20. Para as surpresas da vida, um olá
O som da campainha ressoou pelas paredes da casa e me arrastei até a porta, ainda um tanto zonza pelo sono que tomava conta do meu corpo e sem conseguir raciocinar direito.
— Bom dia, dorminhoca. — Levantei os olhos para a imagem do meu pai a minha frente; ele estava perfeitamente arrumado, com um sorriso discreto nos lábios, duas sacolas na mão e a expressão tranquila.
Engoli as memórias que lutavam para invadir minha mente e sorri para ele, ciente de que ele não estava ali para discutir ou me encher as paciências como o esperado.
Ele era bem direto quando queria fazer esse tipo de coisa.
— Dia, pai. — Me abraçou e suspirei baixo pelo conforto de seu aperto, nos separando para dar passagem para ele.
— Nem aqui você muda seus hábitos. — Estalou a língua ao encarar minha situação. — Durma cedo, Taeyeon. Coma no horário, Taeyeon. Não fique com os pés descalços, Taeyeon. — Imitou o tom da senhora Kim com a expressão exagerada, se esforçando para acertar o sotaque, coisa que me fez rir baixo.
— Está cedo demais para isso, me dê um tempo. — Deixei meus ombros caírem, indicando que fossemos para a cozinha. — Privilégios por ter te atendido sem atraso? — Questionei com ar de divertimento ao fuçar pelas sacolas que ele trouxe, quase pulando de alegria ao sentir aquela mistura maravilhosa de cheiros.
— Imaginei que fazer um agrado melhoraria seu humor, a última coisa que preciso é lidar com a sua carranca matinal. — Provocou e eu estreitei meus olhos em sua direção, vendo ele segurar a risada. — Vamos lá! Além do mais, você não fala muito de manhã e eu tenho pouco tempo aqui, quero conversar, matar a saudade. Me dê um desconto.
— Posso pensar no seu caso, senhor Kim. — Brinquei, me apressando em começar a comer já que tinha arrumado a mesa com antecedência.
Deixando nossas costumeiras brincadeira e preocupações de lado brevemente, nós compartilhamos a primeira refeição do dia num clima muito bom, bem melhor do que eu imaginei que seria depois de todo o show que ele armou. A conversa fluiu, as risadas iam e vinham e por um segundo eu até consegui esquecer de todas as preocupações que rodeavam minha cabeça.
É óbvio que, apesar do momento incrível que estávamos tendo, o assunto não resolvido pendia ao nosso redor, cutucando aqui e ali, causando certa tensão entre nós. O sutil desconforto me incomodava; eu queria questionar, queria mostrar minha posição contrária às atitudes dele há dois dias atrás e, principalmente, deixar claro que ele não podia ultrapassar limites daquela forma. Ser meu pai não dava o direito de me colocar em situações assim e eu já era grandinha o suficiente pra decidir o que fazer da minha própria vida, contudo, eu sabia que a hora de falar sobre o ocorrido estava próxima.
A cada nova frase dele eu notava o grande esforço em não vacilar e acabar falando algo que nos colocaria em um espaço complicado. Ele tinha noção do quão maleável eu era, entretanto, passar dos limites comigo fazia essa qualidade se reverter e ele sabia melhor que ninguém que eu poderia ser o pior tipo de criança birrenta no mundo se assim eu quisesse.
Assim como eu o respeitava, ele também deveria me respeitar como indivíduo, não é tão difícil de entender.
