- O dia estava clareando aos poucos, a neblina branca criara ao redor do barco uma espessa nuvem que dava a impressão de estarem em um cenário onírico. As águas esverdeadas e frias passavam pelos dedos de Maeve suavemente. Ela havia vestido o casaco novamente, havia esfriado o suficiente para ela ter que se agasalhar. Snape parecia tranquilo. Repassava para si todas as palavras que a morena havia dito a ele, sorrindo imperceptivelmente as vezes.
“...o quanto eu te amava mais do que amaria qualquer pessoa na minha vida...”
“.... Eu não me importaria de morrer por você. Não me importaria de matar por você...”
Parou para observá-la enquanto ela se distraia brincando com a água. Era interessante ver o movimento dos cabelos contra o vento, o sorriso mínimo que se formava nos seus lábios ainda avermelhados, o contraste da cor da água com a cor dos seus olhos que só mudava por poucos tons de diferença. Era difícil não ficar apenas observando-a, era uma distração na qual ele poderia passar horas. Entretanto ainda estava lembrando do que ela provavelmente parecia estar evitando falar.
Maeve percebeu que estava sendo analisada e olhou para ele sorrindo.
- O que foi?
- Estava pensando o que você está me escondendo. – A dúvida era bem real, e ainda o deixava desconfiado.
- Eu vou te contar o que você fará hoje à noite. – Maeve cedeu.
- Do que está falando? – Ele arqueou uma das sobrancelhas ameaçando voltar com a sua habitual carranca.
Ela respirou fundo mantendo-se calma. Sabia qual seria sua possível reação.
- Lembra da condecoração que você recebeu? – Maeve deixou as mãos cruzadas entre o encontro dos dois joelhos.
- Sim. O que tem?
- Bom. Você não recebeu só a condecoração. – Os lábios entortaram de forma engraçada. – Isso quer dizer que você também foi admitido na real Ordem de Merlin. O encontro desse ano da Ordem é aqui em Veneza. Depois de hoje você vai estar participando de um dos maiores escalões por trás do Ministério e das relações internacionais da magia. – Snape franzira a testa como sempre fazia quando era surpreendido sem estar esperando. Assim como Maeve, ele odiava surpresas. - E não adianta fazer essa cara de irritação que eu sei que você também queria participar dela.
- O que está tentando fazer, Maeve? – Retrucou ríspido.
Ela revirou os olhos e sentou-se ao lado dele.
- Vamos ser francos, e não é só por que nós estamos juntos que eu vou dizer isso. Mas... – Ela o encarou séria, se livrando de qualquer tipo de interferência emocional. Ele percebeu aquilo de imediato. - .... Você tem uma mente extraordinária. É uma pessoa genial e de talentos excepcionais, você sabe disso. E eu admiro muito isso. E não vejo nada mais natural do que fazer você alcançar tudo aquilo que eu sei que você jogou na gaveta para poder cumprir o que se dispôs com Dumbledore e pela memória de Lilian. Você pode até olhar para minha cara e falar que eu vou ser a próxima discípula de Dumbledore em relação a ficar querendo mudar a rota da sua vida, eu também sei o quanto você odeia isso, mas eu quero transformar tudo o que está guardado aí em realidade. – Ela cutucou o braço dele com o indicador. – Você sabe o que fazer depois.
- Virou a minha fada madrinha agora? – Zombou irritado.
Maeve o encarou mantendo-se impassível e calma. Não iria retrucar. Sabia que ele faria aquilo. Apenas acenou positivamente com a cabeça e virou o rosto para o outro lado.
“Algumas coisas nunca mudam. ” – Pensou.
Passaram-se alguns minutos, até que Snape realmente percebesse o que estava fazendo. Praguejou-se internamente. Não deveria ficar irritado por algo que ela o tinha ajudado a conseguir, aquela reação era desnecessária. Aquele orgulho ainda continuava perseverando dentro de si, apesar de saber que não levaria a nada fazer aquilo. E justamente com ela. Tão logo percebeu que a culpa começava a martelar por dentro puxou a mão dela que repousava no joelho para cima da sua perna.
