Tatsumi vagou pelos extensos jardins da Cidadela.
Estava sozinho, imerso em seus próprios pensamentos e afogado em suas próprias lembranças, pensou sobre quem- ou o que- era, e sobre o que ele havia se tornado, e em como seria a sua vida dali em diante, arrastado por um turbilhão de tragédias infindáveis, uma seguida da outra. Tudo havia mudado, toda a sua perspectiva de mundo havia sido obliterada como as trevas da madrugada momentos antes do amanhecer.
E ainda havia dentro dele aquele sentimento estranho, o medo de alguma coisa que se escondia dentro de si mesmo, aquela estranha sensação de algo selvagem sempre a espreita.
Havia o medo do autodescobrimento, ele sabia que jamais voltaria a ser aquele jovem rapaz que saiu de seu vilarejo no canto do mundo, e isso o assustava. Ele havia se tornado mais uma vitima daquele mundo cruél, e a perspectiva que a cada dia que se passava o mundo parecia se tornar um lugar mais sombrio e vazio, sem graça e cinzento.
Aquilo fazia parte de crescer? Talvez. Ele não sabia, não tinha certeza. Na verdade, não tinha mais certeza de coisa alguma.
Tatsumi suspirou, e então correu pelos jardins. Correu até que suas forças se esgotassem e suas pernas vacilassem, não era tão veloz como era com Incursio, mas era suficientemente rápido para atrair alguns olhares curiosos, e era estranho correr daquela forma sem que a sua vida dependesse daquele esforço.
Parou, ofegante, teve vontade de gritar. As pernas tremiam de cansaço, e no peito, o coração martelava como um tambor. Mas ao menos, no meio daqueles campos, Tatsumi se sentia um pouco em paz, era como estar nos braços de Mine.
-Sente-se aflito, rapaz?- perguntou um dos clérigos, um homem de aparência andrógena. De inicio, a aparência daquele homem lhe chamou a atenção: Tinha cabelos cor de prata, que escorriam como um rio até os pés descalços, o corpo era esguio, e tanto braços e pernas eram finos, como se deles houvesse sido exilada a força em prol da beleza e da graça, os olhos eram de uma cor desconhecida, e a cabeça era rodeada por uma coroa tão fina, que mais parecia ser uma tiara. Trajava um manto de clérigo simples, sem nada que pudesse chamar a atenção ou ser digno de nota.
-Um pouco- respondeu Tatsumi.
-É normal se sentir assim às vezes- sorriu, e aquele sorriso de alguma forma parecia acalmar- Mas, por que motivo?
-Você não entenderia- respondeu Tatsumi, em meio a um muxoxo.
-Tente.
Tatsumi fingiu sorrir.
-Não é um problema comum, para ser bem sincero.
-Imagino que não- o homem suspirou- É algum tipo de doença?
-Pode-se dizer que sim- respondeu ele.
-Uma doença da mente, do corpo, ou da alma?
A pergunta, por algum motivo, pareceu estranha, mas Tatsumi respondeu mesmo assim.
-Da mente, ou da alma, não sei dizer- balançou a cabeça e olhou para as próprias mãos- Do corpo, nem tanto, estou apenas com um ferimento no tornozelo, nada de muito grave, na verdade.
-Da mente e da alma- disse ele, avançando lentamente em direção ao grande palácio branco- Dizem que aqui existe um homem que pode lhe ajudar. Acompanhe-me.
-Me disseram isso também, eu vim procurar por ele.
-E você acredita nessa afirmação?
-Na verdade, não sei. Não acredito plenamente, mas não tenho motivos para duvidar.
O homem balançou a cabeça afirmativamente.
-Afinal de contas, você já viu tantas coisas... Já sentiu tantas coisas. Viu o mundo e testemunhou a riqueza, a pobreza, e a crueldade dos homens. Porque duvidaria?
Tatsum franziu o cenho, era como se ele soubesse de mais coisas do que aparentava.
-Sabe quem sou eu?
