❝ Recentemente, estou muito solitário. Eu quero alguém que me ame. Eu preciso de alguém que precise de mim, porque não parece certo quando é tarde da noite e sou apenas eu nos meus sonhos, então eu quero alguém para amar — Lιᥣ Nᥲ᥉ X, Thᥲt᥉ Whᥲt I Wᥲᥒt.❞
PRÓLOGO - PARTE UM.
TÍPICO GAROTO APAIXONADO.
Existem coisas que são muito óbvias. Tão óbvias que não precisam nem ser ditas em voz alta, mas, só por garantia, vamos dizer assim mesmo.
A primeira é que todo mundo vai morrer um dia.
A segunda é que a terra é redonda. Quem foi o idiota que começou com essa besteira de que a terra é plana?
E a outra coisa é que Ash Ketchum tem uma quedinha por Misty Kasumi desde sempre e todo mundo sabe disso.
Quer dizer, quase todo mundo. Sua mãe sabia, é claro. Não porque Ash tivesse contado para ela, ele jamais faria uma idiotice dessas, mas porque Delia possuía um talento especial para se meter onde não devia. Foi assim que, por acaso, ela encontrou uma cartinha escondida no fundo da mochila dele. Ash tinha escrito aquilo no sétimo ano, uma confissão tímida e cheia de rasuras para Misty, mas nunca teve coragem de entregar.
Sua mãe era uma tremenda fofoqueira e não fez questão de guardar segredo. Então, no dia seguinte, ela já tinha mandado mensagens no grupo da família, cheia de emojis de coração, anunciando que o "bebê dela" estava namorando. E como se isso já não fosse constrangedor o suficiente, Ash ganhou uma caixa cheia de camisinhas de presente de aniversário do seu tio favorito. E olha que ele não tinha nem segurado a mão de uma garota, nem beijado ninguém, quanto mais feito algo que justificasse o presente.
Mas, claro, não conseguiu reunir coragem o suficiente para desmentir o mal-entendido.
Os seus melhores amigos também sabiam que ele era completamente apaixonado por Misty. E, ao contrário da sua mãe, eles sabiam guardar um segredo muito bem.
Às vezes, Ash se perguntava se o professor de educação física também tinha sacado sua paixãozinha. Era meio estranho como, em toda aula, ele fazia questão de colocá-lo no mesmo time que Misty durante as partidas de queimada. Não podia ser só coincidência, podia?
A verdade é que parecia que todo mundo à sua volta sabia do seu crush por Misty. Mas, no fim das contas, isso não fazia tanta diferença, porque Ash não conhecia muitas pessoas.
Misty também não conhece ele.
Por favor, não me entenda mal, é claro que ela conhece ele. Eles estudam juntos desde sempre, praticamente desde que nasceram, mas nunca foram próximos de verdade. Nunca se sentaram juntos no refeitório, trocando risadas e conversas sem sentido até o sinal tocar. Nunca passaram horas em chamadas de vídeo à noite, se distraindo com qualquer besteira. E, muito menos, foram ao cinema juntos. Eles estavam sempre ali, no mesmo ambiente, mas separados por um mundo de diferenças que Ash não sabia como atravessar.
Os contatos entre eles eram menores do que Ash gostaria que fosse. Eles faziam aula de literatura avançada juntos e de vez em quando, Misty o cumprimentava quando se esbarravam no corredor, e ele tentava desesperadamente puxar algum assunto com ela, mas não era nada que durasse mais do que cinco minutos.
Ou nada que a fizesse sorrir como uma boba apaixonada pelo resto do dia, como sempre acontecia com Ash.
Sendo bem sincero, Ash duvidava que Misty sequer soubesse seu sobrenome ou em qual clube ele tinha se inscrito. Mas isso nunca o impediu de gostar dela. Muito menos de imaginar como seria tê-la como namorada.
Nos seus sonhos, eles passavam todos os finais de semana juntos no parque de diversões. Ele podia quase sentir o gosto doce do algodão doce que dividiriam, enquanto riam de algo bobo. A primeira vez que se beijariam seria na roda-gigante, no exato momento em que ela parasse no alto, suspensa no ar e teriam apenas o pôr do sol como testemunha do quanto eles estavam loucamente apaixonados um pelo outro.
