Capítulo Nove.
As xícaras de café estavam postas na mesa pequena e bonita. O cheiro da bebida escura perfumava todo o enorme cômodo. Porém, acima da mesa, não haviam apenas xícaras, também tinha a elegante arma que Kizashi carregava sempre em seu coldre.
Ino respirou fundo e engoliu em seco. Seu pai nunca retirava sua arma ou coldre, era como uma extensão de seu corpo. A arma era prateada, com um trabalho bonito e delicado feito, linhas finas cruzavam-se não tendo formas, mas criando traçados incríveis.
- Por que não foi para o restaurante, papai? – indagou Ino, não aguentando mais o silêncio que havia sido estabelecido.
Kizashi era uma grande chefe de cozinha, sendo especialista em massas e carnes. Com restaurantes renomados espalhados pelo continente, o patriarca Haruno era ocupado e requisitado em diversas áreas.
- Uma situação urgente e delicada precisa ser cuidada, querida – Kizashi respondeu a encarando sério e pensativo.
Ino assentiu, sentindo uma onda de alívio. Seu pai não sabia de Gaara, definitivamente. Se ele soubesse, Gaara já estaria morto e ela em algum convento, presa pela desonra que causou aos Harunos.
- O que houve? – Ino perguntou observando a troca de olhares entre seus pais – Os Uchihas estão bem?
- Eles estão ótimos, Ino – Mebuki lhe sorriu. Os olhos verdes brilhando intensamente em alegria – O que temos para lhe contar é uma notícia feliz para todos nós.
- Então contem! – exclamou a loira rindo e sentando-se na ponta do sofá, a curiosidade nascendo.
Kizashi suspirou e coçou a barba por alguns instantes. Ino era uma menina doce e aceitaria Akemi/Sakura como uma boa irmã, sabia disso. Não aceitaria menos. Contudo, a situação era delicada demais e se pudesse escolher, esperaria que Sakura estivesse mais habituada com eles e a nova vida.
Mas Mebuki estava tão ansiosa para contar a Ino, que não queria esperar mais. Kizashi achava que Mebuki poderia gritar ao mundo que sua filha foi encontrada. A alegria e amor por Akemi também guerreavam e tentavam dominar sua mente, mas precisava manter-se firme.
A notícia do reaparecimento de Akemi não poderia ser jogado ao mundo. Os tabloides cairiam em cima da família e mesmo que Sasuke controlasse as notícias e divulgações, a situação poderia ser muito traumática para todos.
E seus inimigos saberiam que ela estava de volta. Os russos saberiam.
- Nós encontramos sua irmã – Kizashi disse por fim.
- Irmã? – Ino franziu o cenho, não entendendo.
- Sim. Nós encontramos Akemi – Mebuki sorriu largamente – Nós encontramos Akemi! – voltou a exclamar.
Ino congelou, os olhos azuis arregalados.
A ideia de Akemi estar viva era inimaginável para si. A lápide construída no pequeno monte nos fundos da mansão, concretizava a dor que seus pais sentiam todos esses anos.
- Ela não tinha morrido? – a pergunta escapou de seus lábios antes que pudesse conter. Levou as mãos à boca e a selou – Desculpe.
- É o que nós pensávamos – Kizashi alcançou uma das xícaras de café fumegante ao lado de sua arma prateada – Mas Kakashi a encontrou depois de todos esses anos. Sakura é como se nomeia agora.
- Ela estava em algum orfanato? – Ino falava ainda sentindo-se atordoada – Não, ela é mais velha dois anos, certo? Então ela já foi adotada. Ela está aqui no país com a família dela?
- A situação de Akemi é complicada, Ino – Kizashi repousou a xícara na pequena mesa – Akemi não esteve em um orfanato como você e uma família a adotou. Akemi vivia nas ruas até duas noite atrás.
- Ela é mendiga?! – exclamou a loira surpresa – Como aquelas dos semáforos?!
- Ino! – repreendeu Mebuki séria – Akemi era uma moradora de rua, não pedia esmola.