-Muitas pessoas vem até esse lugar por motivos muito parecidos, viajantes, principalmente, e você não me parece diferente dos demais, vejo em seus olhos- ele riu, ao constatar os olhos heterocromia do rapaz- Não tão diferente assim. Foi apenas uma suposição.
-Supôs corretamente- disse Tatsumi.
-Na maioria das vezes, sim.
-Qual é o seu nome?
O homem olhou para o céu, introspectivamente.
-Se eu tivesse um nome, coisa que abandonei no dia em que entrei nesse lugar, seria... Eu não me recordo- levou a mão até o queixo- Muitas coisas aconteceram comigo, e essas coisas acabaram ficando para trás.
-Como alguém pode não se recordar do próprio nome?
-Eu já fui chamado por mais de uma centena de nomes. Mas se precisa de um titulo para que eu me torne um alguém, chame-me de Lorde.
Tatsumi arregalou os olhos, então, caiu sobre um joelho. Havia ouvido Lubbock comentar sobre o nome do líder do Caminho da Paz, mas nunca pensou que ele fosse alguém como ele. Tão belo, tão puro e bom, sequer parecia um humano.
-Seus amigos- disse ele, a voz era calma, sempre calma- Eles vieram lhe procurar.
Naquele momento, Lubbock e Chelsea vinham andando pelo campo, Chelsea ainda não tinha forças para se sustentar correndo por muito tempo, mas fez o suficiente para alcançar Tatsumi. E quando ambos chegaram próximos ao rapaz, fizeram uma genuflexão, com todo o respeito que dois assassinos poderiam mostrar a figura máxima de uma religião.
-Olá- disse o Lorde- Estava esperando a chegada de vocês. Todos os três.
-Esperando?- perguntou Lubbock- Viemos secretamente, como poderia saber?
-Eu sei, Lubbock- disse o Lorde- E isso é a única coisa que lhe importa saber.
-Ouvi histórias sobre sua clarividência, Lorde, mas isso ainda me surpreende.
-Lubbock, Tatsumi e Chelsea- disse ele- Uma com feridas no corpo, outro, com feridas na alma, e um ultimo que não possui feridas aparentes como essas, mas cujo coração está entregue a luxúria.
Tatsumi e Chelsea não puderam deixar de olhar para Lubbock.
-E isso é uma coisa ruim?- perguntou Lubbock.
-Digo-lhe que uma vida sem prazeres é vazia, mas uma vida guiada somente por prazeres será consumida pelos desejos, até que não sobre coisa alguma além da escuridão. O segredo está no equilíbrio das coisas.
-Tudo bem, agora eu estou impressionado- Lubbock sorriu, então fez uma breve reverência novamente- Se sabe de tudo isso, deve imaginar o motivo de estarmos aqui.
-A maioria das pessoas me procuram em busca de cura e de paz, mas sei que os seus corações foram forjados para a guerra, então não é a paz que vieram procurar- ele começou a andar na direção do trio e parou alguns centímetros em frente a Chelsea, tomou uma das mãos da mulher e retirou a luva, inexpressivo, observou os dedos escuros da assassina, e a insistente tremedeira- Posso curar a dor de seu corpo, jovem Chelsea, mas não posso curar a dor que tortura a sua alma.
-Eu já estou acostumada com ela- disse Chelsea em meio a um sorriso forçado- Não se preocupe com meu psicológico.
O Lorde apanhou as mãos de Chelsea, e por um momento, seus olhos brilharam em tristeza.
-Vejo que não acredita na cura que posso proporcionar. Sinto seu coração hesitando.
Chelsea abriu a boca para dizer qualquer coisa, mas se calou no momento em que sentiu um espasmo lhe percorrer todo o corpo, partindo de sua mão e se espalhando pela espinha, então sentiu todos os pelos de seu corpo se eriçarem, e no fundo, não sabia dizer se era uma sensação boa ou ruim, e isso era estranho demais até mesmo para ela.
-Pobre mulher- disse o Lorde- Sinto toda a dor que a consome. Eu sinto muito.
