Nova York, 2016
O bosque
A chuva vinha acompanhada de um vento gelado. O logo da Trindade dos Guardiões, o time de futebol americano da escola, estava encharcado e cheio de lama. Os treinos haviam começado no dia em que eu entrei e já estava uma bagunça.
Eu estava na arquibancada sozinha já fazia um tempo. Meus braços já estavam cansados de segurar aquele bendito guarda-chuva. Pensei em ir embora diversas vezes, porém minha curiosidade não me deixaria sair dali.
Rafael tinha me mostrado ser completamente criativo e engraçado nas coisas que fazia. Não tinha certeza se ele havia me insultado para me afastar por comando de Brianna. Qual é ela queria brincar com ele e eu me senti na obrigação de ajuda-lo.
— Desculpa a demora, Charlotte — uma voz masculina se manifestou ali, era Rafael.
Sorri fraco e ele não retribuiu, apenas pegou a minha mão e me levou para baixo da arquibancada - em um espaço largo que nos protegeria da chuva.
Ele tira a única coisa que protegia ele, capuz.
— Acabei de ver um vídeo engraçado, falava sobre uma vela e um patinete — comentou.
— Patinete é um belo bolo de aniversario — rimos.
Ficamos em silencio.
— Por que me chamou de vadia? Você mal me conhece — comecei.
Ele apenas me encarou.
Caramba, aquilo tinha sido bem melhor na minha cabeça!
— Qual é o seu problema? — perguntei, tirando a conclusão que aquilo também tinha sido melhor na minha cabeça.
Mãos inquietas, medo de olhar nos olhos, respiração um pouco acelerada... Ele encarava qualquer parte do meu corpo, menos meus olhos. Ele estava tentando achar alguma saída para o que eu havia dito, ele estava inventando uma boa mentira.
— Você está confusa — afirmou — eu entendo.
Sua falsidade me deu enjoo. A vontade de gritar todos os xingamentos que existem no ouvido dele se instalou, mas permaneci em silêncio.
Ele fica mais aflito e eu fico esperando outra mentira.
— Eu não tenho culpa de você ser quem é — diz desesperado para se safar da minha pergunta — você é uma... — faz pausa criando coragem — ...uma vadia!
Antes de eu pular em cima dele e arrebentar seu rosto, simplesmente respirei fundo.
— Eu sei do seu lance com a Brianna — arrisquei — eu posso ajudar.
— Oh meu deus! — grunhiu debochadamente — Por isso estamos aqui, não é? Não tem como ajudar, porra.
Ele começou a andar de um lado para o outro com seus movimentos duros e olhos queimavam em fúria.
Eu me reprimi por dentro, aquilo era mais sério do que eu pensava.
— Quando você se mete com esse tipo de gente, não tem como fugir — parou e me encarou — Eu preciso dela!
— Você precisa encarar... — me interrompi, minha voz estava muito frágil — ...você precisa... — não achava a forma correta de falar — você não pode se submeter a isso!
— Vá embora, Charlotte! — diz — Não é assunto pra você.
Eu permaneci em silêncio.
— O maior problema está longe de ser a Brianna, Charlotte — riu fraco — por favor, não se intrometa.
Depois disso Rafael me abraçou tão forte que eu senti toda sua angustia. Eu segurei sua mão e o levei para o internato com o meu guarda-chuva. Ele me falava de algumas teorias. Fomos até a biblioteca e pegamos muitos livros que achávamos chatos e tentávamos fazer parodias da historia original. Ele quis ir ao bosque com alguns livros assim que a chuva parou. Então depois de um tempo estávamos lendo em um banco aleatório por ali.
Ele estava lendo um livro de teorias e estávamos refletindo muito com uma maldita historia de um coelho maluco. Ficou tarde e quando começou a escurecer ficamos falando sobre filmes e séries que gostávamos.
Tudo estava perfeito, até ele ficar aflito novamente.
— Me explica de novo aquela historia de anjos — tentei anima-lo.
— Não são anjos — bufou rindo um pouco.
— Ela dizia que eram.
— Ela não sabia de nada — evitou olhar para mim.
O silencio se instalou.
— O que foi Rafael? — me virei para ele — Você me parece nervoso com algo.
— Os meninos ficam aqui à noite — olhou para os lados — acho que estão entre as arvores.
— Não encana com isso — bufei — eu estou aqui.
— Eu nunca vim aqui — sussurrou — é proibido vir à noite e não sei como voltar.
Ele se levantou e começou a andar sem rumo.
— Rafael! — gritei para ele ouvir, mas fui ignorada.
Eu fiquei me perguntando o porquê de tentar ser amiga dele. Devo estar entediada demais para aturar isso tudo. No começo do mês eu teria mandado Brianna à merda e se ela não fosse eu mesma a jogaria. Entretanto são tempos passados. Eu mudei.
