Nova York, 2016
Volto a minha atenção para Rafael. Juro que tentei entender o que ele estava falando, porque parecia ser interessante, mas depois que vi Joseph eu simplesmente não conseguia mais formular as palavras na minha mente. Uma parte de mim sabia que não podia me apegar às pessoas daquela escola. E essa parte se deu conta de quem realmente Joseph era: um grande idiota!
Eu concordei com tudo que Rafa falava e algumas vezes eu forçava um riso. Ainda bem que meus esforços ignorando minha mãe sem ela perceber não foram em vão. Eu era muito boa nisso.
Ele estava se empolgando com a conversa cada vez mais. Aquilo me incomodou, eu estava sendo má com ele. Nossas risadas se "cruzaram" ficando em uníssono e aquilo foi o estopim. Era torturante. Era cruel demais.
Respirei fundo e apenas deixei as palavras saírem:
— Licença — vomitei as palavras atoladas na minha garganta, que na minha cabeça eram bem mais, porém foi o suficiente.
Levanto-me, coloco meus fones de ouvido e ando até o meu dormitório. O som alto dos fones surrava os meus ouvidos.
Peguei meu livro favorito e me joguei na cama assim que entrei no cômodo. Folheei um pouco e me dei conta que aquilo não fazia mais sentido algum.
Eu li e reli mais de cem vezes aquele livro enquanto minha mãe me deitava de castigo por não usar um Tiffany da nova coleção. Estava livre daquela prisão que minha mãe dizia ser minha casa e eu não precisava mais me reprimir. E naquele momento eu me pergunto: O que a nova Charlotte faria?
Bom, eu não sei o que eu faria.
Vou para o banheiro e acendo meu cigarro, sento-me na privada e respiro fundo. Eu não sabia quem eu era sem a sombra da minha mãe.
— Onde está você agora Sr. St. Laurent? — ri fraco.
Se a minha mãe tivesse me pegado fumando eu já poderia me considerar uma pessoa morta. Fumar era proibido, obviamente, em casa e na escola, mas sendo proibido ou não, eu precisava de um pouquinho daquilo.
Passou uma semana de aula e eu só fiquei no meu quarto e na biblioteca. O diretor havia informado que minhas aulas só começariam quando houvesse apostilas e livros para mim. Eu agradeci aos céus por isso. Não aguentaria suportar as aulas enquanto estava tentando conviver com os meus demônios internos.
Estava no mesmo lugar que eu estava semana passada, no banheiro, mas sem o cigarro. Aquele internato estava sendo solitário e vazio pra mim. Às vezes via pessoas conhecidas, mas na maioria das vezes eu fingia que não conhecia.
Eu precisava de espaço no começo mesmo que me matasse aos poucos. Eu precisava falar com alguém.
Sei que é um tanto contraditório, eu querer ficar sozinha e não conseguir.
Minha mãe estava certa! - admito aquilo como se fosse a coisa mais difícil a se pensar.
Minha mãe sempre esteve certa!
Saio do quarto com a pergunta ainda percorrendo em mim: O que a nova Charlotte faria?
Vamos Charlotte, o que você faria? tento.
E dessa vez funcionou, foi como um dos mais clichês dos filmes. Foi como uma pequena coisa excepcional que a vida faz e pareceu bem na minha frente: um mural gigantesco sobre atividades extracurriculares e o nome de diversos clubes. Diversos panfletos eram atrativos e me seduziram, mas nada igual ao de teatro.
Olha, não vou ser hipócrita e dizer que aquilo não me fascina porque sempre me encantou. Mas as exigências da minha mãe: não.
Fiquei ansiosa por saber que aquilo era uma oportunidade de ser eu mesma e me virar sozinha, sem ninguém para pagar pelo meu papel principal. O teatro fazia me sentir no High School Musical, bom, sem a parte do musical, a não ser que eu seja a árvore ou alguma parte do cenário que não canta. E incluindo uma escola privada. A quem eu quero enganar, não tinha nada do filme.
Leio o panfleto e logo abaixo dele tinha uma lista de inscrição. Pego a caneta que é presa, por uma corda, em uma das laterais do quadro e preencho meu nome.
— Oi — uma voz feminina vem até meus ouvidos quase num sussurro.
