''Você matou Numa Seika''- Chelsea ouviu sua própria consicência murmurar enquanto olhava para seus dedos- ''Era um aliado. Estava ferido, e você o matou.
-Precisava ser feito- murmurou para si mesma- O Norte precisava se unir o mais rápido possível, e... Não continuaria a guerra depois daquela conquista. Najenda precisava do apoio do norte...
''Assassina!''
-Precisava ser feito...
Ela já havia matado dezenas, talvez centenas de pessoas. Então porque dessa vez as coisas pareciam diferentes?
-Com quem está falando?- perguntou Lubbock.
-Comigo mesma.
-Não me diga que está enlouquecendo- sorriu, e então sentou-se ao seu lado- Como está se sentindo?
-Um pouco melhor, mas ainda parece que tem um bando de elefantes pisoteando a minha cabeça. Mas não parecem ser tantos elefantes agora.
-Isso é uma ótima notícia. Espero que Tatsumi também tenha conseguido encontrar alguma resposta.
Chelsea e Lubbock se calaram abruptamente, sentindo um frio lhes percorrer a espinha. Chelsea sentiu um solavanco pelo elo que a ligava a Tatsumi, e não havia parado para pensar que não havia sentido nada nas ultimas horas, como se o elo houvesse sido cortado, mas ele estava lá novamente, e a sensação foi a de ser atingida no meio do peito com força. Lubbock se virou rapidamente, e depois utilizou a Cross Tail para criar uma espécie de arpão, Chelsea recuou um passo, mas tudo o que viram foi Tatsumi se aproximando, lentamente, com uma postura até mesmo altiva.
Era o mesmo rapaz, mas havia algo diferente. Sua presença era violenta de uma forma que Lubbock nunca havia sentido antes.
-Está tudo bem- disse ele, erguendo as mãos em sinal de paz.
-Tudo bem?- Lubbock sorriu- Olhos vermelhos?
-Significa que ele está em equilíbrio- disse o Lorde, despontando logo atrás de Tatsumi- Para o bem, ou para o mal.
-Equilíbrio?- Lubbock encarou o lorde- Então ele está curado?
-Pergunte para ele.
Lubbock olhou para Tatsumi, então se aproximou alguns passos. Tatsumi percebeu que os fios de Cross Tail haviam deixado a forma de arpão, mas que estavam o cercando, como serpentes, escondidos abaixo da vegetação. Lubbock era esperto, e era um amigo, mas era precavido.
-E então- disse Lubbock, com ambas as mãos escondidas nas costas- Tudo ocorreu bem?
-Eu acho que sim- respondeu Tatsumi, e olhou para as próprias mãos- Eu não sei dizer.
-Como você está?
-Eu me sinto diferente.
-Está com vontade de nos matar?
Tatsumi balançou a cabeça negativamente, ignorando a pergunta de Lubbock.
-Seus olhos, estão vermelhos agora.
-Eu percebi- respondeu Tatsumi.
-Mais alguma coisa mudou?
-Eu ainda não sei dizer- Tatsumi se sentou na grama- É estranho...
-Consegue invocar a sua armadura?
-Eu não sei se isso seria uma coisa sábia a se fazer, estamos aqui infiltrados, e Incursio é um pouco... Chamativa- disse Chelsea, aproximando-se dos dois, então atirou uma das agulhas na direção de Tatsumi, e ele a apanhou no ar. O elo entre os dois estava calmo desta vez- Estou feliz em vê-lo bem de novo, Tatsumi.
-Estou sendo perseguida- disse Kurome, para justificar a sua agitação. Esdeath a havia chamado para a sua sala particular depois do treino, e Kurome não entendia direito o porquê.
-Perseguida?- Esdeath ergueu uma das sobrancelhas, estava sentada em uma cadeira, com as longas pernas cruzadas e os longos cabelos soltos. A general levou uma taça de vinho até os lábios e sorveu um gole, depois continuou- Quem em sã consciência faria uma coisa dessas?
-Bem... - Kurome sorriu- Uma admiradora de Wave.
-Perdão?
-Wave salvou uma mulher chamada Cosmina durante a viagem dele, e no caso essa tal Cosmina ficou um pouco obcecada, e agora quer me matar, porque acha que isso colocaria Wave em seus braços.
-Não deveria se surpreender com isso, quem não ficaria apaixonada por um homem como Wave?- Brincou Esdeath- Ela tem algo de especial? De outro modo não imagino um motivo para a cabeça dela ainda estar sobre os ombros.
-Ela tem algum tipo de habilidade, como posso explicar... Ela consegue controlar as pessoas usando o som da própria voz.