Por que esse o tamanho do efeito que Misty tinha sobre si. Ash era tão apaixonado por ela que toda vez que dormia, sonhava com Misty e quando estava acordado também sonhava com ela.
Mas, no fim, não passava disso, um sonho. Porque na vida real, uma garota como Misty nunca toparia sair em um encontro com um garoto como Ash.
Ash nem mesmo saberia onde levar Misty para um encontro, caso um dia ele tivesse coragem o suficiente para fazer o convite e caso ela tivesse mal gosto e aceitasse.
Ele não entendia nada de garotas. Nunca tinha ido a um encontro, e se alguém perguntasse o que fazer numa situação dessas, ele ficaria perdido. Ele nem sabia quais flores comprar. Será que tinha algum tipo de código secreto? Talvez um buquê de tulipas signifique: "Quero muito te beijar no final da noite" e o buquê de girassol signifique um: " “Desculpe, mas a chance de termos um segundo encontro é praticamente zero”
Ele morria de vergonha para admitir, mas só tinha beijado uma única garota em toda a sua vida e foi na oitava série. Enquanto todos os outros garotos da sua turma já haviam perdido o BVL lá pela sexta, Ash, bom, ele estava mais preocupado em colecionar revistinhas de HQ e passar madrugadas em claro assistindo animes.
Para falar a verdade, ele fazia isso até hoje.
Aqui vai outro segredo sobre Ash: Ele deu o seu primeiro beijo só por causa do jogo “salada mista”, ou seja, Hilda Shiro só aceitou beijá-lo por causa das regras do jogo.
Que humilhante.
O beijo foi uma porcaria, Ash estava muito nervoso, então, sem querer, acabou batendo os seus dentes nos dela com muita força. E teve muita baba.
Eca.
A cereja do bolo foi que praticamente toda a turma assistiu aquele desastre.
A segunda vez que ele quase beijou uma garota aconteceu no nono ano, por causa de uma peça de teatro que valeria como uma nota final. Ele fez o teste para tentar ganhar o papel do príncipe, do cavaleiro e até mesmo do bobo da corte, mas tudo o que conseguiu foi ser escalado para interpretar uma árvore. Uma triste e solitária árvore que nem sequer tinha uma fala. Enquanto, Kenny tirou a sorte grande. Ele não só conseguiu o papel do príncipe, como também deu um beijo na boca de Dawn Hikari, uma das garotas mais lindas do colégio.
É, ele com certeza nunca teve um pingo de sorte com as garotas.
— Vocês têm planos para hoje? — Brock perguntou, mesmo que ele já soubesse a resposta. Nada nunca sai do cotidiano por ali. May e Drew, o casalzinho perfeito, com certeza iam fazer algo juntos, como sempre. Era quase impossível encontrar os dois separados numa quarta-feira à noite, ainda mais no dia dos namorados. Ash tentou imaginar o que eles fariam hoje. Talvez Drew a levaria a um restaurante chiquérrimo, e mesmo que May pedisse a comida mais cara do menu, ele pagaria com prazer, porque, para ele, nada valia mais do que ver a felicidade dela. Ou quem sabe eles iriam a um parque de diversões, onde passariam horas indo de brinquedo em brinquedo. E May, com certeza, conseguiria pegar um ursinho de pelúcia em uma daquelas máquinas complicadas, porque ela era fera nessas coisas.
Ash queria muito poder fazer essas coisas com Misty algum dia. Ele levaria ela em qualquer lugar que ela quisesse, até no restaurante mais caro da cidade, se fosse preciso, pois uma garota como Misty merecia nada menos do que o melhor.
