10 — Chromatica II
Harry Pov
Eu me sentia totalmente nervoso, e sabia que aquele dia marcaria algo grande na minha vida.
Não era como se eu achasse que outros grandes acontecimentos eram pequenos.
Mas aquele ali poderia criar uma mudança enorme em tudo o que eu conhecia.
Até então, eu considerava o dia mais importante de todos, aquele em que conheci Draco.
Eu sabia que aquele momento era especial, porque ele esteve comigo todos os dias desde nosso encontro inusitado.
Não sabia nomear quando ele se tornou meu melhor amigo, porque soava como se ele sempre houvesse sido. Então sim, aquele dia foi marcante.
Sempre senti como se estivéssemos destinados a nos encontrar, porque pouco tempo depois de conhecê-lo dentro do condomínio onde morávamos, descobri que ele estudava na escola onde meus pais haviam me matriculado.
E éramos da mesma turma!
Parecia ser o sinal de que nós deveríamos ficar sempre juntos, e eu sentia como se nós dois nos completássemos de maneira perfeita.
Ele era centrado, sério e extremamente inteligente. Um pouco fechado no começo, mas começou a se soltar mais comigo, e além de tudo, sempre me defendia das pessoas que riam dos meus óculos, ou tentavam me intimidar.
Ao mesmo tempo, eu conseguia fazer ele ser mais tranquilo, deixar aquela pose séria para brincar, e se descontrair.
Minha família gostava bastante dele, então não demorou para nossas mães ficarem amigas, e isso definitivamente mudou muitas coisas na nossa vida.
Porque então estar com Draco não era apenas ter um amigo.
Era um reflexo involuntário.
Sempre saíamos para brincar pelo condomínio, correndo, rindo, ou andando na minha bicicleta velha, céu.
Eu havia ganhado uma nova no natal, mas ainda tinha um carinho pela velha e desbotada, e mesmo que Draco também tivesse uma bicicleta novinha, ele gostava de andar na céu, e sempre levávamos um ao outro de carona.
Meus padrinhos construíram uma casa na árvore do nosso quintal para ser o 'quartel general', e era muito comum nos encontrar ali, naquele lugar cheio de brinquedos, que também tinha uma TV para nos distrairmos, enfeitado e decorado com luzes de natal por toda parte, e posters dos nossos heróis preferidos.
Passamos grande parte da nossa infância enfiados ali dentro brincando, e mesmo quando nos tornamos adolescentes, e os brinquedos foram substituídos por um vídeo game e quadrinhos, ainda gostávamos de ficar ali.
É claro que, embora fossemos inseparáveis, éramos diferentes demais um do outro.
Era visível de diversas maneiras.
Draco era alguém que ficava cada vez mais bonito e suas características eram aquilo que todo mundo diziam ser fortemente masculinas.
Os hormônios fizeram bem a ele, sua voz ficou grossa de uma forma boa, ele começou a ter alguns músculos, e o início de sua barba foi um dos seus grandes orgulhos.
Eu, diferente dele, tive a minha fase patinho feio nessa época.
Nada de músculos, nada de voz grave e agradável. Eu era muito magro, não era alto como ele, tinha nove centímetros a menos, tive espinhas no rosto, e jamais tive qualquer indício de ter barba. E como se já não fosse o bastante, eu usei aparelho por quatro anos durante minha adolescência.
Então, é claro, eu sofria bastante na escola, mas mesmo assim ele estava ali para ameaçar e brigar com qualquer idiota que se metesse comigo, e mentir o tempo inteiro sobre me achar bonito.
Mas a mudança mais gritante, por incrível que pareça, não foi essa de nossas aparências.
Com quinze anos, obviamente Draco começou a ter sua atenção chamada por garotas.
Bem, não de maneira geral. Ele era diferente sobre isso, não como qualquer garoto de nossa idade que via garotas e ficava louco.
Eu notava as coisas de maneira sutil. Como ele passou a observar de um jeito diferente uma das lideres de torcida que sempre conversava com ele depois dos jogos, ou como certo dia ele comentou com os outros garotos como achava bonita uma garota com quem havia feito amizade.
O grande problema nisso, era que na mesma proporção que ele começou a demonstrar se sentir atraído por garotas, eu gostava de ver os jogadores de futebol do time onde ele era capitão, e eu jamais havia gostado de esportes.
Eu sempre inventava de ir dar boa sorte para ele nos vestiários lotados de adolescentes bonitos, e também de ir parabenizar ele após os jogos ali, porque ver aqueles garotos sem camisa me deixava muito... ansioso.
De uma maneira boa.
Eu sentia meu coração bater muito rápido, e os achava muito atraentes.
Então não foi realmente uma surpresa para mim perceber que eu não era como Draco.
Antes dele começar a ser diferente sobre garotas pelas quais sentisse alguma coisa, eu simplesmente me forçava a pensar que minha admiração pelos outros meninos era inveja.
Inveja de seus corpos bonitos, de suas vozes graves, e de todas as características neles que me atraiam.
