Essa noite está tudo bem.
Uma menina corajosa essa noite.
Essa noite está tudo bem.
Uma menina corajosa essa noite
# B R I T N E Y
– Ahh! Não acredito que você vai! – Deu um grito empolgado. – Vai ser numa fraternidade. Vou adorar te levar para conhecer!
Deu mais alguns gritinhos.
– Eu vou – confirmei.
– Vou me arrumar na casa da Ninna, porque já tinha combinado com ela. Mas eu passo às nove para te buscar, está bem?
✺✺✺
Enquanto finalizava a maquiagem, minha mente brigava sobre a minha decisão. Uma parte de mim dizia que era melhor ler algum livro e evitar lugares que pudessem trazer “Mona Lisa” de volta. A outra dizia que tudo ficaria bem, eu só precisava ser corajosa nessa e nas demais noites que viriam. Normalmente, evitava usar muita maquiagem, pois sempre errava e ficava parecendo uma prostituta; mas precisava dar um jeito nas olheiras. Ao finalizar o corretivo, peguei o delineador e passei com calma para evitar acidentes.
Olhei para o relógio algumas vezes e Summer estava atrasada por alguns minutos. Jamie já tinha vindo ao meu quarto algumas vezes para saber se estava tudo bem. Senti-me invadida com sua presença no “meu espaço”, por isso decidi esperar na sala.
Jamie havia se sentado próximo a mim, entretanto mantinha os olhos no jornal e uma de suas mãos segurava uma xícara de café. Notei que ele olhava para mim, mas não dizia nada e desviava os olhos quando nosso olhar se cruzava.
Ótimo!
Estalei os dedos até eles não cederem mais à pressão; finalmente, a campainha tocou e deduzi que fosse a Summer. Apanho minha bolsa, dou uma alisada no vestido e vou até a porta.
– Britney... – Jamie, finalmente, tinha ‘aberto a boca’. – Cuidado.
Revirei os olhos ao ouvir o seu alerta.
– Terei.
– Eu sei – olhou para as mãos. – É que você me deu um susto. Eu... Eu quero que você tenha cuidado. – Notei uma ruga de preocupação ressaltada em sua testa. – Os amigos da Summer bebem um pouco demais, mas você não beba nada! Por favor. Foi tudo muito recente...
Se eu ainda estivesse em Kentwood, estaria trancada em casa e sobre a vigília da minha mãe. A postura do Jamie em não implicar com a minha saída me proporcionava uma sensação de confiança. Muito embora, eu suspeitasse que, no fundo, ele estivesse esperando pelo pior; mas pelo menos eu poderia fingir que tinha alguém que “confiava” em mim.
– Eu prometo – suavizei a voz e ele sorriu, assentindo para mim.
Um sorriso simpático iluminou o rosto dele; ainda era o sorriso que costumava me lembrar.
– Vamos! – Summer havia entrado na sala. – Tchau, pai! Até amanhã.
Noto que ela olha para a minha roupa, mas não comenta nada. Summ agarra meu punho e me puxa até o carro de Chris que estava à minha espera. O som do carro estava tocando uma música bem alta. Mantenho a cabeça baixa ao entrar no banco de trás do Porsche e, quando levanto os olhos, vejo Justin se ajeitando no banco da frente e me encara pelo retrovisor.
– Oi, Irmã – Chris disse de uma forma simpática e eu sorri para ele.
– De repente o clima ficou pesado, não foi? – Justin diz, enquanto mantém os olhos sobre em mim, pelo retrovisor.
Recosto-me no assento e reviro os olhos, ignorando o comentário desnecessário.
– Não liga pro Mozi – Sigo o meu olhar para a dona da voz que está ao lado da Summer. – Eu sou a Ninna, muito prazer!
– Britney – Falo baixinho e sorrio para ela.
– A Ninna namora o Justin – Summer cochichou no meu ouvido.
Era estranho associar “Mozi” a alguém como o Justin. Ignoro meu pensamento e tento absorver a música enquanto nos dirigimos para a festa.
Chris estaciona em um lugar muito pouco movimentado e o nome da fraternidade está pintado em um grande letreiro ressalta aos olhos de qualquer um que circulasse por ali - letreiro que provavelmente fora feito em 10 minutos. Por dentro, o prédio é um casarão antigo com um monte de quarto. A decoração da sala, onde o aglomerado de pessoas suadas está dançando, lembra qualquer clube pequeno do centro de alguma cidade grande. Mas dá pra perceber que foi tudo programado de última hora, ou talvez eu fosse muito perfeccionista.
