Era um sonho. Astra o tinha de forma recorrente desde que as guerras se iniciaram. No sonho era um garoto, escondendo-se em um baú enquanto o mundo a sua volta desmoronava.
-Nos temos pouco tempo- disse a mãe, escondendo a criança dentro de um baú- Não importa o que você ouvir ou ver, não saia daqui, tudo bem?- ela lhe ofereceu um sorriso gentil. Asta não a conhecia, entretanto, sentia um conforto aconchegante em seu olhar, um amor puro, e vivo de luz- Eu vou atrás do seu irmão... Se eu não voltar... Fuja de Albion... Você será o ultimo Huron vivo...
Ela lhe deu um beijo na testa, e então fechou o baú, e através de uma pequena abertura, ela observou um homem alto, de armadura cinzenta entrar na sala. Carregava em mãos uma lança vermelha, movia-se de forma desengonçada, parecendo ser mais um animal do que um homem.
-Incursio...- a mãe disse- Vai embora, não tem mais ninguém aqui! Porque o Imperador o enviaria para nos matar?
-O Imperador não me enviou- disse o homem. A voz era metálica- Eu sou o Dragão, e vocês ajudaram a me aprisionar nessa... Casca enfadonha. Por isso eu vim- A lança se projetou na direçao da mãe, cravando-se em seu corpo, e enquanto ela tombava inerte no chão, Astra sentiu o coração despedaçar dentro do peito, mas não conseguiu gritar, então o homem disse- Colocarei um fim a essa linhagem amaldiçoada. E se algum fugir, amaldiçoarei cada parto desgraçado de cada criança desgraçada até o fim dos tempos.
E então o dragão olhou na direção do baú. Seus olhos não eram humanos, eram vermelhos, como chamas.
Astra tinha aquele pesadelo repetidas vezes. A mãe, a crinaça, o dragão. Sabia que aquela criança escondida no baú era um de seus antepassados, que, amedrontado com o que viria, passaria os ultimos anos de sua vida unindo o próprio sangue com o sangue de criaturas, criando seres torpes, doloridos e entristecidos. Talvez toda a dor dos Hurons fosse resultado da maldição do Dragão, pois bem sabia, os Hurons haviam ajudado o Primeiro Imperador a perseguir e prender Tyrant, e como recompensa, foi lhes dado o controle de um pequeno vilarejo que crescia sob a sombra de uma enorme torre esmeralda.
Segura nos braços de Tatsumi, Astra enfim entendeu o que Uthred havia lhe dito naquele dia.
Havia algo em Tatsumi. Alguma coisa que se esgueirava em seu coração, silencioso, algo que o envenenava. Era Tyrant. Ele já estava ali mesmo que Tatsumi ainda não tivesse se dado conta. Era uma questão de tempo, ela pensou, como sempre era. Tatsumi era compatível com a criatura, e logo seria dominado por ela.
-Fique tranquila, princesa- ele disse- Eu vou tira-la desse lugar.
-Você é Tatsumi- ela murmurou.
-Já deve ter ouvido falar de mim.
-Pois é- respondeu- Eu ouvi...
-Isso é loucura!- disse Chelsea, enquanto via a enorme criatura destruir a entrada da casa, o braço direito estava em carne viva, tendo sido tocado pela névoa da criatura, ela mordeu os lábios de dor, mas sabia que ao se transformar pela última vez, os ferimentos seriam recuperados, ao menos em parte- Que... Que tipo de ser é esse?
O monstro se ergueu e rugiu, era do tamanho da casa e crescia a medida que se movimentava, e ao fazê-lo, a terra aos seus pés começava a morrer, a vegetação tornava-se cinzenta e morta, e então virava pó. Movia-se de forma desajeitada, como alguém que ainda não era acostumado ao tamanho do próprio corpo.
Tatsumi se afastava com Astra o mais rápido que podia, tirando-a daquele caos.
-Princesa... - disse ele, surpreso- Que criatura é essa?
-Eu... Eu não sei...- disse Astra, mesmo que a névoa negra lhe fosse familiar.
Izou e Vaarys se enfrentavam furiosos, ambos estavam cansados, e ambos desejavam com afinco destruir um ao outro, mas a aparição da criatura desviou a atenção dos dois por um momento.
Vaarys foi arremessado ao chão quando lascas de madeira voaram para todos os lados como a explosão de uma bomba, e então sentiu o ar de seus pulmões queimarem e gritou, sufocado pelo gás. Izou sentiu a mesma dificuldade, mas se afastou a tempo da monstruosidade.