Mas quando Draco se apaixonou pela primeira garota, eu simplesmente entendi que seguimos caminhos diferentes nesse aspecto.
O máximo que focava minha atenção em garotas, era quando alguma delas gostava das mesmas divas pop que eu, ou sabiam uma boa rotina de cuidados para pele.
Perceber que eu era gay não me assustou.
E sim perceber que isso poderia me fazer perder Draco.
Draco especificamente, porque para minha família essas coisas verdadeiramente não faziam a menor diferença.
Lembrava que minha mãe estava mexendo algo cheiroso em uma panela quando entrei na cozinha, pegando uma maça, que lavei cuidadosamente antes de me escorar na bancada e morder a fruta.
— Eu sou gay — Havia dito entre as mordidas, sem medo ou qualquer receio.
Sabia que ali era um espaço seguro.
— Tudo bem, querido. Pode me alcançar o sal, por favor? — Falou amorosa, e esse diálogo foi como aconteceu entre todos da família.
Houve, é claro, uma conversa sobre os desafios que eu teria pela frente. Como agir diante de casos de homofobia. Como agir quando me sentisse ameaçado. Sobre como o mundo era cruel, e como eles sempre estariam ali por mim.
Havia sido uma longa conversa com meus pais, e uma longa conversa com meus padrinhos.
Mas de suporte. De apoio. De acolhimento e segurança.
Mas não fazia diferença alguma para eles, e não mudava nada. Nenhuma conversa constrangedora, ou qualquer tipo de reprimenda.
Harry ser gay não era algo que precisava ser debatido.
Harry não gostar das bandas de rock que Sirius e James gostavam, sim, isso era um grande problema a ser debatido. Provavelmente foi a única vez que decepcionei eles, e havia sido um drama completo quando eu disse que aquele não era meu estilo de música.
Ser gay era apenas algo aleatório sobre mim, que não mudava em nada para eles quem eu era.
Mas contar ao Draco seria uma das coisas mais difíceis que eu já fiz.
Então tentei tudo o que pude para fazer daquele momento algo descontraído.
Combinei com ele de ir para a casa da árvore, que eu tinha deixado arrumada, com doces gostosos e um bolo que eu mesmo fiz.
Separei alguns filmes legais, cobertores, e foi onde passamos uma grande parte daquela tarde de domingo.
Nos divertimos bastante, embora eu estivesse muito nervoso, sem saber como começar a falar.
Por mais que pensasse sobre o assunto, nada parecia ser um bom gancho para dizer ao melhor amigo que você é gay.
Nós fomos para a minha casa jantar e tomar banho, e decidimos dormir na casa da árvore, então voltamos para ela quase onze horas, com muitos cobertores e travesseiros, nos espalhando pelo chão.
O grande problema era que realmente sempre fomos muitos afetivos um com o outro e, de certa maneira, eu adorava isso.
Os abraços, as vezes que dormíamos agarrados, os beijinhos e todas as outras coisas.
Então, quando nos ajeitamos no colchão, e eu me mantive afastado, obviamente ele ficou me olhando com curiosidade, sem entender.
— Vem — Falou, abrindo os braços para mim, e eu mordi o lábio inferior, me sentindo entrar em pânico.
O filme havia começado na tela, mas eu não conseguia me mover.
Porque eu queria contar a Draco. Contar hoje.
Não sabia como ele iria reagir, e tinha tanto medo!
Ele poderia ficar bravo, achar que eu me aproveitava de seus carinhos, poderia pensar tantas coisas terríveis sobre mim!
— Harry? — Questionou ao me ver parado, sem conseguir reagir, com o cenho franzido, e esticou o braço para pegar o controle e pausar o filme — O que houve? — Se sentou, me observando.
— E-eu...
— Nós sempre vemos filmes assim, qual o problema? — Questionou com preocupação, e eu abaixei os olhos para minhas próprias mãos suadas, sentindo que estava tremendo muito.
— Eu sou gay — Falei em um fio de voz, empurrando as palavras para fora, sem conseguir aguentar mais o peso que sentia por não contar a ele, e saber de uma vez por todas que ele passaria a me odiar por ser diferente.
— E o que isso tem a ver com ver filme abraçado? — Questionou, e eu ergui os olhos, vendo que ele se mantinha da mesma maneira, com o cenho arqueado e ar confuso.
Ergui o rosto para ele totalmente, e nesse ponto eu tremia tanto, com os olhos enchendo de lágrimas, que ele se alarmou, e se aproximou de mim.
— Ei, Harry? O que foi?
Neguei com a cabeça, incapaz de falar qualquer outra coisa, e ele sorriu fraquinho, pousando a mão na minha bochecha para me manter olhando para si.
— Você estava com medo de dizer? — Questionou, e eu apenas concordei, vendo ele amparar com o polegar a primeira lágrima que escorreu, com aquele sorriso doce e carinhoso — Não é como se eu não soubesse, você não é especialmente discreto para olhar quando vai no vestiário do time — Comentou e eu ri nasalado junto com ele, sentindo-o voltar a secar as lágrimas que escorriam.