-É uma habilidade interessante- Esdeath pousou a taça sobre a mesa, enquanto Kurome se encarregada de esvaziar o resto da garrafa, bebendo direto do gargalo, um fino fio de bebida escorreu pelo queixo da assassina, e ela o limpou com a manga da roupa- Ela a usou?
-Ela enviou Ibara, dos Quatro Demônios para me eliminar.
-Ibara- Esdeath riu- Você deve tê-lo aleijado.
-Eu o matei- disse Kurome, e o silêncio imperou na sala- Eu não sei fazer outra coisa.
-Você é uma guerreira, Kurome- disse Esdeath, percebendo o tom penoso na voz da subordinada- Não deve nunca se envergonhar disso. E vai mata-la também?
-Quando eu a encontrar... Sim. É simples, agora foi Ibara, mas da próxima vez pode ser alguém próximo a mim, ou alguém inocente...
-Inocente? Se preocupa com inocentes agora?- disse Esdeath.
-Ela precisa ser parada, acredite em mim, minha senhora, não estou disposta a deixar pessoas inocentes perecerem na mão de imbecis... Não mais.
-Não mais?
-Em Albion... Vi muitas pessoas morrerem, minha senhora, homens, mulheres... Pelos deuses, crianças! E tudo isso pelos caprichos daquela mulher. Uma coisa é a batalha entre dois guerreiros, outra é o assassinato de pessoas que apenas querem viver suas vidas- disse kurome, e Esdeath a olhou com curiosidade- Era fácil matar quem fosse meu alvo quando eu estava entorpecida pelos remédios e pelas drogas... Mas agora eu enxergo as coisas com mais clareza.
-Jeito diferente de se pensar... Fala de Dorothea- Esdeath balançou a cabeça negativamente- A alquimista.
-Eu encontrarei Cosmina e vou fazer o que é necessário para detê-la, enquanto ao que me disse antes, se eu me preocupava com inocentes, sim, todas as pessoas que eu fui enviada para matar eram alvos políticos, ou guerreiros, matei para me proteger também, e me arrependo profundamente de muitas coisas, mas sinceramente... Estou cansada de tudo... Isso- ela apontou para o seu arredor.
-Cansada do meu escritório?
-Cansada da guerra- confessou- Todas as batalhas pelas quais já passei, pelas quais eu fui criada... Ninguém imagina quantas pessoas irão morrer... E queimar...
Esdeath se ergueu da cadeira.
-Você é uma assassina, Kurome, o que a levou a mudar a sua perspectiva do mundo assim tão... Radicalmente? A sua espada, as drogas, depois de perder tudo aquilo que a deixava anestesiada para esse tipo de coisa, começou a ver o mundo como ele é?
-Talvez tenha sido.
-Estaria você, Kurome, se tornando uma rebelde?- Esdeath sorriu com o canto da boca- Como a sua irmã, talvez? Não a conheci direito, mas posso imaginar que as coisas que ela falava eram semelhantes ao que a ouço ouvir.
-Não...- Kurome arregalou os olhos- Minha senhora, não pense isso de mim, eu não a trairia, nunca.
-Se juntaria a ela se tivesse a chance?- Esdeath suspirou- Ergueria sua lâmina contra o império se tivesse a oportunidade?
-Porque está me perguntando essas coisas?
-Porque eu já ouvi coisas parecidas, mas de outras bocas. Najenda me dizia coisas como essas, Tatsumi me dizia coisas como essas, e agora ambos estão nas fileiras revolucionárias.
-Como sabe que Tatsumi está lá?- perguntou Kurome.
-Não me tome por uma tola, Kurome. Sei de algumas coisas, e posso imaginar outras.
Kurome suspirou.
-Eu não a trairia minha senhora. Minha espada é sua, eu jurei lutar ao seu lado, e o farei até o fim.
-Juramentos não valem nada nos dias de hoje - disse Esdeath- Juramentos são palavras, e palavras são vento. A maioria das pessoas escolherá seguir o próprio coração, no final das contas- Esdeath voltou a se sentar, então tomou a taça nas mãos e novamente e a levou até os lábios. O liquido congelou dentro do recipiente, ao entrar em contato com seus lábios e o frio se espalhou pela taça, até que ela se quebrasse e Esdeath recurvou seu corpo para frente, apoiando o rosto em uma das mãos. Kurome se assustou, nunca havia visto a general mostrar qualquer sinal do que sentia, era como se fosse feita de aço, mas ali ela estava, quase como se tivesse o desejo de chorar. Mas Esdeath não chorava, jamais- O que há de errado comigo, Kurome? Por que todas as pessoas me abandonam no final das contas?
-Talvez as pessoas se intimidem com o seu poder- respondeu Kurome.