- Maeve, eu...
- Sempre tem essa reação como resposta. – Ela virou-se sorrindo torto. – Relaxa, eu sei como é. Eu entendo isso. O pior te espera quando chegarmos ali. – Ela apontou para o prédio de mármore branco que se erguia imponente entre um café cujas vidraças revelavam um ambiente aconchegante e alegre e uma floricultura. Ele não teve tempo de perguntar o porquê. Maeve agradeceu ao barqueiro e puxando o moreno pela mão atravessaram a pequena calçada para dentro do hotel. O recepcionista um tanto quanto atrapalhado parecia esperar pela chegada dos dois, e tão logo atravessaram o saguão ele os recepcionou e entregou sem mais perguntas as chaves do quarto. Parecia um tanto quanto abobalhado ao ver Maeve que por sua vez novamente agradeceu e arrumou a gravata borboleta dele o deixando envergonhado.
Uma pequena faísca de ciúme apareceu no olhar de Snape quando olhou para o rapaz que imediatamente se encolheu deixando o riso escapar dos lábios ficando novamente sério. Entraram no elevador e subiram. Maeve quase riu ao perceber a carranca dele. Não era segredo o quanto amava aquela expressão irritada. Ao chegar ao décimo andar, andaram pelo corredor largo, cujo tapete vermelho levava a um dos quartos mais disputados daquele hotel. Leonard receberia o prêmio bruxo de pai postiço do ano se existisse, e se Dumbledore também não o disputasse. Ambos trabalharam para que aquela viagem desse certo para os dois, e que tudo convergisse para o ponto principal que Maeve tanto havia se contido durante aqueles meses para não fazer.
- E então? – Ela sorriu puxando ele para dentro.
Ele olhou para todo o quarto esboçando um sorrisinho malicioso.
- É impressão minha, ou é isso que eu estou pensando que é?
- Não sei. – Maeve sorriu e fechou a porta trazendo-o para o meio do quarto.
O ambiente estava totalmente decorado pela cor vinho e pela cor preta. Um simbolismo que Snape entendera de imediato. A cama ao lado esquerdo, estava coberto com lençóis de cetim negro e repleta de pétalas de rosas, assim como o carpete vinho, fazendo uma trilha pelo quarto inteiro, indo em direção ao banheiro e as janelas altas e longas de vidro que tomavam toda a parede a sua frente. Os sofás, mesinhas e a escrivaninha haviam sido posicionados de forma confortável a imitar o posicionamento dos móveis em seus aposentos. Uma jogada ainda mais peculiar para que ainda pudessem se sentir como em Hogwarts. A única coisa que quebrava aquela paleta de cores tão escuras era a caixinha amarela que estava em cima de um dos criados mudos.
Ela foi até as janelas afastando ainda mais as pesadas cortinas escuras que impediam a luz de entrar, e logo a paisagem quase que por completa apareceu. Era possível encontrar todas as principais pontes, e lugares turísticos importantes apenas olhando. Um mapa em tempo real de onde eles poderiam planejar ir. O sol já estava clareando tudo, e fazendo as águas brilharem iluminando a Veneza que sempre era tão movimentada durante o dia.
- Daqui vamos poder escolher onde iremos, ou o que faremos durante a semana. É pouco tempo para aproveitarmos, mas, tudo bem. – Ela murmurou enquanto ele caminhava até a janela observando o céu.
- Fez tudo isso para que eu me sentisse ainda em Hogwarts? – Deu um meio sorriso torto.
- Eu sei que você odeia sair da sua zona de conforto. – Brincou. – Então pedi para que tudo fosse feito para ficar parecido com os seus aposentos. Acho que eu concordo com Dumbledore agora.
