A sala em que se encontrava era incrivelmente arrumada. Diferente da maioria dos humanos, os seres angelicais tinham o costume de manter uma certa ordem nos lugares em que convivem. Mas mesmo a ordem deveria ter limites.
Uma mesa de madeira bem entalhada posicionava-se no centro do cômodo. O anjo Túlio estava disposto sobre uma magnífica cadeira de madeira atrás da dita mesa. Levi começou a reparar que não havia um só objeto naquele escritório que não fosse feito de uma das mais nobres obras de Deus, a madeira. Sem querer se questionou como alguém conseguiria viver tanto tempo envolto de um único tom. Desde que descera a Terra pela primeira vez sempre admirara as variedades das cores, e até mesmo de uma única cor. Sabia que se pudesse escolher, viveria dentro de um arco-íris, mesmo isso sendo impossível. Apesar da falta de tonalidades tinha que admitir que o lugar possuía uma elegância descomunal, com seu requinte rústico. O único som que poderia ser ouvido no momento, enquanto encarava o irmão que lhe sorria travesso, era o da lareira a poucos metros de distância de si.
Sorriu pelo gesto feito pela mão alheira, pedindo mudo que se sentasse. A pequena mala que carregava pesava como um mundo, apesar do tamanho. Os olhos pequenos e ferinos analisavam o loiro enquanto este andava até a poltrona que lhe foi indicada, a fim de tirar algum tipo de informação sobre o por que daquela visita tão inesperada. Levi também analisava crítico o ser a sua frente, com seu terno caro e seu rosto jovem, poderia iludir qualquer um de sua nobreza, entretanto não iludiria à ele.
-- O que o trás aqui irmão? -- Pergunta sorrindo, com a falsidade lhe escorrendo os poros -- Não deveria estar cuidando dos seus bichinhos de estimação? Ou você já os alimentou antes de sair?
-- Não vim para brincar Túlio. -- O anjo diz sério, nunca aprovou o jeito que a maioria dos seus irmão tratavam os Winchesters. As vezes sentia pena ao pensar no fato de que eles nunca irão ter amigos verdadeiros, ou amar, muito menos experimentar uma pizza de calabresa. Essa talvez seja a única razão de nunca ter se irritado verdadeiramente com esses comentários maldosos. Só conseguiam o tirar do sério se por acaso alguém resolvesse agredi-los, isso o transformava em outra pessoa. -- Quero um livro.
-- Mas é claro que quer. Por qual outra razão você estaria aqui? Tenho certeza de que não foi a saudade. -- Fala ácido e divertido.-- A real questão é o Pra Que? Será que seus bichinhos estão precisando de ajuda? -- Fala apoiando os cotovelos na mesa e o queixo entre as mão juntas. Sorriu ainda mais ao ver a face de desagrado do outro. -- O que te leva a crer que eu quebraria uma das regras por você ou por seus humanos? Vá embora antes que eu me aborreça, não estou tendo um bom ano e não quero mais confusões desnecessárias. -- Recosta-se novamente no estofado da cadeira e abana a mão fazendo sinal para que Levi se retirasse.
-- E você nem vai querer ouvir minha oferta? -- O outro fala quase inocente, mesmo que em seus olhar transbordasse malícia e malandragem.
-- Oferta? -- Abre um sorriso amarelo com brilho nos olhos. Sempre gostou de gente que sabia fazer negócio.
-- 4...-- Fala com um falso desinteresse, abrindo uma pequena fresta da meleta que carregava com sigo, fazendo todo o local a sua volta se iluminar com o brilho de almas humanas.
-- Como? -- A dúvida e a descrença eram explícitas no rosto mais jovem. Quatro almas era bem mas do que poderia conseguir em um ano. Ser o guardião do acervo celestial não era um trabalho que possibilitava bons acordos.
-- Eu tenho meus meios de entrar no Inferno. Mas acredito que você não vai querer não é? Não quer confusões desnecessárias. -- Diz com sarcásmo.
-- Qual livro você quer?-- Rosna contrariado. Detestava dar o braço a torcer.
-- Um de feitiços. -- Levi fala empolgado.
-- Você fala como se só existisse um livro desses por aqui.-- Seu tom desacreditado era quase uma piada. -- Eu até posso te deixar procurar mas não por mais de duas horas. O que me diz?
-- Trato feito -- O cacheado se levanta junto ao irmão e os dois apertam as mãos, selando o acordo. -- Abra a porta e eu te darei as almas.
-- Certo, certo. Não precisa ficar tão tenso irmão. -- O moreno diz enquanto segue em direção a lareira ficando a sua frente. Em um movimento com ambas as mãos Túlio faz com que uma porta média surguisse onde antes estava o fogo. A porta de madeira sólida era visivelmente impenetrável, porém foi preciso só um toque de Túlio que para que esta se abrisse por completo. “ Fácil de mais” Pensou Levi quando entregou a pequena maleta que continha as almas para o outro. Ambos sorriram satisfeitos por seus objetivos alcançados. -- Lembre-se: Não pode ficar por mais de duas horas, ou vão saber que você está ai.-- Alerta antes que Levi adentrasse o quarto -- A seção de livros de feitiços ficam nas vigésimas nonas estantes. E boa sorte, vai precisar. -- Antes que o cacheado pudesse questionar tal comentário vê-se jogando pela porta adentro. Suspira aliviado quando sente um chão sobre seus pés, entretanto o álivio logo o abandona quando nota o lugar em que se encontrava.