Chelsea se afastou lentamente, letárgica, Lubbock se aprumou para segura-la antes que ela caísse, mas não foi preciso, a Assassina de Mil Rostos se recompôs rapidamente.
-Não sinta- disse Chelsea, ofegante- Não é a sua culpa... Não é culpa de ninguém além de mim.
O Lorde sorriu, então se curvou lentamente, e Lubbock afastou-se alguns passos, hesitante, no momento em que viu as manchas negras na mão de Chelsea recuarem lentamente. Chelsea suspirou, e caiu de joelhos, não sabia dizer se estava sentindo uma dor profunda ou um prazer intenso, e por isso sorriu, mesmo que lágrimas manchassem seu rosto.
-Minhas mãos... - disse ela- O que...
-Sua dor, ela diminuiu?- perguntou o Lorde.
-Um pouco.
-Perdoe-me, pois é tudo o que posso fazer no momento. A senhorita estava ferida demais.
Chelsea não sabia dizer o que havia acabado de acontecer, mas sentia-se melhor agora, mais revigorada, e mesmo que estivesse daquele jeito há minutos atrás, sentia que a dor era pouco mais do que uma memória distante. Talvez aquele homem fosse realmente capaz de operar milagres.
-Estava ferida?- perguntou, com nada mais do que a sugestão de um sorriso no rosto- Não estou mais?
-Você está curada.
-Isso é um alivio- Chelsea se curvou, não acreditava totalmente nas divindades, mas aquele homem talvez fosse alguém tocado pelos deuses a quem os homens tanto ofenderam- Agradeço, de coração.
O Lorde fez que sim com a cabeça, e então disse:
-Vocês são bem vindos nesse lugar, sintam-se em casa- deu de ombros e então se virou- E encontrem-me nos jardins de cima, é fácil de ver a distância, e vocês saberão o caminho.
IMPÉRIO.
Esdeath sonhava.
A general dos exércitos imperiais não costumava se lembrar do passado, tampouco fazia questão de faze-lo, afinal de contas, haviam poucas coisas em seu passado que eram dignas de saudade, e menos coisas ainda que ela desejava se lembrar, e nenhuma pessoa que ela desejasse rever. Mas haviam coisas em sua infância que, no fundo de seu coração, Esdeath sentia falta, como o seu pai, o antigo homem que a ensinou a pensar da forma que ela pensava, que a mostrou como ser impiedosa, cruel, e impiedosa, que havia mostrado a pequena garota de cabelos azulados que ela havia nascido para triunfar.
E naquela noite, lembrou-se de seu antigo clã.
No sonho estava com seu pai no alto de uma montanha, era noite, e o céu escuro estava iluminado pela aurora que cintilava em dezenas de tons e cores que Esdeath não era capaz de guardar na memória, cores de sonhos, em um céu de fantasia.
Seu pai estava em pé, observando aquele evento com um sorriso no rosto, enquanto os cabelos azuis eram agitados pela brisa. Cabelos azuis e olhos cor de safira, olhos e cabelos que ela havia herdado.
-Isso acontece uma vez a cada ano- disse ele, sua voz era grave e altiva, e parecia um eco de uma caverna profunda.
-A aurora?- perguntou a jovem Esdeath, sentada sobre o cadáver de um grande lagarto. Tinha a pele alva coberta pelo rubro do sangue, e uma faca ensanguentada nas mãos. Ela olhou para seus dedos pequenos, tão familiares. É dificil para um adulto se lembrar que um dia já foi uma criança.
-É. A aurora- sorriu- É bonita, não é?
-Acho que sim- respondeu Esdeath, ainda que não achasse aquilo de todo interessante.
Houve um longo momento de silencio entre os dois, e Esdeath encarou o firmamento, enquanto os olhos brilhantes da criança eram iluminados pelas cores do evento.