-O meu poder... Escolhi cada um de vocês, porque eram as pessoas mais poderosas ao meu alcance, e isso ainda não mudou. Mas todos vocês estão distantes demais agora. Você, Wave, até mesmo Run. Nos encontramos apenas para não quebrar a tradição, mas... Ainda somos uma equipe? Esse grupo faz algum sentido?
-O que está dizendo, minha senhora?
-Acredito que é hora dos Jaegers se dissolverem, pelo menos por um tempo.- disse Esdeath-Você está livre de seus juramentos, Kurome, serviu-me bem por longos anos...
-Minha senhora...- Esdeath a calou erguendo o indicador, a senhora do gelo parecia triste, e sua voz era pouco mais do que um sussurro, mas quando a senhora do gelo falava, todos ouviam -Você está livre, minha guerreira. Ouvi do Doutor que seu corpo está avariado, e que talvez muitos bons anos tenham sido negados para você, e isso me enche de pena. Você lutou muito, você lutou bem, e você foi uma das pessoas mais fortes que eu já conheci, e por isso eu a livro de seus juramentos para comigo, para que você possa viver os últimos anos de sua vida da maneira que desejar, como desejar, e por quem desejar- Esdeath sorriu- Foi uma honra, Kurome.
-Está me dispensando? Depois de tudo o que eu fiz para a senhora?
-Estou lhe libertando. Conheço a sua história, e o quanto você lutou em nome de outras pessoas. Ao menos no fim, viva por si mesma. Digo-lhe que não irei repreende-la se quiser continuar aqui, na sua casa no meu terreno, você só não precisa mais me servir.
-Eu...
Esdeath se levantou e foi até a porta, Kurome não sabia o que dizer, estava atônita com aquela situação.
-Minha senhora...
-Chame-me por meu nome- ordenou Esdeath- Não sou mais sua senhora.
-Esdeath- Kurome se levantou, com lágrimas nos olhos, então caiu sobre um joelho- Eu ainda não sou uma inválida, eu...
-Não é essa a questão, Kurome, e você sabe disso, eu simplesmente não...
-Meus juramentos não são quebrados, Esdeath- interrompeu Kurome- Eu quero lutar ao seu lado!
-Resolva as suas coisas, minha assassina dos olhos negros, resolva aquilo com Cosmina, resolva as coisas com a sua irmã, traga-me as cabeças delas, se preferir, e depois volte, se desejar. Mas nesse momento, a minha palavra final é essa: Viva.
Kurome balançou a cabeça negativamente, amaldiçoando a si mesma por ter se ferido tanto, Esdeath era a sua família, ela lhe havia dado um proposito e Kurome se esforçava para não explodir em lágrimas.
-Perdoe-me se um dia a fiz pensar que era uma senhora ruim, eu a amo.
-Eu sei- Esdeath sorriu, Kurome era extremamente adulta e madura em algumas situações, da mesma forma que era quase infantil em outras- E me perdoe se um dia eu já lhe dei algum motivo para pensar dessa forma.
Na noite do ataque a comitiva de Nouken Mine percebeu o quanto precisava melhorar a sua luta corpo a corpo.
A lua brilhava, enquanto a comitiva passava. Akame estava em pé, e seus olhos vermelhos pareciam arder contra a escuridão da noite, e a lâmina de Murasame brilhava, azulada sob a luz do luar, enquanto Leone estava arqueada, o corpo transfigurado em uma figura que pouco lembrava a um humano, as orelhas acima da cabeça estavam arqueadas para trás, e os olhos ardiam em um verde que lembrava as esmeraldas mais valiosas, os braços, musculosos, estavam cobertos até o antebraço por uma pelagem castanha, enquanto as garras afiadas que brotavam de seus dedos riscavam a pedra, e os dentes se projetavam como presas, afiados como navalhas, a mostra por causa do sorriso maligno que ela tinha no rosto. Aquelas duas eram perfeitas máquinas de matar. E avançaram em direção ao bando.
Mine suspirou, tocou o gatilho, mirou. Atirou.
Um único raio atravessou a noite, despedaçando as trevas e atingindo em cheio o elmo vermelho de um dos homens, antes que a espada do mesmo atingisse uma de suas companheiras. O elmo se despedaçou e uma névoa vermelha foi atirada para trás, junto a pedaços de carne e de ossos, manchando a armadura do homem que estava ao seu lado, que assustado, se atirou para trás, mas foi vitimado por um disparo diretamente na garganta, que despedaçou o gorjal e dividiu a coluna. Dois tiros perfeitos.
