Todos nos surpreendemos. Me aproximei dela.
- Como assim alguém levou a Pamella?
Ela levou as mãos até o rosto.
- Eu demorei muito para ver... é tudo culpa minha...
Sophia se aproximou de Lisa.
- Quem? Quem levou ela?
- Eram humanos, eu acho. Um esquadrão pousou com um helicóptero no hangar. Eram dez no total... nove homens bem armados, mais o piloto. Eles entraram e a levaram. Ela não desistiu sem lutar... três deles morreram. Imagino que tenha feriado outros. Eles usaram uma espécie de gás para nocatea-la.
Amanda se aproximou também.
- E o senhor robozão?
- Ele era uma distração...
Bia olhava os danos da batalha na sala.
- Uma distração bem cara, ao que tudo indica. Estamos lidando com uma organização com fundo suficiente para bancar uma super arma daquelas.
Cruzei os braços.
- Ha... alguém acabou de nos atacar em nossa própria casa e sequestrar nossa amiga... alguém acabou de declarar guerra ao regime e vocês estão sugerindo que são humanos? Não... duvido que meros peões consigam fazer isso. Aquela coisa... está décadas a frente da tecnologia terrestre.
Amanda guardou os machados nas costas.
- Quem quer que seja, vai morrer hoje. Lisa... consegue sondar o futuro e ver quem foi e para onde a levaram?
- Eu...
Lisa começou a andar como se estivesse tonta.
- Lisa?
Em poucos instantes ela ameaçou cair desmaiada. Me aproximei rapidamente e a segurei antes que atingisse o chão.
- Lisa? Acorda!
Reparei que atrás de seu pescoço havia um projétil que parecia ter inoculado algo na base da espinha dela.
- Alguém a drogou...
Amanda pisou forte no chão.
- Filhos da puta... mas se Lisa não pode encontra-la, então como iremos?
Bia se aproximou.
- Posso tentar um feitiço de localização, mas vai demorar um pouco.
Me levantei com Lisa em meus braços.
- Faça. Enquanto isso... Sophia, desça ao subsolo e religue o gerador. E Amanda, leve a Lisa até a ala médica.
Entreguei Lisa aos cuidados de Amanda. Antes de ir, ajeitei o cabelo que cobria seu rosto.
- Cuida bem dela...
- Pode deixar.
Corri até meu quarto para pegar minhas armas. Quando abri a porta, me deparei com uma intensa luz que me cegou na hora. Fui obrigado a fechar os olhos. Quando os abri, já não estava mais em meu quarto. Estava em um lugar estranho... o céu e o horizonte pareciam uma única coisa envolta em nuvens e neblina. O chão em que eu pisava era feito de areia... uma areia da cor de cinzas. Percebi que estava em cima de uma rocha flutuante, e a minha frente haviam muitas outras a deriva no ar como escombros. Eu olhava para as coisas sem entender o que acontecia ali, até olhar para trás e perceber que havia uma criança com a cabeça abaixada, cabelos em um tom de rosa claro, vestindo um pequeno vestido rasgado da mesma cor. Me aproximei com cautela dela. Quando cheguei bem perto e abri a boca para falar com ela, percebi que minha voz não saia... nada saia. Era só silêncio. A garota levantou a cabeça e pude ver sua face: ela não tinha olhos, apenas grandes órbitas oculares negras. Não tinha boca ou nariz, e tombou a cabeça para o lado ao me ver. Ela estendeu sua mão e segurou a minha: era tão fria... Ela parecia querer me levar a algum lugar. Enquanto caminhávamos, uma música com acústica estranha começou a tocar. As notas graves e desconexas me causavam agonia. Olhava para o lado e via aquelas rochas flutuantes, e em cima delas haviam objetos como portas, cadeiras, relógios de parede, como se aquilo já tivesse sido a casa de alguém. A garota parou na beirada do fim da rocha em que estávamos, e eu fiz o mesmo em seguida. Ela apontou com seu pequeno dedo para o horizonte, e uma série de pedras começou a formar um caminho para algum lugar. Ela puxou a barra da minha camisa e apontou novamente para o horizonte, como se quisesse que eu atravessasse pela ponte. Dei o primeiro passo com cautela, olhando para