Izou sabia que Dorothea tinha algo a ver com aquilo.
-Aquela mulher...
A atenção da criatura, entretanto, caiu sobre a dupla, e o monstro ergueu uma das suas diversas mãos, e a apontou para Vaarys, da palma, um abismo negro se abriu na forma de uma boca humana.
‘’Salvar... Izou’’- murmurou a criatura.
E da fissura irrompeu um inferno de chamas escuras que avançaram famintas em direção ao chão. Izou observou, com certo choque, Vaarys se contorcendo no chão por alguns segundos, antes das chamas ofuscarem sua visão por completo. O samurai ouviu um grito abafado por alguns segundos, enquanto a silueta do adversário se contorcia em meio as chamas, ardendo em um vermelho que parecia imitar a luz do sol poente. Izou sentiu a repugnância do cheiro da carne carbonizada, e então não ouviu mais nada.
O mercenário não teve tempo de fugir, o golpe foi rápido, cruel e transformou o corpo do mercenário em cinzas em segundos.
Era o fim.
Izou respirou fundo, jamais perdoaria a alquimista por aquilo.
Pesadelo.
Apenas essa palavra era capaz de expressar o que estava acontecendo naquele momento.
Izou tocou o punho de Kousetsu, amaldiçoando a criatura por ter interferido naquele combate, Nægling , notou, não havia sido destruída totalmente, apenas a lâmina estava chamuscada, o punho ainda continuava intacto. Izou lamentou a morte do adversário, deveria ter sido pelas suas mãos. Aquela não era a morte que um espadachim deveria ter.
E então, partiu.
Kurome olhou para o céu, enquanto o firmamento era pintado de negro, estava quieta, assustada, nunca havia visto nada igual. E não apenas ela, mas Run, Wave e até mesmo aquela mulher que acompanhava o companheiro estavam parados, estáticos, com os olhos fixos no céu. Não tardou para que algumas pessoas saíssem de suas casas, assustadas, e se amontoassem na praça, uma mulher passou por Kurome e a empurrou sem querer, se desculpou, mas a assassina não se importou.
As manchas negras se espalharam pelo céu, escureceram a manhã e depois se dissiparam, restaram somente as nuvens no céu, cinzentas e negras, e então começou a chover.
Quando as primeiras gotas de chuva atingiram Kurome, ela sentiu todos os músculos do corpo avisarem sobre o perigo, um sentimento irracional a atingiu, e instintivamente ela levou a mão até o punho de Yatsufusa. Wave, ao seu lado, percebeu os dedos firmes de Kurome sob o cabo da arma, e então tocou a sua também.
-Isso é alguma espécie de Tengu?- murmurou Kurome.
-Duvido- disse Run, enquanto pousava entre os dois, Wave o encarou com o canto dos olhos, era bom tê-lo ali, mas sentia-se traído pelo companheiro, por ter levado Kurome até lá sem ao menos avisar- Nunca ouvi sobre uma tengu capaz de fazer uma coisa dessas. Ainda que o poder de uma Tengu não tenha tanto a ver com sua forma ou habilidade, mas sim com a aptidão e controle do usuário... Duvido que uma delas fosse capaz de criar algo tão estranho em seu despertar.
-Nem o Extrato Demoníaco de Esdeath?- perguntou Wave.
Run imaginou se havia uma única chance de Esdeath estar por ali. Era improvável.
-Esdeath tem o poder do gelo- respondeu- Eu duvido.
-Então não tem nem ideia do que é isso- disse Wave.
Run balançou a cabeça negativamente, haviam muitos usuários de tengu e conflito naquele lugar, mas nenhuma delas carregava um poder semelhante.
Suspirou, passou os dedos pelos cabelos cor de ouro, úmidos pela chuva.
-W-Wave...- disse Cosmina.
A atenção dos três caiu sobre Cosmina, que se aproximava timidamente do trio, Run ainda achava estranho o fato dela ter sobrevivido. Tinha certeza que Tatsumi havia a matado, e a cicatriz em seu rosto era um lembrete daquele dia fatídico na floresta, emboscados pela Night Raid. Mas ela estava viva.
-Cosmina- disse Run- Que prazer revê-la.
Cosmina franziu o cenho e lentamente se posicionou atrás de Wave, como se assustada com o antigo escudeiro.
-Ela não se lembra de muita coisa- respondeu Wave, enquanto observava o olhar cruel da companheira cair sobre Kurome, que por sua vez, a encarava com impassividade- Não acho que se lembra de muitas coisas no seu tempo de diplomata. Mas ela é uma bo companhia.