Mine derrubou seis homens, então seus olhos encontraram Nouken. Mine girou o corpo, mirou, atirou. Nouken foi protegido por um de seus homens, que se colocou na frente do disparo. Mas logo em seguida Akame o atacou, utilizando Murasame para arrancar o braço direito do general, e depois, para mata-lo.
A atiradora estava de joelhos, apoiada em um tronco de madeira, no geral, Pumpkim era uma arma difícil de manejar, era grande e pesada, desajeitada, um imenso canhão de energia que se tornava mais pesado e mais potente a medida que a batalha avançava. Mine já havia se acostumado com a arma, a ponto de utiliza-la com a mesma facilidade que utilizava um utensilio de cozinha, mas mesmo assim precisava de toda a concentração para atirar. E havia algo que estava tirando a sua atenção: Haviam menos soldados na formação do que deveriam haver.
-Ali!- ouviu alguém gritar.
Mine se atirou para o lado no momento em que uma lâmina avançou para estoca-la, rolando até o chão. A espada do inimigo atingiu o tronco, arrancando uma lasca de madeira. Um pequeno grupo havia a interceptado, eram seis homens, cinco, quando Mine contra atacou disparando Pumpikin diretamente contra o estômago do homem.
-Que espécie de arma é essa?- perguntou um dos homens, apontando para Mine a ponta de sua espada- Uma Tengu? Já ouvi falar de uma Tengu em forma de rifle.
-Seus companheiros estão morrendo como insetos lá embaixo, acha que é mesmo a hora de conversar?
-Eles podem morrer- disse o homem- Mas ao menos eu terei matado um dos malditos rebeldes como pagamento.
-Acha que pode me matar?- Mine sorriu- Como seu amigo, estará morto antes de sequer baixar a espada.
Mine não esperou a resposta, disparou contra um dos homens, atingindo-o diretamente na cabeça, mas os inimigos estavam perto demais, e uma espada cortou-lhe o rosto, se não tivesse se esquivado, com certeza estaria morta. Mine se afastou do agressor, e utilizando a Pumpkim como um grande porrete, nocauteou o adversário para então atingir um terceiro que se aproximava diretamente no peito. O disparo estava mais forte agora, e abriu um enorme rombo na couraça da armadura, obliterando o coração.
Haviam restado apenas dois, e enquanto um estava apavorado, o homem que havia a confrontado não parecia surpreso.
O penúltimo sacou a espada, mas Mine arrancou fora seu braço com um tiro, e o homem tombou, aos gritos.
-Mortal a distância- disse o homem, colocando-se entre ela e o companheiro aleijado, que se arrastava para longe.
Mine lhe apontou Pumpkim.
-Você não parece com medo- disse Mine- Deveria estar.
-Não estou- o homem balançou a cabeça negativamente- Pelos seus cabelos e olhos, creio que você seja uma mulher dos povos do oeste, estou errado?
-Parte de meu sangue é de lá- respondeu Mine- Não que isso importe.
-É claro que importa- o homem retirou o elmo, tinha em torno de trinta anos e olhos tão negros quanto a noite. Trajava a armadura da Companhia Vermelha, mas seu braço esquerdo estava coberto, quase até o cotovelo, por uma espécie de placa de metal negra- Há alguns anos, a general Esdeath marchou por aquelas terras- a menção a aquele nome fez Mine estremecer- O império havia falhado em conquistar aquelas terras e muitas vidas foram desperdiçadas, até que ela veio e resolveu as coisas.
-Porque está falando disso?
-Porque eu estava lá, e vi com meus próprios olhos seus irmãos de sangue serem mortos e congelarem- o homem sorriu e Mine arregalou os olhos, a atiradora sabia que aquela era apenas uma tática para tirar a concentração do adversário, mas seu sangue ferveu dentro do corpo, e ela não conseguiu evitar a raiva.
Atirou.
O homem não se esquivou, apenas ergueu o braço direito e a placa de metal se desdobrou em uma chapa escura e circular, que absorveu o tiro e o direcionou para outra direção, fazendo a energia explodir em uma das arvores, mas sem causar dano algum a ele. Mine arregalou os olhos, o que em todo o mundo poderia impedir o disparo de Pumpkim?
A chapa escura manteve-se alaranjada por alguns segundos onde o disparo havia a atingido, e depois retornou a cor normal. O homem sorria.
-Quem é você?- perguntou Mine, recuando um passo.
-Eu sou Eradrim- respondeu o homem- E este é Aegis.
A Tengu em forma de escudo, Mine havia visto a ilustração daquela arma certa vez, aquela era uma das armas imperiais de defesa, e havia sido perdida pelo império e roubada por um clã de assassinos, para ser recuperada décadas depois.