— Eu e o Drew vamos ao cinema. — May girava o canudo listrado da sua Cherry Cola, mexendo-o de um lado para o outro, mas Ash não se lembrava de tê-la visto beber nem uma gota. Ele estava completamente distraído hoje. E quando isso acontecia, não havia dúvidas: Misty estava em seus pensamentos. — Vocês querem vim? — Ela convidou, mas Ash sabia que era só por educação. Nenhum casal em sã consciência queria que alguém se metesse no meio deles, estragando toda a atmosfera romântica, só por estar ali. E, no dia dos namorados, muito menos.
— Nem morto que eu vou perder meu encontro com a Megan Fox para ficar assistindo vocês dois se agarrando. — Brock murmurou, parecendo infinitamente mais interessado em terminar de comer as batatas fritas que ele roubou de Ash do que na conversa em si. Ele levou uma para a boca, mastigando sem pressa, os olhos brilhando de uma maneira quase imperturbável. — Ela tá uma delícia em Garota Infernal.
— Megan Fox virou um pseudônimo para Suzie? Aquela garota bonita que trabalha pet shop que você é afinzão? — May perguntou, um sorriso prepotente se formando em seus lábios rosados. Seu tom de voz parecia quase desafiador, como se soubesse de todos os segredos de Brock, mesmo os mais embaraçosos.
E, honestamente, ela provavelmente sabia mesmo.
Brock, de repente, se sentiu completamente exposto. Seu rosto ficou vermelho instantaneamente, e ele teve que desviar os olhos para não encarar May diretamente
— Tá, tá. É isso mesmo. — Brock confessou com um suspiro exasperado, a relutância clara em sua voz. Ele se sentia completamente encurralado, a vergonha estava estampada em seus olhos.
Ela soltou um gritinho histérico, quase saltando da cadeira de tanta empolgação. Seus olhos brilhavam, e o sorriso em seu rosto era tão largo que quase chegava até as orelhas.
— Onde você vai levá-la? Um restaurante super caro? Piquenique na praia à luz de velas? Mc Donald 's? — Ela tagarelou animada, como se estivesse diante do autor de sua saga de livros favoritos e lhe contasse em primeira mão sobre sua próxima história.
— Já percebeu que todos os seus chutes envolvem comida, amor? — Drew, que estava observando a cena com um sorriso divertido, não perdeu a chance de implicar. Drew cruzou os braços e lançou um olhar desafiador a May, que imediatamente mostrou a língua para ele.
— Não vai ser nada romântico como você está pensando. — Ele espetou a torta intocada com o garfo, mexendo-a sem muita vontade, o rosto ainda vermelho da vergonha. — Vocês não vão acreditar, mas ela vai me levar até uma granja, para ajudar no parto de uma égua.
Drew olhou para ele, com os olhos arregalados de incredulidade.
— Ela te chamou para ajudar no parto de uma… égua? — Drew indagou, perplexo. — Você tá tirando uma com a nossa cara?
Brock soltou uma risada abafada, não conseguindo manter a compostura
— Eu juro que é sério. — Ele se esforçou para falar, mas não conseguiu segurar o riso. — Eu sei que isso soa como uma loucura, mas o avô dela trabalha com essas coisas. Acho que o dono da granja é amigo dele, sei lá. Suzie ama os animais, vocês sabem, eu já tinha falado que ela trabalhou em um pet shop, e o avô finalmente deixou ela fazer mais do que só tosar os pelos dos cachorros.
Drew fez uma careta.
— Isso é trabalho veterinário, cara, você não tem experiência nenhuma. — Ele franziu o cenho, achando tudo aquilo absurdo demais. — Você nem vai conseguir pensar em dar um beijo nela no meio se toda aquela sujeira e sangue.
— Eu não acredito que vou dizer isso, mas… não ia rolar beijo de qualquer jeito. — Brock falou com a voz tão baixa que os outros quase não escutaram.
May arqueou uma sobrancelha, um sorriso irônico dançando nos lábios dela enquanto ela se inclinava para frente, curiosa.
— O que? Um primeiro encontro sem beijos no banco de trás do carro? Quem é você e o que fez com o Brock que a gente conhece e tolera? — May soltou uma risada, mas ela estava surpresa, como se realmente não conseguisse acreditar na mudança de atitude de Brock.
