Se quer algo bem feito, faça-o você mesmo, sozinho.
Kuchiki Byakuya sempre pensou dessa forma. Ter pessoas opinando em seu trabalho ou na forma que vivia sua vida era um inferno, por isso ele decidiu, há muito tempo, que seguiria sua jornada sozinho. Escritores dedicados e bem sucedidos não precisavam de nada além de um documento no computador e uma boa xícara de café. Nada de pais controladores, amigos mentirosos ou namorados sufocantes. Era melhor estar sozinho.
Parte da graça de não ter mais contato com a família e de ter desfeito as amizades, era o fato de que não precisava se preocupar em ficar decepcionado. E também, de não decepcionar ninguém. Tinha muita confiança em seu próprio trabalho para temer críticas, além de não ter carinho verdadeiro por nenhum leitor. Escritores são esquecíveis, assim como qualquer outro artista que tenha certa fama. Não deveria acreditar que tinha fãs e nem nutrir sentimentos por essas pessoas.
E para falar a verdade, Byakuya não nutria sentimento nenhum por ninguém há muito tempo. Seu coração só batia mais forte enquanto escrevia suas obras, e estava tudo bem assim. Estava bem sozinho.
Até que ele apareceu. Com seu cabelo vermelho estúpido.
Abarai Renji era mais um leitor que se dizia fã do trabalho de Byakuya. Ele era um artista: fazia ilustrações de seus livros desde quando começou a publicar, e desde então, ele não parava. Aquilo não era novidade. A internet estava cheia de artistas incríveis que transformaram suas cenas, cenários e personagens em algo além da imaginação. Gostava de acompanhar esses “fãs”, porque adorava ver a interpretação dos leitores, especialmente em forma de arte. Era divertido, precisava admitir. Renji era só mais um entre tantos. Seu traço era bonito, os desenhos eram menos realistas, indo para um lado cartunesco. Muitos dos desenhos de outros também eram assim.
A diferença era que Renji era tão bonito quanto os seus rabiscos.
Como já é de se esperar, Byakuya não tinha interesse em conhecer as pessoas por trás dos desenhos. Gostava do impessoal, da distância, e além do mais, não tinha curiosidade. Estava há muito tempo sozinho (em geral), e estava tudo bem. Talvez por conta disso, só conheceu o rosto de Renji três anos depois de acompanhar sua arte, quando ele apareceu na sessão de autógrafos de seu último livro.
Detestava dar autógrafos. Era a única atividade “social” que se obrigava a fazer, já que fazia parte do seu plano pessoal de marketing. Mas era daquele jeito, sem sorrisos, apenas assinava a primeira página do livro em questão e acenava para a pessoa. Mantinha também um número máximo de pessoas para não gastar toda a sua bateria social, que cá entre nós, não era nem um pouco grande. E foi numa dessas em que ele apareceu, como em um clipe dos anos 90, de colete jeans e bandana na cabeça, com várias correntes penduradas no pescoço e no cós da calça, tatuado nos braços e… na cabeça? Que esquisito. Sem contar o cabelo vermelho, chamativo, que mesmo amarrado no topo da cabeça, batia até o meio das costas.
— Qual o seu nome? — Era a trigésima vez que dizia aquela frase. No entanto, foi a primeira em que disse com real interesse. Os olhos cinza estavam fixos nos castanhos ao invés do livro de capa azul.
— Abarai Renji, senhor. — Uau. A voz era bonita, intensa, marcante. Seu tom, no entanto, era gentil e acanhado.
— Seus desenhos são ótimos. — Acabou dizendo de imediato, sem pensar. Não era o seu normal. Byakuya assinou o livro mais devagar para que pudessem conversar um pouco mais. — Gosto de como interpreta minhas histórias.
— Obrigado! Significa muito, vindo do senhor.
— Aguardarei ansioso pelas suas interpretações sobre este livro, Renji.
Byakuya ganhou um sorriso de presente, e sem querer, sentiu vontade de retribuí-lo.
Tudo aquilo era muito anormal: Byakuya se interessar por alguém, querer conversar ou sorrir. Gostava da solidão, preferia ficar acompanhado de livros cheirosos e cafés especiais, das flores do jardim e das músicas antigas dos discos do seu avô. Mas, depois de ver como Renji era, todo o seu ser parecia quere-lo, como uma necessidade. Foi até sua página na internet, encontrando seu perfil pessoal. Ficou rolando pelos posts, admirando mais uma vez os traços dos desenhos, mas não se atendo apenas a eles. As fotos do seu rosto, das tatuagens, das mãos talentosas… Era tudo tão bonito. Ele era todo bonito. Especialmente os longos cabelos vermelhos.