Mine balançou a cabeça negativamente, pois sabia que quando dois portadores de Tengus se enfrentavam, geralmente um deles morria. Eradrim avançou, erguendo o escudo para se proteger de um novo disparo, o tiro atingiu a placa negra em cheio, e foi desviado para o lado. Eradrim estava muito próximo de Mine para que ela pudesse atirar outra vez, e por isso a atiradora jogou a arma para o lado e se jogou para o chão, apanhando uma das espadas dos adversários caídos e a projetando para a frente para se proteger do próximo golpe do inimigo, Mine sentiu o braço ser arremessado para o lado diante do impacto das duas espadas e se levantou o mais rápido que pôde.
Eradrim não esperou que ela se recuperasse, e investiu no momento seguinte, Mine rebateu os dois primeiros golpes e estocou quando ele abriu a guarda, mas a ponta da espada resvalou no peitoral da armadura e Eradrim a atingiu no rosto com a borda do escudo.
Mine perdeu os sentidos por alguns momentos e sentiu o corpo despencar quando o adversário a atingiu uma segunda vez, a fazendo ficar de costas, e então, dor.
Eradrim a atingiu nas costas com a espada, e a lâmina rasgou a proteção de couro que usava e cortou seu ombro profundamente. Mine grunhiu e caiu no chão, sentindo as costas arderem e o sangue se enlambuzar seu vestido.
-Criança- disse Eradrim, pisando na mão de Mine, a mesma que usava a espada. O soldado sorriu com o canto da boca até a distância que uma profunda cicatriz em sua bochecha permitia- Minha espada ainda está suja com o sangue de seu povo.
Mine tentou se desvencilhar daquele aperto, mas a dor que sentia era grande demais, e mover seu braço ferido era doloroso demais, mas ela não tinha outra escolha.
Mine recuou um dos pés e apanhou uma adaga que escondia na panturrilha, Eradrim se preparou para estoca-la e acabar com a luta, mas não teve chance de terminar o movimento, porque a atiradora cravou a arma na dobra do joelho da armadura, e depois na virilha, girando a lâmina dentro de seu corpo. Eradrim gritou e recuou, libertando-a. Mine sentiu uma dor insuportável ao se levantar, estava ferida e sangrando, e sabia muito bem disso, mas tinha que lutar. Apenas ela podia se salvar.
Eradrim caiu de joelhos, sentindo o corpo sangrar, e naquele momento sabia que estava condenado, ergueu seus olhos para Mine. Ela não estava mais lá.
-Para onde está olhando?- ouviu-a perguntar, e logo sentiu o frio cano de uma arma lhe tocando a têmpora.
E o som do disparo despedaçou a noite.
-Seus senhores estão mortos e eu estou toda arrebentada- disse ela, apontando o rifle na direção do homem nocauteado, que começava a se levantar- Diga-me um bom motivo para eu não estourar seus miolos agora.
O soldado ficou de joelhos, mas não disse uma única palavra.
Mine atirou.
-Deixe que eu ajudo- disse Akame, aproximando-se de Mine e sentando-se a suas costas na cama. A assassina olhou para o vestido manchado de sangue e fez uma careta, então retirou a bandagem imunda de sangue dos ombros da companheira e limpou o ferimento com um pouco de agua- Esse curativo não estava bem feito.
-Eu não conseguia alcançar- disse Mine- Não consigo nem mexer meu braço direito.
-Poderia ter pedido minha ajuda desde o começo.
Mine suspirou, depois fechou os olhos quando sentiu Akame começar a costurar o ferimento.
-isso vai deixar uma cicatriz?- perguntou Mine com um sorriso no rosto.
-Uma bem feia- respondeu Akame- O corte foi profundo, você poderia ter morrido por causa dele. Vai ter que se cuidar bastante para evitar a infecção.
-Outra cicatriz- respondeu Mine, tocando a barriga e depois a perna- Droga...
-Você acaba se acostumando com elas- disse Akame- Querendo ou não, fazem parte de você.
-Mas essas outras tem alguma história por trás, essa aqui- tocou a barriga- Foi quando conheci Tatsumi, e esta- tocou a perna- Foi na batalha do norte, presentinho de sua irmã, inclusive- Agora essa aqui- tocou o ferimento- Foi só um descuido... Fui cercada.
-Eram cinco contra um- disse Akame- Você se saiu bem.
-Eu quase morri, e isso me enche de raiva.
Akame sorriu.
-Se lhe serve de consolo, era um usuário de Tengu.
-Que nem sabia usar a arma direito, no final das contas.
-Tenho algumas cicatrizes que são descuido também- disse Akame- Meu corpo é cheio delas.
