do que nunca, e ao me afastar do refeitório deixando para trás meu macarrãozinho sinto um enorme pesar. Se eu for morta agora não verei mais a cor da comida, mas se eu for apenas punida vou ficar sem comer no mínimo por um bom tempo. De qualquer forma, os dois me parecem ruins o suficiente para deixar uma garota de dezesseis anos que vê almas penadas, morrendo de medo. Assim que me junto à senhora Lewis, ela dá aquele sorrisinho cínico do tipo: não se preocupe, porque você vai estar morta logo. E então começamos a caminhar em direção à secretaria sem falar um 'A' sequer. Parece que tudo está acontecendo em câmera lenta, na verdade, é o que dizem... Quando estamos prestes a morrer nossa vida passa em frente aos nossos olhos feito um flash back, mas acontece que eu nem tenho do que me lembrar, afinal, nunca passei por momentos muito excitantes na minha vida até agora. Assim que colocamos os pés na secretaria damos de cara com aquele cara estranho de antes, eu acho que é Manson, não sei o quê Manson. Não deixo o lado da senhora Lewis até que ela se vira para mim e eu percebo que está prestes a falar algo de extrema importância. Eu me pergunto se esse tal Manson não é o cara do abate, porque cai entre nós ele seria perfeito para isso.
"Emma, querida... Já deve ter conhecido o senhor Manson, certo?". A freira me encara como se esperasse por um sinal de vida. Eu devo estar suando feito uma porca agora. "Ah, s-sim, nos conhecemos no lobby". Como se isso aqui fosse um hotel. "Exato, pois bem... Ele adotou você". Simples assim? Tipo: olha Emma, não é nem um pouco estranho, mas esse cara que mais parece um psicopata apareceu aqui hoje de manhã para visitar Collinswood, e viu você limpando o lobby e então sabe lá o que deu na cabeça dele, mas ele resolveu adotar você, que legal, né? Agora reze para não ser assassinada no meio do caminho, está bem?
Simplesmente inacreditável. Parece que a morte teima em me perseguir. E para começo de história não vai ser bem uma adoção legal, porque todo mundo que se mantém bem informado dentro desse inferno sabe que a a senhora Lewis não tem permissão para realizar adoções formais, por isso, que quase ninguém é adotado nessa merda de lugar. Isso significa que eu só estou indo para a casa de um completo estranho e tudo o que acontecer comigo lá dentro não vai ser da conta de ninguém, uma vez que, não vamos receber a visita de uma assistente social ou algo do tipo. Tento me recompor.
"Bom dia Emma". A voz dele é tão cavernosa. "B-bom dia, senhor". Eu me encolho um pouco. "Bem, ao que me parece vocês vão se dar muito bem, boa sorte em sua nova casa Emma, não se preocupe vamos colocar sua foto no memorial de Collinswood, assim você vai estar presente no nosso coração". Eca, eu preferia que ela dispensasse esse discurso inútil que nem ao menos faz sentido. Eu só sinto por Nate, eu vou sentir sua falta. Eu gostaria de poder pedir à senhora Lewis para que cuidasse dele, mas acontece que eu não confio nem um pouquinho nela, e as probabilidades de ela criar um desastre ao invés de algo realmente bom são de 99,9%. E coração de Collinswood? E por acaso alguém tem coração aqui? Mas de qualquer forma eu não vou perder meu tempo discutindo sobre isso com ela. "Vamos buscar sua coisas, querida". A senhora Lewis toma minha mão e começa a me arrastar de volta para dentro. Eu prendo meu olhar no senhor Manson, ele é tão amedrontador. Coro ao sentir seus olhos nos meus e me viro rapidamente. "Sabe Emma, vamos sentir sua falta aqui, você sempre foi uma boa menina". Essa conversa está estranha. Passamos pelo refeitório e eu troco olhares silenciosamente com Nate. Ele sorri para mim e eu aceno brevemente com a cabeça. Pobrezinho, mal sabe do que se trata tudo isso. Sigo com a freira até o meu quarto e ela destrava a porta para mim. Não há muita coisa que eu precise empacotar, afinal, eu não tenho quase nada. A senhora Lewis me entrega uma malinha e eu começo a guardar as poucas roupas que tenho e alguns pertences pessoais como escova de dentes e derivados disso. Será que eu devo levar o meu rádio? Decido deixá-lo por ali mesmo no meu esconderijo secreto, para que o próximo interno que venha a tomar meu lugar nesse quarto possa desfrutar de algo realmente bom. Assim que termino de guardar tudo, troco minha roupa da limpeza por um vestido limpo e a senhora Lewis me entrega um par de sapatilhas. Eu sorrio ao vê-las, é a primeira vez em anos que vou calçar alguma coisa nos meus pés. A freira tranca a porta e nós começamos a refazer o caminho até a secretaria. Quando passo pelo refeitório com a mala nas mãos, Nate se materializa ao meu lado.
"Aonde você está indo, Emma?". Pergunta. Seus olhos estão marejados e eu tenho extrema dó dela, só que ele vai saber de qualquer jeito. "Nate, querido...". Eu largo a mala e pego suas mãos. "Eu estou indo para longe agora, mas eu não quero que se esqueça de mim... Eu sempre vou estar com você". Eu solto uma de suas mãos e levo minha mão minúscula ao seu peito. "No meu coração". Ele sussurra. "Isso mesmo". Sorrio. Ah, se bem que eu tenho algo. Reviro algumas coisas na minha mala até encontrar meu colar de prata que ele sempre disse que era lindo. Eu estendo o colar e o deposito sobre sua mão. "Aqui, é uma lembrança minha para você". Sorrio e sinto as lágrimas escorrendo por minhas bochechas. Ele fecha a mão pressionando o colar com força e sorri também. E começa aquela choradeira. Eu o abraço com intensidade. "Eu sempre vou estar com você, Nate". Sussurro. "Vá logo, sua chorona... E me prometa que você vai se cuidar". Ele limpa as minhas lágrimas. "Eu prometo". Sorrio e então a senhora Lewis me leva para longe. Conforme me afasto vejo o pobre Nate se sentar novamente para comer. Sozinho, ele está sozinho agora. Mas eu também não estou em situação muito diferente. Enxugo minhas lágrimas mais uma vez e equilibro a mala em minhas mãos.