Run franziu o cenho.
-Eu sempre me impressiono com o tipo de pessoa que você faz amizades, Wave- disse Run, lembrando-se de Tatsumi, e agora, daquela mulher- Se bem que para Honest, a voz dela é a única coisa que importa.
-Olha só quem está falando- disse Kurome, com um sorriso sugestivo no rosto- Ao menos ele não fez nenhum tipo de trato pelas costas com ela, nenhum pacto de não agressão entre assassinos cruéis- então olhou para Wave- Ou fez?
-O que está acontecendo?- perguntou Cosmina, interrompendo os três.
-É o que eu pretendo descobrir- disse Wave, sacando seu sabre e invocando a Grand Chariot. As pessoas que estavam a volta do marinheiro se afastaram, assustadas com aquele poder, e no mesmo momento, Run estendeu as asas de Mastema acima de Kurome, para protegê-la da chuva. Cosmina sorriu ao ver Wave trajando a lustrosa armadura negra, não importava quantas vezes o via daquela forma, sempre era impressionante- Fique aqui, Cosmina.
-Mas... Wave...
Wave simplesmente andou em direção de Cosmina e desarrumou os cabelos dela com os dedos, Kurome e Run olharam com certo espanto aquele gesto, mas logo o seguiram, e a assassina não pode deixar de sentir uma pontada de ciúmes com aquele gesto de afeto.
-Você é livre, Cosmina- declarou Wave- Se deseja começar uma nova vida, essa é a sua chance. Desapareça em Albion... Por favor, não volte para a Capital e se torne uma arma novamente.
-Livre?- Cosmina segurou Wave pelo braço- Eu não quero estar livre, Wave- argumentou- Quero estar ao seu lado!
-A sua missão era resgata-la- Kurome suspirou- Sabe que deixa-la fugir por vontade própria é traição, Wave.
-Ninguém saberá- disse Wave- Ao menos, não acho que nenhum de vocês dois vá dizer alguma coisa.
Cosmina abriu a boca para responder, mas ao perceber o olhar de Run, se conteve. Ele não confiava nela.
-Tome cuidado, então- disse ela Cosmina, contra a vontade, fez uma breve reverência e lançou um olhar venenoso na direção de Kurome, e observou, enquanto o trio se afastava.
Tatsumi estava paralisado diante do monstro que se arrastava para fora da casa, Akame estava ao seu lado, com Murasame em punho, enquanto a criatura se arrastava para longe.
-A criatura matou o Vaarys- murmurou Tatsumi, assustado, enquanto via as chamas se extinguirem da mão aberta- Eu...
Tatsumi sentiu o ódio crescer em seu peito e colocou gentilmente Astra no chão, então, instintivamente ergueu sua mão, evocando a sua grande lança e a arremessou contra a besta. A arma avançou como um relâmpago, dissipando a nuvem de gás que envolvia aquele ser e se cravando profundamente em uma das placas de metal do peito, o monstro titubeou ante a força do impacto. Até mesmo Tatsumi se impressionou, não esperava ter tanta força, e quando olhou para o seu próprio braço, viu a esguia figura de Sayo o segurando, com seus dedos finos e olhos vermelhos como fogo.
Forçou os olhos, e Sayo desapareceu. Estava ficando louco, e a cada momento tinha mais certeza daquilo. Não percebeu, mas Astra o olhava com certo assombro.
O monstro rugiu, enquanto um óleo escuro escorria pela lâmina vermelha da lança , então olhou para Tatsumi, o rapaz percebeu que, apesar de ter centenas de olhos espalhados pelo corpo escuro, ele tinha uma única cabeça, que se abriu em uma fossa de dentes escuros, e do lado de dentro da boca havia um rosto assustadoramente humano, e ele o encarava enraivecido.
A criatura rugiu.
‘’Matar... Princesa’’- disse ele, e lhe apontou a mão.
-Fuja com a princesa- disse Akame- Você é o mais veloz aqui. Tem que tirar ela o mais rápido e leva-la o mais longe que puder.
-Não vou deixar você aqui...
-Leve-a para um lugar seguro- da mão, as chamas negras começaram a se adensar- Não olhe para trás!
-Não posso deixar você sozinha aqui, você vai...
-O que? Vou morrer?- Akame sorriu. Tatsumi se recordava de poucas vezes em que a companheira sorriu daquela forma, confiante como era- Já se esqueceu quem eu sou? Já não confia em mim?