De onde eu estava dava pra ver mulheres com jeito de vadias caminhado por todo lado, copos vermelhos nas mãos das pessoas suadas; e eu tentava frustradamente me livrar delas.
– As pessoas daqui não mordem – Justin disse e saiu, desaparecendo no meio das pessoas, antes que eu pudesse respondê-lo.
Notei que Ninna havia ficado para trás, assim como eu.
– Olha quantos gatinhos – Summer me cutucou, enquanto Chris conversava com um rapaz.
– Acho que os rapazes não vão te deixar em paz – Ninna acrescentou empolgada.
Soltei um riso sem graça.
Não estava à procura de ninguém.
Chris nos chamou e Summer não hesitou em puxar o meu punho e o de Ninna.
Pessoas que eu nem conhecia me ofereciam copos aleatórios, fiz que não com a cabeça e com as mãos para dizer que não queria, mas a maioria estava mais para lá do que para cá, duvido que tenham entendido. Summer e Chris finalmente param de andar quando chegamos a um grupo reunido em torno de uma mesa de bebidas. Deduzo que é com eles que iremos ficar quando os vejo sentando em um dos bancos livres.
– Essa é a minha irmã, Britney – Summer me apresenta aos outros do grupo.
Noto a presença de Justin assim que o vejo revirando os olhos e eu o ignoro, foco minha atenção no sorriso das pessoas e torço para que eu me lembre de seus rostos até o final da noite.
Um dos rapazes estende a mão para me cumprimentar, está fria por causa do copo gelado que estava segurando, e puxa conversa – provavelmente por notar que estou deslocada. Em meio à conversa que surge com o rapaz (que acho que se chama Joshua, mas estou com vergonha de perguntar mais uma vez) noto que outras pessoas na mesa estão falando de mim. Disfarçadamente, paro de prestar atenção na conversa que estou tendo e faço um esforço para tentar ouvir o que estão conversando.
– Ela tem um jeito estranho – Diz uma loira que está sentada ao lado do Justin. Notei que ele riu e assentiu para ela.
Era estranho que ela estivesse mais próxima dele do que a namorada. Percebi que Ninna encarava um pequeno espelho enquanto passava o dedo mindinho na sobrancelha, pouco se importando com a presença da tal garota.
– Acho que vou pegar algo para mim – digo para o rapaz e me afasto.
– Eu te acompanho – diz.
Virei para negar com a cabeça e enquanto meus olhos varriam o lugar encontrei os olhos de Justin cravados na mão do rapaz que acabara de ser colocada em meu ombro.
– Não precisa! – Asseguro.
Afasto-me do grupo assim que aviso a Summer e caminho em direção ao jardim da fraternidade... Encontro algumas pessoas bêbadas no caminho. No jardim não foi diferente. Sentei-me na calçada e comecei a rir de um bêbado que parecia estar brigando com um gato. O observei por um tempo, até ele cair no chão de vez e não conseguir levantar mais. Uma brisa fria bagunçava o meu cabelo e tentei arrumá-lo incansáveis vezes atrás da orelha, mas desisti. Levantei e fui abrindo caminho pelas pessoas que não paravam de dançar, subi as escadas e tentei abrir algumas portas que eu encontrava, mas a maioria estava fechada. Decidi nem tentar imaginar o que as pessoas estariam fazendo lá. Definitivamente, essa festa parecia as que eu costumava ir com Adam e sua turma.
Encontrei Ninna descendo com um copo em suas mãos e tentei chamar sua atenção.
Ela olhou para mim e sorriu.
– Você se perdeu, Britney?
– Estou procurando o banheiro.
– Ah... Fica na terceira porta à esquerda – Sorriu.
Agradeci e fui às pressas para lá.
Assim que abri a porta, percebo que não estou sozinha e meu coração salta à boca ao conhecer a voz que avisa “está ocupado”. Uma das luzes ilumina rapidamente o ambiente e, por alguns segundos, consigo ver a garota loira em cima da pia com roupa desarrumada e Justin vindo em direção à porta.
– Desculpa, eu não sabia... – me expliquei.
– Ninguém te ensinou a bater nas portas, Garota? – Justin não tinha expressão no rosto. E enquanto eu me desculpava, ele se aproximou e fechou a porta atrás dele – Você não viu nada, entendeu?
– Eu não vou comentar nada – garanti.