Byakuya era um homem que planejava seus próximos passos com muita antecedência. Odiava a impulsividade, compromissos de última hora ou qualquer coisa que saísse da sua agenda. Ele não funcionava direito caso tudo não estivesse sob seu controle. Talvez por isso estava tão tonto. Sua mente não funcionava em nada, porque só conseguia pensar em Abarai Renji, e no quanto estava atraído por ele. Sua falta de raciocínio implicou numa impulsiva mensagem de texto:
“Você quer tomar café comigo qualquer dia?”
A falta de interesse e habilidade social o impediu de namorar por bons dez anos anos. Às vezes sentia saudade dos beijos que Hisana dava, mas quando lembrava que ela o abandonou por outro escritor famoso, Byakuya perdia totalmente o interesse. Acabou por estragar dois outros relacionamentos depois dela, tudo porque não conseguia confiar em ninguém. Desde então, abraçou ainda mais sua política de ficar sozinho, esquecendo totalmente de como era a sensação estar nos braços de outra pessoa.
Felizmente, Renji fez questão de lembrá-lo como era.
Renji era bobo e gentil na mesma medida em que era um roqueiro excêntrico. Gostava do seu estilo porque o fazia lembrar das suas músicas favoritas, e também porque era o seu total oposto. Byakuya costumava se interessar por gente igual a ele: ordinário, monocromático, sem graça. Mas Renji era um homem único, cheio de cores e completamente divertido. Seu humor era contagiante e sua presença parecia um raio de sol. E que delícia era ter a luz e o calor do sol tocando sua pele…
Byakuya foi beijado pela primeira vez depois de muito tempo, na primavera dos seus trinta e seis anos, debaixo de uma cerejeira. A boca de Renji era tão gostosa que precisou se agarrar a ele para não cair; as pernas estavam bambas e isso nunca aconteceu antes. Não estava acostumado com beijos tão intensos. Apesar disso, não soube como viveu até aquele dia sem nunca ter provado algo tão maravilhoso. Oh, céus. Iria se viciar no sabor dele, tinha certeza. Deus sabe que ele não estava preparado.
Renji fazia Byakuya se sentir um adolescente de novo, o levando para passear em parques de diversão e acampar no meio da floresta. Os beijos na roda-gigante eram os melhores. Os abraços dentro da barraca também. O escritor estava enérgico e inspirado. Experimentar daquele homem em todas as suas formas o fazia esquecer dos anos de solidão e no quanto eles foram agradáveis. Não conseguia mais se imaginar longe do artista de cabelos vermelhos.
E isso era assustador.
As pessoas sempre saíram da vida de Byakuya, às vezes por culpa dele, mas não a maioria. Afastou os amigos sem querer. Cortou outros por dar valor à própria saúde mental. Gostava de se doar o mínimo possível por medo de se machucar, e por isso, Hisana o deixou. Ao menos foi o que ela disse. Por isso, estar sozinho era confortável. Podia escrever até tarde sem se preocupar se estava incomodando alguém com a luz acesa. Podia cozinhar a hora que quisesse, pois ele era o único que iria comer. Podia ligar as músicas no último volume, porque morava numa casa com paredes grossas o suficiente, e ninguém estava ali dentro para reclamar. Ninguém iria virar as costas para ele, porque ele não estava de frente para ninguém.
Exceto que agora ele estava de frente para Renji, na porta da casa dele, com um buquê de flores e uma caixa de chocolates em mãos, pedindo que ele nunca o abandonasse. Demorou bons anos até finalmente perceber que o amava, mas estava tudo bem. Renji disse que só estava o esperando para que pudesse retribuir aquelas palavras.
Era a primeira vez em que comemoravam o dia dos namorados juntos. Cá entre nós, os dois nunca chegaram a falar aquela palavra de fato, mesmo que sutilmente, trocassem bombons quando a data especial chegava. Agora era diferente dos anos anteriores, porque Byakuya estava com doces e rosas, enquanto que Renji tinha em mãos uma caixinha vermelha de veludo, onde dois anéis de prata repousavam com todo o seu brilho. Alianças de compromisso nunca foram necessárias, mas eram sim bem vindas. O escritor fez questão de colocar um dos anéis na mão do ruivo, deixando que ele fizesse o mesmo. Parecia uma cerimônia de casamento informal, ao som de In My Remains do Linkin Park, no sofá do apartamento simples do Abarai. Céus, será que aquela música seria a trilha sonora deles? Estavam cada vez mais se tornando um casal normal e brega. E isso era extremamente confortável.