— Hum. — Limpou a garganta quando comecei a lavar a pouca louça que sujamos. — Sobre o evento… — Começou e eu esperei, querendo ver como ele iria verbalizar seus pensamentos. Dava pra ver que era muito difícil pra ele montar as letras de um pedido de desculpas. — Desculpe se eu fui longe demais. Eu não tinha a intenção de te deixar desconfortável, foi por isso que você saiu sem avisar? — Esperei mais, vendo ele separando mentalmente o que falaria. — Você odeia tanto assim a ideia de… Se envolver com alguém no momento? Aiden é um bom rapaz e... — Fez a menção de seguir em frente com a enxurrada de justificativas para seus atos e eu o cortei me encostando na pia atrás de mim e cruzando os braços, claro sinal de que não tinha nenhuma vontade de ouvi-lo
— Pai, você sabe que “me envolver com alguém” não é o problema. — Subi a sobrancelha em sua direção, sendo o mais séria que eu podia. — Sei que você e a mãe pensam que eu sou muito sozinha e não me desfaço da preocupação de vocês, mas eu não vou ficar com alguém só porque vocês querem, muito menos com alguém daquele tipo. — Sua expressão mudou em uma fração de segundos, querendo mascarar seu descontentamento com minhas palavras.
— Eu sei filha, é por isso mesmo que achei o Aiden tão bacana; ele é diferente. — Respirei fundo e levantei a mão direita, o impedindo de continuar.
— Eu sei que ele é diferente, é justamente por isso que eu sequer tenho vontade de ter uma amizade com ele. Por acaso já chegou aos seus ouvidos as coisas que ele fez algumas das ex’s dele passar? — O encarei diretamente nos olhos. — Por acaso você sabe das conexões que ele tem? Ou com o tipo de gente que ele anda? — Não pôde me responder e eu sorri. — Ele é sim educado, profissional e tem potencial para levar os negócios da família as alturas, mas esses são alguns dos poucos apelativos dele, tirando esses detalhes, ele é só mais um.
— E como você sabe tanto assim? Até onde eu sei, você não gosta “dessa gente”. — Fez aspas com os dedos e eu quase revirei os olhos diante o tom dele.
— Pensa que eu quero distância por que? Porque eu sei o que essas pessoas fazem e o que elas querem que pensem que são, não é preciso muito esforço pra descobrir, sendo sincera. — Passei a mão pelo cabelo, deixando o silêncio recair sobre nós antes de me pronunciar novamente. — Mas o que está realmente me incomodando aqui é que você sequer conversou comigo antes de sair me empurrando caras aleatórios.
Ele abriu a boca e nada saiu.
Ótimo.
— Pai, eu não tenho mais quinze anos. Não vou aceitar qualquer um e eu tenho mais com que me preocupar. Entendo suas preocupações, mas é da minha vida que estamos falando, se tem alguém que deve decidir o que quer, esse alguém sou eu. — Me aproximei, colocando uma mão em seu ombro. — Por favor, não aja dessa forma.
Ele cobriu minha mão com a sua própria e suspirou, concordando cabisbaixo e me dando abertura o suficiente para ver que ele estava de fato arrependido.
— Tudo bem. — Murmurou por fim e se levantou. — Agora que estamos resolvido, podemos ir? Hoje vou conhecer minha nora e não quero deixá-la esperando, fiquei sabendo que certas pessoas fizeram terror psicológico com ela e preciso limpar essa péssima impressão que fizeram de mim. — Desviei meu olhar e me afastei, colocando minha cara mais inocente possível enquanto ele me olhava indignado.
— Que horrível, esse tipo de pessoa não presta. — Dei de ombros e ele caiu na risada, quebrando totalmente qualquer resquício de tensão entre nós.
Terminei de me arrumar e após pegarmos nossos pertences com rapidez, seguimos para o estacionamento do prédio, partindo em poucos minutos.
— Você vai me levar no aeroporto quando eu for embora? — Perguntou, mantendo os olhos nas notícias rolando pela tela de seu celular.
— Vou, devo me despedir decentemente. — Relaxei no banco, escutando meu celular vibrar algumas vezes não muito longe de mim e atrair a atenção do mais velho. — Tem mais compromissos até lá?