A conversa com o Rafael tinha sido muito boa, como sempre. Rafa era um amigo bom, mas um tanto traumatizado. Eu não sabia o que havia acontecido, então não podia ficar julgando o rapaz.
Holly e Krysten aterrissaram na minha mente. Meu coração apertou e junto vieram algumas lagrimas. Minhas amigas precisavam vir o mais rápido possível para está escola.
Eu me deitei no banco e olhei para o céu. Eu estava observando as estrelas até ouvir barulhos de passos rápidos e pesados se aproximando. Apoiei meu corpo nos cotovelos e fiquei procurando algo com os olhos, até ver um garoto correr bem na minha frente. Ouvi outro barulho de passos se aproximando com rapidez. Levantei do banco e esperei outra pessoa vir.
O outro garoto passa por mim, mas logo volta assim que nota a minha presença. Ele usava roupas preta e capuz. A luz estava fraca fazendo com que eu demorasse a reconhecer-lo.
— E ai princesa, quer se dar mal essa noite? — se aproxima de mim abaixando um pouco o capuz. Sorrio fraco em reconhecimento, era um dos amigos do Joseph.
— Hm, não! — sento no banco.
Seus cabelos louros estavam presos na touca deixando o formato de seu rosto a amostra. Nem todos os garotos ficariam bonitos com o capuz daquele jeito, mas ele ficou.
O rapaz se aproxima novamente e me pega no colo tão rápido que não processei a ação na minha mente, só caiu à ficha quando ele estava correndo comigo em seus braços.
— Me solta — ordenei.
Ele parou de correr e me colocou ao chão.
— Desculpe é que temos pouco tempo — começou ofegante — eles estão atrás de nós — minha expressão era notadamente de confusão — se você não quer se dar mal, venha comigo.
Ele estende a mão, eu aceito. O que eu tinha a perder?
— Aliás meu nome é Mathew.
Sorri e não me apresentei, algo me diz que ele já sabia meu nome muito bem.
Corremos em disparo para o que eu achava ser à saída do bosque. O vento que vinha contra o meu rosto fazia meus cabelos ruivos voarem. Estávamos fora da trilha e por consequência tínhamos que desviar de galhos e árvores. A falta de luz não foi um problema tão grande, afinal os postes espalhados tinha uma luz tão forte que iluminava um pouco cada canto. Eu olhei para trás algumas vezes a procura de alguém, até mesmo Rafael, porém não achei ninguém.
A adrenalina corria em minhas veias, aquilo era incrível.
O garoto soltou minha mão assim que se deu conta que eu conseguia correr tão rápido quanto ele. Eu o olhei algumas vezes e o peguei com um sorriso torto nos lábios. Realmente estava sendo ótimo correr ao seu lado. Tínhamos química e aposto que ele sentiu isso.
— Você sabe pular o muro de grade? — perguntou cansado.
— Nunca tentei pular.
— Ótimo, apenas faça o que eu fizer e pegue impulso.
Eu assenti, mas acho que ele não reparou.
Avistei a frente um lugar claro e sem árvores, presumo que ali esteja o tal muro. O garoto correu mais rápido tomou impulso, pulou na grade e olhou para mim. Eu fiz o mesmo que ele. Nós começamos a escalar com pressa.
— Você consegue pular? — perguntou quando chegamos ao topo.
Era alto demais. Eu queria pular. Então o olhei fixamente, engoli todo o medo que perambulava em mim e assenti.
Ainda estava sentada no ferro com as pernas para o lado de fora do bosque. Era alto demais, comecei a imaginar todos os saltos fracassados que eu poderia dar. Fechei os olhos aquilo era torturante demais.
Pulo e a pressão do chão contra os meus pés fez meus joelhos falharem, fazendo meu corpo ir para frente. Me preparo para cair de cara no chão, mas antes de sentir o impacto Matthew me envolveu nos braços.
— Você disse que conseguia pular princesa — resmungou tentando esconder o riso.
Afastei nossos corpos e soltei uma risada.
— Bom — ajeitei a minha roupa — eu pulei.
Ouvimos o som de passos se aproximando, eu o olhei aflita.
— Charlotte, vem — Matthew pega a minha mão e nós saimos em disparo.
Olhei para trás algumas vezes para me certificar que estávamos seguros. Mesmo não sabendo muito bem quem estava a nossa procura tenho certeza que é o homem baixinho segurando uma lanterna do lado de dentro do bosque.
— O toque de recolher — deduzi, pensando alto.
O garoto me lançou um olhar de assustado e voltou a olhar para frente. Aumentei a velocidade e aparentemente ele também. Uma mistura de sentimentos percorriam sobre mim. A adrenalina fazia minhas pernas se movimentarem cada vez mais rápido, tanto que eu nem sentia mais elas.