-Estou orgulhoso de você, minha filha- disse o pai, e Esdeath sorriu, pois haviam poucas demonstrações de afeto vindas daquele homem tão frio e calculista, nunca foi culpa dele, de fato, ser tão distante. Era um homem do norte, um caçador de uma terra fria e cruel, e aprendeu a ser assim- Você caçou a criatura sozinha hoje, e por isso os Partas terão o que comer amanhã, cumpriu seu dever, é a sua primeira caça, e a partir de hoje eu a considero uma de nós. Já não é mais uma criança, minha Esdeath, é uma caçadora, assim como sua mãe antes de você.
Esdeath não conseguiu conter o riso, teve o ímpeto de correr e abraçar o pai, mas se conteve.
-Tudo muda, não é mesmo? Ainda ontem você era uma criança, nos braços da Matriarca, e agora você já é uma de nós. O tempo passa.
-Tudo o que eu fiz é em honra ao senhor, meu pai.
-Eu sei que sim, mas essa é uma forma errada de se ver as coisas. Você deve fazer o que faz apenas por si mesma, eu quero que você se torne poderosa, minha filha, a mais poderosa de todos, e quero que você comande nosso povo depois que eu me for.
Esdeath suspirou, nunca havia lhe passado pela mente a ideia de suceder seu pai.
-Talvez eu não queria sucede-lo, meu pai- disse, com a voz baixa, um degrau acima de um sussurro- Não sei se nasci para comandar.
-Você tem a escolha de partir ou de ficar, mas essa escolha irá molda-la para sempre. Talvez em um dia, daqui a uma década, duas ou mesmo três, você olhe para o seu passado e se de conta de que se tornou outra coisa, algo totalmente diferente do que você pensava que seria. Uma Senhora da Guerra, poderosa como está destinada a ser, cujo sabre devastará as terras dos homens e cujo poder colocará de joelho os homens mais poderosos- Seu pai não havia lhe dito tais palavras naquela ocasião, ele não teria como saber sobre o destino dela, tampouco sobre o destino dos Partas, mas eram aquelas palavras que saiam da boca daquele homem naquele sonho distante.
-Uma... Senhora da Guerra?
-Somos todos moldados pelas escolhas que fazemos, minha filha.
Esdeath olhou para o firmamento, enquanto o céu rodopiava em tons variados, olhou para o lado e viu o corpo de seu pai, morto, e atrás dele infindáveis cadáveres, e então despertou.
Esdeath despertou ofegante, o coração batia forte como um tambor, e seu corpo suava, ainda que suas cobertas- e grande parte de seu quarto- estivessem envolvidas pelo gelo de seu corpo, quebradiças ao toque, enquanto a parede próxima a cama estava tomada pelo gelo, que subia por ela como se fosse uma raiz. Esdeath atirou as cobertas para longe, em um movimento brusco, e depois se ergueu com velocidade, olhando para a cama com certo descaso. Aquilo nunca havia acontecido antes, mas ela se sentia estranha desde que sentiu aquela agitação na ilha. Era como se alguma coisa no mundo tivesse mudado.
Alguém abriu a porta, e Violet entrou logo em seguida, tombando sobre um dos joelhos e desviando os olhos de Esdeath, que se encontrava seminua.
-Minha senhora- disse ele, atônito com a situação do aposento, e evitando olhar Esdeath diretamente- Você tem... Visitas.
Esdeath olhou para o bardo, o olhar do homem fixo ao chão. Violet era insolente a sua maneira, mas não costumava desrespeitar a privacidade da general.
-Sabe... Já matei homens por muito menos.
-Não queria desrespeitar a senhora... Eu só... A porta estava aberta e...
-Não pensou em bater?
-Mil perdões...
-Meus Jaegers chegaram- disse ela, se envolvendo em um manto- Finalmente vieram?
-Bem... Sim-. Aconteceu alguma coisa, minha senhora?
-Nada com que deva se preocupar- respondeu Esdeath, começando a se mover na direção das roupas, e com um movimento gestual criou uma barreira entre ela e Violet, uma espécie de parede de gelo fosco que se projetou como uma parede, fina, mas ainda assim, funcional- Diga a eles que estou indo.
-Sim, minha senhora.
-Esse é o bardo?- perguntou Kurome, encarando Violet com incerteza.