Tatsumi manteve-se em silêncio, então simplesmente apanhou Astra.
E as chamas avançaram.
Tatsumi ficou os pés no chão saltou, retirando os dois do caminho das chamas negras, que atingiram o lugar onde estavam com violência, queimando e consumindo tudo pelo caminho. Chamas escuras, que destruíam tudo aquilo que tocavam.
Akame se atirou para o lado oposto, escapando com destreza, enquanto Leone saltou, apanhando Chelsea pela cintura e a levando para longe. Durante o movimento, Leone notou que suas mãos se mancharam de sangue, e percebeu que Chelsea estava gravemente ferida.
-Chelsea...
-Continue, Não se preocupe com isso- disse ela, enquanto Leone gentilmente a colocava no chão- Não é nada demais...
-Não seja idiota- disse Leone- Você não é como o resto de nós que pode aguentar esses ferimentos... Seu braço...
Chelsea mordeu os lábios ao olhar para a carne do braço queimada, as roupas grudadas na carne viva.
-Não faça pouco de mim- disse Chelsea, com um sorriso fingido no rosto- Gaea Fundation muda o meu corpo a cada transformação, sei que não voltarei tão bem, mas basta eu imaginar meu corpo saudável... Temos outra preocupação agora.
Observaram enquanto o monstro se movia, não era lento, como imaginavam, ao contrário, partiu rapidamente na direção de suas presas.
-Aquilo... O que é aquilo?
-Alguma espécie de criatura- disse Chelsea.
-Não me diga- Leone balançou a cabeça- Nunca vi nada como aquilo.
-Não existe nada como aquilo- disse Chelsea- Não consigo reconhecê-lo nem com Gaea Fundation.
-Sua Tengu faz isso?
Chelsea balançou a cabeça afirmativamente.
-Isso está ficando mais perigoso a cada segundo- disse Leone- Pelos deuses...
-Os deuses não tem nada a ver com isso, deve ter sido Dorothea... Eu deveria tê-la matado quando tive a chance, deveria imaginar que ela ainda tinha uma carta na manga.
-Qual é o plano, Chelsea?- perguntou Leone.
-Contra aquilo? Leone, eu sei lutar contra humanos, não contra bestas como aquela... Eu... Eu não sei...
-Eis uma coisa que não estou habituada a ouvir de você- Leone a olhou e respirou fundo- Tenta pensar em alguma coisa, tudo bem?
-Ele sangrou quando Tatsumi o atingiu- disse ela- Se sangra, significa que é vivo, se é vivo...
-Akame talvez possa mata-lo- disse a loira- Mesmo não sendo uma criatura natural, talvez ainda esteja sob as leis de vida e morte, e Murasame possa feri-la.
-Tudo pode ser morto se for atingido no lugar correto- disse Chelsea, repentindo seu mantra - Como naquela vez que Stylish atacou a base.
-Acha que é a mesma coisa? Perfurar um ponto fraco?
-Nem de perto... Ao que parece, tudo o que encosta naquela nevoa escura e naquelas chamas queima e morre, devemos destruí-la antes que ela... - Chelsea titubeou no momento em que sentiu a dor insuportável em seu braço, caiu sobre um joelho- Antes que ela alcance a cidade.
-Faremos o que for possível- disse Leone.
-Eu espero que seja possível- Chelsea se ergueu- Persiga a criatura, eu vou até Vaarys, espero que ele ainda esteja vivo.
-Vaarys está morto- disse Leone, com certa tristeza, e Chelsea balançou a cabeça negativamente- Se acha que Gaea Fundation pode te curar, deve fazer isso... Com uma queimadura como essa, talvez você perca o braço sem auxilio médico, ou pior... Talvez não chegue viva até o fim desse dia.
-E se precisarmos de outra transformação?
-Damos um jeito, mas não podemos dar um jeito para a morte- Leone lhe tocou no ombro- Tome cuidado, Chelsea.
Akame perseguiu a criatura enquanto ela perseguia Tatsumi. A assassina estava impressionada com a velocidade que ela se movia, mesmo sendo tão grande e desajeitada. Akame correu o máximo que conseguiu, mas não antes de olhar para os arredores em busca de Vaarys, mas não o encontrou, tampouco Izou.
Akame correu e saltou por sobre uma pedra, e utilizou esse impulso para se atirar em direção a floresta. Akame perseguiu a criatura floresta adentro, saltou por cima das arvores, e utilizou a elevação de um morro para ganhar vantagem, do alto, conseguiu enxergar a enorme figura escura perseguindo o pequeno ponto prateado que era Tatsumi, e o que era mais assustador era que a floresta parecia morrer enquanto a criatura se movimentava expelindo gás negro.