— Alguns poucos. — Minha audição vacilou dolorosamente e eu diminuí a velocidade do carro, respirando fundo para me recuperar enquanto assegurava meu pai de que estava bem. — Esse sábado vai ter um encontro com a parte de investidores que não pôde comparecer no evento anterior e tudo mais. — Deixou o convite no ar e outro convite fez um sinal de alerta ressoar na minha cabeça.
Engoli em seco e apertei o volante sob meus dedos, ato que não passou despercebido pelo Kim.
— Eu já tenho planos pra sábado a noite, dessa vez eu não vou poder ir. — Engoli em seco de novo ao sentir minha temperatura corporal subir descer algumas vezes.
— Importante? — Foi breve, mais ocupado em me olhar com preocupação e, ao mesmo tempo, desconfiança.
— Sim. — Afirmei e ele acenou, se privando de fazer mais perguntas.
++
O encontro com Seulgi e Joohyun não poderia ter sido melhor.
Senhor Kim usou de toda a sua simpatia para não assustar a pobre Kang e se esforçou para desfazer qualquer má impressão que ele acreditava firmemente que eu tinha implantado na cabeça da garota, coisa que deixou nosso encontro um tanto cômico e mais divertido. Se aproximar de mim certamente melhorou as coisas para Seulgi que estava muito mais tranquila em conhecer o sogro do que quando foi me conhecer e isso me deixou feliz, especialmente quando percebi o quão feliz Joohyun ficou com essa mudança.
Nós caminhamos bastante pelo centro, passando num estabelecimento ou outro ao longo do caminho antes de fazer as outras atividades que se resumiam em ir ao cinema, almoçar juntos e comprar algumas coisas para o meu pai que nunca conseguia passar por um lugar sem comprar algo de recordação, bem como um presente para a senhora Kim.
Seulgi e meu pai não demoraram a encontrar interesses em comum. Alguns minutos de diálogo depois que as estranhezas iniciais passaram foram o suficiente para criar uma ligação quase instantânea entre eles e eu perdi as contas de quantas vezes eu e minha irmã acabamos de fora do assunto por ambos estarem muito focados em conversar entre eles, chegando ao ponto de causar o bico enorme em insatisfação na Kim mais nova — que eu confesso ter me causado muitas risadas por ela se parecer com uma criança birrenta.
Nosso dia estava indo melhor impossível; todos estávamos felizes por estarmos juntos e mesmo que os acontecimentos passados ainda cutucassem minha consciência ao observar a naturalidade do meu pai com as mais novas, eu estava aproveitando ao máximo aquele passeio.
Não ter minha família reunida constantemente me fazia aproveitar esses momentos muito mais e a aquela altura eu já estava começando a achar que poderia relaxar completamente.
O tempo passa e você nunca aprende, Taeyeon.
A única coisa que eu precisei fazer para estourar acidentalmente a bolha segura em que eu estava foi me afastar para comprar um sorvete. Era isso. Tudo que eu queria era comprar um maldito sorvete e adivinhem com que eu acabei esbarrando?
Pois então...
— Você está me olhando como se eu fosse um fantasma. — A loira riu baixo quando cruzei nossa distância e pegou o sorvete que tinha pedido, se aproximando para apertar meu ombro em cumprimento.
— Acho que eu posso te considerar um, você está literalmente em todo lugar. — Reclamei, porém me desfiz do susto e a puxei para abraçá-la de lado antes de ir fazer meu pedido ao dono da venda. — Eu até te perguntaria se você está passeando, mas te conhecendo como conheço você provavelmente está resolvendo algum assunto.
Hyoyeon concordou e enfiou a mão livre no bolso da calça jeans.
— O trabalho é meu companheiro número um. — Deu de ombros e depois estreitou os olhos em minha direção. — Meus dois trabalhos, no caso.
— Muito engraçado. — Revirei os olhos com a implicância, tentando conter o sorriso pequeno.
— Eu sei, agora então… Vai ser a parte mais engraçada. — Deixou no ar e eu engoli em seco, agradecendo ao senhor de expressão amigável.