Brock sentiu suas bochechas ficarem quentes de vergonha. Tudo aquilo era atípico demais para ele.
— Eu meio que gosto dela. Tipo, gosto mesmo dela. — Ele contou, com os olhos brilhando e as maçãs do rosto rubras. — Eu acho que quero ir devagar com ela, sabe? Ela é bacana demais para eu só dar uns amassos e depois ignorar todas as suas ligações. — Brock era um galinha de marca maior. Ele não era do tipo que flertava com sua namorada pelas suas costas, ele também nunca dormiu com uma garota que não soubesse o nome, mas ele tinha pavor de ter um relacionamento sério antes dos trinta. Não tinha a menor paciência para retornar suas ligações e não com certeza não perderia a oportunidade de agarrar na sua bunda no primeiro beijo. Por isso que era tão estranho vê-lo caindo de amores por Suzie. — Acho que teríamos uma história interessante para contar aos nossos filhos depois. Já pensou no quanto eles vão se impressionar quando souberem como foi o nosso primeiro encontro? — Brock se viu sorrindo involuntariamente ao pensar na ideia.
— É, eu não consigo pensar em nada mais impressionante do que duas pessoas sujas de sangue e merda de égua, presas no meio de um granjeiro fedorento. — Drew chiou, com a voz recheada de sarcasmo.
— Não seja chato, amor. — May jogou a mecha do seu cabelo para trás da orelha e o cheiro do seu perfume ficou mais intenso e sobrepôs o cheiro de comida que estava impregnado no refeitório por alguns instantes. — Um encontro é um encontro.
Drew arqueou as sobrancelhas, um sorriso debochado se formando nos cantos de seus lábios.
Ash, por outro lado, não parecia nada interessado na conversa. Ele girava o garfo entre os dedos de maneira absorta, seus olhos focados em algo distante.
— Ah, não, por favor, não me diga que você também se interessou por isso, linda? — Drew arqueou as sobrancelhas escuras e foi praticamente impossível conseguir disfarçar seu sorriso debochado.
— Eu só acho que quando alguém te convida para uma experiência única, você deve aproveitar e ir. — May respondeu e aproveitou a deixa para roubar uma batata frita do prato de Ash. Não era como se ele fosse comer mesmo. — Quem sabe o que você vai aprender?
— O que é que tem para aprender? — Ele rolou os olhos e debruçou os braços sobre a mesa. — É só achar alguém tão idiota como o Brock para segurar o animal e torcer para que tudo dê certo.
— Ok, talvez seja fácil para você, mas imagine para a égua! Deve ser muito difícil para ela. — May retrucou, dando um gole na sua Cherry Cola.
— Pois é, cara, é claro que a Ninetales vai sentir uma puta dor. — Brock fez uma careta, como se estivesse acabado de receber uma sentença de morte. — A Suzie disse que eu poderia escolher o nome do nosso filhote, acham que Vulpix é um nome dahora? — Ele sorriu abobalhado.
— Completamente dahora. — May concordou, sorrindo como uma criança travessa.
— Eu acho que tem muito mais coisas erradas com vocês dois do que eu imaginava. — Drew murmurou, mas havia um sorriso quase imperceptível desenhando em seus lábios.
May jogou a cabeça para trás e riu alto, os fios castanhos do seu cabelo acompanharam o movimento.
— É, acho que sim. — Ela mirou os grandes olhos azuis sobre Ash e o observou de cima a baixo com a curiosidade aguçada. Não era do feitio dele ficar assim, tão fora de órbita. Quer dizer, ele era um pouco avoado. Ash vivia com a cabeça no mundo da lua, mas, sei lá, ele parecia ainda mais distante da realidade hoje do que em qualquer outro dia.
May deslizou as suas mãos pela mesa de maneira apresentada à procura de um guardanapo que não estivesse sujo de mostarda, o que foi praticamente difícil. Ela amassou o papel e o transformou em uma bola mal feita, tão depressa, que parecia que sua vida dependia disso e com um sorriso travesso nos lábios, ela disse:
— Pensa rápido! — Ela acertou seu rosto com um estalo seco, e ele praguejou com um tom de desconforto, mas não havia uma raiva genuína em sua voz
— Porra. — Ele resmungou, massageando o nariz como se tivesse sido atingido por algo muito maior e mais doloroso do que uma simples bolinha de papel. — O que foi? — Indagou com a testa franzida.