Quando Akame alcançou a altura e a distancia correta, percebeu que era a hora de agir.
Saltou do alto do morro, libertou Murasame da bainha, girou o corpo com a agilidade de uma dançarina.
Akame estava em queda livre, então ergueu a espada acima da cabeça e projetou a lâmina para baixo e atacou, utilizando seu peso como arma. Murasame atingiu uma das placas nas costas da criatura, a riscou, faíscas ascenderam, mas a espada não chegou a feri-la. Mas Akame conseguiu o que desejava, pois ela deixou de perseguir o aliado.
A assassina sentia a bota esquentar, a superfície da criatura era quente demais e o cheiro que ela exalava era nauseante, e ainda em cima dela, observou que a arma de Tatsumi ainda estava presa ao peitoral, e da fissura na placa, um liquido escuro e grosso como óleo escorria e pingava no chão.
Sangrava, e se sangrava, poderia morrer, bastava que achasse um ponto fraco.
Ela saltou no momento em que a criatura tentou esmaga-la com uma das mãos, teve que agir rápido, de forma que caiu desajeitadamente no chão e quase foi atingida pela cauda daquele monstro, que avançou tal qual um chicote, quase partindo ao meio uma arvore, e fazendo lascas voarem como facas em diversas direções, uma delas cortou o ombro de Akame superficialmente. A enorme criatura então tentou morde-la, mas a assassina era rápida demais, e ele não foi capaz de alcança-la. Akame tentou estoca-lo nos olhos. A ponta de Murasame riscou o grosso couro que era a pele dele, mas não foi capaz de atravessa-lo.
Akame suspirou, recuou a espada e se afastou, pensando em alguma solução para aquele impasse.
‘’Placas de metal e pele grossa’’- pensou- ‘’Se move rápido, e não poderia ser assim se estivesse totalmente protegido’’- lembrou-se de como eram as couraças imperiais, armaduras pesadas e poderosas, entretanto, as juntas dos braços, pernas, virilha e axilas eram vulneráveis. Olhou para trás, e viu que Tatsumi já havia desaparecido, imaginou se ele tinha notado sua intromissão e se voltaria para ajuda-la, pensou que não, e esperava que não, o rapaz já havia se ferido demais por causa dela. Ergueu Murasame acima do ombro, imitando a posição de Izou e esperou pelo próximo ataque.
A criatura avançou, cega de ódio, e para um ser daquele tamanho despedaçar alguém do tamanho de Akame seria uma tarefa fácil, até tediosa, mas Akame não era fácil de se alcançar, e momentos antes dele sequer puder toca-la com os dedos, Akame saltou, caiu suavemente sobre a palma da mão do monstro momentos antes de uma torrente de chamas negras serem lançadas, chamas que por pouco não atingiram a guerreira, chamuscaram parte de seu cabelo, e ela os cortou antes que o fogo se espalhasse, para então, correr pela extensão do braço.
Akame correu pelas placas de metal do antebraço da criatura, enquanto tudo a volta dela morria, consumido pelas chamas negras. Continuar próximo ao monstro era extremamente perigoso, mas Akame ignorou aquele risco, o que deveria fazer era parar aquela criatura, não importava a que custo, aproximou-se do cotovelo, ergueu Murasame e atacou.
Falhou, a espada não era capaz de ferir aquele monstro, não daquela forma.
Akame foi atirada para o chão quando o monstro sacudiu o braço, sentiu o corpo explodir contra o tronco caído de uma arvore e ouviu a criatura rugir, enquanto pequenos orifícios em sua pele expeliam o gás negro. Akame correu antes que fosse envolvida por ele, olhou para trás e viu o tronco da arvore apodrecer e se quebrar em poucos segundos, então correu para o único ponto seguro: A parte de baixo da criatura.
Ela se movia como um animal quadrupede, e Akame correu por baixo de seu corpo. Atacou-o dezenas de vezes, tentando fazer com que Murasame atingisse algum ponto vulnerável enquanto corria em direção a cauda.
Murasame não tinha força o suficiente para corta-lo.
A assassina correu perpendicular ao corpo da criatura, tentou atingi-la outra vez na junta das pernas traseiras, falhou.