— Hyo….
— Não podemos esperar mais, Tae. — Foi direta, ainda que seu tom não fosse hostil. — Temos uma semana se quisermos manter tudo nessa tranquilidade, apesar de eu odiar te colocar nessa situação, você sabe que não temos muita escolha. — Analisei sua expressão com cuidado e percebi que tinha algo por trás de suas palavras.
Um brilho diferente junto da seriedade não muito comum em seu rosto chegou aos meus reflexos como um alarme.
— Tem algo que você não está me contando. — Não me dei o trabalho de perguntar, ela não poderia fugir de mim.
Suspirou pesadamente e desviou o olhar para os carros passando ao nosso lado.
— Eles mudaram de lugar de novo, estão mais próximo e se movendo com mais rapidez que antes. — Encarou a casquinha em sua mão e seus olhos escureceram. — Estou preocupada, duvido que eles se aproximem de Tiffany por agora, mas nada os impede de tentar pegar outros meios.
— Ah, ok, entendi. — Me afoguei em meu sorvete, querendo esquecer do caos que vivia do lado de fora e das dúvidas que rodeavam minha cabeça em relação essa parte da nossa equação.
— Por isso nós precisamos nos apressar, por enquanto estamos dois passos à frente de qualquer perigo, mas isso pode mudar a qualquer instante e precisamos estar prontas. — Avisou em tom baixo para que só eu escutasse. — Confio em você, Tae. Faça o que é preciso. — Piscou para mim e saiu sem mais palavras, seguindo para o carro estacionado do outro lado da rua.
Assisti sua saída e passei uma mão pelo cabelo, não havia mais o que esperar.
++
Congelada no banco macio do carro eu assisti o surgimento do brilho tímido das estrelas no céu. Meu celular vibrou ao meu lado e fui responder as mensagens pendentes, ignorando o lembrete piscando na tela como se acusasse meu quase desespero e todas as minhas decisões contraditória até aqui.
Pontual e nervosa como estava, tinha chegado no endereço quinze minutos antes do horário estipulado pela Hwang perdida. Tinha me distraído encarando o volante há alguns bons minutos enquanto deixava minha mente viajar por todas as possibilidades que me esperavam para aquele momento, mantendo o som baixo da música ao meu redor para tentar diminuir o furacão em meu peito querendo tomar conta de mim a todo custo.
Minha visão embaçava vez ou outra e o gosto estranho estava em minha língua desde que saí de casa. Não saberia dizer até que ponto essas reações eram sobre mim ou puramente um efeito da minha condição, porém não importava, não valia a pena ficar me questionando já que era óbvio que eu não chegaria na resposta tão cedo.
Mesmo assim, era um bom distrativo.
Lembrei da voz rouca de Hyoyeon na ligação que ela fez antes de eu ir para a estrada e me deixei relaxar. Não é nada demais, lembrei para a minha própria consciência, procurando jeitos de encarar todo o cenário com mais de leveza e menos densidade.
Não precisava ser desse jeito, sequer era algo ruim, e relembrando um mantra que a antiga Taeyeon mantinha guardado próximo de seu coração, eu não deveria estragar o que é bom com esse meu hábito de exagerar no pessimismo, de se apegar ao que não tenho controle e ignorar o que me faz bem.
Se ela aceitar meu convite, ótimo! Significa que existem maiores chances de tudo dar certo e, o mais importante, que eu teria uma companhia perfeita nas minhas tão esperadas férias. Caso contrário, estava tudo bem, eu encontraria outro jeito de fazer as engrenagens girarem; o futuro fica para o futuro e o presente me espera, não precisa ser tão complicado.
Tiffany estaria ao meu lado, isso por si só era o suficiente.
O horário marcado tremulou no relógio e expirei minhas agonias para o vento, tendo em mente que eu estava ali como uma amiga, como alguém desejado, e que minha prioridade deveria ser me divertir, bem como deixar as pessoas ao meu redor felizes.