Em toda a sua existência nunca tinha ido ao acervo celestial. Talvez pelo fato de que esse não era bem seu papel e nunca teve interresse em obter alguma cultura ou algo do gênero antes dos Winchesters. Mesmo sem nunca ter ido sempre imaginara. Não era raro as vezes em que alguem acabava comentando por alto sobre tal lugar. Mas nem mesmo toda a sua imaginação o preparou para o que viu ali. A madeira também era o principal elemento daquele cenário, porém o que chamava atenção era o fato de que não existia nada, absolutamente nada, a não ser milhões de estantes que se estendiam até fora de suas vistas, com alturas de mais de 70 metros cada. Podia ser visto, se forçasse os olhos, no fim do enorme corredor alguns livros em pedestais gloriosos,mas com certeza não eram eles que Levi buscava, mesmo que estivesse morrendo de curiosidade para saber quais livros mereciam tanto destaque. Suspirou e culpou-se mentalmente por não ter pedido o nome do maldito livro, tinha certeza de que facilitária e muito sua busca. Andou por alguns minutos e novamente sentiu vontade de gritar por não ter perguntado se as estantes que procurava eram as vigésimas nonas da esquerda para a direita ou da direita para a esquerda. Suspirou pesado mais uma vez, dessa vez passado a mão por seu cachos. Teria muito, muito trabalho pela frente
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-- Não é possível!-- A voz grave de Dean pode ser ouvida cheia de irritação --Como vocês são caçadores e não tem nem um vidente a disposição?
-- Seu idiota, cale a boca! -- Bobby fala no mesmo tom de voz do alheio -- Não é culpa minha se dois videntes morreram e os outros três que eu conheço não me ajudariam nem no apocalipse !
-- Gente...-- Sam tenta chamar a atenção dos dois teimosos que discutiam a sua frente.
-- Na verdade, é culpa sua sim! Arruma encrenca com Deus e o mundo e depois reclama! -- Exaltado, o Winchester mais velho aponta o dedo para Bobby que já estava a ponto de acerta-lhe um murro na cara.
-- Galera..-- O mais alto tenta outra vez, chegando mais perto dessa vez.
-- Seu filho da ...
-- DÁ PRA VOCÊS CALAREM A MERDA DA BOCA?! -- Sam chuta sua paciência para longe, estava farto dessas briguinhas idiotas que aqueles dois sempre se metiam, mesmo antes de todo o ocorrido.
-- ‘Tá nervoso por acaso? -- Dean pergunta grosso.
-- Eu conheço uma vidente. Não sei se feitiço é bem a área dela mas acho que ela pode ajudar. -- O moreno fala ignorando a pergunta do irmão para não ter mais estresse.
-- E por que não falou antes garoto?-- dessa vez a grosseria parte de Bobby.
-- Deve ser por que eu não tava afim de atrapalhar o casal.-- Dean revira os olhos no mesmo momento em que Bobby lhe lança um dedo médio.
-- Tem como parar de enrolação e dizer quem é de uma vez?
-- Missouri.-- Sam vê a faca do irmão se iluminar.-- Ela não mora longe daqui e tenho certeza de que ainda gosta da gente.
-- Agora só temos que vê se ela ainda está viva. -- Bobby diz sarcástico.
-- Há Há, Bobby, Há há. -- O loiro foça a risada enquanto busca o celular em cima da mesa da sala do Bunker. -- Foi uma excelente ideia Sammy. -- Dean não notou por já estar procurando em sua agenda telefônica o nome da vidente, porém, assim que disse aquela frase Sam prendera a respiração. O moreno não escutou quando Bobby disse que ia avisar Ellen e Jo, e nem sentiu a vibração de uma provável mensagem que acabara de receber no celular. Seus olhos não desgrudavam um segundo sequer dos movimentos alheios. Abaixou o olhar apenas quando sentiu seu coração pesar um pouco mais. Era fato que sentia falta do verdadeiro irmão, entretanto, ter aquele homem ali, tão semelhante em todos os aspectos ao seu real namorado era quase uma tortura. Pois, mesmo sem aprovar, todas as vezes em que observava o loiro, ou ouvia seu tão carinhoso apelido saindo daqueles carnudos lábios, sentia uma quase incontrolável vontade de lhe agarrar e o beijar como um selvagem. Como o selvagem em que o irmão sempre o transformava. Respirou fundo em busca do autocontrole que quase tinha escapado. -- Sam, ta chamando. Sam! -- Dean grita quando não obtém resposta do outro.
-- Hun? -- O mais alto acorda de seus devaneios angustiantes com um quase salto de susto. O loiro já estava a sua frente, segurando o aparelho no meio dos dois.
-- ‘Tá chamando. -- Fala obvio e impaciente.
