- Pronto... pode abrir os olhos Chéri.
O garoto de roupas pretas e cabelo bagunçado com orelhas e cauda de gato trazia a garotinha pela mão enquanto essa estava de olhos fechados, ansiosa para conhecer o lar de seu novo amigo. Ao ouvir que já poderia abri-los, ela o fez tendo uma grande surpresa. Ela estava cercada por árvores cujas folhas balançavam em sincronia com o vento. Ela olhou para o céu e viu uma enorme lua de brilho avermelhado.
- Uauuuu...
O garoto sorriu diante do encantamento dela.
- Eu sei... é lindo.
A garotinha começou a correr e observar cada canto... cada arvore... cada pedra, até que olhou para o chão e viu pegadas como as de um cachorro, mas bem maiores.
- Olha Cheshire... pegadas.
A menina começou a segui-las enquanto olhava para o chão, até que encontrou o fim da trilha: um grande leão dormindo enrolado. Ela ficou sem palavras ou ações. Tentou dar três passos para trás, mas acabou pisando em um galho seco no chão. O leão abriu os olhos e levantou a cabeça. Ao ver a garota diante dele, começou a se levantar e fazer um som ameaçador. A menina começou a andar para trás até que esbarrou no garoto de preto, que sorriu para ela, olhando em seguida para o leão.
- Está tudo bem Bartolomeu... ela é uma amiga e minha convidada. Pode voltar a dormir.
O leão olhou novamente para a garota que agora estava escondida atrás das pernas do menino, se virando em seguida e voltando a se deitar. O garoto se virou e deu sua mão para a menininha segurar. Os dois começaram a andar pelo bosque. Ao se afastarem do leão, a garota perguntou:
- Por que tinha um leão ali?
O garoto se virou para ela.
- Quem? O Bartolomeu? Ele mora aqui... como os outros.
- Tem mais leões?
- Sim... leões... panteras... onças... lobos... chacais... furões... corvos... todos tipos de animais notívagos.
- Notirgo? O que é isso?
O garoto riu.
- Notívago... é alguém ou alguma coisa que tem hábitos noturnos ou que caminha durante a noite.
A garotinha olhou para o chão onde estavam pisando e depois para o céu.
- Cheshire...
- Hmm?
- Nós dois estamos caminhando de noite... nós somos noti...
- Notívagos? Bom... eu sou...
A garota começou a ouvir o som de uma música, mas não as músicas usuais que costumava ouvir. Era uma melodia diferente, que a fez soltar da mão do menino e segurar seu gatinho de pelúcia enquanto se aproximava. Quando o garoto afastou umas moitas, ela pode ver alguns animais, e logo se aproximou. Ao chegar perto, ela percebeu a presença de um lobo negro e uma onça. Haviam também duas raposas e três furões ao lado de uma pedra grande e escura. Ao olhar para o topo dela, ela viu um homem sentado tocando uma flauta. Ele era branco e vestia vermelho, e era dele que vinha aquela melodia. O garoto se aproximou deles enquanto se espreguiçava e alongava os braços.
- Oiii... sentiram saudades?
Todos os animais olharam para a garotinha ao invés dele. O lobo foi o primeiro a se levantar.
- Mas... o que... quem é... essa?
- Ah... essa é a Katie.
O homem na pedra parou de tocar sua flauta.
- Desde quando trás comida para casa?
- Ela não é comida... Ela é uma amiga. Quero que todos vocês tratem a Katie bem, ouviram? Sejam bonzinhos com ela, especialmente você Amon... sem usar aquela sua... outra forma.
Um corvo veio voando e pousou na cabeça da garotinha, que ficou estática como uma estatua. A ave colocou seus olhos nela e começou a examinar.
- Ela é humana? Não parece estar viva... Por que a trouxe para cá?
A ave negra perguntava isso para o garoto que observava todas as expressões faciais e corporais da menina.
- Asrriel, essa é a Katie. Katie, esse é o Asriel.
O corvo voou para o chão e fez uma reverencia para a garota com sua asa.
- É um prazer Katie... como pode ver, sou a ave mais legal presente aqui.
A onça pintada se aproximou.
- Você é a única ave presente aqui...
- Essa é Shakira...
O garoto dizia isso enquanto ela se aproximava da garota e se sentava, acenando gentilmente com a cabeça. A garota por sua vez sorriu para ela em resposta com seus dentes branquinhos e um pouco tortos. O lobo se aproximou dela em seguida e cheirou a superfície de sua cabeça. Ela começou rir.