Justin colocou as mãos nas têmporas, em seguida caminhei para trás para me afastar de sua aproximação. Assim que senti a parede em minhas costas, ele apoiou as mãos na parede ao lado da minha cabeça, me prendendo ali.
– Você. Não. Viu. Nada – sibilou mais uma vez, parecendo bravo; mas as emoções passavam tão rápido diante de seus olhos que não sabia bem ao certo.
Encarei seus olhos azuis tempestuosos, a tensão que se formava entre nós era palpável. Enquanto eu engolia a súbita raiva que ele despertava em mim, Justin parecia se tranquilizar a cada respiração. Seu olhar havia ganhado um novo sentido quando retirou as mãos da parede.
– Fica tranquilo, “Mozi”.
Ele cerrou os dentes e eu sorri; devolvendo o deboche que recebi mais cedo. Não segurei o riso enquanto me afastava dele.
Passaram-se mais alguns minutos e eu já estava cheia dessa festa. Não bastava a antipatia natural que esse Justin parecia ter por mim, agora tinha descoberto um podre dele. A situação iria ficar insuportável, tinha que garantir que nossos encontros fossem quase que impossíveis.
– Você está bebendo? – Reconheci o rosto de Chris logo que me virei.
– Não!
– Ótimo. Então, você leva o carro hoje! – Riu. – Não tem mais ninguém que possa passar tranquilo por alguma blitz.
– Tudo bem... Eu levo – assenti.
Fiquei andando pela festa, literalmente. Andei de um lado para o outro. Até parar ao lado de um garoto que estava bêbado. Ele gritava e disse algumas vezes que eu era sua melhor amiga, Aisha. Não faço ideia de quem seja Aisha, mas foi engraçado fingir. Em um piscar de olhos uma música eletrônica começou e as luzes estroboscópicas davam vida ao ambiente. Era possível ouvir alguns gritos agudos das pessoas embriagadas ao meu redor; não estar como elas, me dava uma sensação de maturidade que admitia me orgulhar. De repente consegui ouvir alguns cochichos “a Summ já caiu”. Perguntei para o meu novo-melhor-amigo-desconhecido se ele sabia quem era essa Summ.
– Sua amiga, Summer Spears. A propósito, por que você ainda não caiu, Aisha? – Sua língua parecia estar muito grossa já que mal entendia o que dizia.
Afastei-me do rapaz tão logo que meu cérebro captou que a minha irmã estava caída em algum lugar. Encontrei a Summer deitada em cima de um sofá pequeno ao lado da mesa de bebidas, a seu lado estava Ninna, que também parecia estar dormindo. Olhei ao redor e não encontrei nenhuma das pessoas que estavam no grupo no começo da festa. Praguejei para Chris e o traidor do Justin mentalmente algumas vezes, e me aproximei delas. Assim que tentei acordar a Summer, Chris surgiu atrás de mim com uma garrafa de água, fazendo com que Summer tomasse um gole.
– Meu cabelo deve estar horrível... E eu perdi horas no salão – Ninna choramingava.
– Precisamos ir embora – Falei para Chris.
– Temos que esperar o Justin... Ele sempre some!
– Eu acho que o vi mais cedo, posso chama-lo – respondi.
Notei uma traço de surpresa no rosto de Chris, mas logo desapareceu.
– Certo. Só precisamos levá-las para algum outro lugar – Chris acrescentou.
Eu assenti assim que vi várias pessoas sentando no sofá. As pessoas estavam tão mal que seriam capazes de sentar sobre as duas e nem perceberiam.
Chris colocou a Summ nos braços e eu tentava dar apoio para Ninna. Chris cambaleou algumas vezes e eu cerrei os dentes para não gritar, estava com muito medo de que ele caísse e a derrubasse – seria um estrago completo. Logo que percorreu o corredor, Chris abriu uma porta e a empurrou com a perna.
Tinha uma cama de casal. Ele, gentilmente, deitou Summer e me ajudou a deitar Ninna; em seguida, ele também se deitou.
Sentei-me na pontinha da cama para pensar na melhor forma de chamar o Justin. (1) Se eu bater na porta, ele não ouvirá por causa do barulho. (2) Se eu invadir o banheiro, ele me matará. Ri com o pensamento e com a situação em que eu tinha me colocado.
Enquanto queimava neurônios decidindo o que faria, prestei atenção no quarto. Havia um piano e um violão encostado na parede, alguns pôsteres de bandas e alguns livros na prateleira. Aproximei-me do piano e ativei a lanterna do meu celular, apoiando-a de uma forma que eu conseguisse observar o teclado.