-É um incômodo que Honest colocou em minha vida- suspirou- Mas você se acostuma. Ele é util, não tanto quanto Tatsumi era, mas...- calou-se, as vezes se pegava pensando ainda no rapaz, mesmo que soubesse que, talvez, ele a houvesse abandonado.
-Ainda pensa nele?- perguntou Kurome, com um peso no coração por saber da verdade.
-As vezes sim- respondeu Esdeath- Mas muito pouco ultimamente, a cada dia que se passa eu tenho a certeza que ele vive longe de mim, e que está suficientemente bem com isso.
-Talvez esteja mesmo- respondeu Kurome, torcendo para que suas palavras não a denunciassem, aquele não era um assunto que ela devesse se meter- Mas isso o torna um idiota, se for verdade.
-No final das contas, nem todas nós temos a sorte de encontrar alguém como Wave, não é? Alguém que lhe busque acima de todas as coisas.
-Nesse aspecto, admito que tenho sorte- Kurome sorriu- Em outros aspectos, entretanto...
Kurome tocou o punho de Yatsufusa e sacou a lâmina partida.
-Sua Tengu...
-Ela se quebrou em batalha. Já deve ter chegado aos seus ouvidos que fomos obrigados a confrontar uma besta em Albion...
-Ouvi os boatos.
-E não nos reprova por termos feito isso, apesar de Syura?
-Para ser sincera, eu não me importo. Somos uma força militar, você e os Jaegers, mas não temos nenhuma jurisdição em Albion. Se vocês ajudaram a princesa, talvez seja uma boa manobra diplomática, mas com Syura...
Esdeath tomou a espada em mãos, normalmente se sentiria mal ao empunhar uma espada amaldiçoada como aquela, mas dessa vez não sentiu coisa alguma, era como se estivesse morta.
-Como se sente com isso?
-Para ser sincera? É como se um peso tivesse sido tirado dos meus ombros.
-Que bom, mas acredito que você tenha mais coisas a acrescentar, então, conte-me, minha guerreira, o que aconteceu em Albion de verdade?
Kurome sentiu-se impelida a esconder de Esdeath grandes detalhes sobre a batalha em Albion, mas imaginou que não faria diferença, Esdeath já deveria saber da maioria, todos sabiam do desastre em Albion e de como Syura havia sido morto em meio ao caos, se para Esdeath o fato dela, de Wave e de Run estarem lutando contra o filho do primeiro ministro ao lado da Night Raid consolidava, de alguma forma, um ato de traição, Esdeath não demonstrava.
Kurome contou-lhe tudo, enquanto Wave e Run a observavam, parados nas cadeiras com expressões indecifráveis nos rostos.
-Coisas aconteceram- disse Kurome- Pessoas morreram e a minha espada se quebrou durante o combate.
-Durante o combate contra a abominação da alquimista Dorothea- disse Esdeath, com um sorriso no rosto- Vocês dois estiveram se curando em uma casa no interior durante esse tempo, imagino como deve se sentir ao saber que Dorothea está sob proteção do Primeiro Ministro.
Kurome suspirou.
-É uma sensação horrível. Todas essas sensações são horríveis... Minha irmã e...- pensou em falar sobre Tatsumi, mas se calou- E tudo aquilo... Muitas coisas se perderam naquele dia.
-Você e sua irmã- disse Esdeath- ‘’A traidora da Elite dos Sete’’, Como as coisas estão?
-Nós lutamos uma vez- disse Kurome- Mas depois não houve tempo, e nem disposição, estávamos todos feridos demais, se lutássemos, provavelmente eu estaria morta, afinal, ela ainda possuía sua espada, e eu havia perdido a minha.
-Ainda assim era uma chance de completar a demanda da sua vida, passou tanto tempo procurando sua irmã que acho estranho que quando você finalmente a encontrou, não fez de tudo para arrancar a cabeça dela dos ombros.
-Era uma chance, mas infelizmente a deixei passar- disse Kurome, e então sorriu de soslaio- Ela é muito melhor do que eu, na luta em que travamos, ela arrebentou o meu braço.