Akame sentiu que tudo ao seu redor começava a murchar, e logo respirar tornou-se quase impossível, a assassina correu para longe, moveu Murasame em movimentos consecutivos, a fim de dissipar a fumaça a sua frente, e saltou por sobre as chamas negras que alastravam ao seu redor. Tinha agora a atenção da criatura, mas não sabia o que fazer para se livrar dela.
Quanto tempo havia se passado desde que começou a enfrentar aquele grupo? Akame ofegou, estava cansada. Cansada daquela situação, daquelas pessoas que acompanhavam o filho do primeiro ministro, e acima de tudo, ainda pensava que sua irmã estava na cidade.
Akame balançou a cabeça, não era momento para pensar naquele tipo de coisa.
Uma besta feita de fogo e de metal, que corroía tudo o que tocava, com muitos braços, e quase nenhuma vulnerabilidade. Akame balançou a cabeça negativamente, aquele tipo de coisa não deveria existir, não parecia uma besta perigosa, não parecia uma arma, era simplesmente um monstro de escuridão e morte, cuja única vontade era devastar tudo o que havia a sua volta, e que a presença poderia fazer tudo ao seu redor morrer.
Akame estava a frente do monstro, apenas a alguns metros de distância, o encarando profundamente, com seus olhos vermelhos como pedras de rubi, de espada em punho e postura arqueada. O monstro também a encarava, com talvez, um brilho respeitoso naqueles olhos negros. As chamas escuras ao redor da criatura se apagaram, e a escuridão que a envolvia cresceu e pareceu engolir a luz do dia, e naquele momento, a floresta esmoreceu, os animais da manhã se calaram, e a luz da manhã foi banida. Para quem observasse o confronto, a luz que Murasame absorvia através da lâmina cor de prata era o único ponto de luz em um mundo de escuridão.
O monstro se moveu, e as placas de metal rangeram, então ele abriu a grande boca, de onde um rosto humano abriu seus olhos, então ela se sacudiu, libertando a placa peitoral da lança de Incursio. Era estranho que aquela arma não tivesse sido destruída em contato com aquela criatura.
A lança se desprendeu e caiu no chão, e era pesada o suficiente para se cravar profundamente ao cair, e o monstro se ergueu nas patas traseiras, ainda encarando a assassina.
-Eu não tenho medo- disse ela, imaginando se a criatura era capaz de entendê-la.
Ela rugiu, um grito estridente capaz de causar pesadelos, e duas grandes asas se abriram em suas costas, afastando as placas de metal e rasgando a carne. As asas escuras como carvão se abriram de um lado a outro daquele caminho de arvores, e se moveram, lançando uma parede de ar venenoso na direção da inimiga. Akame arregalou os olhos, protegendo-os com o antebraço, sentiu a pele se irritar em contato com o gás, teve que recuar, imaginando o que havia feito para deixar aquele monstro tão furioso. A escuridão aumentou ao seu redor, como se o mundo se tornasse o retrato de um pesadelo. Akame recuou ainda mais, testando os limites da criatura enquanto não era capaz de desviar os olhos do pequeno rosto humano, o monstro manteve-se no lugar. Akame estremeceu quando a cauda se moveu como um chicote, quase a atingindo em cheio e explodindo contra o chão.
Akame não sabia se tinha força para derrotar aquela criatura sozinha, e entretanto, era a única naquele lugar para faze-lo.
Retirou as botas queimadas, sentiu a terra nos pés e se recordou dos tempos de criança, antes do mundo ter se tornado um mar de sangue e de matança, e por um breve momento, lembrou-se de Martha. Martha foi a primeira pessoa que Akame matou, e era uma das maiores cicatrizes em sua alma. O rosto de Martha veio a mente de Akame, e era como se ela pudesse toca-la novamente, e ouvir a sua voz. Akame ainda se lembrava do cheiro nauseante do sangue quando a matou, e da dor que despedaçou o seu coração. Ainda sentia a amarga sensação que, depois daquele dia, nada em sua vida seria igual. Uma parte de si mesma havia morrido junto com Martha.
‘’Por que estou me lembrando disso justo agora?’’- perguntou Akame, enquanto Murasame tremia em seus dedos, então respirou fundo, balançou a cabeça e percebeu que Briareu se aproximava dela, como uma serpente, talvez aquele gás estivesse nublando seus pensamentos- ‘’Sinceramente, que influencia ruim.’’
Akame recuou um pé, retomou o equilíbrio e pensou que se saísse viva daquela situação teria uma conversa séria com seus companheiros sobre trabalho em equipe.
-Vamos terminar com isso!- gritou.