baixo: um infinito vazio envolto em nuvens. Comecei a caminhar pela ponte. Dei cinco passos e olhei para trás: a garota e a grande rocha onde estávamos havia sumido. Continuei a caminhar pelo fino caminho de rochas. A estrada parecia se estender além do horizonte. As nuvens e névoa dificultavam a visão, e quanto mais eu andava, mais densa ela ficava. Em um dado momento, ao meu lado, de ambos os lados, telas apareceram... não em uma forma retangular, mas com várias pontas e cantos. Nelas, era possível ver imagens que pareciam se repetir... imagens minhas. Parei em frente a uma das telas. Conseguia ver uma criatura negra vestindo uma armadura prateada segurando uma espada. Ela se encontrava em cima de uma pilha de pedras e escombros. Pássaros negros voavam a sua volta, e o céu naquele lugar era vermelho como sangue, com constantes raios caindo das nuvens negras. Fiquei olhando para aquela imagem até que algo puxou minha camiseta novamente. Era a garotinha, que agora apontava para outra tela. Nela, uma mulher de longos cabelos negros e franja, de pele branca e adornos egípcios de ouro distribuídos pelo corpo, se sentava em um grande trono de rocha com duas panteras deitadas aos seus pés. Diante dela, dezenas de humanos estavam curvados perante o trono.
- Ave Bastet, Filha de Amon-Rá, inimiga de Apophis e grande rainha do Egito.
A garotinha puxou novamente minha camisa e mostrou outra tela. Nela, eu, em forma humana, me sentava em um trono feito das raízes de uma grande árvore velha. Do meu lado direito sentado, havia um grande lobo negro, e do lado esquerdo, havia uma grande onça pintada. Acima do trono, pousado, havia um corvo que observava tudo. A minha frente, dezenas de animais das mais variadas espécies rugiam e grunhiam em diferentes tons. O corvo abriu as asas e todos fizeram silêncio.
- Curvem-se perante o novo rei e patrono da noite. Que seu reinado seja cheio de prosperidade e grandeza, e se estenda até o fim dos tempos.
Todos os animais se curvaram. Novamente a garota chamou minha atenção e apontou agora para uma porta rosa de madeira que não estava ali antes. Me dirigi até ela. Antes de tocar na maçaneta redonda e dourada, olhei para a garota uma última vez. Ela estava se desfazendo em poeira enquanto o vento a levava para longe. Abri a porta, e novamente uma forte luz me cegou. Quando percebi, já estava em um lugar que parecia uma cozinha. Havia uma mesa de jantar. As paredes eram de madeira. Fiquei sem saber onde estava até sentir um cheiro doce.
- Esse cheiro... é de panqueca...
Olhei mais para o lado e vi um fogão ao lado de uma pia. Nela, havia uma pessoa parada de costas para mim. Parecia uma mulher, de longos cabelos ruivos como fogo com as pontas pintadas de vermelho.
- Pode se sentar meu anjo... o café da manhã está quase pronto.
Olhei para ela. Acabei me sentando na cadeira. Ela parecia mesmo estar preparando café da manhã. Uma forte luz vinha da janela a sua frente em cima da pia. Em um momento ela se virou, e pude ver seu rosto branco e lindo. Fiquei sem expressão.
- Mãe?
Ela sorriu.
- Surpreso? É bom te ver também filhotinho. Como tem passado.
Ela pegou um prato com uma mão e uma jarra cheia de suco com a outra enquanto vários pratos voavam ao seu redor. Ela levou até a mesa e os serviu, me dando um prato com panquecas e outro com ovos mexidos e bacon.
- Pode atacar GhiGhi.
Olhei para ela que removia o avental rosa e se sentava ao meu lado.
- Mãe... é você mesmo?
Ela sorriu e levou a mão até meu queixo.
- Não sabe o quanto estou feliz em rever você filho. Agora, por favor, coma antes que esfrie.
Eu ainda olhava para ela enquanto ela comia um pedaço de bacon. Ela olhou de volta para mim.
- Coma... esta bom.
Peguei um pouco dos ovos e do bacon e comi. O sabor estava...
- Hummmm...
Ela sorriu.
- Bom, não é?
- Divino na verdade.
