O cenário não poderia ser mais íntimo e reservado, estavamos sentados sobre um banco muito disputado, de um lado temos a visão de boa parte da estrutura do Castelo Bruxo e do outro a floresta sendo iluminada por vagalumes. A música alta e animada atingiu sons mais baixos, assegurando uma atmosfera elegante e repleta de confiança, talvez isso ajude Newt a abrir seu coração e revelar o motivo de tamanha tristeza.
- Porque está tão triste e deprimido? - Questionei buscando uma maneira confortável de sentar, ignorando o volume excessivo da saia.
- Tina, uma amiga, acabou de enviar o convite do seu casamento com meu irmão, Teseu - Informou aumentando o aperto sobre o papel amassado em sua mão.
- O que há de errado nessa história? O casamento é a realização e a celebração do amor - Insisti ao não ser capaz de compreender as emoções por trás de um evento tão empolgante e romântico - Há menos que você nutrisse sentimentos amorosos por essa mulher - Murmurei torcendo para estar errada.
Um silêncio constrangedor e desconfortável pairou entre nós dois, foi nítido o quanto Scamander ficou envergonhado e sem jeito, mordi os lábios e busquei por conselhos que pudessem ser realmente úteis. Mas, nada seria capaz de aplacar as emoções e sensações que o bruxo está sentindo, em alguns casos o melhor a ser feito é sentir a dor e aprender com ela, as vezes é preciso sangrar para saber que estamos vivos.
- Eu gostava tanto dela, tanto... - Lamentou e pude sentir sua dor.
Permaneci em silêncio e peguei sua mão livre, entrelaçando nossos dedos e depositando um aperto firme, como se dissesse que estou do seu lado e não irei julga-lo por chorar ou colocar sua raiva para fora. Observei em um misto de solidariedade e empatia quando lágrimas começaram a escorrer por seu rosto enquanto soluços escaparam de sua boca, sem pensar duas vezes, o puxei para um abraço apertado e cheio de carinho.
- Eu estou aqui, querido, vai ficar tudo bem - Sussurrei acariciando seu cabelo despenteado - Pode chorar, guardar a dor será muito pior - Afirmei não me importando com as lágrimas molhando meu vestido.
Isso continuou por mais longos minutos, Scamander chorou e colocou tudo que esteve guardando durante tantos anos para fora, incluindo frustrações, rejeições e decepções, foi como lavar sua alma. Aos poucos, os soluços foram terminando e as lágrimas secaram, restando apenas um rastro úmido por sua pele e os olhos vermelhos e inchados, um contraste bem diferente do que estou acostumada.
- Aqui, use isso - Informei retirando um lenço do bolso escondido em meio a saia.
- Obrigada, Amélia - Agradeceu exibindo um sorriso mínimo - Por tudo, incluindo por agora - Terminou enxugando o rosto.
- Sem problemas - Respondi e dei os ombros - Afinal, somos amigos - Sorri olhando a espetacular magia dos vagalumes.
- Eu me sinto um idiota, Tina vai se casar com meu irmão - Refletiu diretamente sobre sua atual situação - Como vou comparecer ao casamento? Eu não posso ir sozinho - Ponderou desconfortável.
- Eu posso ir com você - Afirmei, sensibilizada com seu problema - Mas, é apenas uma ideia - Anunciei ao perceber sua expressão surpresa.
- Eu adoraria - Concordou no mesmo instante, parecendo estar bastante aliviado.
- Ótimo, apenas avise com antecedência, preciso de um vestido descente - Brinquei e sorri ao vê-lo menos tenso e chateado - E onde será o casamento? - Perguntei curiosa.
- Paris - Respondeu antes estender o convite em minha direção.
Aceitei o papel estendido e o abri com cuidado, o material possuía uma textura áspera e grossa, foi uma péssima escolha. As letras eram desproporcionais e a cor da fonte não combinou com o restante da harmonização do convite, havia desenhos de flores movendo-se nas laterais brancas, e por fim, a foto do casal posicionada bem no centro de tudo, eles formavam um casal estranho e não possuíam aquele olhar apaixonado típico dos noivos.
- Interessante - Comentei antes de devolvê-lo para Newt.
- O que isso quer dizer? - Perguntou o britânico guardando o convite amassado no bolso.
- O casamento é o momento mais importante na vida de uma mulher, a maioria planeja e imagina possíveis decorações desde muito jovens - Respondi sentindo seus olhares discretos - Tudo precisa estar perfeito nesse dia, mas esse convite indica que não houve atenção aos detalhes, as escolhas foram aleatórias, não pensadas - Apontei o óbvio.
- Talvez, eles não estejam muito atentos a isso - Comentou não muito certo de meu ponto de vista.
- É uma possibilidade, embora eu tenha certeza de que você está errado - Sorri provocativa - Merlim, está tão quente aqui - Reclamei sentindo a temperatura absurda do ambiente, parece um forno.
- Sua roupa também não contribuí em nada - Zombou apontando para o volume desproporcional na calda.
- Que foi? É lindo, as mulheres usam muito, ou usaram em algum momento - Discordei incerta sobre como reagir - Quer dar um passeio? Isso pode ser relaxante - Ofereci puxando minha varinha e transfigurando minha roupa em algo mais leve e de fácil mobilidade.
As asas brilhantes presas em um suporte em minhas costas simplesmente sumiram, um vestido mais leve e solto modelou as curvas do meu corpo, o tecido era macio e de muita leveza. A estampa colorida de flores continuou intacta e muito presente, Scamander aguardou de maneira paciente pelo término do encanto, o magizoologista não parecia frustado ou irritado com a demora, muito pelo contrário.