O prédio estava muito próximo. Minutos antes eu me sentiria aliviada por estar chegando ao lugar de descanso, mas depois de ver o guarda a nossa procura o alívio que nem havia chegado se foi.
Contornamos as grandes paredes de tijolos e por fim paramos na parte de trás do edifício. Havia quatro meninos encostados na parede e outro de frente contando algo que fizeram os demais rirem. Eles estavam distante de nós e calmos demais para a situação. Matthew me puxou para perto deles e eu não quis questionar ou recusar correr mais um pouco, mesmo estando muito cansada.
Quando nos aproximamos eu pude ouvir o pulsar do meu coração em meus ouvidos. Eu apoiei uma mão nos joelhos e me inclinei a procura de ar, meu corpo gritava por água. Não olhei para nenhum dos garotos, aliás, nem precisei olhar para ter a certeza de que Joseph também estava lá.
— Aquelas gostosas de Massachusetts vão fica sempre na minha memória — uma voz masculina comentou entre os risos.
— O que você está fazendo andando com a gente, Charlotte? — perguntou Justin ao me ver chegar.
— Ela estava no bosque antes de entrarmos — explicou Matthew com a voz um pouco abafada devida a sua respiração ofegante.
Me recomponho e encaro a todos - que estavam usando roupas pretas. Chandler estava encostado na parede com uma das pernas dobradas e um cigarro na boca. Justin estava de braços cruzados. Um menino louro estava sentado apoiando as costas na parede, quase dormindo ali mesmo. Dois meninos estavam me encarando enquanto fumavam um belo cigarro. E por último tinha Joseph que encarava descaradamente a minha mão e do Matthew que estavam coladas.
— Garotas não podem correr com a gente — resmunga um garoto, o único que não usava capuz.
Meu rosto esquentou e cerrei o punho automaticamente. Antes de eu dizer algo Matthew rapidamente soltou a minha mão e entrou sutilmente na minha frente, me interrompendo:
— Cala a boca, Jughead.
— Nem coragem para correr você tem — debochou Chandler.
O silêncio se manifestou e a única coisa que eu consegui fazer foi encarar aquele garoto.
— Tá — fiz uma pausa — e agora?
— Você vai para o quarto docinho — brinca Joseph.
— Eu te acompanho se quiser — Matthew se oferece — com todo respeito.
Assenti e saímos dali. O caminho não foi tão emocionante quanto o que tinha acabado de acontecer. Os guardas estavam vendo revistas ou mexendo em seus celulares, nem nos esforçamos para entrar escondido. Felizmente haviam guardas nos corredores, mas não nas portas e escadas. Facilitando ainda mais nossa entrada.
Matthew segurou a minha mão o tempo todo e permanecemos em silêncio.
— Você já conhecia o Joseph? — ele perguntou quando estávamos perto do meu dormitório.
— Sim.
Eu havia ficado surpresa com pergunta mais ainda por pensar que Joseph havia me mencionado para seus amigos.
— Desculpa a pergunta, mas já tiveram um caso?
Meus olhos se arregalaram automaticamente. Pela minha sorte Matthew estava tão atendo ao corredor que nem se deu conta.
— Não — me apressei pra responder — nunca tivemos nada.
O garoto tira o capuz e o encarei. Eu ainda estava com dúvida se seu cabelo era castanho ou loiro. Ele era muito encatador mesmo com um cabelo sem uma cor muito definida, na verdade isso fazia com que ele ficasse mais lindo ainda. Eu gostava do seu jeito tímido e confiante ao mesmo tempo.
— Desculpa mesmo as perguntas, mas é que ele só fala de você desde que chegou.
Vou em direção a minha porta, ignorando tudo que disse, afinal não havia muitas coisas que eu podia dizer sobre meu relacionamento com Joseph.
Matthew se apressa para se encostar no batente da porta.
— E eu não ganho um beijo de boa noite? — sua voz rouca vem calmamente até meus ouvidos.
— Desde que seja só um beijo — me aproximei.
Seu rosto estava perto do meu pescoço, tanto que consegui sentir sua respiração quente em mim. Vi de relance seu sorriso cafajeste dar as caras.
— Nunca é só um beijo — sussurrou em meus ouvidos.
O cheiro que vinha de seu pescoço estava sutilmente me convidando para devora-lo ali mesmo.
— Eaí princesa, quer se dar mal essa noite?
— Olha, não é a primeira vez que você me pergunta isso — ri fraco — ainda nessa noite.
Abri a porta e Matthew se aproximou sugerindo:
— Vamos fazer alguma coisa depois da escola?
Um silêncio se instalou e ficamos nos encarando.
— Te vejo na sala de jogos — digo.
Entrei no quarto e tranquei a porta. Queria que aquilo não tivesse nada a ver com a raiva que eu sentia pelo Joseph, mas convenhamos, por mais que eu quisesse me enganar eu não conseguiria.
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