— Como assim "O que foi?" — May ergueu as sobrancelhas bem feitas. — Eu é que te pergunto o que foi! Você tá aí parado olhando para o Drew com uma cara de bobo à uns dez minutos.
Ash, com o rosto ainda quente, comprimindo os lábios, tentou dar um sorriso sem graça, mas o desconforto ficou evidente. Não conseguia esconder que estava, de fato, com a mente longe. Ele estava mesmo olhando para Drew com cara de boboca.
— Não é nada. — Ele murmurou baixinho, os dedos batendo freneticamente na superfície da mesa, como se aquele pequeno movimento pudesse aliviar a tensão crescente dentro dele.
— Ah, pois eu acho que é tudo. — May insistiu, com o olhar afiado. Ela não era do tipo que deixava algo passar batido, e aquele comportamento estranho de Ash não a deixava em paz. Ash desviou os olhos, buscando algo para se concentrar, e acabou fixando-os em suas próprias mãos, como se elas fossem a coisa mais legal no mundo naquele momento.
— É bobeira, pessoal. — Ele tentou desviar a conversa, forçando um sorriso desajeitado.
— Então fala pra gente, ué. Não é como se você sempre falasse algo que preste. — Brock também quis saber.
Ash engoliu em seco a saliva, tão angustiado que parecia que ele estava confinado em sala de interrogatório e o detetive mais carrasco do lugar tivesse lhe perguntado onde ele estava no sábado à noite.
Para evitar a resposta, Ash enfiou um pedaço de bolo na boca, como se aquele gesto grosseiro pudesse impedir que ele falasse. Ele pensou que com a boca cheia poderia escapar de qualquer pergunta. Mas, mesmo assim, as palavras saíram apressadas, com dificuldade, como se estivesse tentando esconder algo tão grande que até ele próprio estava com medo de admitir.
— EuvoumedeclararparaaMisty — As palavras saíram tão rápidas que ele quase se engasgou com o bolo.
— O quê? Que idioma é esse? — May perguntou, a confusão estampada no rosto dela, tentando entender o que ele acabara de falar.
Ash, com o rosto corado e os ombros tensos, suspirou dramaticamente. Ele sabia que não havia razão para tanto mistério, mas a timidez e o medo de ser vulnerável o impediam de falar com clareza. Ele não sabia nem como começar.
— Eu vou me declarar para Misty. — Finalmente, as palavras saíram, mais lentas agora, como se ele estivesse tentando processar o que estava dizendo. As bochechas de Ash estavam rosadas, e suas mãos estavam tão suadas que ele mal conseguia segurá-las firmemente. — Até escrevi uma carta de amor para ela. — Ash completou, a voz mais baixa agora, como se fosse um segredo que ele temia que fosse revelado.
Ash esperava que os seus amigos fossem cair na gargalhada, porque era completamente patético um cara escrever uma carta de amor para uma garota que mal sabia da sua existência.
— Claro que escreveu. — Brock riu com descrença, uma risada que transparecia incredulidade. Era como se ele não conseguisse acreditar no que Ash acabara de dizer, como se a ideia de Ash ser tão direto fosse uma grande piada.
Drew gargalhou. A risada que escapou de seus lábios foi alta e rápida, uma gargalhada cheia de divertimento, mas também com uma ponta de zombaria.
Ash ficou ali, com os ombros caídos, o olhar distante, respirando fundo enquanto os risos ecoavam em volta de si.
— Tá, eu sei que é ridículo. — Ele murmurou, um pouco irritado consigo mesmo, tentando se defender.
Mas, à medida que os risos diminuíam, um silêncio estranho tomou conta do lugar. Ash não queria acreditar, mas ele finalmente estava dando o passo mais sério que já tinha dado por Misty, e se tivesse que ser ridículo para fazer isso, ele não se importava. Era tão difícil tentar engolir a vergonha e, ainda assim, ele não se arrependia.