-E mesmo assim ela a deixou viva... Porque?
Kurome tentou se manter calma, como se imaginasse que Esdeath desconfiasse de algo.
-Run me salvou.
-Run, é?
-Sim, estávamos juntos. Ele me tirou do campo de batalha.
-Você terá a chance de revidar- garantiu Esdeath, então olhou para os dois- Eles parecem desanimados.
Run não havia dito uma só palavra desde que se viram novamente, e Wave estava ávido em encontrar Cosmina antes que ela tramasse mais alguma coisa contra Kurome, a assassina não se importava com aquilo, afinal, ela sabia se cuidar, mas achava todo aquele cuidado que Wave estava tomando uma atitude bonita.
-Só estamos cansados- disse Kurome- Ainda estamos, apesar do tempo de descanso.
O Jardim de Cima era uma construção aberta, uma espécie de templo religioso onde alguns dos clérigos buscavam revelações divinas. O templo não era muito diferente das ouras igrejas que haviam ao redor do continente, mas não era o templo que importava. Dentro dele havia um trono esculpido na pedra de forma rudimentar, com runas gravadas, riscadas de forma grosseira sobre a pedra e cobertas com pó de ouro. O torno ficava no centro do pequeno templo, abaixo de uma claraboia, e, durante algumas vezes ao ano, a lua cheia ficava a pino e sua luz cor de prata iluminava-o, como se fosse banhado pela luz dos deuses. Mas o Jardim de Cima tinha esse nome não pelo templo, mas por ser um grande jardim situado na parte mais elevada das terras da Catedral. Um tapete de flores que se estendia até onde os olhos eram capazes de enxergar, haviam dezenas de cores pulsantes, e algumas espécies de plantas que existiam apenas naquele lugar.
Tatsumi encontrou o Lorde em pé, dentro do pequeno templo, olhando solenemente para aquele trono.
-Olá- disse Tatsumi, intimidado em entrar naquele lugar, pois, apesar de pequeno, o templo possuía uma solenidade ímpar.
-Ah, Olá- disse ele, convidando-o a entrar- Seja bem vindo, afinal.
-Posso entrar?
-Mas é claro que pode- respondeu ele- Não se sinta intimidado, não há nada aqui dentro além de mim e o trono e... – O Lorde desviou seus olhos de Tatsumi- E aquilo que trouxer com você.
Tatsumi adentrou o templo e se aprumou ao Lorde.
-Seus amigos não vieram com você?
-Preferi vir sozinho- respondeu- Chelsea precisava de descanso, e Lubbock...
-Lubbock tinha outra missão- concluiu o Lorde- Não tinha?
-Não sei dizer- respondeu Tatsumi, e na verdade, nem tinha se preocupado em perguntar- Ele saiu pela manhã e ainda não retornou.
-E isso não o preocupa? Que seus colegas escondam coisas de você?
-Ele sabe se cuidar- respondeu- Todos sabemos.
-É claro- respondeu o Lorde, com um sorriso zombeteiro no rosto- pelo esado que chegaram aqui posso perceber que sim.
-É um ponto válido- respondeu Tatsumi- Então, como você pode me ajudar?
O Lorde suspirou, então o encarou por alguns momentos.
-Não posso fazer muita coisa por você- respondeu, pragmático.
-Então a jornada até aqui foi perda de tempo- disse Tatsumi, com um suspiro de frustração- Se não pode, qual é a razão disso tudo? Você curou Chelsea e...
-O problema de sua amiga é diferente do seu, e mesmo eu não consegui cura-la completamente, não ainda, poderei ajuda-la com o tempo, entretanto, o único que pode fazer alguma coisa por você é você mesmo. Você está desequilibrado.
-E o que isso quer dizer?
-Conheço a sua situação, e isso acontece com muitos usuários de Tengus. Essas armas, no final das contas, lhe dão poderes que transcendem a capacidade humana, mas um poder tão grande como esse cobra um preço muito alto, a sanidade, a saúde... Sua amiga sofreu danos no corpo, já você algo ainda pior, o poder que você deveria ter está o consumindo por dentro, o enlouquecendo aos poucos.