Continuamos a comer. Olhei para ela ainda com várias dúvidas que só aumentavam conforme eu pensava.
- Onde estamos?
Ela olhou para mim.
- É um lugar onde meu pai não pode me ver. Tenho saudades dos meus filhos, mas não posso vê-los ao meu bél prazer. Uma pena...
- Eu não entendo...
Ela sorriu novamente. Me irritei levantando da cadeira e batendo a mão na mesa gerando um grande estrondo.
- Cinquenta mil anos! Foi o tempo que fiquei sem ter nenhuma notícia sobre você. Agora você simplesmente me trás a esse lugar e age como se só tivessem passados 50 minutos.
Ela olhou para mim e depois para a mesa novamente, pegando em seguida um copo de suco e bebendo.
- Por que agora? Por que só agora?
Ela continuava a beber.
- Me responda!
Ela se virou para mim abruptamente e, com um simples toque de sua mão, me arremessou contra a parede, onde fiquei grudado sem poder me mover. Ela se levantou da cadeira.
- Eu sei que está com raiva... mas ainda sou sua mãe. Não vou tolerar que grite comigo.
- Minha mãe? Mães protegem os filhos... não abandonam como você faz com todos os seus.
- Dobre a língua Ghinion!
- A verdade dói não é?
Ela se aproximou de mim me tocando gentilmente no rosto.
- Não sabe o quanto me machuca não poder criar nenhum dos meus filhos da maneira como gostaria. Mas saiba que... eu me preocupei com cada passo seu... eu sempre te observei... nunca o abandonei de verdade. Eu jamais conseguiria isso... não com meu primogênito... meu pequeno guerreiro.
Fiquei em silêncio...
- Vem cá...
Ela me soltou da parede e me tomou em seus braços. Eu ainda me mantinha em silêncio enquanto apoiava minha cabeça em seus seios.
- Sua dor... é tanto sofrimento e ódio dentro de você... eu sinto tudo isso rasgando sua carne tentando sair... dia após dia.
Fechei os olhos enquanto ela acariciava meus cabelos.
- Você queria saber porque eu vim para cá agora... Por que trouxe você aqui para esse reencontro depois de tanto tempo. Bom...
Ela se sentou no chão comigo ainda apoiado nela.
- Eu preciso te avisar... o que está prestes a acontecer, não pode ser evitado.
Me levantei dela.
- Do que está falando?
- Sua amiga... não tente evitar. É preciso..
- Pamella? O que vai acontecer com ela.
Lilith ficou me olhando. Voltei a minha feição de raiva enquanto me levantava.
- Para o Hádes com suas profecias... eu vou salvá-la.
Lilith também se levantou.
- Não... você vai tentar salvá-la. Mas ela... está além da salvação.
- Não vai ser a primeira vez que desafio o destino e provo que está errado.
Ela sorriu.
- Eu sei... não esperava mesmo que você desistisse. Você nunca se rende a ninguém. É tão cabeça dura quanto seu pai era enquanto guerreiro.
Ela caminhou até a geladeira, abrindo a porta e procurando algo dentro.
- Bom... acho que é justo depois de tanto tempo, eu presentear meu filhotinho com um mimo.
Ela tirou de dentro da geladeira uma caixinha preta com um laço vermelho, estendendo a mão e a entregando a mim.
- Toma... pra você.
Peguei a caixinha e desfiz o laço, removendo a fita em seguida. A abri, e dentro dela havia um anel do que parecia ser um corvo.
- Um anel?
- Não é só um anel... nele você vai encontrar uma das armaduras mais formidáveis que seu pai já criou. Ele deu a mim a muito tempo atrás, e agora eu a dou a você. Ela irá te proteger quando eu não puder.
Coloquei o anel, e dele se projetou uma armadura negra com detalhes em roxo em meu corpo.
- Ela... é meio apertada...
Lilith riu e se aproximou, me beijando na testa.
- Como último presente, eu lhe concedo minha bênção, para que você jamais sucumba a nenhum poder na terra. Meu poder, é seu poder... use-o sempre que precisar. E nunca se esqueça de quem você é. A encarnação do desejo e da liberdade que jamais se curva perante homem ou deus. Agora vá... você tem um mundo inteiro para tentar salvar.
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