- Ela é a queridinha dos sábados à noite. Ou melhor, eu diria que é a queridinha de todas as noites. Mesmo quando ela não se apresenta, perguntam por ela.
Sedução. Domínio ou subjugação. Exercidos em razão de algum talento ou qualidade. A definição de fascinação flutuava na mente de Chanyeol enquanto ele tentava administrar a explicação vociferada pelo chefe logo ao seu lado na mesa pequena e os movimentos perfeitamente sincronizados acompanhados da voz potente sendo projetada no ambiente escuro e abafado. A iluminação frenética poderia deixá-lo tonto, mas ele mal a havia notado. Só conseguia perseguir com seu olhar vidrado a suavidade daquele corpo masculino que encenava com uma desenvoltura impressionante uma feminilidade singular.
Carmel. Ah, Carmel...
Com apenas um sorriso de canto todos dentro daquela casa de shows eram transportados de volta para o início do século XX. Apenas uma verdadeira artista era capaz de hipnotizar mais de cem pessoas e mantê-las completamente entretidas. Homens e mulheres lhe lançavam olhares apaixonados. Fosse por sua voz impecável, fosse pela performance de tom burlesco dos anos 20, fosse pela interação íntima com o público... Carmel era como uma feiticeira levemente cruel. Havia ali, sim, certa maldade. O olhar... caramba, aquele olhar...
- Carmel é um das únicas drag queens que cantam ao vivo por aqui. Sua voz é realmente impressionante – Minseok continuava contextualizando o hipnotizado Park Chanyeol, inclinado por cima da mesa, mas as informações entravam por um ouvido e saíam pelo outro. – É como uma máquina do tempo aqui dentro quando ela aparece no palco, não?
Carmel, naquela noite, usava uma peruca ruiva ondulada e volumosa, um poá de penas pretas caído pelos ombros descobertos e um vestido igualmente preto de franjas que lhe deixava as belas coxas escaparem de vez em quando, dependendo do movimento. A banda que a acompanhava continha instrumentos de sopro, piano, percussão... era um verdadeiro show. O pianista em seu piano de cauda era agraciado de vez em quando, Carmel gostava de se inclinar por cima da superfície, empinando-se e provocando o músico que acabava ficando vermelho.
No caminho para a casa de shows, Chanyeol, um recluso assistente de direção de arte, repassou umas vinte vezes as razões por estar seguindo o conselho do chefe e o acompanhar naquele programa que não o atraía em nada. Não gostava da vida noturna. Gostava de dormir de noite, quando podia. Não que designers durmam à noite, mas de qualquer forma ele gostava. Sempre gostou.
Noite era sinônimo de cama! Cobertas quentinhas!
E não... Carmel. Noite definitivamente não era sinônimo de Carmel.
Até ela começar a rebolar em cima do salto e deixar aquele poá de penas escorregar pelos ombros nus, de costas para o público, embaixo de um único holofote, enquanto cantava que pertencia à todos.
- Um tempo atrás uma garota chamada Carmen enlouqueceu um homem até ele se descontrolar por completo – A voz aveludada contou no microfone, enquanto o pianista se encarregava das notas ritmadas dando vida à história. – Eu realmente acredito que sou uma versão moderna da Carmen... por isso me chamo Carmel. Mesmo no hablando español! Aquela garota é igualzinha a mim... Compartilhamos a mesma filosofia...
Carmel aproximou-se das escadas frontais do palco e desceu devagar, causando assovios e palmas da plateia. Ela estava prestes a interagir. Chanyeol sentiu as mãos suarem frio e a garganta secar. Agora estava mais perto e ele pode ver que ela era ainda mais bonita do que achou em cima do palco. A maquiagem fazia parte de sua arte, mas seus traços naturais eram como escultura.
Encontrou uma vítima e se inclinou por cima da mesa, aproximando o rosto do homem e empinando todo o corpo mais uma vez.
- Não sou do tipo que está pronta para namorar, sabe? Sou de todo mundo... pertenço à todos vocês... portanto vai sonhando, garotão... – Todos riram e assoviaram, acompanhando Carmel levantar novamente e...
Aproximar-se da mesa de Chanyeol e Minseok. O chefe o cutucou empolgado, rindo muito, enquanto Chanyeol não conseguia nem piscar. Carmel o encarava agora, se movimentando no ritmo do instrumental de fundo tocado pela banda. Ela era maravilhosa.