Caminhei a distância que deixei para evitar ser pega em minha crise existencial e subi o pequeno lance de escadas até a porta marrom, não me dando tempo para hesitar em anunciar minha chegada. Mantive minhas mãos escondidas nos bolsos da calça ao ouvir barulhos abafados do lado de dentro e não demorou para que a porta fosse aberta.
— Você está aqui! — O sorriso caloroso iluminava a face com poucas linhas que denunciavam sua idade e foi impossível conter o meu próprio. — Tiffany estava nervosa que você não viesse, mas eu disse que você parecia confiável. E ainda é pontual, que coisa boa! Não sei se ela te contou, mas tenho um sério problema com atrasos exagerados. — Me puxou para o abraço inesperado, sem parar de falar um segundo, e eu ri sem jeito de sua animação.
— Eu não poderia faltar, obrigado por me receber. — Minhas mãos gelaram de repente e eu as enfiei em meus bolsos de imediato ao me afastar.
— Vamos entre, entre! A comida está pronta, consegue sentir o cheiro? — Me puxou delicadamente para dentro da casa pequena e simples.
Troquei o peso de uma perna para a outra e quando fui abrir a boca para responder, senhora Jung fez uma expressão de quem havia realizado algo importante.
— Oh, me desculpe, esqueci da sua condição. — Deu dois tapinhas de consolação em meu ombro e eu acenei, sentindo meu corpo começar a gelar pouco a pouco ao assisti-la se aproximar do pé da escada para o segundo andar. — Venham cumprimentar nossa convidada, sejam educados! — Gritou com o cenho franzido, arrancando grunhidos de quem supus ser Jessica.
— Olá, é bom te ver de novo. — O homem de olhar tranquilo e postura confortável comentou ao me ver, descendo as escadas com pressa para me cumprimentar com um aperto de mãos e um afago no ombro. — Sei que não é grande coisa, mas dá pro gasto. — Indicou para os arredores e eu neguei no mesmo momento, querendo deixar claro que eu não esse tipo de preocupação. — Estamos muito felizes ter aqui, ficamos te devendo depois do que fez por nós aquele dia, então espero que aproveite bastante.
— Estou feliz de estar aqui. — Sorri, genuinamente feliz e mais tranquila pela receptividade dos mais velhos. — Só acho que existe uma vírgula quanto a essa sua última frase. — Murmurei para que somente ele me escutasse e ele me olhou confuso antes de eu indicar para a castanha que descia as escada com cara de quem estava entre o tédio extremo e a raiva mais intensa.
— E aí? — Murmurou com desgosto, me olhando de lado e passando reto.
— Boa noite pra você também, Jessica. — Forcei um sorriso e ela revirou os olhos.
Senhor Jung negou em repreensão e depois se voltou para mim.
— Não se preocupe tanto com ela, ok? Jessica é complicada, entre na onda que no fim das contas você nem vai perceber as caretas dela. — Sussurrou para mim e deixou outro aperto em meu ombro, indo em direção a cozinha logo depois.
— Você jogou algum feitiço neles ou algo assim? — A voz que eu mais esperava se pronunciou e levantei meus olhos para o topo da escada.
Todo o meu vocabulário conhecido se dissipou quando a imagem de Tiffany entrou em meu campo de visão. Ela não estava produzida como se fosse para um evento importante, tampouco usava roupas chiques e maquiagem chamativa, mas existia algo sobre a simplicidade de seu vestido azul e da casualidade do resto de sua aparência naturalmente deslumbrante que me fez sair do chão por alguns segundos.
Ela desceu os degraus com lentidão, sem quebrar nosso contato visual, o sorriso sutil e ambíguo dançando em seus lábios exatamente como fazia com meu coração.