-Nada que eu não saiba- retrucou Tatsumi- E então? Qual é a solução para isso?
-Você precisa dominar o poder que está dentro de você, esse é o seu poder, não dos monstros que povoam a sua mente. Você teme o poder que o consome, mas precisa domina-lo, antes que ele o domine.
Tatsumi suspirou.
-E como eu devo fazer isso?
-Toda jornada de mil quilômetros se inicia com o primeiro passo. Sente-se no trono.
Chelsea se ergueu da cama lentamente, sentia-se revigorada de uma forma que nunca havia sentido antes. Olhou para as mãos, e viu que as manchas haviam recuado ainda mais, já não sentia tanta dor, e isso era bom. Chelsea se aproximou da janela e constatou que havia dormido por mais horas do que havia penejado.
Seus estomago roncou, e coincidentemente Lubbock entrou no quarto, utilizando-se da Cross Tail para criar uma espécie de bandeja onde ele carregava um prato de comida e uma bebida. Os fios estavam dispostos de forma que os utensílios se encaixavam perfeitamente, e mesmo que Lubbock se desequilibrasse, não cairiam.
-Finalmente acordou, bela adormecida- disse ele- Trouxe um pouco de comida.
Lubbock colocou os pratos sobre uma pequena mesa, depois, Cross Tail se envolveu em seu braço como um bracelete.
-Dormiu bem?- perguntou.
-Foi uma noite melhor do que as outras- admitiu Chelsea, devorando o prato.
-Você parece feliz.
- Eu gosto de dormir, o que eu odeio é ter que acordar.
-Você não pode reclamar- disse Lubbock, observando Chelsea acabar com a comida como um animal- Dormiu por quase um dia inteiro.
-Tanto assim?- Chelsea suspirou, bebeu um pouco do suco- Onde está Tatsumi?
-Por aí- respondeu Lubbock- Deve estar explorando o lugar.
-Você não sabe onde ele está?
-Ele sabe se cuidar, Chelsea, sabe por quanto tempo ele sobreviveu naquele grupinho da Esdeath? Sabe a quantidade de batalhas que ele participou, quase morreu e ainda assim está em pé, vivo para lutar e se ferrar mais um dia?
-Na verdade, sei bem.
-Então não deveria se preocupar. Vaso ruim não quebra.
-Mas ele não estava sozinho nas outras vezes, na verdade, se ele não tivesse aliados estaria morto.
-Todos nós estaríamos- respondeu Lubbock, e o tom de sua voz indicava que ele não se preocupava muito com aquilo- Estamos na sede do Caminho da Paz, pode confiar que não existe lugar mais seguro no mundo nos dias de hoje, Tatsumi deve estar com o Lorde, talvez, você não pode senti-lo? Sabe, com a sua magia das agulhas.
-As agulhas não funcionam assim- rebateu Chelsea.
-É uma pena, tenho receio também com algumas almas podres por aqui... Vai que alguém o reconhece.
-Almas podres? A quem você está se referindo?
-Estou falando de um homem cuja alma é negra como breu, e que utiliza da sua influência para deflorar as jovens que vem até aqui em busca de cura longe dos olhos do Lorde- o olhar de Lubbock era puro nojo- Falo de Bolic.
-Esse nome não me é estranho- disse Chelsea- Eu deveria saber quem é?
-É um politico, e porque não dizer que ele controla maioria da força militar nesse lugar? Acontece que Bolic é um homem que recentemente firmou muitos acordos com Honest, pelas costas do Lorde.
-Teoricamente o Lorde não devia saber de tudo? Ele sabia que estaríamos aqui.
-Ele sabe de muitas coisas, mas acredito que não seja onisciente, e ainda que ele soubesse que Bolic é um homem corrupto, o que ele faria? O Lorde sabe, mas ele tem algum poder politico? Ou é apenas um curandeiro?