— Faz tanto tempo que eu gosto dela… — Ash murmurou baixinho, quase para si mesmo. — Se esse papo de universos alternativos for realmente verdade, então… — Ele parou, os olhos focados em algum ponto distante, refletindo. — Não consigo imaginar uma versão minha que não seja completamente apaixonado por ela.
— Espera aí. — Drew parou de rir, perecendo que Ash estava sério demais para fazer daquilo uma brincadeira. Ele cruzou os braços, inclinando-se para frente como se estivesse prestes a investigar uma teoria. — Você tá falando sério, Ash?
Ash parou por um segundo, sentindo um frio na barriga.
— É sério. — Ash vasculhou sua mochila com pressa, enfiando as mãos rudemente entre os itens espalhados. Sua mochila estava uma bagunça, cheia de papéis, canetas e coisas que ele mal lembrava que tinha. Era como se estivesse procurando algo importante, algo que confirmasse para ele mesmo que aquilo tudo não era uma grande loucura.
Foi só depois de um tempo, quando ele já estava prestes a desistir, que seus dedos encontraram o que procuravam: um pequeno envelope azul turquesa, amassado em uma das laterais. Ash o segurou por um momento, observando a cor que ele sabia ser a favorita de Misty. Ela adorava azul – usava roupas dessa cor o tempo todo e até seu material escolar parecia ter sido escolhido com esse tom em mente.
Ele sempre pensou que aquilo fosse uma coincidência, mas agora, com o envelope em suas mãos, ele se perguntava se aquilo não era algum tipo de sinal.
— Viu? — Ash balançou o envelope bem na frente do rosto de Brock, exibindo-o como se fosse um cheque de um milhão de dólares.
Brock olhou para o envelope e, por um momento, parecia duvidar do que estava vendo. Ele olhou de volta para Ash, seu olhar um misto de confusão e surpresa.
— Não me diga que você realmente escreveu uma carta… — Brock perguntou, um sorriso incrédulo se formando. Sua voz estava cheia de descrença, como se fosse impossível imaginar Ash fazendo algo tão sério
— Não brinca! — May bateu palmas, o sorriso no rosto tão largo que parecia que ela estava prestes a explodir de felicidade. A empolgação dela era tão contagiante que Ash quase achou que ela ia começar a soltar fogos de artifício. — Você deveria levá-la ao parque de diversões. Isso seria super incrível.
Ash sentiu seu rosto esquentar, mas não conseguiu esconder o sorriso bobo que surgiu quando pensou na ideia.
— Sabe o que seria ainda mais incrível? — Brock entrou na conversa, ele parecia um especialista em relacionamentos, como se tivesse feito uma faculdade só para isso. — Você deveria comprar um buquê de flores ou um ursinho de pelúcia para ela. As garotas amam essas coisas.
— Isso! E eu poderia fazer cookies com gotas de chocolate para ela sempre que ela tivesse naqueles dias. — Ash sorriu abobalhado, como um típico garoto apaixonado.
— Acho que você precisa melhorar o seu jogo, amor. — May implicou, dando uma cotovelada de leve nos ombros largos de Drew.
Drew, que parecia ter se perdido na conversa até aquele momento, se endireitou na cadeira com um leve suspiro, parecendo mais sério do que o normal.
— Ei, espera aí, vocês dois estão colocando muita pilha. — Drew se intrometeu, com um tom quase autoritário, como se fosse o único que enxergava a realidade da situação. — Primeiro a gente precisa saber se ela também está interessada. Não adianta nada ficar fazendo planos sobre o primeiro encontro deles, se o Ash nem sequer consegue falar um "oi" com ela.
Ash murchou um pouco, o sorriso sumindo de seu rosto. Era verdade, ele ainda mal conseguia falar com Misty sem ficar nervoso, muito menos planejar um encontro perfeito.
— Ora, isso são apenas detalhes. — May deu de ombros, limpando os lábios com um guardanapo.