Kizashi desviou seus orbes para o café por alguns segundos. Sua filha não era uma mendiga, não pedia esmola. Sakura traficava. Fazia entregas por toda a cidade, por todos os becos, para todos os tipos de pessoas.
Não sabia a história de sua vida, o que lhe fazia querer arrancar os cabelos e matar todos aqueles que a prejudicaram. Tinha a plena certeza de que não foi um maldito conto de fadas viver nas ruas todos esses anos. E olhar o quanto Ino estava linda e saudável à sua frente, apenas o lembrava do quanto debilitada estava Sakura. Ela não conseguia levantar da cama por fraqueza. E ainda havia as drogas. Hinata lhe avisou das drogas encontradas em seu organismo fraco.
Sakura era viciada em analgésicos, no mínimo.
- Papai? O senhor está bem? – Ino chamou a atenção dele de volta à conversa.
- Sim, querida – murmurou voltando o olhar para ela – Sakura...
- Sakura?
- Sakura é nome dela agora – Mebuki falou – Akemi é uma pessoa difícil de se lidar e ela está assustada. Precisamos ser cuidadosos com ela.
- Ok – Ino suspirou recostando-se no sofá. Demoraria a digerir tudo. Estava ganhando uma irmã, que estava morta para ela à menos de cinco minutos atrás – Onde ela está? Ainda na rua?
- Claro que não. Desde que a descobri e fiz o teste de paternidade, está na casa de Sasuke...
- Sasuke?! – Ino voltou a arregalar os olhos.
- Qual o problema? – Kizashi arqueou a sobrancelha questionador.
- Hã... – gaguejou a mais nova – Eu só acho Sasuke um pouco intimidador e glacial. Ele não parece ser uma das pessoas mais receptivas para alguém como Akemi.
- Sasuke a está cuidando muito bem – encerrou Kizashi simplesmente o assunto.
Ino assentiu. Os Uchihas a assustavam, até mesmo a matriarca Mikoto, que mostrava-se ser doce em algumas ocasiões. Jamais admitiria isso para seu pai e mãe, pois sabia que suas obrigações logo viriam e teria que casar-se com um deles.
- Como você se sente, Ino? – Mebuki perguntou – Sei que tudo parece tão absurdo, mas é... Eu pareço estar explodindo! – continuo rindo.
Ino acompanhou a risada de sua mãe, mas seu coração esfriou-se um pouco. Quando mais nova, ainda no orfanato, sonhava com pais e irmãos. O casal Haruno apareceu e realizou esse sonho de diversas maneiras. Contudo, naquele momento, sentia que os estava perdendo.
A consciência de que foi adotada depois do desaparecimento de Akemi, lhe dizia o que precisava saber de seu papel inicial na família. Mas o amor cresceu e tinha a certeza de que a amavam. Porém, Akemi estava de volta e não sabia mais nada a partir daí. Insegurança a fez esfregar as mãos nas coxas em ansiedade.
- Apenas podemos agradecer por ela aparecer – levantando-se do sofá caminhou até a mãe – Sei como sofriam pela perda dela – continuo dizendo abraçando a mais velha.
- Ah, meu amor – Mebuki agarrou a garota e lágrimas escorreram – Você é um doce!
Kizashi sorriu com a interação das duas. Sakura seria bem recebida afinal de contas. O maior obstáculo no final seria ela mesma.
Sakura não acreditou em suas palavras e história, sabia disso, e não poderia culpa-la. A vida a esculpiu em moldura dura e fria, de difícil modelagem. Contudo, aquela era a nova vida dela e não a deixaria escapar.
Kizashi sentia a necessidade de abraça-la e não soltar mais. A lembrança de correr na noite e gritar por ela, ainda o fazia perder o ar de seus pulmões. Mas, finalmente, encontrou sua filha e nada a tiraria de perto de si novamente, nenhum inimigo ou até ela mesma.
****
- Pode me arrumar um cigarro? – perguntou quebrando o silêncio.
