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A primeira vez que aconteceu era o pior inverno que a cidade já viu, e eles moravam em uma espécie de Forks coreana onde fazia frio até durante o verão. Para piorar a situação, o único aquecedor da casa estava quebrado depois de resistir por muitos anos de negligencia e falta de manutenção, e não havia nenhum cobertor no mundo capaz de aquecê-los mesmo com todas as janelas devidamente trancadas. O frio já parecia enraizado em cada canto do cômodo.
Havia uma lavanderia na cidade que ficava aberta a noite inteira. Namjoon, que estava quase delirando de frio, de repente se lembrou de como o aquecedor de lá funcionava até no verão. Todos os dias da semana, vinte e quatro horas por dia. Ele costumava levar as roupas lá porque gostava do lava-e-seca. Nunca havia sol o suficiente no apartamento, e as roupas costumavam ficar molhadas por dias no varal que eles deixavam na cozinha. A casa sempre cheirava a amaciante e gato molhado.
Talvez Namjoon tivesse roupas para lavar, agora, no meio da noite. Ele poderia enfiar alguns jeans em um saco e levar para a lavanderia. Poderia colocar as roupas dentro da máquina de lavar e depois se enrolar em um dos bancos de espera até que a circulação voltasse aos dedos, até que o sangue voltasse a correr. Ele poderia levar Yoongi com ele, talvez, se o amigo ainda estivesse vivo no sofá. Ele só precisava conseguir resistir a sair da cama e andar no frio hibernal do lado de fora, no vento e na neve.
Era dezembro de 2011 e Namjoon pensou na manchete que apareceria no jornal local. Dois homens mortos no pior inverno por causa da porra de um aquecedor quebrado. Eles logo se tornariam apenas parte de uma estatística de artistas frustrados que se perdiam no meio do caminho na longa caminhada de se tornar conhecidos – isso se fossem relevantes o suficiente para que a morte fosse anunciada, o que nem deveria ser o caso.
Namjoon fungou de frio no momento em que ouviu um xingamento vindo de algum lugar do apartamento. Era Yoongi. Ele sabia utilizar palavrões como ninguém no mundo, um arsenal interminável de palavras ofensivas, e Namjoon teria rido se não estivesse tão congelado.
Yoongi não bateu na porta quando entrou no quarto de Namjoon. Ele estava aborrecido, mesmo que mal desse para enxergar os olhos dele no escuro, e ainda estava xingando muito alto para a paz dos vizinhos.
— Essa merda de aquecedor, essa merda de vida do caralho. — Yoongi chutou uma almofada que estava no chão, que caiu quando Namjoon se moveu na cama. — Nós somos a porra dos homens mais azarados do mundo, Namjoon, você sabe disso, não sabe?
O engraçado era que Yoongi não era esse tipo de cara que ficava reclamando da sorte. Mas o aquecedor quebrou, era o pior inverno de Seoul, ele estava trabalhando muito mais do que deveria naquela semana, e ele era como uma abelha operária congelado e muito mal-humorado. Era só uma semana de merda, francamente, e o melhor amigo queria reclamar. Então qual a porra do problema? Foda-se os vizinhos.
— Você veio me bater? — Namjoon perguntou, parte em brincadeira. Yoongi não disse nada, mas ele jogou o próprio cobertor no chão e se aproximou. — Talvez uma luta esquente a gente.
— Cala a boca, porra. — Yoongi disse. De perto, o rosto dele era mais legível. O inverno sempre fazia com que o rosto dele ficasse inchado, as bochechas maiores. — Eu nunca senti tanto frio na minha vida. Até minhas bolas congelaram.
Namjoon não disse nada, mas ele também estava com tanto frio. Aquela seria uma das piores e mais longas noites que eles já viveram, e eles viveram por umas situações complicadas quando saíram de casa e começaram a viver por conta própria.
— Yoongi...
— Nós nunca vamos falar sobre isso, ok? — Foi a única coisa que Yoongi disse antes de puxar a coberta de Namjoon e deitar ao lado dele, embaixo dos lençóis. Ele estava tremendo tão violentamente que Namjoon conseguiu ouvir o som dos dentes dele batendo. — Nunca, nunca vamos falar sobre isso, nunca.
Namjoon nunca esteve tão próximo e Yoongi antes. Mesmo para padrões coreanos, os dois eram muito distantes e não gostavam tanto assim de toque físico. Yoongi era muito, muito consciente do próprio espaço e ele nunca deixava ninguém ultrapassar nenhuma linha, nem mesmo os pais. Ele não era um cara muito tátil e Namjoon respeitava isso.
— Tudo bem? — Namjoon perguntou estupidamente quando passou os braços ao redor do quadril de Yoongi, puxando-o para mais perto e deixando o amigo se aconchegar. Ele era macio e estava quente. — Isso vai ser estranho pra caralho amanhã de manhã.
— Se você falar alguma coisa sobre isso amanhã de manhã eu vou cortar as suas bolas. — Yoongi praticamente rosnou em resposta. Ele estava com a testa apoiada no ombro de Namjoon, como se fosse impossível encará-lo nos olhos pelo que estavam fazendo.
— Pelo menos elas vão estar dormentes com o frio. — Disse, tentando arrancar algum sorriso de Yoongi. O amigo não disse nada em resposta, apenas manteve o aperto ao redor de Namjoon, muito mais forte do que ele normalmente abraçaria qualquer pessoa por educação. O quarto estava escuro e Yoongi ainda estava tremendo. — Vou chamar alguém pra consertar o aquecedor. — Prometeu, a voz apenas um fio.
— Nós não temos dinheiro pra isso. — Yoongi disse, e pelo menos dessa vez ele não praguejou. — Nós estamos fodidos até o último fio de cabelo.
Não era mentira, exatamente. Eles viviam no limite. Não estavam passando fome, mas o dinheiro era contado para as contas de casa, aluguel e comida. Eles quase nem conseguiam sair para se divertir como os jovens fariam. Eles trabalhavam muito, e às vezes conseguiam se apresentar em alguns lugares como rappers. Às vezes alguém pagava uma bebida para os dois, se gostasse da música deles. Andava acontecendo cada vez menos nas últimas semanas.
— Nós vamos dar um jeito. — Namjoon falou baixinho, e nem ele acreditou muito nisso. Mas eles sempre davam um jeito, e sempre sobreviviam mais uma semana, e estavam vivendo juntos há um ano. — Por enquanto eu posso esquentar você.
Namjoon já estava se sentindo mais quente. O contato físico ajudou muito. Mas Yoongi ainda estava tremendo, e Namjoon começou a esfregar os braços dele, querendo que a fricção fosse o suficiente para ajudar. O amigo não disse nada, apenas deixou que ele fizesse o que quisesse, o rosto ainda enterrado em seu ombro, mas ele parou de tremer gradativamente e adormeceu ainda agarrado muito forte em Namjoon.
Como prometido, na manhã seguinte eles não falaram sobre o assunto.
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