Será que eu ainda sabia tocar?
Apertei algumas teclas e tive tentativas falhas até conseguir emitir um som musical genuíno. Surpreendi-me quando os meus dedos reconheceram o teclado. Fechei os olhos e me deixei levar pelo som do instrumento, quase ofuscado pelo barulho da música ruim que vinha abafada pela porta.
Deslizei minhas mãos e senti um sorriso se formar em meu rosto graças à música. Fazia tanto tempo que nem me lembrava do quanto gostava dela. Perdi-me em pensamentos e em sentimentos que não percebi quando outra pessoa entrou no quarto.
– Não te disseram que é feio mexer nas coisas dos outros?
Abri os olhos depressa assustada com o repentino som de sua voz... Encontrei seus olhos azuis me encarando. Não estavam mais bravos, pareciam suaves. Afastei as mãos do piano, antes que ele pudesse comentar mais alguma coisa.
Tentei encontrar alguma uma resposta, mas estava envergonhada; não somente pelo fato de ter mexido no piano dele, mas por saber que ele me viu sem a minha “capa”.
– Tudo bem, Britney. Não vou morrer porque você mexeu no meu piano – inclinou a cabeça e virou o rosto para observar a cama. – Vamos?
Justin estava olhando para a namorada sem nenhuma culpa, mas não faz nem uma hora que o flagrei se atracando com outra no banheiro. Olhei para seu rosto e me perguntei se ele sofria de amnésia anterógrada, pois para mim era psicologicamente impossível existir alguém com tamanho cinismo.
– Por que está olhando assim pra mim? – Sorriu de canto.
Cínico.
– Por nada – rosnei e ele sorriu, provavelmente fazendo a leitura dos meus pensamentos.
Chris acordou assim que o chamamos, mas as meninas estavam em um sono mais profundo. Justin colocou Ninna no colo e Chris fez o mesmo com Summer. Assim que nos aproximamos do carro, fui para o banco de motorista e não me dei conta de que, para meu desprazer, Justin estava vindo para a poltrona dianteira; ao meu lado.
Liguei o carro, mas não sabia quem eu deveria deixar primeiro, tão pouco o caminho que tinha que percorrer até a casa dos bebuns. Justin havia encostado o rosto no banco de couro da poltrona. Estiquei meu tronco um pouco para tentar ver se ele ainda estava dormindo.
– Está dormindo? – Perguntei baixinho.
– Só se eu fosse narcoléptico. Acabei de fechar os olhos – abriu um dos olhos.
Aff...
– Eu não sei o endereço deles – apontei para o banco traseiro.
Justin sentou-se de maneira mais atenciosa e estava falando comigo apenas para indicar o caminho até a casa das pessoas. Quando paramos no terceiro sinal, logo após deixarmos Ninna, olhei pelo retrovisor e vi que o casal ainda estava dormindo.
✺✺✺
– Então você é uma caipira.
– O que é? – Perguntei sem ser simpática.
– Kentwood. Não é de onde você veio?
Revirei os olhos e não lhe dei uma resposta.
– Estressadinha você, hein? Eu é que deveria estar bravo – olhou rapidamente para o banco de trás e baixou o tom da voz para continuar a frase – já que você é uma xereta.
– Olha Justin... Eu não gosto de você e parece ser reciproco. Então não tem porque puxar assunto – abaixei o tom da voz. – Já disse que não vou comentar nada. Não finja simpatia, pois estou ficando nauseada com suas mudanças de humor.
Levantou as mãos em defensiva e riu.
Virei o rosto para encará-lo e mostra-lo uma cara feia, mas me deparei com aqueles lindos olhos azuis que pareciam ter uma fraca luz própria no escuro. De repente me dou conta de que a sensação de familiaridade que senti ao ver Justin pela primeira vez vinha dessa luz. Só tinha visto isso em uma única pessoa.
No resto do caminho, Justin cantarolou baixinho algumas das músicas que tocavam no rádio. Notei que ele tentou “fazer” o solo da canção em uma de suas mãos, como se ela fosse um violão ou uma guitarra. Não que eu esteja prestando atenção nele, mas é meio impossível não notar. Esse gesto só fazia ativar ainda mais as minhas lembranças e traçar conexões entre duas pessoas completamente diferentes. Eu devia estar ficando louca.
– Boa noite, Britney – diz com um risinho pretensioso, assim que ele desce do carro, junto com Chris, e Summer ocupa o seu lugar.
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