“ Sustentou o olhar esperançoso que o caçador lançou sobre si. Perdeu-se em meio aos traços finos que formavam o rosto do loiro. As gotas de suor se acumulavam em sua testa e sua respiração parecia descompassada. Observou-o umedecer os lábios e tombou muito levemente a cabeça ao constatar que os olhos do loiro agora prendiam-se em sua boca. A frisou um pouco mais, antes de proferir em voz alta suas certezas.
-- Sabe que sei quando mente, Dean...”
**********
O loiro levantou suas esmeraldas até que estivessem novamente conectadas ao olhar do moreno. E por fração de segundos, Dean deixou que sua mascára de indiferença fosse ao chão sem que notasse, fazendo com que Castiel o tivesse praticamente nú ali. Tudo que podia se ver através de seus olhos eram os sentimentos de confusão, surpresa e até mesmo insegurança. Os músculos de todo o seu corpo pareciam pedras e já sentia-se cansado só de imaginar o esforço que provavelmente teria para tentar se mexer ou falar. Desejou poder continuar naquela posição pare sempre, sem nunca ter que tirar os olhos do ser sobrenatural a sua frente, mesmo que nunca fosse admitir tal desejo.
Assim como veio, o choque se foi. E depois de poucos segundos sem realmente conseguir pensar em um bom movimento, tendo como única expressão a de surpresa, sentiu seu sangue esquentar nas regiões das bochechas e seu instinto tomar controle da situação. Levantou-se bruscamente e andou em direção as bebidas. Xingou Sam de todos os nomes possíveis por estar fazendo ele passar por isso.
-- Você não sabe de nada Castiel-- Disse ríspido, após alcançar um distância ‘segura’. A raiva consumia todos os seus neurônios, tapando todo e qualquer censo. Sabia que se continuasse assim não iria demorar para dar uma surra no anjo, ou pelo menos tentar. Abriu outra garrafa de cerveja antes de virar-se para encarar o ser angelical.
-- Dean... -- Castiel fala manso, tentando não piorar a situação em que o outro se encontrava. Estava se dobrando ao meio para tentar não demonstar seu nervosismo. Afinal, já bastava apenas um com a cabeça fora do lugar. Queria não ter começado com aquele assunto, pois ver o estado alterado do loiro, com suas pupilas dilatadas e seus músculos tencionados, como se esperasse uma briga era dilacerante. Se ao menos ele entendesse que briga era definitivamente a última coisa que o moreno desejava, talvez ele visse o quão desnecessário eram as suas mentiras. Dean nunca lhe pareceu tão frágil como agora.
-- Não! -- Rosnou, deixando seu corpo em sinal de alerta ao perceber o outro se aproximando -- Não chegue perto.
-- Não? Por que não, Dean? -- Perguntou ao outro, tentando entende-lo.Porém, só o fez ficar com mais raiva pelo seu tom de voz carregado de inocência desnecessária. Deu mais alguns passos para frente antes de parar com o susto que tomou. Dean acabara de derrubar pratos cheios de panquecas e mais alguns itens de café da manha. O barulho de louça quebrando e talheres ressoou por todos os cantos do galpão.
-- Eu disse para não chegar perto.-- Sua voz fria fez o anjo estremecer. Raras as vezes em que ouvira esse tom de voz tão calmamente raivoso, e todas as vezes eram relacionadas a Sam. Teve que assumir que sentiu medo. Não sabia como ajuda-lo. No fim das contas, ele não sabia nem como ajudar a si mesmo. Observou ainda imóvel o caçador virar-se de costas, apoiando-se na mesa. Como se estivesse cansado de mais para aguentar o peso do próprio corpo.
Dean sentia seu pulmão arder em desagrado ao ritmo de sua respiração acelerada. Sua cabeça baixa lhe dava livre acesso para enxergar a sujeira feita no chão abaixo de si. Viu bacon, panquecas e até uvas sobre o piso. Quis rir ao imaginar que Charlie e seu irmão provavelmente madrugaram para arrumar tudo aquilo. Sentiu o gosto metálico que vinha do pequeno corte formado pelas mordidas fortes que dava em seu lábio inferior. Estava exausto. Mesmo que seu corpo estivesse descançado, sentia-se cada vez mais e mais cansado internamente. Foi pego de surpresa pela mão em seu ombro, porém, não se virou, já sabia quem era. Suspirou profundamente, como se pedisse por mais um pouco de força.