-Você está por dentro de muita coisa- disse Chelsea- E o que planeja fazer? Mata-lo?
-Não sei, para todo o caso, estamos aqui apenas para conseguir uma cura para vocês dois, e não seria tão simples assim matar alguém como Bolic, não dentro de um lugar que é o seu próprio ‘’reino’’, de toda forma, ninguém sabe que estamos aqui além do Lorde, mas Bolic está na lista de alvos da Night Raid, e aqui temos uma chance verdadeira de fazer a diferença- suspirou- A essa hora, o trio de Akame já deve ter eliminado Nouken, mas isso não pode ser considerado uma grande vitória, era um peixe pequeno. Mas Bolic é outra história, ele é importante, e está ao nosso alcance.
-E acha que deveríamos dar um fim a ele? Na posição em que estamos, acho uma péssima ideia, é perigoso, estamos no centro de um lugar onde podemos ser encurralados a qualquer momento- Chelsea olhou para a janela- Isso aqui não é aberto, estamos cercados de muros, muralhas, lagos... Se quiserem nos prender e nos impedir de sair da cidade, seria fácil demais, fora isso não conhecemos ninguém aqui, e não temos apoio ou lugar para nos escondermos além daqui, não existe nenhuma rota de fuga que possamos conhecer, e eu e você não somos exatamente lutadores, eu sou uma agente de infiltração, assim como você, e a nossa única espada está, bem, atormentada. Não temos nem mesmo o apoio do homem da caravana, já que você fodeu a filha dele- Lubbock lançou om olhar envergonhado para Chelsea-. Poderíamos mata-lo, mas e depois? Fugiríamos? Para onde? Fora isso, acredito que a guarda de Bolic seja altamente treinada.
-Você poderia virar um pássaro e simplesmente fugir voando- Lubbock sorriu- Mas obrigado por me desencorajar.
-Eu poderia fugir, mas odiaria deixa-los sozinhos.
-O que? A grande assassina Chelsea com receio de deixar alguém para trás?
-Não sou tão cruel.
Vou fingir que acredito nisso- Lubbock bocejou- Mas deveríamos pensar na possibilidade.
-Não disse que não- disse Chelsea- Mas deveríamos pensar em um plano. Tatsumi pode se descontrolar, e tem muita gente inocente aqui, por exemplo, é algo que deveríamos levar em consideração.
-Eu poderia para-lo caso acontecesse.
Chelsea sorriu.
-Acredite, não poderia, e eu não estou disposta a usar minha Tengu tão cedo de uma forma tão descuidada. Caso acontecesse, e pode acontecer, nossas únicas opções seriam para-lo, o que eu acho improvável, ou mata-lo, mas eu acho que ele nos mataria antes. Você não estava em Albion, e não viu o que eu vi.
Lubbock suspirou.
-Você é muito pessimista, Chelsea. Alguém já lhe disse isso?
-Algumas vezes.
-Pois é. Acho que isso é uma coisa que tem que ser enfatizada. Você é pessimista pra caralho. Mil rostos, e nenhum deles têm uma ideia descente para darmos fim ao homem?
-Mil rostos, mas um cérebro- disse Chelsea- De toda forma, não podemos simplesmente sair e atacar a esmo. Precisamos de um plano.
-Sinta-se a vontade para traçar um- Lubbock sorriu- Sabemos quem é a mente pensante aqui.
-Meus planos falharam maioria das vezes- disse ela, em um tom entristecido.
-E os meus também, na verdade, na maioria das vezes eu coloco tudo a perder- Lubbock riu- Meu plano de vir até aqui de carroça falhou, e tenho certeza que você é nossa melhor alternativa, ademais, Tatsumi não é o melhor dos estrategistas.
-Acho que deveríamos ir atrás dele...
Lubbock se ergueu em um salto.
-Jardim de Cima, não é? Bem... Me siga.
-Eu não sou uma inválida- disse Chelsea, se levantando- E eu sei me guiar. É um jardim e fica nas terras elevadas, não tem segredo.
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