- Existe um ponto no meu comportamento, que é... Garotas espertas sempre compartilham seus atributos... – Sua voz era manhosa, falava no microfone preso no rosto com os olhos fixos em Chanyeol, agora na frente da mesa dos dois. Deu a volta e encostou no ombro do mais alto com a mão delicada, lhe apertando a camisa gentilmente. – Então se seu coração sucumbir, dê um jeito de não o deixar... – Carmel, em um movimento rápido e ensaiado, deu a volta por trás de Chanyeol e sentou em seu colo. Todos na plateia gritaram e assoviaram.
Carmel estava em seu colo! Um braço em volta de seu pescoço enquanto a mão livre acariciava seu queixo. E Chanyeol não conseguia nem se mexer.
- Ou melhor, não hesite em me dividir com seus vizinhos... – Carmel segurou uma das mãos sem vida de Chanyeol e colocou em sua própria cintura. – A não ser que você seja um garoto um tanto egoísta... você é?
Seu rosto estava tão perto... ela tinha uma pinta bem chamativa no canto do lábio superior, dava pra ver que era maquiagem, mas de qualquer forma era irresistível. O olhar de Chanyeol se perdeu ali por um instante.
- Garoto? Está conosco? – Carmel perguntou, fazendo todos rirem. Chanyeol engoliu em seco e concordou com a cabeça. – Você é um garoto egoísta? Ou vai ser bonzinho e me dividir com seus vizinhos?
- Egoísta – Chanyeol nem percebeu quando vomitou a resposta, que ecoou no microfone de Carmel por ela estar com o rosto próximo dele. Seus lábios vermelhos se separaram e todos assoviaram, impressionados com a resposta.
- Ora, ora... então acho que não vamos poder fechar negócio... Sinto muito, bonitinho... – Carmel inclinou o rosto e lhe deu um beijo no canto dos lábios, deixando a marca de batom ali. Levantou de seu colo e seguiu de volta para o palco, continuando a cantar a música tocada pela banda.
Minseok o encarava com uma expressão irônica. Chanyeol ainda tinha seus olhos impressionados na drag queen, que já performava de volta no palco. O assistente não consegui prestar atenção no resto do show, foram mais duas músicas de mesma temática vaudeville, totalmente perdidas pelo choque.
- Eu preciso falar com ele – Chanyeol conseguiu murmurar depois que Carmel deixou o palco, a banda se retirou e uma música pop tomou conta do ambiente, fazendo muitos tomarem conta da pista de dança.
- O quê? Ele quem? – Minseok perguntou, franzindo o cenho confuso.
- Carmel. O homem por trás da artista. Quero conhecê-lo. – Chanyeol ainda tinha o olhar um tanto vago. Minseok riu de sua cara, chegando até a bater palmas.
- Ela é encantadora, não é? Quem diria que Park Chanyeol, o maior nerd da empresa, iria ficar caidinho por Carmel? Bem, sinto lhe dizer mas ninguém sabe quem ele é. Pode tentar descobrir quando Carmel abre um tempo para interagir com os fãs e falar com ela, mas ele... não, ele não. Ninguém nunca a viu desmontada. E não adianta esperar na saída, ele sai de máscara e capuz. Acho que esse mistério faz parte do show, sabe? De certa forma é legal. Acho divertido tentar imaginar como ele deve ser... sua aparência, sabe? Acho que é bem bonito. Tem certas drags que a gente percebe que são bonitas desmontadas. Carmel é uma delas...
A voz de Minseok se perdeu mais uma vez em meio à música. Não era possível que ninguém nunca havia visto o homem por trás de Carmel. Impossível! Como ele foi contratado? O dono da boate deve ter visto... suas colegas de trabalho, as outras drag queens...
- Acho que vou embora, Min – Chanyeol murmurou, depois de alguns goles na garrafa quase vazia em cima da mesa. – Preciso lembrar de colocar gasolina amanhã de manhã, não vou ter tempo de por antes de chegar no estúdio segunda-feira. Se eu continuar bebendo vou esquecer.
- Oh, tudo bem... vou acompanhá-lo. Podemos dividir o Uber de volta, já que moramos perto um do outro.
Chanyeol concordou com a cabeça e os dois levantaram da mesa, passando no caixa para pagar o consumo antes de deixarem o estabelecimento lotado e aguardarem na calçada o carro chegar para buscá-los.
Os lábios vermelhos de Carmel com sua pinta chamativa de canto atormentaram Park Chanyeol até ele pegar no sono naquela noite.