-- Desculpa, eu...
“Alô?” -- A voz grave de Missouri adentra o cômodo, chamando a atenção de ambos os irmãos. -- “Meninos, sei que estão ai” -- O olhar de Dean encontra o de Sam rapidamente, transmitindo uma certa surpresa.
-- Como sabe que é a gente?
“ Você fala como se não me conhecesse rapaz.” -- Um breve silêncio seguido por uma sonora risada vinda da mulher, quebrando o clima que tinha se instalado -- “Tenho identificador de chamadas”
-- Oh.
“Eu também sabia que vocês estão com problemas então não foi difícil deduzir”
-- Sabia? -- Sam fala meio bobo, havia se esquecido como era conversar com alguém como Missouri.
“Bom ouvir sua voz garoto. Parece que faz dècadas que não falo com vocês. Alias, o que tem de diferente em você, Dean?”
-- Sinceramente, é meio difícil de explicar. -- Fala sorrindo, divertido. -- É por isso que estamos ligando. Precisamos de você. Aqui.
“Olha garotos. Vocês não podem simplismente sumir por anos e reaparecer do nada me pedindo socorro. O que acham que eu sou? Uma babá?” -- Sam abre a boca para falar, e até para pedir desculpas, mas logo a própria voz da mulher o interrompe, rápida como um raio -- “ Não precisa pedir desculpas Sam. Olhem, mesmo sem falar com vocês há anos eu sei de tudo o que vocês passaram, mas só sei por que eu sempre sei. Mas eu não gosto nem um pouco do fato de saber apenas desse jeito. E realmente me preocupo meninos, prometi ao seu pai que me preocuparia. Só peço pelo menos um ‘Oi’ por ano. É Justo, não é?”-- A fala da vidente deixou os dois homens com um sentimento de culpa tremendo. -- “ Não precisam ficar com essas caras de taxo. Eu ‘tó indo pra ai. Até depois rapazes”
-- Espera! Não te demos o endere...ço -- Sam tenta se apressar mas a ligação já havia sido finalizada. Olha pra o irmão como se preguntasse o que deveria fazer agora e ele só dá de ombros.
-- Imagino que ela pode achar o Bunker de olhos fechados. Você não?-- Dean se vira e senta-se em frente a televisão, a ligando. Vê pelo canto do olho o irmão assentir. -- Não se preocupa. Ela pode ter dado bronca mas sei que ela ‘tá é fazendo drama. Relaxa. -- Dean sorri amarelo para o moreno, sem saber o real motivo de sua chateação. Volta sua atenção para o filme que começou a assistir. -- Me diz uma coisa, acha que tem como você distrair a Ellen pra eu poder sair? -- O mais alto levanta as sobrancelhas em sinal de surpresa, anda em direção ao outro e senta-se ao seu lado.
-- ‘Tá, mas para onde você iria?-- Seu temor pela segurança do loiro era passado por sua voz. Sentia-se um lixo, entretanto era inevitável não se apegar. O que tornava difícil era a força que tinha que fazer para trata-lo como alguém não tão íntimo. Algumas vezes era quase impossível que seu cérebro entendesse que aquele a sua frente não era ele. Que não poderia toca-lo, nem abraça-lo ou beija-lo. Aquele homem a sua frente não era o seu, porém era tão fascinente quanto. E Sam sentia-se um lixo por deseja-lo tanto.
-- Eu 'to com uma puta vontade de comer torta cara.-- Fala como uma grávida em meio aos seus desejos.
-- Se quiser eu posso ir comprar para você. -- O mais novo sorri prestativo. -- Estamos mesmo precisando de algumas coisas do mercado.
-- Valeu Sammy. -- Dean estampa um sorriso gigantesco que só faz o moreno sorrir ainda mais. O loiro observa enquanto seu irmão se levanta e sai. E a medida em que o outro se afastava o sorriso de Dean diminuía. Suspirou. Seus olhos cansados buscaram o chão, abaixando-se junto com seus ombros. Sua expressão não mais transparecia ânimo ou satisfação, apenas o bom e velho cansaço. Riu infeliz de sua situação. Pensou em Sam. Não sabia ao certo em qual dos dois tinha pensado, somente focalizou o sorriso do mais novo em sua memória. Desde pequeno usava o sorriso alheio como um mantra, uma motivação para continuar e se acalmar. Um objetivo. Mas nesses dias aquele doce sorriso não tinha o mesmo efeito de sempre. Estava farto de não ter respostas. Seu peito se comprimia em confusão. Cerrou os olhos e viu apenas mais confusão. Novamente focou suas lembranças em Sam e em como sentia-se alegre perto dele, e sem um motivo aparente seu cérebro lhe puxou para o azul. Aquele azul. As últimas lembranças ao lado do anjo lhe invadiram. O beijo, as conversas, os risos... O sorriso que se abriu em Dean por alguns segundos logo foi alcançado pela realidade. Castiel não estava ali, e aquele Sam não era o seu. Por algum motivo, não soube dizer qual dos fatos mais lhe doía saber. Respirou fundo e desejou que aquele pesadelo logo chegasse ao fim.
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