Viro-me e ao ver a menina soltei um sorriso amigável.
— Oi — ela se aproxima do quadro, a menina parecia ser tímida e por isso não a encarei fixamente — prazer meu nome é Charlotte.
Estendo a mão, ela aceita.
— Oi Charlotte, sou a Moon — sorri.
A garota era mais baixa que eu; sua beleza era nítida. Ela estava com um pirulito na boca. Moon parecia ser misteriosa e bastante delicada. Seus olhos eram cor-de-mel e embaixo deles havia algumas sardinhas. Mas seus cabelos azul-escuro me chamava atenção - mesmo parecendo preto, creio que por conta de falta de luz - eles tinham a companhia de um oculos de sol rosa.
— Você vai entrar em algum clube?
— Queria muito entrar junto com as meninas de dança, mas tenho problemas de respiração — faz uma pausa — vou acabar passando vergonha.
— Se você deixar de fazer as coisas por medo de passar vergonha — comecei — vai deixar de fazer muita coisa.
Nós nos encaramos, pude sentir o sentimento dela percorrer por ali. Fez-me lembrar de quando tive o mesmo medo. A ansiedade nunca tinha me deixado em paz antes de subir no palco. Eu a compreendia e não queria que ela se privasse da dança. Minha cabeça estava como um enigma que eu não sabia desvendar. Eu queria ajudar Moon. Portanto, o que a nova Charlotte faria?
E foi então que meus pensamentos clarearam, e uma ideia brilhante surgiu. E eu iria botar meu plano em prática.
— Olha, estou querendo andar pelo campus — dei cinco passos em direção a escada e depois a olhei— você vem?
Ela assentiu.
A escola era gigante. Eu ficava cansada de andar muito e ainda sim, não chegar a lugar algum. Havia tantas coisas para fazer e nada ao mesmo tempo.
— Você entrou há pouco tempo na escola? — eu a perguntei enquanto passávamos pela porta principal.
— Hm, há uns dois meses — respira fundo.
— Você já conhece muita gente?
— As maiorias dos alunos saíram para curtir as férias — ela ri debochadamente — parece que meus pais não tem noção do que é ser jovem hoje em dia.
— Pais sem noção... Disso eu entendo bem — suspirei.
Descemos a escada e fomos para o gramado.
O céu estava cinza e ventava um pouco. O gramado era fofo e tinha uma cor de um verde fosco por conta do clima. Todos os alunos pareciam estar espalhados por ali. A roupa de Moon era delicada igual ela. Seu vestido branco com uns detalhes em um rosa-bebê a representava muito bem, e seus cabelos estavam nitidamente em azul-escuro.
— Você sabe dançar? — comecei — ...ou só queria aprender?
— Sempre dancei.
Ela apoia seu corpo em seu antebraço.
— Dançava o que?
— Um pouco de tudo.
Eu me levantei e a levei num retângulo grande feito de concreto - era da altura da minha barriga.
— O que esta fazendo? — ela me pergunta quando peço para ela me acompanhar.
Consigo subir no bloco com um pouco de dificuldade, mesmo ele não sendo alto. Havia alguns meninos na minha frente, mas não liguei muito. Aquilo iria acabar com o medo dela.
Coloquei uma música pra tocar no celular, aumentei no último volume e o coloquei na beira do "palco" cinza. Não estava tão alto, mas chamou a atenção do grupo que estava na nossa frente.
— Moon, vem — estendo a mão para ajudá-la a subir — sobe aqui, confie em mim.
♫Poppin bottles in the ice, like a blizzard
When we drink we do it right gettin slizzard♫
Ela aceita meu convite e fica toda vermelha assim que se posicionou na minha frente.
— Sippin sizzurp in my ride, like a Three 6... — comecei.
Peguei suas mãos e conduzi seus braços ao ritmo da musica. Moon estava muito bonita, presumi que chamaria atenção das meninas do clube, ou ao menos elas ficariam sabendo.
— ...Now I'm feelin so fly like a G6
Like a dayse hayley, Like a G6
Now I'm feelin so fly like a G6 — Moon cantarolou.
Fui um pouco para trás, fechei os olhos e joguei meus cabelos de um lado para o outro junto com os meus quadris. Me apressei a apontar para ela.