— Você é tão bonito, Byakuya — dizia a voz sussurrante contra o seu ouvido. Já ouviu a frase muitas vezes, e em todas elas, parecia que era a primeira. Ficava vermelho, lisonjeado, sem saber o que dizer em resposta. A mão de Renji estava em seu rosto, arrastando o polegar pela face, deixando-a ainda mais quente. — Nenhum artista conseguiria representar você com toda a sua beleza. Suas cores, texturas e traços… — A mão dele deslizou agora pelo pescoço, descendo pelo tronco nu. Byakuya arfou.
— Nem você, Renji? — perguntou entre a respiração forte. Renji beijava seu corpo e contornava tudo com as mãos. Era como a primeira vez. Excitante, quente e saboroso. Fechou os olhos e continuou a falar. — Gostaria de ver com meus próprios olhos a forma com que me enxerga.
— Não sou exceção. — Renji ergueu o corpo. Ele olhava para baixo, encarando todo canto do homem abaixo de si uma vez antes de se unir a ele, tornando-se um. Sua voz tremeu diante do prazer, e Byakuya o imitou. As mãos fortes do artista seguravam as pernas de Byakuya, deixando-o bem encaixado. As mãos se buscaram, assim como os olhares. — Se quer mesmo ver, eu posso te mostrar.
Renji era artisticamente pervertido. Seus olhos transmitiam tudo o que precisava saber sobre ele durante o sexo, e isso era bom. Byakuya também ergueu o corpo, sendo prontamente abraçado. O beijou com força, puxando os cabelos vermelhos na mesma intensidade. Se remexeu no colo dele por tempo suficiente, até que decidisse por conta própria que viraria de costas. As omoplatas estavam coladas no peitoral tatuado. A boca dele colada em seu pescoço. Os braços fortes segurando mais uma vez as pernas, por trás dos joelhos. Renji se levantou da cama, erguendo Byakuya, levando-o para a beira dela. Estavam diante do espelho do quarto, que era grande o suficiente para que os dois coubessem na imagem.
— Consegue ver o quanto é bonito? — Renji sussurrava mais uma vez. Agora, estavam se olhando pelo reflexo, bem nos olhos.
De repente, Byakuya baixou o olhar para onde as mãos grandes seguravam. Seguiu-as, acompanhando o carinho recebido nas coxas. Depois, olhou melhor para o próprio peito, que subia e descia em desespero. Procurou com vergonha o próprio rosto, depois, de uma só vez, olhou para onde estavam conectados. Renji passou a se mover imediatamente. Ver ele dentro de si era quase tão bom quanto sentir. Quase. Ah, como era bom transar com as luzes acesas…
Renji beijava sua orelha, nuca, ombros e costas. A intensidade do sexo não o impedia de ser carinhoso; romântico, como se orgulhava. Nunca poupou gestos para provar seu amor, muito menos palavras ou toques. Preferia deixar Byakuya viciado em sua presença, fazendo-o se esquecer que um dia desejou morrer sozinho. Era muito melhor morrer de amor, perdido e desnorteado, violado e desavergonhado. Os sons que faziam eram tão bonitos, complementando a imagem no mundo dos espelhos.
Byakuya se viu como a obra de arte que Renji descreveu quando atingiu o pico do prazer, derretendo e urrando quando chegou lá. Era mesmo bonito. Seu amor sempre esteve certo.
— Eu amo você, Renji — confessou depois de um beijo quentinho. Era bom expor seus sentimentos assim. Mesmo sendo um pouco assustador.
— Eu também te amo, Byakuya — Renji falava com doçura e vigor. Ele era sempre assim. — Ah, eu quero te amar pra sempre…
— É uma promessa? — Byakuya riu. Mesmo namorando com uma pessoa tão bem humorada, aquele som não era tão comum. Renji o olhou, admirado.
Apaixonado.
— Com certeza. — Os dedos se entrelaçaram. — Deus sabe que eu sou um homem de palavra.
— Ótimo.
A última palavra era para ter soado divertida, talvez um pouco autoritária também. Mas ao invés disso, saiu embargada, trêmula, quase sem forças. Era porque estava com sono. Ou porque o dia dos namorados estava acabando…
Ou porque, finalmente, Byakuya não queria mais ficar sozinho.
Beijou seu amor para que ele não o visse chorar. Estava feliz por estar com Renji, por mais um dia.
E talvez fosse assim todos os dias. Para sempre, como ele prometeu.
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