-- Eu amo o meu irmão, Cass. -- Disse num sussurro. Como se estivesse lhe contando um segredo que só ele poderia saber.
-- Eu sei -- Respondeu do mesmo jeito. Sabia daquilo, mais do que ninguem. Já havia testemunhado mais de uma vez a intensidade do amor entre os irmãos e nunca discordaria disso. Entretanto, não conseguia deixar de se sentir dolorido por tal fato.
-- Então o que quer de mim? -- Agora sua voz demonstrava o cansaço que sentia. Sentiu a mão que o apoiava se afastar de si e por um momento, quis gritar para tê-la de volta aquecendo aquela mínima parte de seu corpo. Cogitou refazer a pergunta, mas não foi preciso.
-- Quero a verdade, Dean -- o Anjo falou decidido. A verdade era a única coisa que poderia pedir. A única coisa a que tinha direito. Ele só esperava que suas incertezas fossem esclarecidas. Pode ouvir outro suspiro do humano a sua frente e o encarou quando este se virou, finalmente. Como de costume, perdeu-se por alguns segundos na beleza quase sobre humana do outro, antes de ser arrancado de seus delírios pela voz rouca do caçador.
-- Cass... -- Sua voz quase não podia ser ouvida, de tão baixa que saiu. Muito diferente do seu costumeiro tom autoritário e ironico, agora seu som só se assemelhava a de um animal ferido. -- Eu não... Nós não... --Sua falta de jeito com palavras deixava-o mais nervoso do que já estava. Poucas, pouquíssimas foram as vezes em que parara para conversar sobre algum sentimento. Não era sua natureza. Não era seu estilo. Fugia da sua zona de conforto. Então por que diabos estava tentando realmente se expressar? Nunca fora um humem de palavras bonitas e nem delicadas. Era contente com toda sua brutalidade e charme rústico. Conseguira bastante coisas com isso e nunca se imaginara de outro jeito. Entretanto, naquele momento, ansiou internamente saber falar como Sam. Passou a mão pelo rosto em sinal de nervosismo e suspirou. -- É complicado...
Castiel deu um passo a frente, ficando a alguns centímetros do caçador, que, mesmo incomodado pelo proximidade, não se afastou -- Não precisa ser, Dean.-- O anjo falou, o encarando intensamente. Dean poderia ter encarado essa resposta como instigadora, contudo, a inocência presente no olhar do outro não o deixava pensar dessa forma. Castiel sempre fora um ser bastante peculiar. Era impressionante a forma de como não levava maldade as coisas. Essas sempre foram uma das qualidades que mais atraíam a atenção do Winchester mais velho. Sua falta de malícia no mundo. Seu alhar atento, agora transparecia preocupação pela falta de resposta, encarando-o como se fosse um enigma impossível de ser desvendado. Dean quis beija-lo.
-- Eu amo Sam, Cass...-- Dean fala abaixando o olhar. O anjo mudou levemente sua expressão. Estava a ponto de responder, novamente, que já sabia, mas não conseguiu prosseguir seu plano. -- Então... por que eu não... não consigo resistir a você? -- Castiel percebeu que mesmo que a pergunta tenha sido dita em voz alta, e mesmo que Dean estivesse a sua frente gora, não havia sido feita para ele. A questão que acabara de ouvir não passava de um questionamento interno que, por ventura, tinha sido pronunciado de modo que pudesse ouvir. Esperou pela continuidade da conversa ou por algum tipo de movimentação brusca da parte do outro, mas está não veio. E depois de segundos, que mais lhe pareceram horas, pode voltar a se perder no olhar do caçador. Olhar esse que transbordava insegurança e incerteza.
Tudo depois disso transformou-se em um borrão na mente do anjo. Um borrão deliciosamente errado. Antes que pudesse dizer mais alguma coisa, sentiu os lábios grossos tocarem os seus. Seus olhos esbugalhados pelo espanto, logo fecharam-se, a fim de apreciar melhor o contato. Dean tinha as duas mãos em seu rosto, segurando-o, como se tivesse medo de uma fuga. Seus olhos estavam cerrados com força e só suavizaram quando sentiu o toque do moreno em seu peito. Ele não iria embora.
