Elise.
Eu diria que Michael era criativo.
Ele voltou. Sim, ele voltou, mas... de outra maneira. Como outra pessoa.
Rose não pode suportar e colocou sua vida no lugar de seu filho, dando a luz e partindo. E como tudo deve ser, continuei. Segui em frente. Não me lamentei. Apenas fiz o que devia ser feito e se era isso que minha irmã queria, irei honrá-la. E honrei. Criei do pequeno Michael como meu filho, nosso filho. Meu, do meu pai e de Rose.
Michael nos primeiros meses era observador, quieto às vezes e muito risonho. Algumas vezes eu ficava observando-o e ele realmente não fazia ideia de onde estava ou quem fora uma vez. Mas, algumas vezes, ele me olhava e apertava seus olhos como se quisesse se lembrar ou alguma lembrança vira em sua cabeça. Mas era apenas um bebê.
Adorava leva-lo para lugares que o “antigo” Michael gostava de ver e fazer. Quando Michael completou seu primeiro ano de idade, sua primeira palavra fora “Brown”. De James Brown. Eu o colocava para ouvir o antigo gênero do R&B, os mais clássicos. O que ficara em Michael era seu amor por este estilo de música. Ele batia palmas e ria quando me via imitar o James Brown com uma escova de cabelo. Ele se divertia me vendo fazer o que ele tentava fazer.
Mais anos se foram e eu já me sentia mãe. Sim, mãe. Sentia que Michael havia saído de meu ventre e assim segui. Voltei para a faculdade e me formei em Medicina. Não era fácil. Eu tinha que cuidar de Michael e meu pai.
Aos seus cinco anos de idade, Michael sentia medo dos trovões e toda noite dava uma desculpa para correr até meu quarto e se aninhar ao meu lado. Ele se agarrava nas madeixas soltas do meu cabelo e apertava seus olhos quando um estrondo longe se formava.
- Lis, você tem medo da chuva? – me perguntou o pequeno Michael, me olhando.
Ele nunca me chamara de “mãe” ou esses apelidos para tia. Ele me chamava pelo o nome e isso me confortava. Ele era meu melhor amigo e vice-versa.
Sua pergunta me fez lembrar do dia em que conheci o antigo Michael na loja de discos. Eu havia chamado ele para lhe dar uma carona até sua suposta casa e chovia. Ele recusou devido a chuva.
- Bem... Não. Eu já tive. Mas isso um dia passa. – respondi baixinho, olhando nos seus olhos pequenos e delicados.
- Quando?
- Eu não sei. Quando você crescer e for um mocinho. – soltei um riso baixo.
- Eu não quero crescer. – disse com desgosto, franzindo seu cenho.
- Por que não?
- Eu ouvi na tevê que depois que crescemos, temos que trabalhar e nos casar. Eu não quero casar. – ele falava sério, mas era engraçado a maneira que fazia careta quando dizia em casar.
- Eu cresci e não me casei. E não estou presa ou deprimida por isso. Não?
- Oh. – murmurou. – E por que não quer se casar, Lis? – perguntou Michael. – Ouvi Jake falando em morar em Los Angeles.
Jake, meu ex-namorado de alguns anos atrás por algum motivo entrou novamente em minha vida. Desta vez estávamos juntos há um longo tempo e não posso mentir, Jake havia começado a me propor casamento nos últimos meses. Mesmo sendo mulher e adulta o suficiente, não me sentirei confortável em me casar e ver poucas vezes Michael. Ele poderia morar com nós, mas, Michael nunca se deu bem com Jake. Jake tentava ao máximo conquistar a simpatia de Michael, mas ele sempre virava seu rosto. Mais uma prova de que o antigo Michael ainda vive nesta criança...
Continuei.
- Não me sinto preparada, Michael. Tenho muito tempo para isso. – respondi, docemente.
- É mesmo?! – ele se animou. – Eu disse para minha professora que nós íamos nos casar e ela não acreditou. Ele devia ter ouvido isso!
Gargalhei, esfregando o topo de sua cabeça, bagunçando seu cabelo.
- Casar comigo? De onde tirou isso?! – perguntei rindo.
- Veja bem... – ele começou, como se entendesse de algo. – Você me ama, certo?
- Certo.
- E eu amo você. Não é isso que faz um casamento?
- Michael, você ainda é pequeno demais para se preocupar com isso. Você tem muito tempo pela frente ainda. – abri um sorriso e pousei um beijo em sua testa, fechando meus olhos e encostando minha cabeça de volta no travesseiro.
- Não! Lis! Eu estou falando sério! Eu... vi.
- Viu o quê?
- Nós. Eu e você. Você não tinha mudado. Nada. Nada mesmo! Mas eu estava mais velho...
- Do que está falando, Michael? – perguntei.
- Um homem me disse. Me mostrou. Nós vamos casar.
Ele falava muito sério. Maduro demais para sua idade. Aquilo começou a me assustar. Pensei que ele estava tendo reflexos de sua vida passada e tentei ignorar, levando aquilo como se fosse coisa de criança.
- Certo, Michael. Você está com sono. Vamos dormir. – falei puxando o edredom para ele.
- Argh. – resmungou. – É tão difícil vocês acreditarem em mim...