— Se você me olhar assim eu vou realmente achar que existe algo por trás desse seu nervosismo. — Provocou ao se colocar a minha frente e eu, pobre alma fraca por mulheres bonitas, limpei minha garganta numa tentativa de me recompor.
— E-Eu não estou nervosa, quem disse que eu tenho motivos pra isso? — Soltei totalmente sem controle e ela estreitou seus olhos.
— Ok, e minha irmã está super feliz por você estar aqui hoje. — Dispensou minhas palavras com o negar de sua cabeça e se aproximou de mim, tirando uma mão de meu bolso e me puxando para um abraço. — Que bom que chegou no horário, valorizo essas coisas. — Sussurrou perto do meu ouvido e riu baixinho, fazendo todos os pelos do meu corpo manifestarem vida e meu corpo ficar ainda mais gelado. Eu vou morrer congelada se continuar nesse ritmo. — Estou feliz que esteja aqui. — Disse por fim e se afastou levemente, me analisando de pertinho. — Vem.
Ela me guiou até a pequena cozinha da casa e a mesa estava muito bem arrumada, com vários tipos de comida a ocupando e com aura de casa, de lar, que eu sentia falta de vez em quando.
— Sentem-se, seu pai está quase chorando de fome a essa altura. — Reclamou com o mais velho que deixou seus ombros caírem e nos olhou num pedido mudo.
Me sentei ao lado da Hwang ainda sem saber como agir, tentando a todo custo ignorar o peso do olhar de Jessica em mim e me livrar daquela sensação estranha. Senhora Jung foi rápida em me incentivar a me servir e em pouco tempo todos estávamos com nossos pratos feitos.
— Então, Taeyeon, me fale mais sobre você. Fiquei sabendo que nasceu em outro país, como foi mudar para cá tão cedo? — Senhor Jung começou com as perguntas e eu agradeci internamente por não haver cobrança em seu tom, havia real curiosidade, e eu não me importaria de responder suas perguntas.
As primeiras perguntas vieram em meio a falta de jeito de ambos os lados, mas depois de algum tempo as coisas foram ficando mais naturais e não demorou para que algumas piadas e brincadeiras fossem trocadas ao longo da conversa.
A senhora Jung pareceu muito interessada em saber minhas experiências quanto a vir de um lugar tão diferente, ser filha de pessoas tão opostas em todos os sentidos possíveis e como foi minhas adaptação em relação a essas transições incessantes. Senhor Jung, por outro lado, parecia fascinado com com minhas histórias sobre as pessoas no Brasil e até mesmo se dispôs a me contar histórias similares já que ele nasceu na Coréia do Sul, mas morou nas Filipinas boa parte de sua vida.
Aos poucos o assunto foi avançando, antes que eu pudesse perceber eles estavam contando histórias sobre a infância de Jessica e Tiffany e causando caretas mútuas nas citadas que eu juro que queriam se enfiar no primeiro buraco que achassem.
— E aí eu achei que tinha perdido elas e fiquei desesperado! Tudo que eu conseguia pensar era em como ela ia me matar se soubesse que eu tinha perdido nossas filhas. — Apertou a ponte de seu nariz ao rir baixo e a senhora Jung revirou os olhos. — Por sorte essas duas tem um fraco por doces e eu consegui encontrá-las procurando balas na ala de doces, mas preciso dizer… Nunca senti tanto medo.
— Tá vendo, Taeyeon? Por isso eu raramente deixava ele sair sozinho com elas. — Cruzou os braços, a carranca exposta, e o mais velho fingiu que não era com ele. — Sempre que ele saia eu ficava pensando se todos iam voltar ou se eu ia ter que dar uma de super-heroína e evitar qualquer acidente. — Resmungou com extrema indignação e eu e senhor Jung reprimimos a risada.
As irmãs compartilhavam uma conversa paralela ao meu lado e eu relaxei por perceber que estava tudo indo pelo caminho certo.