— Que fazem toda a diferença. — Drew rebateu com um sorriso desdenhoso, deixando claro que não estava ali para jogar confete.
Ash soltou um suspiro pesado e, com o rosto enterrado na mesa, murmurou de forma quase inaudível:
— Detesto admitir, mas ele tem razão. — A frustração era palpável, como se ele estivesse esmagado pela própria timidez. — Eu não consigo nem dizer um simples “oi” com ela sem começar a gaguejar.
— Ah, ela vai achar bonitinho. — May tentou tranquilizá-lo, mas ela não soou muito convincente.
— Na melhor das hipóteses. — Drew completou, soltando uma risada abafada, seu sorriso de deboche não deixava dúvidas de que ele não estava comprando a história.
Ash comprimiu os lábios, sentindo suas têmporas começarem a latejar, tentando controlar a frustração crescente. As palavras de Drew martelavam em sua cabeça, e ele se perguntava como teria coragem de fazer algo tão simples, mas ao mesmo tempo tão aterrorizante para ele.
A ideia de se declarar para Misty, uma das garotas mais populares, mais bonitas, mais fora do seu alcance, o deixava completamente fora de órbita. Tudo parecia simples em teoria, mas, para ele, seria como escalar uma montanha com os pés atados.
— Eu nunca tive uma conversa com ela que durasse mais do que dois minutos, — Ash lamentou, sentindo uma tristeza profunda se instalar em seu coração. — o quão estranho seria se eu resolvesse entregar uma carta para ela do nada?
— Definitivamente seria muito estranho. — May concordou, a contragosto.
— Ela vai achar que cruzou com o Joe Goldberg. — Brock implicou. Ele devorava os livros da Caroline Kepnes ao invés de waffles no café da manhã.
— Eu vou parecer um completo idiota. — Ash murmurou, ele de fato se sentia como um completo idiota. No fundo, ele já sabia que aquilo tudo era um pouco exagerado, mas a ideia de se expor dessa forma o fazia sentir um desconforto imenso.
— Ah, mas você já parece um completo idiota. Não se preocupe. — Drew não perdeu a chance de alfinetar. Seu tom zombeteiro tornou tudo ainda mais desconcertante para Ash. May, no entanto, o fulminou com um olhar irritado e deu-lhe um beliscão no braço, repreendendo-o. Ele apenas deu de ombros, um sorriso travesso no rosto. — Que foi, linda? É só para descontrair.
— Pois eu acho que você deveria entregar a carta para ela. — May opinou, tamborilando as unhas no ritmo da sua fala, parecendo mais confiante do que nunca. — Fala sério, que garota não gosta de receber um mimo no dia dos namorados? Isso é tão romântico, e nos dias de hoje, o romantismo é praticamente uma lenda urbana.
Ok, ela estava certa.
Mesmo assim, Ash não conseguia se livrar da sensação de incerteza que o invadia. Ele sabia que Misty era uma garota super educada, e a chance dela fazer algo tão exagerado como jogar um milk-shake de chocolate na sua cabeça na frente de todo o colégio era praticamente nula. Mas, ainda assim, a ideia de dar um passo tão grande o deixava inquieto.
O pior que poderia acontecer seria um simples "não". Mas o peso dessa possibilidade parecia esmagar seu peito, como se ele já soubesse o quanto seria doloroso ouvir essas palavras saindo da boca de Misty.
— Não sei… Você mesma disse que “definitivamente seria muito estranho” uma garota receber uma carta de um cara que mal conhece. — Ash acusou, a voz saindo mais ríspida do que ele gostaria, como se tentasse se distanciar de toda a fragilidade do momento.
May, percebendo a tensão no tom de Ash, encolheu os ombros e soltou um suspiro envergonhado, seu sorriso tímido denunciando o constrangimento
— Esquece o que eu disse, tá bom? Eu falei besteira. — Ela tentou se desculpar, sorrindo de maneira desajeitada.