- Sobre o que? – Virou-se para ela curioso.
- Que eu estou começando a mimar você demais. – Riu. – Eu não sei se você gosta disso aliás, mas já deve ter percebido que eu tenho problema com detalhes. E principalmente quando é para deixar alguém mais calmo. – Virou-se erguendo as mãos no ar imitando o gesto de estar desarmada.
- Você está aprontando alguma coisa. Eu tenho certeza. – Ele fingiu desconfiança.
- Estou. Mas, você tem que me prometer uma coisa.
- O que seria?
- Seja sincero. Tenho algo muito importante para te pedir, e eu quero que você responda sinceramente.
Sua expressão sorridente mudara novamente. Estava séria, e engolia em seco sentindo suas mãos suarem. Sentia-se feliz, mas ao mesmo tempo parecia ter borboletas no seu estômago. Não voando. Mas brigando.
- Não se preocupe. Serei o mais sincero possível.
Snape estava estranhando toda aquela mudança. Tinha certeza de que era algo realmente de muita importância para ela ter que pedir que fosse sincero. Observou-a ir até a caixa e retirar de dentro alguma coisa que não conseguiu ver. Por alguns momentos chegou a pensar de que se tratava de mais um de seus segredos, ou algo que exigisse dele alguma coisa que fosse relacionada.
Ela virou-se deixando conteúdo as costas, escondendo-o enquanto caminhava até ficar a menos de um metro dele. Seus olhares se cruzaram e se firmaram um no outro, ela tentando parecer séria e confiante, enquanto ele tentava demonstrar algo além de compreensão em seus olhos negros. Maeve concentrou-se por alguns minutos no rosto dele, apreciando cada pedacinho, cada linha, cada expressão que ela se lembrava tão bem quando aparecia e que músculos as faziam aparecer. Apreciou o modo como o cabelo dele parecia bagunçado e o quanto ele realmente parecia cansado depois dela tê-lo obrigado a virar a madrugada com ela. Permitiu-se guardar aquela expressão ansiosa, desconfiada, e cheia de uma expectativa curiosa em saber o que ela faria a seguir. Não pode evitar quando seus olhos se marejaram de lágrimas, o que a fez se esforçar herculeamente para que nada caísse em seu rosto. Aquela emoção que sentia ao olhar para ele só confirmava ainda mais o quanto o amava.
Snape por sua vez esperava ansioso para que ela recomeçasse a falar. Havia notado as lágrimas se formarem na linha d’água de seus olhos e preocupou-se momentaneamente. Entretanto assim como ela estava fazendo, deixou-se levar em novamente observar aquele rosto que aos seus olhos a cada dia ficava mais bonito. A curva da maçã do rosto levemente pronunciada, os cílios que sempre faziam uma sombra delicada em seu rosto quando ela dormia, os lábios que agora estavam fechados e pareciam se esforçar para não serem abertos. Os olhos que mais do que nunca pareciam tão límpidos que talvez fosse possível para ele ver qualquer coisa que quisesse. Pela primeira vez ele enxergou o tamanho daquele sentimento que a inundava e o qual ela o lançava sempre que estava ao seu lado. Não era pela metade, não exigia recompensas, não o obrigaria a mudar e ser o que não era. Era tão completo e transcendente que ele entendeu aonde ela queria chegar, mas só se convencera quando ela nesse mesmo momento voltou a falar.
- Eu sei que não sou a pessoa mais perfeita, nem a mais responsável, muito menos a mais qualificada ou digna possível para o que eu vou te pedir. A única coisa que eu te prometo, é que independente de qualquer coisa, eu vou te amar até meu último suspiro.
Suas mãos vieram para frente trazendo a pequena caixinha de veludo preta aberta, onde para espanto dele, duas alianças de compromisso ali brilhavam. Frias e cheias de significado.
- Severo Snape. Você aceita se casar comigo?
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