Akame correu em direção a criatura, saltou sobre a cauda, que avançou em sua direção cortando a terra aos seus pés e erguendo uma muralha de terra e pó, e então se impulsionou para cima, girou o corpo e tentou estoca-lo uma ultima vez entre as asas, mas ali a carne era tão grossa quanto em todo o resto, então Akame correu ainda mais, descalça, não poderia ficar sobre a criatura por muito tempo. Chegou ao braço e foi arremessada para o alto por um solavanco da criatura. O monstro ergueu uma de suas mãos, e libertou as suas chamas na direção da assassina, mas Akame já esperava por aquilo, e ainda no ar arqueou o corpo e se esquivou.
A criatura era grande, era forte, era rápida, mas era previsível, e Akame utilizou-se disso ao seu favor.
As chamas se extinguiram, levando consigo toda a copa das arvores que ainda se mantinham em pé, e naquele instante entre as chamas se extinguirem e a fenda na mão se fechar, Akame atacou, despencando do céu como um raio.
Murasame se cravou até o cabo na carne macia da fenda, Akame sorriu quando viu a maldição de Murasame se espalhar pelo braço, e a criatura gritar de dor, a assassina libertou a espada, saltou para longe e observou.
O monstro rugiu tão alto, que pôde ser ouvido em todos os cantos de Albion.
Dorothea passou por uma grande multidão, acompanhada de Suzuka, e quando ouviu o rugido, parou por alguns instantes, se estava preocupada, o sorriso em seu rosto não deixou transparecer.
-O que é tão engraçado?- murmurou Suzuka, quase despencando de tanta exaustão.
-O Modo de Expurgo- disse Dorothea, enquanto era sustentada por Suzuka- É algo que estive trabalhando nos últimos anos, antes de ser interrompida... Mas ainda não era totalmente funcional.
-Modo de Expurgo?
-Feriram a criatura o suficiente para ativar... Impressionante.
Suzuka manteve-se calada, pois a cada passo que dava sentia o corpo vacilar.
-Talvez testemunhemos um evento catastrófico- disse ela- Uma maravilha terrível- Dorothea olhou para as pessoas a sua volta, tentando identificar o rosto de Izou, mas não o encontrou- Vamos embora...
Akame encarou atônita enquanto a criatura arrancava o próprio braço com os dentes, antes que a maldição o eliminasse. O pesado membro despencou em direção ao chão, e se consumiu em chamas. Briareu rugia tão alto que o ouvido de Akame doeu, e naquele instante, os olhos negros da criatura se tornaram vermelhos como sangue, e ela começou a socar o chão, com tanta força que Akame sentiu a terra tremer abaixo de seus pés, enquanto seu corpo expelia uma quantidade inacreditável de gás.
Akame se afastou o máximo que podia, amedrontada com o que via.
Medo não era uma sensação que ela estivesse acostumada a sentir sobre si mesma, o puro e o simples medo pela própria vida.
Akame pensou em avançar em direção a ele uma ultima vez, mas foi impedida por dois braços fortes que se agarraram ao seu corpo. Leone passou por ela e pelo monstro, atravessando a fumaça venenosa. Uma pequena chama ainda consumia a carne de sua bochecha direita, mas ela logo se apagou e Leonel curou a sua usuária.
-Leone!- murmurou Akame, sentindo a violência da intromissão da amiga.
-Você já fez demais, Akame!- disse a loira, e Akame olhou para trás quando Tatsumi atravessou correndo a muralha de fumaça negra, mas Incursio o protegia dela. Tatsumi apanhou a lança do chão e correu na direção das duas.
-A princesa...
-Está em um lugar seguro- Disse Tatsumi, aprumando-se as duas- Fora da floresta, mas não estamos assim tão longe de Albion!
Akame suspirou aliviada, haviam pelo menos conseguido salvar a vida de Astra.
-E Chelsea?
-Ferida- disse Leone, enquanto parava gradativamente de correr, já estavam em uma distancia segura. Estavam em uma grande elevação, e de cima, conseguiam ver Albion se estendendo em direção ao mar.
-Droga... - disse Leone- Se aquilo alcançar a cidade...
-Eu não sei se sou capaz de derrota-lo- disse Akame- Não sozinha.
-Sua arma é capaz de mata-lo?- perguntou Leone.