A médica pulou com o som, assustada. Sakura não a olhou, mas pela visão periférica a viu levar a mão aos seios surpresa. Não a culpava. Não falou em nenhuma das vezes que ela apareceu para trocar a bolsa de soro preso ao acesso em seu braço.
- Deve comer, não fumar – a voz era suave e doce.
Sakura gostou de ouvi-la, poucas pessoas falavam dessa forma, parecia puro carinho apenas no som.
- Por que não come? – ela voltou a falar.
Sakura não respondeu. A bandeja brilhava a poucos centímetros de si. O cheiro da sopa era tão forte e embriagante que fazia sua mente mais confusa que as drogas. Contudo, não aproximou-se da comida.
Queria estar sozinha quando provasse. Não queria alguém assistindo o desemparo ou a fúria com a qual iria atacar o prato. Sakura nem mesmo sabia se poderia conter as lágrimas enquanto comia.
- Precisa comer – Hinata murmurou insistindo – Não irá conseguir manter-se de pé. Nem mesmo poderá ir ao banheiro.
Sakura assentiu às palavras, mas não moveu-se. Um suspiro profundo deixou a médica, mas a rosada não a olhou. Hinata tinha os olhos bonitos e carinhosos, e Sakura não sentia-se bem quando a olhavam daquela forma. Era como um choque quente, e ela preferia o frio. Estava habituada ao frio.
Pela janela do quarto onde se encontrava, duas noites haviam se passado. Sakura sentiu uma pontada em seu peito. Não sabia onde estava Haku, ele poderia ter fugido e ido atrás dela. Sakura o tinha ensinado a fugir basicamente de qualquer lugar e abrir qualquer porta silenciosamente.
Anos se esgueirando da polícia e fazendo pequenos furtos a tinham mantido viva, e fez questão de ensinar cada detalhe para ele, mas Haku era inocente demais e poderia deixar-se levar por dizeres tão doces quanto a médica ao seu lado.
- Como está suas costelas? Alguma dor muito forte?
- Estão bem – Sakura disse, finalmente a respondendo – Quando elas irão sarar de vez?
- Bom, isso depende totalmente de você – Hinata falava calmamente – Precisa descansar e não fazer movimentos bruscos, em quatro semanas estará nova em folha.
- Quando vou poder me levantar?
Sakura olhou para Hinata pela primeira vez no dia. Vestida em jeans e blusa de mangas compridas, a morena estava de pé ao lado da cama a encarando atentamente, os olhos claros e bonitos estreitos. Hinata parecia receosa, e Sakura não fazia ideia do porquê. Não é como se pudesse a atacar que qualquer forma.
- Assim que recuperar suas forças, irá poder manter-se de pé. Precisa comer e ingerir muita água. Sua anemia está agravando-se muito rapidamente – Hinata disse, fazendo-se clara. Porém, ela cruzou os braços e estreitando ainda mais os olhos, continuou cuidadosa – Há quantas horas não come?
Sakura franziu o cenho ao som de outra palavra nova. Não entendia o que seria anemia e parecia grave, um obstáculo a mais. Pronta para perguntar, abriu os lábios, porém, a porta abriu-se e por ela surgiu o homem de cabelos e orbes negros.
- Hinata.
- Capo Itachi – a médica cumprimentou baixando a cabeça.
Sakura assistiu o homem, tão parecido com Uchiha Sasuke, caminhar e sentar-se a poltrona encostada na parede do outro lado do cômodo, mas com direção frente a cama. Ele abriu um botão do blazer cinza que usava, mostrando levemente o coldre de dupla entrada com duas armas presas nelas, e cruzou as pernas tranquilamente.
- Pode continuar doutora, apenas me ignore – pronunciou ele sorrindo de canto para a morena.
Concordando com a cabeça, Hinata virou-se para a rosada e a encarou novamente.
- Há quantas horas não come? – perguntou novamente.
Desviando o olhar para a janela, Sakura viu a neve cair no dia claro e cinzento.
- Dias – sussurrou baixinho, mesmo sem querer.
- Não ouvi, desculpe – Hinata cedeu um passo em direção a cama, mas parou ao ver a rosada encolher-se para longe – Não se mova bruscamente.