-Sheele tinha uma assim também- Mine sorriu- No rosto, sabe.
Akame parou por um momento, Sheele, fazia muito tempo que não ouvia aquele nome.
-É a primeira vez que fala dela desde... Aquele dia.
-Depois que eu vinguei a morte dela, não havia mais motivos para tocar no assunto.
-E porque fala dela agora?
-O rosto dela me veio a mente, não sei porque, estava me lembrando das coisas do passado. Aquele homem que enfrentei... Ele disse que dizimou as terras do oeste junto com Esdeath- Mine fingiu sorrir- O estranho é que o dia em que ela morreu na minha frente não foi o pior, porque naquele dia eu ainda tinha alguma coisa para fazer por ela: Chorar. Foram os próximos dias que me despedaçaram, toda a dor e todo o vazio... E mesmo depois de acabar com aquela mulher, nada disso mudou- Mine balançou a cabeça- Deuses... Ainda que aquela mulher devesse morrer, ela ainda era uma... Uma criança, e eu a parti em dois- Mine baixou o olhar- Eu ainda sinto a falta de Sheele, de Bulat... Em todos os lugares onde eles costumavam ficar em nossa base, depois que eles se foram tudo ficou tão vazio...
-Também me sinto assim- disse Akame- Arrepende-se de ter matado Seryu?
-Eu não me arrependo- disse Mine- Eu luto por um mundo onde pessoas como ela não precisem ser levadas por esse caminho de violência- Mine não queria mais falar sobre aquilo- Percebi que depois da viagem de você e de Tatsumi, a relação entre os dois melhorou consideravelmente.
-Passamos por muita coisa- disse Akame, como se fosse uma coisa trivial- Lutamos juntos, sangramos juntos, voltemos vivos, e é isso o que importa no final das contas.
-Eu devo me preocupar?- Mine sorriu.
-Se preocupar com o que? Ah, não, Mine...
-Eu estou brincado- disse Mine- Convivendo com Leone por tanto tempo, você devia entender.
-Não é geralmente o primeiro tipo de coisa que se passa pela minha cabeça.
-Você já se envolveu com alguém... Bem, você sabe... Sexualmente?
-Por que esse tipo de pergunta justo agora?- perguntou Akame, terminando de colocar a bandagem.
-Curiosidade... Estou invadindo sua privacidade?- disse Mine- Não foi minha intenção.
-Não que eu me lembre, ou que me importe- respondeu Akame, começando a cobrir o corpo de Mine com as bandagens limpas- Tente não se mexer muito agora.
-Nunca se interessou?
-Nunca me interessei.
-Por homens?
-Não- riu baixinho- Nunca tive a oportunidade de fazer isso.
Mine sentiu as mãos firmes de Akame prendendo a atadura, eram incrivelmente fortes.
-Quanto tempo você levaria para se curar de um ferimento desses?
-Alguns dias, talvez- respondeu Akame- Se estivesse nas condições certas.
-Que inveja- disse Mine- Eu vivo me machucando, e demoro a sarar.
-Não tenha inveja disso... Eu preferiria mil vezes ser uma pessoa normal a ter que carregar Murasame.
-Não deve ser tão ruim.
-A sua Tengu é só uma arma, Mine, a minha é uma maldição.
-A Mine é orgulhosa demais para admitir- disse Leone- Mas eu acho que ela tem um pouquinho de ciúmes da sua relação com Tatsumi. Talvez depois de se ferir daquele jeito ela tenha pensado demais em algumas coisas, e paranoica do jeito que aquela menina é, deve imaginar o que se passou pela cabeça dela.
-O que?- Akame franziu o cenho, estava limpando a lâmina de Murasame- Nem todo mundo é como você, Leone.
-E nem tão inocente quanto você, minha amiga. Ah, você sabe- Leone sorriu- Os dois sozinhos no oceano, em uma missão que durou muito tempo, o rapaz quase morreu para salvar a sua vida, e quando ele desapareceu, foi você quem o trouxe de volta.
Akame balançou a cabeça negativamente.
-Em primeiro lugar foi ela quem me disse para ir com ele, em segundo, esse é o melhor momento para ela resolver discutir essas coisas?
-Ela quase morreu. Acho que agora toda noite é a noite perfeita, ademais, a Mine é a mais jovem de todas nós, e a menos experiente, e consequentemente, a mais inocente. Lembro-me dela ter dito que quando tudo isso acabasse, toda a guerra, toda a revolução, levaria Tatsumi para conhecer as Torres de Daiken.
-Torres de Daiken?- Akame balançou a cabeça- O que existe nas terras de Daiken que vale tanto a pena assim ser visto além de grupos circenses?