Mais e mais anos se passaram. Vi Michael crescer na minha frente, como se fosse de um dia para o outro. Com o tempo ele ficava mais bonito e maduro, e eu mais velha e... velha. Seus olhos azuis foram sumindo com o tempo e iam ficando mais castanhos, o que lembrava muito dos olhos do meu pai. Seu rosto ia se formando, tomando linhas com contraste. Seu temperamento mudava, também. Do doce e quieto, foi passando para forte e reservado. Era um verdadeiro soldado, eu diria. Michael crescera e logo se tornara um homem. Se formou em História e no exército, também. Quando já estava na fase jovem-adulta, eu via Michael poucas vezes. Ele sempre estava ocupado onde trabalhava e voltava para casa nos finais de semana. E a cada final de semana ele ficava mais maduro. Uma vez com músculos, outra vez com barba, outra vez com sua noiva, outra vez com seu filho... E assim a vida correu.
Jake e eu nos casamos assim que Michael entrara para o Ensino Fundamental. Michael não gostara no começo e ficou diferente comigo, o que acredito que o levou a se afastar e tomar o rumo de sua própria vida. O antigo Michael que conheci em sua outra vida não estava mais no meu Michael de agora. De qualquer forma, tive apenas uma filha com Jake. Colocamos o nome dela de acordo com o que Michael escolhera: Julie. “Só Julie”, como ele falava. E então vi Michael e Julie crescerem.
Já aposentada, descansava em uma das cadeiras do jardim que dava de frente para minha casa. Vi o carro de Michael se aproximar e buzinar. Acenei quando ele parou o carro e saiu. Sua esposa e sua filha saíra primeiro e ele veio atrás, abrindo um sorriso para mim ao me ver.
- Como você está grande, Elena! – falei para a filha de Michael, já com seus sete anos de idade. Ela me deu um beijo no rosto e corou, correndo para dentro da casa.
- Eu quem diga. – disse Michael caminhando em minha direção.
- Estarei lá dentro, querido. – disse a esposa de Michael. Ela sorriu para mim e Michael confirmou com a cabeça, se abaixando para ficar ao meu lado da cadeira.
- Como está, Lis? – perguntou, segurando uma de minhas mãos.
Sorri de canto, já me sentindo totalmente cansada.
- Bem, querido. Bem... – minha voz já falhava ao falar. Eu não tinha o mesmo entusiasmo quando mais jovem.
Michael inspirou e abaixou sua cabeça, voltando a me olhar.
- Lis. Você se lembra de quando eu tinha cinco anos e te disse que um homem me disse que íamos casar? – perguntou.
Tentei rir ao ouvir seu tom de voz um pouco constrangido.
- Sim, eu me lembro.
- Eu ainda vejo ele. – sussurrou.
- Quem você vê? – perguntei, virando minha cabeça.
- Isso não importa agora, Lis. Eu o vejo, desde criança. Ele sempre me pediu para guardar segredo sobre isso, mas eu não posso ficar tranquilo sabendo do que vai acontecer. – seus olhos inundaram de uma hora para outra.
- Michael, o que houve?
- Ele me disse que há poucos dias para você. E que seria hoje. – ele chorava, apertando minha mão. – Lis, quem é ele? Como ele sabe de você?
- Oh... – suspirei. – Eu não sei, querido. Há várias razões.
- Você sempre soube, não é?
- Sim.
- O que ele é?
- Suponho que é seu anjo da guarda, querido. – minha voz falhou outra vez, quando olhei para Michael.
Ao dizer “anjo da guarda” me veio uma lembrança. Michael nascera no mesmo dia em que eu, quando sua mãe morreu em seu parto. Era meu aniversário e eu nem sequer me lembrava... Oh, meu Deus...
“Sou guardião de todos que nascem neste mês, Elise. E dezoito de Agosto foi a data que escolhi para proteger e curiosamente, foi você.”
A voz do antigo Michael sussurrou em minha mente. Agora tudo era mais claro.
O antigo Michael não era a criança que eu vi nascer aquele dia. Michael apenas simulou que fosse ele e assim confortasse meu coração. É por isso que com o tempo eu não via mais o antigo Michael no filho da minha irmã, é por isso que seus olhos azuis nunca existiu. Eu imaginava isso, eu queria que fosse Michael o bebê que tinha nascido. Michael falava com meu sobrinho, aparecia para meu sobrinho da mesma maneira que aparecia para mim quando eu era mais jovem. É por isso que meu sobrinho dizia que íamos nos casar: É por que não era Michael! Michael dizia isso para ele na época em que eu tinha certeza que meu sobrinho era Michael.
Inspirei forte e senti minha garganta dar um nó, me fazendo apertar a mão de meu sobrinho fortemente e meus olhos automaticamente se fecharam e tudo escurecer.
E do escuro, fora para o branco.
Uma luz surgiu em minha frente e aqueceu meu corpo e meu coração. Me acalmando.
Abri meus olhos e vi mais do que o paraíso. Eu vi a dimensão que Michael tanto falava. Eu vi meu pai e Rose juntos, me esperando e logo atrás dele, eu vi algo superior e reluzente.
- Eu estou aqui agora. – disse Michael, meu guardião. – Agora é para sempre. Como prometi.
Olhei ao meu redor e no mesmo instante, Michael segurou minha mão e me apontou além das árvores verdes que abria espaço para uma montanha.
Caminhamos para a natureza clara, quieta, apenas o som da água nos envolvendo. Me senti em casa. Como se eu já tivesse feito parte daquele lugar um dia. Apertei a mão de Michael e ao me olhar no lago a minha frente, me vi mais jovem, exatamente do jeito de quando nos conhecemos. Olhei para Michael que ainda me observava com adoração. Havia sol, mas não aquecia minha pele.
- Eu morri? – perguntei, sem entender.
- Não, Elise. – ele sorria. – Você só começou a viver.
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