- Não como há dias – Sakura disse em tom um pouco mais alto, fazendo-se ouvir – Seis dias, acho.
Hinata ofegou baixo e não conseguiu segurar o olhar que correu para Itachi, este por sua vez, tinhas as mãos tão apertadas em punho que logo se viam os nós dos dedos brancos e as veias da mãos saltadas.
Hinata, contudo, não querendo que a rosada tomasse mal sua reação, quando a fez finalmente falar, continuou em tom neutro.
- O que foi a última coisa que comeu?
- Um bocado de sanduíche que sobrou na mesa de algum restaurante no centro.
Sakura lembrou-se que dividiu com Haku o alimento. O garoto gemeu de prazer ao provar as batatas que apesar de frias, ainda estavam levemente crocantes. Mas a comida não tinha sobrado, ela percebeu quando o cliente levantou-se e caminhou para dentro do restaurante novamente. Suas mãos eram leves e fez o serviço rápido, nem mesmo Haku percebeu.
- E quanto às drogas? – Hinata questionou tentando parecer menos afetada possível – Nos exames que fiz a presença de Oxicodona acusou, uma dose alta.
Sakura mirou o acesso preso ao seu braço e negou com a cabeça. Ela não falaria sobre drogas, não mesmo. As drogas eram sua merda para lidar, não precisava de ninguém a enchendo de perguntas e nem entregaria as pessoas que vendiam, afinal, era uma delas.
O silêncio voltou a cair no cômodo. Hinata percebendo que nada mais conseguiria, inclinou a cabeça em direção à Itachi, e ele liberou sua saída do quarto.
- Se lembra de mim? – perguntou Itachi suavemente, quando sozinhos – Guardei sua pequena faca, na noite que foi ver Nagato.
Sakura estreitou os olhos tentando lembrar-se. Mas não demorou muito, o Uchiha tinha traços difíceis de se esquecer. Os olhos negros brilhavam perigosa e suavemente. Quase como se prometesse um beijo antes de lhe cortar a garganta.
- Ela está cuidando bem de você? – Itachi falou chamando a atenção da rosada, já que ela não o respondeu.
Sakura balançou a cabeça concordando. Não tinha o que falar da médica e não diria se tivesse. Hinata era uma deles.
- Sim. Sasuke me falou que não gosta de conversar – Itachi suspirou calmo – Mas não se preocupe, não vim fazê-la falar. Apenas trouxe notícias de Sai. Pensei que agora que sabe que ele não lhe traiu, gostaria de saber.
- Sai sabe se cuidar – murmurou friamente.
Ela não importava-se muito. Sai escolheu o tinha que escolher.
- Não preocupa-se com ele? Ele é muito cuidadoso com você, amigo fiel.
Sai não era amigo, apenas sentia-se em dívida com ela. Sakura sempre sentiu essa coisa nos olhos dele quando a via. Ela o defendeu anos atrás, mesmo ele sendo cabeças mais alta que ela.
- Sai escolheu entrar para a organização em vez de voltar para as ruas – Itachi estreitou os orbes negros em avaliação.
- Isso é bom – Sakura respondeu sincera.
- Acha mesmo?
Sakura assentiu silenciosamente. Uchiha Itachi parecia mais fácil de se lidar do que com o outro. Enquanto Sasuke era áspero nas bordas, Itachi parecia mais macio. Contudo, ela sabia que aparências enganavam.
- Por que não come? – Itachi indicou a bandeja aos pés dela – Não é de seu agrado?
Não havia ironia no tom dele, mas Sakura sentiu o corpo tencionar com as palavras ditas. Ela não comia há quase uma semana inteira e já havia comido coisas em sua vida que nem ao menos sabia o que era.
Se a sopa estava do agrado dela? Queria banhar-se e se pudesse guardaria dentro dos bolsos de seu casaco para que pudesse durar.
- Pode me arranjar um cigarro? – resolveu por fim ignorar a pergunta débil.
- A médica liberou? – Itachi ergueu a sobrancelha duvidoso.