— Você não me odeia?
— Te odiar? De onde tirou essa porcaria, Harry?
Apenas fiquei olhando para seu rosto, até ele suspirar, me puxando para seus braços, me acolhendo contra o corpo de maneira carinhosa e firme.
— Você acha mesmo que isso faz alguma diferença? Eu já disse, não é como se eu não soubesse. Isso não muda nada, Harry. Não muda o que você significa para mim, não muda nossa amizade. Estamos juntos desde pirralhos!
— Eu sinto muito — Murmurei baixinho, e ele beijou meu cabelo, apertando os braços ao meu redor.
— Eu estava esperando você se sentir confortável para falar sobre, por isso não toquei no assunto. Mas, de verdade, Harry, sou seu melhor amigo. Nada pode mudar o que temos, tudo bem?
— Você... já sabia? — Questionei, sentindo ele começar a fazer carinho nas minhas costas, como se tentasse me acalmar.
— Seus heróis favoritos são os que aparecem sem camisa nos filmes — Ele comentou, e isso me fez soltar uma risada engasgada pelo choro — É sério, Harry. Você não deveria ter medo de me dizer nada. Nunca.
— Eu não queria... que se afastasse de mim. Que ficasse com nojo, ou que... achasse que eu me aproveito da nossa proximidade.
— Eu entendo porque você ficou assustado. Mas espero que essa seja a última vez que tem medo de me dizer algo — Falou, afundando o rosto no meu pescoço, e eu senti a maneira como ele cheirou meu cabelo.
Ele sempre disse gostar do meu cheiro, e isso era algo totalmente recíproco.
— Então... está tudo bem? — Questionei, ainda um tanto ansioso, e ele afastou o abraço para poder segurar meu queixo, me fazendo olhar em seus olhos.
— É claro que está tudo bem, bobão. Não importa se você vai namorar um cara ou uma garota, eu vou ameaçar a integridade dessa pessoa da mesma maneira. Eu vou estar aqui por você, da mesma maneira. Você ser gay não resume tudo o que você é, Harry. E embora outras pessoas vão te fazer sentir como se isso fosse tudo sobre você, eu quero que saiba que não é. Qualquer um que tente te julgar por isso, se quer merece estar em sua vida. Se... se você me contou, então eu acho que é porque está preparado para lidar com isso agora. E eu fico feliz que tenha conseguido me dizer, mesmo com medo.
— Eu não ligo para o que as outras pessoas dizem. Eu só... não queria perder você.
— Você nunca vai me perder. Eu... posso imaginar como é complicado se assumir, tem todo o preconceito e violência... Mas nunca tenha medo de ser você mesmo, Harry. Porque você é incrível, exatamente como é. E ainda... ainda que seja assustador, eu vou estar aqui com você. Isso é uma promessa.
Mordi o lábio inferior, que tremia, me sentindo emocionado pela seriedade nos olhos azuis.
— Eu amo você — Ele falou, ainda me olhando nos olhos, e eu pisquei surpreso.
Embora totalmente grudados, próximos e carinhosos, aquilo nunca havia sido dito entre nós.
E ouvir naquele momento, fez toda a diferença.
— Eu também amo você — Falei, embora minha voz soasse mais como um choramingo manhoso, e me atirei nele para um abraço.
Por alguns instantes, apenas ficamos em silencio, enquanto eu parava de chorar aos poucos, não deixando de sentir como era sortudo por ter uma família incrível, e um melhor amigo tão doce.
— Filme abraçados? — Ele rompeu o silêncio depois de algum tempo, me fazendo rir.
— Sim — Concordei, sentindo um alívio enorme, e me afastei do seu abraço para secar as bochechas ainda úmidas pelas lágrimas, sorrindo sem graça para ele, que se manteve fazendo carinho no meu rosto.
— Olha para mim — Pediu, deslizando os dedos para meu queixo, erguendo meu rosto para me fazer encontrar os olhos azuis, e eu obedeci — Qual é minha cor favorita?
Soltei um riso fraco, totalmente sem jeito, mas ele parecia determinado.
— Qual minha cor favorita, Harry?
— Verde — Falei baixo, com certa timidez, e ele negou com a cabeça.
— Não qualquer verde. Você sabe a resposta — Insistiu, e eu sorri.
— O verde dos meus olhos — Falei por fim, vendo ele expandir o sorriso.
— É, minha cor favorita no mundo inteiro é o verde dos seus olhos. E nada nunca vai mudar isso. Jamais. Verde sempre vai ser a minha cor.
E quando nos abraçamos, debaixo das luzes que piscavam ao nosso redor, coloridas e bonitas, eu finalmente entendi que éramos o encontro de duas cores que jamais poderiam se desfazer.
Após misturadas, cores não poderiam se separar.
E isso era como eu e Draco.
Porque no fundo, azul sempre seria a minha cor.
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.