-Nunca ouviu falar nas torres?
-Já devo ter ouvido, mas não me lembro agora.
-São construções que se situam em meio a um grande campal- informou Leone- E dizem que quando o vento sopra da maneira correta, as torres cantam. É um lugar até que famoso pela quantidade de noivos que resolvem viajar até lá. Nunca ouviu falar mesmo?
-Estive naquelas terras quando eu era mais jovem, mas nunca cheguei a ver essas torres.
-Gosto de pensar que, se eu não acabar morta, um dia estarei lá com alguém que eu amo.
-Aquela princesa, talvez?- Akame sorriu.
-Astra? Ah, não. Aquilo foi só um caso, e tampouco penso que ela ainda se lembre de mim, ela está no jogo dos nobres agora, tem coisas maiores para se preocupar, como sua nação indo para a guerra, por exemplo.
-‘’Foi só um caso’’- Akame ergueu uma das sobrancelhas- Quanta frieza.
-Além disso, agora o peso da coroa está sobre os ombros dela, e nossas vidas são duas carruagens seguindo para caminhos diferentes.
Akame olhou para a companheira, mas não havia nada em seu rosto que denunciasse alguma tristeza.
-Mas a vida é divertida porque é diversificada- disse Leone, enfim.
-Você já encontrou alguém que fez o seu coração bater mais forte?- perguntou Akame.
-Deu de se interessar pela vida amorosa de outras pessoas agora?
-Não... Foi só uma pergunta que...
Leone a calou com um movimento gestual.
-Acho que todo mundo já sentiu algo assim quando era criança- disse Leone- Mas o meu, no caso, foi morto por um soldado imperial porque havia roubado algumas frutas- Leone balançou a cabeça negativamente- Depois disso, mais ninguém que me fizesse sentir assim, sabe, ‘’borboletas no estômago’’. E você? Se apaixonou por alguém na infância?
-Eu não tive infância- Akame sorriu tragicamente.
-As vezes eu me esqueço do que o Império fez você passar- Leone balançou a cabeça- Mas se você se apaixonasse, seria capaz de perceber?
-Não sei, acho que sim- Akame guardou Murasame, então apanhou o punhal de Mine e começou a limpar a lâmina até que ela ficasse brilhante- Não tenho certeza.
-Nunca se apaixonou- Leone se ergueu da cama- Isso é um pouquinho triste, não acha?
-Não sei, talvez seja.
-‘’Não sei’’- Leone fez uma careta- Deva experimentar alguma coisa nova às vezes. Ouvi o que você disse para Mine, sobre nunca ter tido a chance de, você sabe... Transar.
Akame fez uma careta. Leone era a única pessoa no mundo que era capaz de pronunciar aquela palavra de uma forma que a fazia se sentir desconfortável de todas as formas possíveis.
Akame abriu a boca para dizer qualquer coisa, mas no momento seguinte Leone se atirou sobre ela, a arremessando contra o tapete no chão. Aquilo foi inesperado, e Akame não teve reação quando a companheira a imobilizou contra o piso, se entrelaçando em suas pernas. Uma das mãos da assassina estava livre, e instintivamente Akame apanhou o pequeno punhal, o projetando contra a barriga de Leone. Ao sentir a ponta gelada da arma fazer pressão contra a pele, Leone fechou os olhos.
-Uma mulher perigosa- disse ela, mordendo o lábio inferior, enquanto os longos cabelos dourados escorriam como um rio, bloqueando a visão de Akame.
-O que acha que está fazendo?- rosnou Akame, e quando se deu por conta, Leone estava tão próxima a ela que faltavam apenas alguns centímetros para que seus lábios se tocassem, o hálito da companheira tinha um aroma inebriante, e Akame se sentia tentada a deixar que ela fizesse seja lá o que ela estivesse planejando. Leone abriu os olhos, e as pupilas estavam dilatadas como as de um gato.
-Quer que eu continue?- perguntou ela, Akame sentiu a respiração quente de Leone descer lentamente pelo seu pescoço, uma das mãos da loira tocou com gentileza um dos seios de Akame, e ela sentiu o corpo arrepiar- Vejo que está animada com a ideia...
-Eu...
-Me responda... Quer que eu continue- Leone beijou seu pescoço- Peça e farei...
E quando Akame pensou que ia ser beijada, ouviu um riso.
Leone a largou, e tinha um sorriso de orelha a orelha, com seus caninos mais afiados do que o habitual. As mudanças corporais que Leonel causavam a portadora eram as mais diversas possíveis, dependendo da necessidade do usuário, e daquela vez Leone não havia evocado suas garras, apenas apurado a maioria dos sentidos.