- Tem algum lugar específico em mente? - Questionei guardando a varinha no cinto ao redor da cintura.
- Eu não conheço nada por aqui, Amélia - Lembrou e fui obrigada a concordar - E, não estou com muito ânimo para passear, desculpe - Admitiu.
- Eu entendo, mas para sua sorte, tenho um estoque bem variado de doces no meu quarto - Sorri ao lembrar da última visita de Alma, a elfa trouxe muitas sacolas cheias de açúcar e felicidade - Alguns foram presentes de Dumbledore, então você deve conhecer, mas a maioria são daqui e são melhores que muitos doces por aí - Admiti, estendendo uma das mãos.
- Pode ser divertido - Cedeu juntando sua mão na minha.
- Isso, é assim que se fala - Comemorei rindo de sua atitude adorável.
(...)
Estamos aqui a pouco mais de meia hora e a experiência está sendo mais divertido do que o planejado, nos sentamos no chão e coloquei as inúmeras caixas de alimento na enorme mesa de centro. Conforme os minutos foram passando, as cascas coloridas e laminadas começaram a preencher o chão, Scamander ficou surpreso com a variedade de guloseimas criadas com ingredientes originários daqui, alguns deles sendo feitos por trouxas, um detalhe que torna o sabor ainda mais especial.
- Acho que exageramos, mas foi delicioso - Argumentou Newt ao perceber o estado deplorável que deixamos o quarto.
- Acho que não consigo comer açúcar nunca mais - Brinquei, entretanto meu estômago está meio embrulhado.
- Amélia, eu já disse isso muitas vezes, mas vou repetir, obrigada por tudo que está fazendo por mim - Afirmou e ele demonstrou gratidão em cada gesto e palavra - Eu nunca conheci alguém tão gentil quanto você, estou feliz por ter decidido fazer essa viagem - Corei até o último fio de cabelo.
- Pare com isso, quer me fazer chorar? - Questionei emocionada com seu pequeno discurso.
- Você é bonita demais para chorar - Comentou sem pensar, porém logo se deu conta - Eu... eu... - Tentou concertar, inutilmente.
- Agradeço pelo elogio, Newt, você também é muito bonito - Elogiei e o homem ficou corado, ele se levantou e derrubou um vaso de cristal contendo rosas negras.
- Acalme-se, não foi nada demais - Pedi antes de fazer com que as pedaços estilhaçadas se unissem, o vaso retornou a sua forma original.
Fiz com que toda sujeira desaparecesse e, em um piscar de olhos, o dormitório ficou tão limpo e impecável quanto antes, sem nem uma mísera partícula de poeira no ar. O bruxo continuou imóvel e olhando fixamente para o chão, franzi o cenho diante dessa atitude e aguardei por uma explicação, mas não obtive nenhuma resposta, Newt não parecia em nada com o homem divertido e alegre de antes.
- Qual o problema? - Perguntei sentindo o nervosismo aumentar - Eu falei alguma coisa errada? - Perguntei chegando mais perto.
- Não, apenas não estou acostumado a receber elogios, eu não faço ideia de como reagir - Confessou e sorri, ele é sempre tão honesto e verdadeiro - É um pouco estranho, entende o que quero dizer? - Cedeu, sentado-se na poltrona perto das janelas.
- Sim, a adolescência é uma época difícil e de muitas mudanças, as pessoas podem se tornar mais cruéis - Respondi indo ao seu encontro, me acomodando na poltrona ao seu lado - Entretanto, isso não acontece com todos, deveria saber que existem mulheres que acham você um homem atraente - Revelei, apontando um fato concreto.
- Quem? - Desdenhou, Newt realmente não acreditava nisso.
- Eu, por exemplo - Afirmei, não ligando para o que o britânico possa pensar.
Scamander olhou diretamente para mu rosto, ponderando se deveria ou não acreditar, sustentei o olhar e o bruxo desviou, um sorriso discreto brincando em seus lábios. Ouvi bicadas altas vindas da janela e identifiquei as penas azuis de Cacau, minha arara azul, a ave tinha um pedaço de pergaminho enrolado em sua pata direita e demonstrava sinais nítidos de cansaço e exaustão, obviamente ela fez uma viagem bastante longa até aqui.
- Vem aqui, amorzinho - Implorei ao abrir os trincos e pegá-la em minhas mãos - Você precisa descansar - Ordenei posicionando o pássaro sobre os ombros.
- É seu? - Perguntou Newt observando atentamente a coloração intensa e viva das penas.
- Sim, aqui utilizamos pássaros regionais ao invés de corujas - Respondi pegando a mensagem - Quer segurar? Cacau, é dócil e curiosa - Ofereci.
- Eu adoraria - Concordou e coloquei a ave sobre seus cuidados.
Os dois se olharam e avaliaram as atitudes e forma como agiam, ri ao perceber que não levaria muito tempo para que um repentino laço de companheiro fosse formado. Abri o pergaminho e arfei ao reconhecer a caligrafia de meu pai, ao que parece tenho uma audiência importante com o Primeiro Ministro, será realizado uma reunião referente ao livro que será publicado nós próximos dias, e o bruxo deseja me dar os parabéns pessoalmente.
- Algum problema? - Perguntou o britânico, ele recebia bicadas carinhosas em seu dedo.
- Não, apenas uma audiência no Ministério - Respondi prevendo os minutos intermináveis de tédio e burocracia - Vejo que se tornaram amigos - Sorri indo para mais perto.
- Ela é magnífica - Elogiou impressionado com o comportamento educado da arara.
- Eu sei - Afirmei antes de retornar para meu lugar, aliviada com esses minutos de calmaria.
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