- Sim – a mentira fácil saiu de seus lábios – Cigarros não vão atrapalhar.
- Sendo assim – Itachi puxou do bolso interno do blazer um maço vermelho de cigarros.
Sakura lambeu os lábios secos e rachados. Estava acostumada com cigarros baratos e até mesmo alguns feitos a mão. Mas tinha certeza que Itachi fumava do melhor. Fazia dias que não fumava, e precisava de um trago.
- Eu levo até aí? – Itachi indagou não aproximando-se da cama. Sasuke havia avisado que ela recuaria a qualquer aproximação.
Por segundos Sakura piscou indecisa. Não o queria perto, mas precisava fumar. Assentindo por sim, ela o observou dar passos lentos. Ele chegou mais próximo do qualquer pessoa e esticou a mão, o cigarro entre seus dedos.
- Quer que eu deixe o isqueiro? Ou acenda agora para você?
- Deixe – respondeu ela bruscamente apanhando o cigarro ansiosa, mas tomou o cuidado para não o tocar.
Itachi concordou e retirando o isqueiro prateado, o colocou na mesa de cabeceira ao lado do abajur. Ele afastou-se caminhando até a poltrona novamente, sentando-se.
- Por que não come primeiro? Esse cigarro é forte, muito na verdade. Poderia fazê-la vomitar em instantes de barriga vazia – o Uchiha comentou voltando a cruzar as pernas.
Sakura titubeou mirando o cigarro. Apanhando o isqueiro na mesa de madeira, acendeu e tragou o cigarro com força. Quando a toxina a atingiu, Sakura teve que fechar os olhos para aguentar o baque. Itachi não mentia, o cigarro era forte como um soco no peito.
- Você está bem?
Não respondendo, Sakura lambeu os lábios de repente ansiosa. Seu coração respondeu ao cigarro acelerando os batimentos. Não sabia qual era o gosto que contaminava sua boca tão deliciosamente, mas sabia que nunca esqueceria.
“Será difícil voltar para aquelas merdas”, suspirou em pensamento, ao pensar nos cigarros que fumou durante a vida.
- Isso é bom – sussurrou ela, sua voz saindo mais rouca que o normal.
- Sim é – Itachi remexeu na poltrona, cruzando as pernas num gesto rápido sob os orbes dela.
Silêncio caiu sobre os dois, mas ninguém fez menção de quebra-lo. Sakura fumava degustando aos poucos, seus orbes presos à janela que mostrava a incessante queda da neve durante mais um dia.
O Uchiha a observava sem hesitar, não importando-se se a incomodava. E ao apenas assisti-la, começava a entender a crescente e instigante curiosidade de Sasuke. Sakura tinhas belíssimos olhos verdes, que mostravam seus sentimentos facilmente, mas escondiam todo o resto.
Era perceptível que ela queria comer, mas ainda assim, ela não o fazia, e isso o fazia querer mais. Fazia o querer saber mais.
E vê-la provar de seu cigarro, seu maço pessoal, o deixou duro. A satisfação e prazer gravado na feição de traços cansados, magros, mas ainda assim, belos, fez seu coração solavancar em seu peito.
Itachi não negou o desejo súbito que sentiu, mas não o deixou à mostra tão pouco.
Assisti-la fumar, apresentava-se prazeroso e relaxante.
****
Faca e garfo arranharam o prato branco. Apanhando um pedaço do bife mal passado, levou a boca apreciando o gosto do tempero e sangue que ainda fazia-se presente na carne.
- Do agrado? – perguntou o Haruno.
- Sempre do meu agrado, Dom – suspirou satisfeito.
- Ótimo! – Kizashi sorriu orgulhoso – E o que faz aqui Sasuke? Sei que prefere comer em casa.
O Uchiha alcançou a taça com vinho tinto e bebericou. Preferia realmente estar em casa. Passava a maior parte do tempo no escritório, além de visitar as propriedades da Akatsuki. Sua casa era seu santuário.
- Sakura – respondeu finalmente, deixando a alimentação de lado.
- Imaginei – Kizashi suspirou parecendo cansado, porém os olhos brilhavam alegres.