— Imagino que não tenha sido fácil criar essas duas. — Apontei discretamente e eles concordaram de imediato. — Eu e minha irmã com certeza arrumamos um pouco de dor de cabeça para os nossos pais. Estávamos sempre aprontando com nossas artes pela casa, sem contar que nos achávamos independentes o suficiente para querer andar sozinhas por aí. — Expliquei tendo total atenção dos dois e eles reagiram de forma que evidenciava familiaridade com a situação.
— São muito parecidas?
— Bastante, mas também somos bem diferentes. — Respondi a mulher. — Isso nunca foi um empecilho, entretanto. Sabemos nos resolver e estamos sempre ali uma para a outra, acho que isso é o mais importante. — Comentei com a imagem de Joohyun na minha cabeça e eles concordaram, satisfeitos com minha resposta.
— Elas só faltam se pegar na porrada quando discordam de algo. São muito teimosas, muito teimosas, meus ouvidos doem quando estou por perto durante alguma discussão. — Diminuiu o tom de voz e se curvou sutilmente, querendo se esconder das duas.
— Eu estou ouvindo! — Jessica protestou.
Tiffany se voltou para mim e ficou me olhando por algum tempo, sem falar nada, depois quebrou em um sorriso contente e se apoiou em mim.
— Se deram bem. — Sussurrou e eu acenei, suspirando em alívio. — Cuidado, se não eles vão se apaixonar e você não vai poder fugir. — Avisou.
Cedendo ao desejo que cresceu em mim, bati de leve em seu nariz com o dedo, arrancando uma careta por reflexo — muito fofa, inclusive.
— Eu não me importaria em ficar. — Murmurei de volta e ela negou em descrença.
Nos afastamos quando o olhar de laser de Jessica ficou insuportável e me voltei para os mais velhos a minha frente. Franzi o cenho ao identificar algo diferente em suas expressões e estava prestes a perguntar se tinha alguma coisa errada quando eles se desfizeram delas e tentaram disfarçar, levantando e anunciando que era hora de limpar a bagunça.
Parei ao lado da senhora Jung após terminar de tirar a mesa e ela me olhou de cima a baixo com um ponto de interrogação no meio da testa.
— Vou ajudar. — Disse com simplicidade e, pelo jeito que ela começou a me empurrar, concluí que tinha cometido um erro grave.
— Não, você vai lá se sentar com Tiffany e não vai chegar nem perto dessa louça! — Comandou e eu nem pude protestar, pois ela literalmente me empurrou até a sala como se me intimasse a ficar lá.
— Venha me ajudar. — Indicou para o senhor Jung que se levantou rapidamente e depois para Jessica. — Você também.
— Mas mãe-
— Mas nada! — Disse por fim e seguiu de volta para a cozinha, tendo Jessica a fazer o mesmo a contragosto.
Me aproximei do sofá e sentei ao lado da Hwang, me permitindo admirar a simplicidade do lugar e como ele era acolhedor.
— Tá vendo? Não tinha motivos pra ficar tão nervosa. — Colocou uma mão na minha coxa e acariciou o local. — Eles te amaram.
— Ainda bem. — Respirei fundo e me apoiei no sofá. — Imagina se eles não tivessem ido com a minha cara?
— Não seja dramática. — Apoiou o queixo no meu ombro e o clima entre nós estava tão bom que eu estava até questionando se tudo aquilo era mesmo real.
Ficamos jogando conversa fora durante nossa espera pelos outros e mesmo que eu estivesse presente no momento, escutando Tiffany com muita atenção e respondendo com sinceridade, existia a voz de aviso indo e vindo no fundo da minha mente que me relembrava o tempo inteiro do que eu deveria fazer.
Tendo uma pausa moderada em nosso assunto, e principalmente cansada da briga de vozes em minha cabeça, me virei para a castanha e ousei brincar com os dedos que ainda repousavam confortavelmente no tecido da minha calça.