-Devia ver a sua cara- disse a loira, em meio a um riso demorado e tão alto, que atraiu Mine que estava no cômodo ao lado.
-O que as duas estão fazendo?- perguntou a atiradora, enquanto mordia um pedaço de pão, e ao ver as companheiras no chão, deitadas, e Akame tão vermelha que parecia ia explodir, disse- Na verdade, eu não quero saber- deu de ombros e voltou para onde estava.
-Isso não tem graça- disse Akame se levantando, olhou para o punhal e percebeu que a ponta estava um pouco vermelha- Perdoe-me.
Akame olhou para a barriga de Leone, e observou o pequeno corte se fechar quase que instantaneamente, a loira nem havia percebido o ferimento.
-Isso não foi nada- disse Leone- Você está vermelha como um tomate.
-Eu não gosto de suas brincadeiras- disse Akame.
-O seu cheiro, a sua postura, as suas reações... Disseram outra coisa- Leone sorriu- Você pensou que eu ia beija-la, e parece que você gostou da ideia.
Akame fez um muxoxo.
-Mas se você quiser, é só pedir- disse Leone.
-Da próxima vez eu cravo a faca até o punho.
-Quem muito desdenha quer comprar.
Akame balançou a cabeça negativamente e se levantou agilmente, se impulsionando para trás e depois atirando todo o peso do corpo para se elevar e cair em pé.
-É bastante agíl e flexível- mordeu o lábio- Pense nas possibilidades.
-Estive pensando em algumas coisas- disse Akame, tentando ignorar o comentário.
-Sexuais?
-O que? Não!
-Então não é interessante.
-Preste atenção, Leone!- Akame apanhou Murasame- Havia uma mulher naquela companhia.
-Sabe quem ela era?
Akame balançou a cabeça negativamente.
-Ela me disse uma coisa, disse que o Homem de Olhos Negros estava me procurando... Eu não sabia quem ela era, mas devia ser importante, o ruim é que depois que fui obrigada a ir até Nouken, ela havia desaparecido nas sombras.
-Isso lhe diz alguma coisa? Como ela poderia saber quem você era a ponto de falar qualquer coisa assim?
-Porque eu conheci um homem de olhos negros- disse Akame- Aquele samurai. Ele devia estar na companhia de Nouken. E eu não diria que sou uma pessoa desconhecida no Império.
''Você já foi uma das maiores assassinas do Imperador''- pensou Leone, mas manteve-se em silêncio.
-Refresque minha memória, amiga.
-Izou. O enfrentamos em Albion.
Leone franziu o cenho.
-Izou? Ele ainda está vivo?
-É provável que sim, Vaarys não o derrotou- Akame suspirou- Aquele homem é perigoso, e se ele está vivo e a minha procura, é provável que cedo ou tarde ele me encontre.
-Não que isso seja um problema para você, eu suponho.
-Eu o enfrentei, e ele era mais habilidoso do que eu esperava. Se ele estiver atrás de mim, temo pela segurança de vocês, talvez ele possa usa-los para me chantagear a enfrentá-lo.
-Quanta consideração- Leone fez um muxoxo.
-Não, não foi isso o que eu quis dizer.
-Se ele vier, se ele souber onde estamos, o mataremos, simples assim. Somos três, ele é um.
-Dois e meio, na verdade, Mine está muito ferida.
-Continua sendo mais do que o suficiente, ela poderia mata-lo a um quilômetro de distância.
Akame olhou para a sua espada.
-Espero que sim.
Leone suspirou, odiava ver a amiga daquele jeito, pensativa, preocuopada.
-Sabe o que pode fazer você você esquecer disso um pouquinho?
-O que?
-Sexo. Juro, é muito bom.
Akame revirou os olhos.
-Será que por um momento você pode levar em consideração que estamos em perigo?
-Em perigo, eu acho que...
Leone se calou abruptamente. Suas orelhas se eriçaram, assim como todos os pelos do seu corpo, um arrepio lhe percorreu a espinha, e ela não sabia porque. Era como... Medo, mas um medo estranho, quase primitivo, ela olhou para trás, havia apenas a porta aberta e o vazio da sala. A sensação era estranha, desconhecida, mas ao mesmo tempo tão familiar, como um recém-nascido que é atirado no rio e abruptamente se lembra que é capaz de nadar.
Leone olhou para Akame, e ela segurava firme o punho da espada, como se alguma coisa a preocupasse também.
-Sentiu alguma coisa, amiga?- perguntou Leone.
-Um... Arrepio.
-Eu também.
Ainda não sabiam, mas longe de onde estavam, em algum lugar do Oeste, o Dragão Antigo havia despertado no corpo de um jovem rapaz.
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