Sasuke observou o restaurante digno das estrelas Michelin. O ambiente tinha ares clássicos e ficando na área alta da cidade, a vista era de tirar o fôlego. Estavam sozinhos, pois assim que soube que viria, Kizashi cancelou as reservas e fechou o restaurante pela tarde com uma desculpa de evento particular ou limpeza.
As poucas vezes que vinha, existiam negócios a serem resolvidos e nenhuma pessoa de fora poderia os escutar. Naquele momento, era apenas os dois no imenso salão sentados em uma das mesas. Seguranças estavam prostrados em cada canto atentos. Neji era o mais próximo a eles.
- Conversei com Ino pela manhã – Kizashi começou, tomando um gole de sua taça com água gelada – Ficou aturdida por algum momento, mas aceitou bem.
- Ino é uma garota dócil – Sasuke comentou assentindo – A reação dela já me era previsível.
- Sim, sim – concordou o Haruno rindo baixinho, mas o sorriso caiu segundos depois – A reação de Akemi é que me preocupa.
- Ela não aceitou a história, e não irá tão cedo, acho eu – Sasuke assistia o mais velho balançar a cabeça – Ela tem certeza de sua história.
- Não podemos culpa-la, no final de tudo. Viver nas ruas, sobrevivendo a cada dia com todas as merdas que podem acontecer, principalmente por ser mulher. E de repente nós aparecemos e dizemos que vamos assumir e que o começo de sua vida é mentira? Eu teria atirado e fugido, a essa altura.
- Ela irá tentar fugir – Sasuke sorriu de canto – Ela me falou isso ontem.
- Ela não irá voltar para as ruas. Terá que me matar primeiro – Kizashi rosnou batendo a palma da mão na mesa.
O som ecoou pelo salão. Sasuke observou os seguranças retesarem visivelmente, o que achou engraçado. Eram soldados treinados para lutarem e morrerem pela Akatsuki, mas bastava Harunos e Uchihas gritarem para tremerem.
- Não se preocupe. Sakura ficará onde está – Sasuke tranquilizou o tio, mantinha a voz calma – O que me trouxe aqui especificamente, foi que ordenei que o Hatake pesquisasse sobre o tal orfanato de onde ela veio.
- O que incendiou?
- Sim – assentiu voltando a beber do vinho – Precisamos saber o que aconteceu com ela, já que a mesma não vai nos contar.
- É. Akemi não gosta de falar, e não quero nem ao menos pensar o que causou isso – Kizashi cruzou os braços consternado – Olhando para Ino hoje, foi impossível parar de pensar nas diferenças entre elas.
- Ino tem olhos inocentes – Sasuke murmurou pensativo – Agora Sakura...
- O olhar dela queima, não? – o Haruno encarou o sobrinho seriamente – A dor que aparece. A frieza que a afasta de nós. Como se estivesse sozinha, mesmo com a gente ao lado, tentando conversar.
Sasuke acenou com a cabeça. Os verdes olhos da rosada eram tão instigantes e profundos. Ino tinha inocência pulando de seus poros, com sua fala macia. Não havia comparação entre as duas, e Sasuke se viu preferindo os orbes verdes.
- O que achou sobre o orfanato?
- Pentium era um orfanato antigo, faria cem anos daqui há poucos meses. Era coordenado por uma igreja católica de grande renome nesse área de abrigar crianças – Sasuke começou a explicar – Kakashi pesquisou e procurou algumas pessoas, e todos disseram o quanto o orfanato fez para as crianças. Comida, abrigo quente e cursos ao longo do convívio lá dentro.
- Parecia ser um lugar de oportunidade para os jovens – Kizashi assentiu parecendo satisfeito – Como se sustentavam?
- Doações. Doações de todos os tipos, desde arrecadações da igreja à gordas transações de famílias ricas.
- Como conseguiu essas informações? – o Haruno arqueou a sobrancelha. Não estava realmente curioso, sabia que o moreno tinha milhares de contatos.