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Baekhyun tirou o cigarro dos lábios e o jogou no chão da calçada, pisando com a ponta da bota logo em seguida. Apertou a jaqueta de couro no corpo ao perceber o queixo tremendo de frio.
- Frio da porra – resmungou, passando o dedo médio no canto do olho e percebendo vestígios de rímel da noite anterior. E olha que ele fazia o processo de limpeza facial duas vezes depois dos shows. Cacete!
Que se fodesse, o gerente da loja de conveniência o achava um vagabundo excêntrico, de qualquer forma. Resto de rímel não era nada comparado aos mullets que cultivava em pleno século XXI. Riu consigo mesmo antes de atravessar o posto e empurrar a porta de vidro da lojinha.
- Está atrasado, Byun – Sooki, a insuportável colega de trabalho, vociferou de trás do balcão.
- E você está no meu lugar. Sai daí, vai limpar o estoque e me deixa em paz, garota chata – Baekhyun respondeu, fazendo os lábios de Sooki se separarem em choque pela grosseria. Ele passou reto direto para o vestiário minúsculo, onde guardava no armário a jaqueta e a trocava pela camisa do uniforme com a plaquinha escrito “BAEKHYUN”.
Ter dois empregos não era nada fácil. Ainda mais quando um deles lhe ocupava o tempo livre, porque precisava ensaiar. Dizem que nascemos com nossos dons, mas se não ensaiamos o dom não serve para nada.
Sua veia artística começou a se manifestar desde cedo, mas ele sempre fora muito pobre para sonhar em cantar e atuar. Quer dizer, ele precisava ajudar a mãe a sustentar a casa, já que o marginal do pai os abandonou antes de seu nascimento. Sempre trabalhou, mas seus empregos de merda não eram lá grande coisa...
Então, aos 18 anos, depois de colocar um vestido da irmã mais velha e imitar Madonna na frente do espelho, percebeu que talvez tivesse algo de útil ali. Gostar de se vestir de mulher e usar maquiagem exagerada escondido da família poderia acabar se tornando uma forma de renda se soubesse onde ir.
Foi assim que nasceu Carmel. Baekhyun sempre gostou de filmes antigos, sabia que sua persona feminina seria clássica e provocante. Nada de Lady Gaga e Christina Aguilera, não... essas ele deixava para sua colega Yummy, também conhecida como Kim Junmyeon para os íntimos. Acabou fazendo um melhor amigo nos bastidores e achava engraçado o fato de ele ter um corpo masculino consideravelmente musculoso e conseguir personificar Lady Gaga de forma magnífica.
Byun Baekhyun era das penas, pérolas e cachos marcados nas perucas. E dava uma trabalheira da porra arrumar aquelas perucas, mas graças ao bom Deus ele tinha seu amigo para ajudá-lo.
Cachos e pérolas de noite e mullets e jaqueta de couro de dia, atrás do balcão da loja de conveniência daquele posto de gasolina caído.
Suspirou de olhos fechados, já em sua posição no caixa. O sino da porta tocou mas ele não se deu o trabalho de encarar quem havia entrado naquela hora da manhã. Algum bêbado provavelmente.
- É só isso – A voz grave murmurou, veio de cima. Baekhyun abriu os olhos e encarou o cara alto. Ele tinha os cabelos castanhos ondulados e usava óculos de grau redondos. Fofo, até.
- 2 mil wons – Baekhyun resmungou, digitando o código da garrafa de água na tela do computador.
- Não nos conhecemos? – O cara perguntou, fazendo Baekhyun paralisar e o encarar com os olhos mais atentos. Ele analisava seu rosto e seus olhos iam toda hora até seus lábios. Baekhyun mordeu o lábio inferior e pigarreou.
- Não – respondeu, tirando uma sacola de plástico de baixo do caixa e colocando a garrafa de água dentro. – 2 mil wons.
- Acho que já o vi antes. Mas nunca vim nesse posto, ele é me dá calafrios. Tem um bem melhor do outro lado da quadra.
- Então porque está aqui? – Baekhyun resmungou de volta, fazendo o mais alto franzir o cenho meio ofendido. Tudo bem, você exagerou na grossura. Ele era bonitinho demais para...
Espere um momento...
Baekhyun também o conhecia de algum lugar...
O cara alto engoliu em seco e então aquela ação fez o mais baixo lembrar. De repente ele lembrou. O jeito nervoso era bem familiar.
Havia sentado no colo dele na noite anterior.
Porra, Carmel havia sentado nele na noite anterior.
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