— Drink it up — sua voz era baixa, imagino que seja para ajudar ela a se concentrar — drink-drink it up.
Os movimentos que ela fazia com a cintura eram diferentes do que ela fazia com os braços. E o estranho é que combinavam perfeitamente. As pessoas começaram a se aproximar e o grupo que estava na nossa frente conectou o meu celular em uma caixa de som. Viramos para a plateia enquanto a musica rolava. Os meninos e meninas estavam cantando alguns versos soltos. E quando percebi que Moon não estava mais fazendo movimentos parecidos com os meus eu pulei do palco.
— Isso ai — gritei.
Eu me senti realizada e aquilo tudo respondeu a pergunta que tanto me incomodava. A nova Charlotte queria fazer algo para as pessoas.
[...]
O cheiro do meu café veio até mim, me seduzindo, me aconchegado. Trouxe-me lembranças de casa, fecho os olhos e respiro fundo. Iria me sentir em casa se tirassem as janelas gigantescas do refeitório e se o café fosse melhor. Que saudade da Madalena e de seu café. Eu estava sozinha naquele refeitório, dentro da minha própria paz.
— Oi Lolo — a voz aguda de Brianna ponderou meus ouvidos.
Tive a mesma decepção que uma criança teria se estivesse entregando seu trabalho para a feira de ciências e no caminho da bancada alguém colocasse o pé na frente, fazendo-o tropeçar e arruinar o experimento. Eu a odiava igual odiaria aquele menino.
Olhei no fundo dos seus olhos azuis e voltei a prestar a atenção no meu café, me acalmando e tentando não atacar ela, ignorando-a completamente. Talvez se eu a ignorasse ela fosse embora, me devolvendo a minha linda solidão.
Ela se sentou na cadeira em frente à minha e ficou me encarando. Pela sua expressão ela não era contrariada constantemente.
— Vi a sua dança lá no campus — começou. Eu olhei para ela novamente com certo ar de deboche.
Seu penteado estava perfeito, sem nenhum fio fora do lugar, aquilo me lembrava a minha mãe. Deu-me calafrios só de lembrar.
— Sou do grupo de lideres de torcida e de dança — disse indiretamente — achei que fosse do seu interesse.
— Hm, conta outra Barbie — tomei um gole do café. O líquido desceu queimando e a vontade de derrubar o copo nela surgiu em meus pensamentos — As inscrições ainda nem começaram.
— Eu organizo os clubes ha uns dois anos, ano passado eu fui classificada como a líder.
— Que sorte a sua — resmunguei debochadamente.
— Lolo escuta aqui — ela se inclinou para frente, ficando mais perto de mim — eu posso facilitar a entrada das pessoas ao clube.
— Eu estou interessada, mas não pra mim.
— Então fez aquilo pra quem? — ela franze o cenho.
Claramente bondade não existia no vocabulário dela.
— Ah meu deus! — suspirou — Fez aquilo para aquela sua amiga?
O som da sua risada debochada tomou conta do lugar, quase me fez pular em cima dela. Entretanto apenas virei o liquido para a minha garganta.
Vejo Rafael entrar no local e se acomodar na última mesa, perto da bancada de comida, ele estava acompanhado de um livro grosso. Fico curiosa e por um momento eu pensei em me sentar com ele. Ele não havia me encarado desde que entrou, mas depois de alguns segundos deve ter percebido que eu estava fazendo um pequeno esforço com a cabeça para observa-lo, ele me notou.
— Ah minha cara Charlotte — Brianna respira fundo — Quer ser amiga do esquisitão? Melhor não se aproximar dele.
Levanto-me no mesmo instante, para jogar o copo no lixo, porém Brianna bloqueia meu caminho com o braço, sem encostar-se a mim. Presumo que ela tenha pensado que eu iria me sentar com ele.
Rafael levanta a cabeça e me observa.
— Aqui não tem lugar para mocinhos, Charlotte — falou com os dentes cerrados.
— Que bom — me aproximei dela a encarando — eu nunca fui fã de mocinhos — empurrei seu braço e sai.
— Tome cuidado, Charlotte! Eu vou me lembrar — ela avisou com um tom de voz alto, enquanto eu caminhava até a porta.
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