- Irlandeses – Sasuke deu de ombros – A igreja que era associada era de ordem irlandesa. Contudo, informações são básicas. Pessoas de fora não eram permitidas dentro do orfanato e acesso era limitado. Kakashi foi até a prefeitura, e apesar de constar fiscalizações, elas não foram documentadas.
- Isso é estranho, muito. Sempre ordenei que tudo estivesse nos eixos quando se tratasse de hospitais públicos e todo esse tipo de coisa.
- Há corrupção e ratos em todos os cantos – Sasuke recostou-se na cadeira acolchoada de cor creme – Todos os livros de contabilidade ou livros que continham informações das crianças de mil novecentos e noventa para cá, foram perdidos durante o incêndio.
- E os irlandeses?
- Minato disse que quando assumiu não preocupou-se e não tinha forças para bater de frente contra a igreja. Sabe que meter-se com a igreja é para poucos, tio, e Minato não tinha forças na época.
- Sim, lembro-me bem. A política deles é complicada lá e questionar a igreja não era inteligente na época. Consigo entender – Kizashi suspirou – Isso é tudo?
- O incêndio na Pentium não foi investigado adequadamente. O relatório que o Hatake conseguiu, continhas apenas explosão de gás, nada mais. E mesmo com a comoção ter havido crianças, padres e freiras envolvidos, nada caminhou para frente. A mídia aceitou o que a polícia ditou.
- Eu não liguei para o incêndio, por isso não deixei que as coisas continuassem. Os chineses estavam instalando suas fábricas na área industrial e era preciso cautela. Chineses tem questões atribuladas com crianças.
- Trabalho infantil?
- Sim, mas não permiti que trouxessem essa merda para cá – Kizashi abanou a mão se desfazendo do caso – Percebo agora que abafar o caso do incêndio não foi uma boa jogada.
- Sim. Merdas obscuras estavam acontecendo ali – Sasuke desviou o olhar para a taça de vinho pela metade – Sakura vivenciou de perto a coisa toda, mas não irá nos falar.
- Tente o... – Kizashi franziu o cenho tentando lembrar-se.
- Sai? – o Uchiha apontou, mas negou com a cabeça – Não irá falar. A única coisa que diz é que Sakura o salvou, mas não explica como e do quê.
- Sakura é uma lutadora – Kizashi sorriu orgulhoso. Contudo, sentia o peito doer ao imaginar as coisas que ela pode ter passado – Pequena e magra daquele jeito, quem pode desconfiar.
- Ela tem uma “boa” reputação na rua – Sasuke sorriu acompanhando o tio – É ágil e esguia. Tem uma mão muito leve. Nagato nunca teve uma reclamação sequer dela. Fazia a entrega e saía. Sempre levava o dinheiro diretamente a ele, nunca um desvio ou notas a menos.
- E o garoto? Me disse que ela andava com um menino.
- Kakashi está a procura dele. A informação que surgiu agora pela amanhã, foi que ele está recolhido pela prefeitura. Sakura pelo que vi na conversa que tivemos ontem, sente-se protetora com ele, chega a ser maternal de uma forma estranha.
- O ache e tenha a certeza de que está sendo bem tratado – Kizashi levantou-se da cadeira, revelando seu branco uniforme de chef – Se ele é importante para Sakura, torna-se importante para nós também.
- Será feito Dom – Sasuke assentiu à ordem – Quer que o traga até nós?
- Não – negou Kizashi se virando de costas ao Uchiha. Ficou pensativo por alguns segundos com a postura tensa, mas continuou – Ele servirá de onde está para manter Akemi na linha.
- A chantagear? – perguntou Sasuke levemente surpreso pela atitude do Haruno.
Kizashi o olho por cima do ombro e Sasuke viu determinação e amor.
- Qualquer coisa para mantê-la – pronunciou o Haruno seguindo caminho de volta à cozinha.
O Uchiha circulou o olhar pela imensidão do elegante salão vazio. O seguranças mantinham a postura pétrea. Com um suspiro profundo e pensativo, voltou sua atenção para a comida.
Carne sangrenta o esperava.
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