- Esse é o Amarok.
- É um prazer Katie...
Ao dizer isso, Amarok percebeu que a garota passava a mão em uma área próxima ao seu pescoço. Ele tentou, mas não teve tempo de recuar. Ela o abraçou enquanto passava a mão naquela área.
- Seu pelo é macio.
Ele ficou sem reação. Receio que um gesto como aquele possa extirpar o medo da mais selvagem das feras e derreter o coração do mais sanguinário dos homens. Em seguida ao gesto, o homem que estava em cima da pedra saltou e caiu próximo a eles. O garoto olhou para ele.
- Ah... esse é o Amon.
A garotinha se aproximou dele enquanto segurava seu bonequinho de pelúcia. Ela não parecia com medo.
- Por que seu cabelo é grande?
Amon a olhava de cima.
- E por que o seu é?
- Porque eu sou menina, mas você é menino.
- Não sou um menino, nem um homem ou uma mulher...
- O que você é?
Amon se aproximou dela.
- Um demônio...
Ela parecia irritada.
- Minha mãe disse que essa palavra é feia... eu não posso falar ela.
- Humanidade também é uma palavra feia para mim.
O garoto se aproximou da menina.
- Já chega... não queremos estragar a infância dela na primeira noite.
Amon olhava para as orelhas de gato na cabeça do garoto.
- O que? Isso? Foi pra não parecer tão assustador para ela.
Ele passou as duas mãos no cabelo, o levando para trás e as orelhas de gato sumiram.
- Cheshire...
A menina puxava a mão do garoto.
- O que Chéri?
- Eu estou com fome...
- Ahhh... sua alma ainda não se acostumou a deixar de ter fome. Acho que vai levar um tempo até você perder esse hábito.
O garoto chamou os furões e pediu que trouxessem algo para ela comer, e estes trouxeram uma grande tabua de madeira circular com entalhes e, em cima dela, três lebres assadas. A menina não parecia muito contente com o prato, e isso ficou evidente para o garoto.
- O que? Pode não parecer, mas a carde de lebre é bem gostosa e macia. Parece frango, eu juro... experimenta.
A garota olhou para a tabua, tomou coragem e arrancou um pedaço da lebre, o levando até a boca. Em poucos segundos ela já estava mastigando.
- É gostoso.
O garoto sorriu.
- Viu? Eu te disse. Tragam licor sem álcool para ela.
Eles ficaram lá conversando enquanto ela comia e bebia até que o garoto percebeu que ela soltava um bocejo.
- Você está com sono?
Ela acenou com a cabeça enquanto coçava um dos olhos com a mão.
- Vem...
Ele deu a mão pra ela a levou até uma arvore oca com várias folhas espalhadas pelo chão dentro dela.
- Aqui Chéri. Pode se deitar e descansar, e não esqueça seu boneco de pelúcia.
Ele entregou o gatinho a ela, que agradeceu. Ela se deitou na cama de folhas macias e começou a se ajeitar para dormir enquanto o garoto se virava e saia.
- Cheshire!
Ela gritou e o garoto logo se virou para vê-la.
- O que foi?
- Onde você vai?
Ela tinha um rosto de choro ao fazer essa pergunta.
- Eu tenho que resolver umas coisas... mas assim que você acordar, estarei de volta.
- Mas... vai me deixar sozinha?
-Não...
Ele chamou Amarok, que veio correndo, e lhe pediu que fizesse companhia para a garotinha. Mesmo parecendo relutante, ele atendeu o pedido e se deitou junto com ela.
- Pronto... agora você pode dormir e eu vou cuidar das minhas coisas. Quando acordar, eu estarei de volta.
- Cheshire...
- Hmmm... Que foi?
- Fica comigo até eu dormir?
O garoto olhou para o céu e constatou que já estava quase se atrasando. Em seguida olhou para ela que segurava o gatinho de pelúcia sentada na cama de folhas.
- Por favor...
- Ahhhh... não tem como dizer não para um rostinho desses. Okay, mas só até você dormir.
Ele se jogou nas folhas apoiando a cabeça em Amarok. Ela ficou animada e se arrastou até próxima a ele, deitando com a cabeça em sua barriga. Ela estava quase pegando no sono enquanto ele afagava sua cabeça quando ela perguntou:
- Promete que vai voltar?
Ele olhou para ela.
- Tem minha palavra de príncipe.
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