-É- respondeu Akame- Mas não é capaz de perfurar a couraça, e nem posso me aproximar dele enquanto ele estiver em meio a aquela névoa. Mas a de Tatsumi pode quebra-lo- Akame imaginou se os dois unidos seriam capazes de parar a criatura, mas no fundo, não tinha certeza, alguma coisa havia mudado, a criatura ainda se mantinha parada, naquele frenesi onde ela havia o ferido, e aquilo não lhe parecia uma coisa boa- Mas temos que tentar.
Chelsea aproximou-se do corpo de Vaarys. Não havia sobrado muita coisa do mercenário além de uma pilha de cinzas que ainda eram tocadas por uma pequena fagulha negra. Ela franziu o cenho, o braço ardia, mas ela não tinha certeza se deveria usar sua ultima transformação.
-Me perdoe... – murmurou, sentando-se ao lado das cinzas do mercenário- Meu corpo é muito fraco- se lamentou- Perdoe-me, Vaarys... Eu não sabia que a Dorothea ainda tinha uma arma na mão e...
Foi então que Chelsea o ouviu.
Run cortou os céus como uma ave de rapina, seguiu a grande mancha negra de fumaça que se adensava em direção a Grande Floresta de Albion, havia deixado os companheiros para trás por um momento para fazer o reconhecimento da área. Aconselhou o casal a ficar onde estavam, mas sabia que eles não iam obedecer. Run atravessou o caminho com velocidade, passando pela cidade, e pelo longo campo que separava as residências mais afastadas da capital, para então descer em direção as ruinas de uma casa.
Seus pés tocaram o chão negro, era estranho que apenas aquele trecho estivesse morto em meio a todo o resto. A terra estava seca, negra, morta. Run olhou para cima, estava mais próximo do que nunca daquela imensa mancha negra. Andou por volta da casa.
E então, a viu.
Chelsea estava sentada, suja de terra e fuligem, e com a roupa manchada de sangue e o braço direito em carne viva, parecia com dor, mas ainda assim, havia mais tristeza em seu olhar do que, necessariamente, dor.
-Pode sair de onde está escondido, Run- disse Chelsea, olhando para uma pilha de cinzas.
-Parece sempre saber quando estou perto.
-Mastema não é silenciosa, e até mesmo um cão reconheceria o som depois de ouvir tantas vezes... Não precisa se esconder, não sou sua inimiga.
Jaeger se revelou, e nos trajes brancos que usava, era uma figura que não combinava com aquele cenário devastado. Ele olhou com certa tristeza para o braço de Chelsea.
-Chelsea- disse ele- Você...
-Eu não estou em meu melhor dia- disse a ruiva.
Run ergueu uma sobrancelha.
-O que houve com seu braço?
-Queimou- disse Chelsea- A criatura que causou tudo isso...
- O que aconteceu aqui?- perguntou Run.
-Uma longa história- disse Chelsea- Em resumo, o filho do primeiro ministro raptou a princesa de Albion, nós viemos resgata-la, e o fizemos... Mas... Algumas coisas deram errado.
Run andou até o interior do que havia restado na casa, o cadáver de Syura ainda estava lá, mas estava seco e murcho e queimado, pouco lembrava o filho do primeiro ministro. Shambhala havia sido arrancado de seus dedos.
-Vocês mataram o filho de Honest- disse Run, abismado.
-Vamos matar o resto quando tivermos a chance também- provocou Chelsea- Isso... É só o começo da história, e esse caos é tudo culpa desse homem, e das pessoas que o seguiam.
-Fez uma ameaça direta contra o primeiro ministro- disse Run, analisando o cadáver e tentando entender o que havia acontecido- Ousado.
-Você sabe como Honest é- disse Chelsea, com escárnio- Sinceramente, me pergunto como ainda é capaz de estar do lado de pessoas como aquela.
-Não confunda as coisas, Chelsea, eu não estou do lado de Honest- estava do lado de Esdeath, pensou a ruiva, o que era muito pior- É como se ele estivesse morto há semanas...
Chelsea suspirou, e se encolheu de dor com a mão sobre o ferimento, Run se sentou ao lado dela.
-Run... Não...
-Você precisa cuidar desse ferimento- disse ele, calmamente.
-Isso não concerta as coisas entre nós- disse a ruiva, enquanto deixava Run fazer um curativo rápido, aquilo, obviamente não era o suficiente, e Chelsea poderia se curar com sua arma, mas deixou Run toca-la.
-Não... Mas já é um começo.
-Eu estou preocupada- confessou ela.
-Com o que?
-Com a criatura...
-Criatura?
-No caminho eu lhe explico- disse Chelsea, se erguendo- Preciso que me leve até a cidade.
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