— Besteira ou não, eu não tenho coragem de entregar essa porcaria de carta nas mãos dela. — Ash resmungou, encarando o envelope com uma intensidade que beirava a obsessão. Ele podia sentir o peso da carta, como se fosse um objeto que representava todo o seu medo e insegurança. Ele ficou ali, olhando fixamente para o papel azul turquesa, tentando decidir se rasgava tudo em um milhão de pedacinhos ou se pegava o isqueiro do bolso e queimava tudo, transformando seus sentimentos por Misty em cinzas. Talvez até poderia assar alguns marshmallows enquanto assistia seus sentimentos se desfazerem.
De repente, o rosto de Brock se iluminou. Ash quase conseguiu ver a lâmpada imaginária se acender como um farol no topo da cabeça dele.
— Mas você não precisa entregar a carta nas mãos dela. — Brock ajeitou a gravata xadrez do uniforme com tanta seriedade que Ash quase achou que ele estava prestes a dar uma palestra sobre como ganhar uma fortuna com investimentos.
— Ué, não? — Ash indagou, confuso.
— Não. — Brock disse como se aquilo fosse óbvio demais. — Você pode colocar a carta dentro da mochila dela sem que ela veja. Ou no armário, tanto faz.
Ash ficou em silêncio por alguns segundos, deixando as palavras de Brock ecoarem em sua mente. De repente, uma onda de felicidade lhe atingiu, quase como se ele tivesse acabado de ganhar na loteria.
— Puta merda, você é um gênio. — Ash quase gritou, tão empolgado que quase saltou da cadeira. Ele sentiu vontade de dar um beijo nos lábios dele como agradecimento.
— Então, o que está esperando? — Brock riu, claramente divertindo-se com a animação de Ash. — Temos quinze minutos de intervalo, vai lá e coloca a carta na mochila dela agora mesmo.
Ash estava eufórico. Isso parecia bom demais para ser verdade. Ele se levantou rapidamente da mesa, o coração acelerado com a ideia de finalmente dar esse passo. E o melhor: não precisaria fazer um grande discurso, nem confessar seus sentimentos diretamente.
Ash fechou os olhos por um instante, imaginando a cena em sua cabeça. Ele podia visualizar perfeitamente: o dia em que finalmente entregaria o bilhete com o pedido para se encontrarem na pequena cafeteira após a aula. Misty, com aquele olhar curioso e um sorriso tímido, leria a mensagem e, em seguida, olharia para ele com aquela expressão doce e sincera. Ela perguntaria se ele estava falando sério, e ele, com o coração batendo forte, confirmaria.
Eles passariam a tarde conversando, descobrindo mais um sobre o outro, rindo das piadas bobas, e ele, finalmente, teria coragem de confessar tudo o que sentia. Ela entenderia, e o que parecia um gesto estranho e tímido, se transformaria em algo maravilhoso, como se fosse o começo de uma história de amor de filme. Ash sorriu sozinho ao pensar nisso, seus olhos brilhando de esperança.
Já pensou que máximo seria passar o dia dos namorados namorando?
Ash pegou o envelope em cima da mesa, seu coração acelerando à medida que a realidade do que estava prestes a fazer se impunha. A carta estava ali, simples, mas carregada de todos os sentimentos que ele guardava para Misty.
— Me desejem sorte. — Ele murmurou, tentando soar mais confiante do que realmente estava, mas a tremedeira nas suas mãos traiu o seu nervosismo. Com uma leve hesitação, ele se afastou da mesa e começou a caminhar em direção à porta.
— Boa sorte. — May e Brock falaram ao mesmo tempo.
No entanto, foi Drew quem não perdeu a oportunidade de provocá-lo. Ele colocou ambas as mãos em frente à boca, fazendo um gesto exagerado, e gritou com um sorriso malicioso:
— Vê se não baba todo o rosto dela na hora do beijo, garanhão! — A risada de Drew ecoou pela sala, e Ash sentiu seu rosto ser invadido por um calor intenso. Suas bochechas queimaram, e ele se encolheu ainda mais dentro do moletom, como se tentasse se esconder do mundo.
No final das contas, ele realmente deveria ter queimado aquela maldita carta.
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