"Muito bem, então eu acho que é adeus, Emma". A senhora Lewis me envolve em um abraço rápido e então me guia para perto do senhor Manson. Ele abre a porta para mim e eu respiro fundo. Bem, mundo aí vou eu. Ele me guia até um carro alto e preto, possivelmente o que chamam de picape. Me desculpe por não saber dessas coisas, mas é que eu nunca saí de Collinwood. Ele abre a porta do passageiro para mim e eu me esgueiro para dentro assumindo o banco de couro. Deposito a mala aos meus pés e mantenho meu olhar fixo para frente. O senhor Manson assume o lugar ao meu lado. Ele gira a chave na ignição e o carro teimoso se recusa a ir para frente. Mais algumas tentativas e então finalmente estamos deixando Collinswood para trás. Eu me pergunto por quê eu? O que ele viu em mim? Justo em mim, uma veterana ali dentro.
"Eu nem me apresentei... Meu nome é Marilyn, Marilyn Manson". Mas... "Marilyn? Isso não é nome de garota?". Espero não estar sendo insensível, mas para mim é a mais pura verdade. "Ahn, não exatamente". Ele ri baixinho dando de ombros logo em seguida. "Hum, já entendi... Então é tipo um codinome, não é bem essa a palavra, talvez, um nome artístico? Eu só estou querendo puxar assunto, e ao mesmo tempo compreendê-lo da melhor forma possível, porque cai entre nós, ele é meio estranho. Ok, BEM estranho. "É exatamente isso, na verdade, eu me admiro que nunca tenha ouvido falar de mim". Convencido? Sim ou talvez? De qualquer forma, ele parece desapontado. "Não deveria, afinal, não se pode esperar muito de quem viveu a vida toda naquele inferno". Suspiro. "Você está lá desde pequena, né?". Acho que essa pergunta é meio óbvia, eu acabei de dizer isso, só de outra maneira. Eu não quero ser rude, mas vocês precisam ver pelo meu lado também, eu não sei muito bem como é ter um parente ou alguém mais próximo, e muito menos como me relacionar socialmente com ele. "Desde os dois anos". Informo. "Bem, pela situação precária do local, eu acho que nunca esteve perto de uma televisão, estou certo?". Eu nem sei bem o que é isso para ser honesta, é claro que eu já ouvi falar, mas nunca cheguei perto de uma televisão antes, dizem que é uma coisa um tanto que fascinante. Eu gostaria de ver uma um dia. "Eu nunca tive uma televisão". Mesmo sendo ele quem fez a pergunta, e mesmo que já esperasse uma resposta negativa, Marilyn me pareceu surpreso. Mas, aliás, o que tem demais nisso? Eu sei, eu sei... Todo mundo mundo já assistiu televisão, mas como sempre eu sou a exceção. Assim como era também em Collinswood, quando uma epidemia atacava o orfanato e todos se preveniam com a vacinação, eu era a única que ficava doente. Essas e outras situações me levam pensar que talvez, eu tenha nascido virada do avesso, e que todo tipo de má sorte me assombra. Marilyn permaneceu quieto durante grande parte do trajeto, o que não me admira, uma vez que, ele não parece ser aquele tipo de pessoa extremamente sociável que está sempre ao seu dispor para conversar, mas eu admito que também não sou assim. Por fim ele estacionou o carro em frente à um lugar enorme, se fosse duvidar era maior do que toda Collinswood. Eu estava fascinada com aquela altura toda. Desci do carro um pouco estabanada lutando para não deixar cair a mala que levava comigo.
"Ah, eu esqueci de mencionar... Você estava cantando a minha música hoje de manhã no lobby". Marilyn comenta enquanto caminhamos em direção à porta. "S-sua música?". Então ele canta? "Por isso julguei que me conhecia". Dá de ombros. Ah, eu conheço sua voz então, não necessariamente sua pessoa. Mas prefiro me manter calada, ele também sabe ser rude quando quer, na verdade com a intensidade que as palavras deixam sua boca, quase sempre soam como um insulto, não que realmente sejam. Ele tira do bolsa um par de chaves. Gira a maçaneta violentamente acertando o pé da porta com a bota gigante. Eu me encolho um pouco, talvez seja por causa do frio. Uma curiosidade sobre Canton, sol aqui é muito raro, vivemos abaixo de uma constante nuvem de gelo.
"Twiggy! Venha abrir a merda da porta!". Marilyn esbraveja. Se eu já tinha medo dele antes, imagine agora. Eu me abraço com força numa tentativa mais do que frustrada de me aquecer. A porta se abre e um rapaz branco feito cera (tal como Marilyn), com longos cabelos negros e pequenas mechas vermelhas, olhos escuros, me encara com curiosidade. "Quem é ela?". Pergunta. "Nossa hóspede, anda logo". Marilyn empurra o rapaz. "Vai ficar parada aí fora? Está frio". O rapaz de mechas também não é muito amistoso. "Ah, c-claro". Ah, deseje-me sorte.
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