— Então… — Forcei a primeira palavra. — Daqui alguns dias eu vou entrar de férias e acho que mencionei que vou passar elas no Brasil. — Abaixei meu olhos, focando somente no movimento dos meus dedos. — As meninas não vão poder ir comigo, elas vão pegar férias em outra temporada, e eu estava pensando se…
— Se...? — Incentivou, a sombra de curiosidade no rosto.
— Se você gostaria de ir comigo. — Ela demorou para processar meu convite e assim que o fez foi possível ver a resposta negativa vindo em alta velocidade. — Ok, me escute primeiro. Eu sei que você vai reclamar e dizer que não pode ir por inúmeros motivos, vai dizer que eu estou exagerando, mas eu ia ficar tão feliz se você fosse. — Segurei sua mão nas minhas. — Sem contar que seu aniversário vai cair justo nesse período e bem, acho que seria um ótimo presente. — Arrisquei e Tiffany parecia completamente insatisfeita.
— Taeyeon, você tem noção que está me oferecendo uma viagem de presente?! — Respirou fundo, contando de um a dez. — O que eu já falei sobre essa sua mania de gastar? Isso é um investimento, como você acha que eu vou me sentir com você gastando tanto?
— Eu sei, eu sei, mas pelo menos diga que vai pensar. — Ela se afastou minimamente e eu não me permiti quebrar nosso contato. — Vamos, Fany, prometo seguir suas condições e exigências se você aceitar, qualquer uma, não seria bom me ter como escrava por alguns dias? — Ela riu baixinho e negou com a cabeça, ali eu pude perceber que ela estava começando a ceder. — Eu exagero, não discordo de você, só que eu não faria um convite como esse sem pensar. Ambas precisamos dessa pausa e eu posso providenciar, qual o problema de ir comigo?
— Taeyeon, você não vai querer essa resposta. — E a partir daí ela começou a listar todos os argumentos existentes para negar, em um monólogo que eu parei de escutar na metade.
— Tiffany. — Interrompi e segurei sua mão próximo do meu rosto, encarando-a no fundo de seus olhos. — Por favor. — Sussurrei e o aperto em minha pele se estreitou. Ela estava em conflito.
— O que acha, mãe? Pai? — Se direcionou a mais velha que adentrava a sala e eu me movi sem jeito no sofá. — Taeyeon quer me levar em uma viagem de férias, com tudo por conta dela. — Os Jung olharam pra mim com as mais diversas expressões de choque e Jessica cruzou os braços.
— Eu acho meio absurdo, mas quem tem que achar algo é você, não? — O mais velho disse hesitante e a mais velha pensou um pouco mais.
— Bem, se ela quer te levar e você quer ir… Vocês deveriam discutir para entrar num acordo. — Franziu o cenho, ignorando a Jung mais nova que a cutucava em busca de uma resposta negativa de sua parte. — Taeyeon provavelmente sabe que você precisa de novos ares, quando foi a última vez que você fez algo assim?
— Mãe! — Jessica grunhiu.
— Eu falei sério sobre seguir suas exigências se aceitasse. — Pontuei e ela jogou a cabeça para trás, conflitante entre o que queria e o que achava que era o certo a se fazer.
A quietude regada a expectativa e tensão estranha se estendeu até a mulher sentada do outro lado da sala ajeitar a própria postura e nos encarar.
— Vamos, Fany, aceite. — O tom era petulante. — Lembra dos planos que fizemos alguns meses atrás? Essa é a oportunidade perfeita pra realizarmos. — Engoli em seco com a implicância naquela frase e estremeci ao notar a confiança transbordando de Jessica.
— O que você quer dizer?
Ela se apoiou no sofá, o sorriso divertido nascendo maliciosamente em seu rosto, e pendeu a cabeça para o lado, ativando a contagem regressiva para uma bomba que nem de longe eu estava preparada para suportar.
— Ora, que eu vou com vocês.
Puta que pariu.
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