O selinho que trocavam logo foi cortado por uma lingua atrevida que pediu passagem para adentrar na boca alheia. E no momento em que ambas as linguas se cumprimentaram, todas as sensações, borradas pelos dias que se passaram, retornaram. Dean podia sentir seu coração chocar-se contra seu peito doloridamente. Tinha as mãos agarradas fortemente a cintura do outro. Sentia o toque delicado do anjo apoiando-se em seu peito. Desejou tocar sua mão. Empurrou-o para trás, até que Castiel batesse suas costas na mesa central. Dessa vez, não pararam.
Castiel tinha ambas as mãos sobre o peito do caçador. Podia sentir seu coração acelerado sobre o tecido fino da camisa. O cheiro inebriante violando-o, penetrando seus poros e o deixando tranquilo. Não parou quando sentiu-se bater contra algo sólido, e nem quando percebeu que o homem a sua frente juntara ainda mais seus corpos quentes. Estavam em febre. O anjo se recriminou por ser tão inexperiente. Queria poder fazer mais, contudo não podia fazer muito a não ser imitar os movimentos alheios com total maestria.
O beijo não era urgente. Era calmo, como se ambos estivessem apenas tentando se conhecer, e estavam. O medo do desconhecido ainda travava a ambos, porém nenhum dos dois podia deixar de apreciar o contato. O Éden não chegaria aos pés da paz que sentiam ao estarem conectados dessa forma. Dean atreveu-se a pensar que talvez fosse uma das melhores sensações de sua vida. Mas mesmo os mais belos sonhos devem chegar ao fim.
Contrariados, confusos e inebriados separaram-se. O moreno tinha suas bochechas tingidas de rosa. As palmas de suas mãos ainda encontravam-se sentido os batimentos cardíacos do outro. Dean, por sua vez, suava e possuía uma leve alteração na respiração. Esperou pacientimente até que o outro abrisse os olhos. Fato que não demorou a acontecer. O anjo tinha seus olhos fixos nas esmeraldas do loiro, entretando esse não o encarava de volta. Dean passou a acariciar o rosto do ser sobrenatural com as pontas dos dedos, e observava os desenhos que eram formados pelo seus toques delicados. Nunca fizera algo parecido em toda sua vida, e estava extasiado com a sensação da pele macia esquentando a sua levemente. Castiel se pós a admirar encantado a feição concentrada do homem a sua frente, enquanto se deleitava com o carinho que recebia. Colocou sua mão sobre a dele, a fim de lhe despertar do transe em que pareceu ter entrado. Dean sentiu a mão macia segurar a sua e leva-la para baixo. Por instinto, afastou-se um pouco.
-- Cass...-- tentou falar, falhando miseravelmente. Seu raciocínio ainda não havia voltado totalmente ao normal.
-- Eu sei. -- O anjo lhe sorriu terno, e Dean soube que nenhuma resposta seria melhor do que aquela.
-- Por que nós não... Sabe? Ainda sobrou bastante comida fora do chão e nós podiamos... -- Dean não sabia muito bem o que ele queria. Não conseguia formular uma frase com total sentido e estava se sentindo mais patético do que nunca. Acabara de beijar um anjo outra vez e por incrível que pareça, não tinha ideia do que iria acontecer agora.
-- Gostaria de comer alguma coisa comigo Dean? -- Castiel perguntou, notando o embaraço do outro.
-- Adoraria -- Dean sorriu e esfregou a a parte de trás da cabeça antes de se virar para pegar alguma coisa para comer.
-- Dean...
-- Que tal nós conversamos isso... mais tarde? -- Dean pediu em tom suplicante. Sabia que não iriam ter que terminar esse assunto cedo ou tarde, mas no momento, se sentia tão bem, que só queria fingir que não existia problemas para atrapalhar seu bom humor. Sorriu amarelo e disse-- Ainda temos um dia todo. -- Observou Castiel assentir, e voltou a se focar nas comidas. Seria mesmo, um longo dia.
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