Antes de eu chamá-la pelo nome,
ela não era nada
além de um gesto.
Quando eu a chamei pelo nome,
ela veio até mim
e se tornou uma flor.
— Kim Chunsoo
As semanas passaram em um piscar de olhos para Joohyun. O julho veranil havia chegado sem que nem ao menos percebesse.
Embora a editora estivesse nos preparativos finais para a publicação de um novo livro, a correria do trabalho não a incomodava. Na verdade, apreciava a forma com que o seu tempo era ocupado somente com pensamentos sobre o ofício, deixando-lhe um espaço mínimo em mente para tudo o que costumava inquietá-la.
O dia a dia era agradável. Se não abrisse uma exceção e almoçasse na editora com os outros funcionários, a sua companhia era o seu grupo de amigos — Seohyun, Junnmyeon e Minho — e as conversas sobre trivialidades do cotidiano enquanto buscavam um no outro o conforto necessário para enfrentar o cansaço iminente. À noite, apenas tinha energia para um longo banho morno e uma refeição leve, logo deixando que o corpo descansasse sob os cobertores que a embalavam em um sono tranquilo.
Para si, soava como uma rotina perfeita. Entretanto, havia um pequeno vazio, tão incômodo e indescritível, crescendo em seu peito na última semana.
Ela não via Seulgi há algum tempo.
Desde que havia a encontrado no corredor há pouco mais de duas semanas, agraciada com alguns pares de brownies que estavam mais saborosos do que qualquer outra coisa que um dia comeu, elas não voltaram a se encontrar. Era estranho, porém, que o seu coração continuasse se apertando dessa forma, ela sabia disso.
Afinal, Joohyun viveu o suficiente sem aquela presença em sua vida. Por muito tempo, nem mesmo o vislumbre de um pensamento sobre quem aquela mulher pudesse ser lhe passou pela cabeça.
Entretanto, a partir do momento em que a encontrou pela primeira vez, ao que parecia um momento tão tortuoso, algo em seu íntimo mudou. Entre cookies e brownies, entre bilhetes e palavras tão açucaradas quanto os doces preparados, o desejo de conhecê-la melhor cresceu como uma flor prestes a desabrochar, mas que, sem ser regada por mais encontros casuais, começou a tomar um aspecto entristecido.
O que havia de tão interessante nela? Joohyun era incapaz de pontuar. Enquanto esperava o elevador parar em seu andar, a sua mente abrigava um vazio ensurdecedor.
Entretanto, quando pôs os pés no corredor e se deparou com a visão das costas de sua vizinha, que estava prestes a entrar em casa, todos os pensamentos incertos se dissiparam. O seu peito se comprimiu envolto por um sentimento que ela não sabia definir, fazendo-a apertar o passo.
Como da primeira vez, o barulho de seu salto ecoou no corredor ocupado apenas por elas duas.
— Seulgi — chamou, o nome soando estranhamente doce para si. Mantinha uma postura e feição indiferentes, mas retorcia os dedos no sapato em pura expectativa —, faz algum tempo que não nos vemos.
Ao aquiescer, os lábios de Seulgi se curvaram em um sorriso largo que transformou os seus olhos em duas meias-luas brilhantes.
— Parece que estivemos ocupadas essa semana. — Segurou a alça da bolsa enquanto o olhar percorria o rosto impassível de Joohyun. — Como está?
— Estou bem, mas há algo que me deixaria ainda mais feliz — resmungou e, quando viu a outra franzir o cenho, foi inevitável que risse soprado. Sem sombra de dúvidas, aquela mulher era muito mais expressiva que si. — Tem uma pessoa que está me devendo companhia para uma refeição e hoje seria um dia perfeito para isso, sabe? Mas eu não sei se ela se lembra do nosso trato…
Fica para a próxima, a frase se repetiu na mente de Joohyun como um doce conforto. A promessa nas entrelinhas que lhe aconchegava o coração todas as vezes em que encontrava o corredor vazio como antes, na esperança de ter os seus dias adoçados mais uma vez.
Talvez fosse por levar uma vida mais solitária do que as outras pessoas, mas desejava que Seulgi, de alguma forma, fizesse parte de sua rotina.
— Ótimo, acho que preciso de companhia também — ela concordou após alguns segundos e exibiu, dessa vez, um sorriso contido. — Mas tudo bem se eu tomar um banho antes? Acabei de voltar do trabalho.
Joohyun assentiu, pegando o celular para que elas pudessem (finalmente) adicionar uma à outra no aplicativo de mensagens. Em seguida, com sorrisos retraídos e acenos acanhados, despediram-se brevemente, cada qual entrando em seu apartamento com o coração batendo forte dentro do peito.
Ela se apressou para tomar um banho e se arrumar. Vestiu apenas uma camisa oversized e uma calça moletom, prendendo o cabelo em um coque após aplicar uma colônia suave em si. Estava em um impasse: embora quisesse passar uma imagem despreocupada sobre a própria aparência, não queria parecer uma mulher tão relaxada.
Naquele momento, sentia uma estranha ansiedade revirando em seu estômago.
Decidiu começar a preparar o jantar para aproveitar o tempo que parecia lhe restar — não sabia muito sobre as preferências alheias, mas se esforçou. Optou por algo simples, uma sopa de macarrão com aquilo que tinha a alcance, uma refeição leve, mas nutritiva o suficiente para que pudessem acordar bem no dia seguinte.
Estava cortando um pepino quando, sobre o balcão, o celular vibrou. Não costumava ser alguém que prestava muita atenção em tecnologias em um geral, mas saber que era uma mensagem de Seulgi a fez responder de imediato e se dirigir à porta para atendê-la. Entretanto, quando puxou a maçaneta e ergueu o olhar, viu-se atônita com a beleza daquela mulher mais uma vez.
Embora ela vestisse roupas confortáveis também, apenas um conjunto moletom tão escuro quanto os fios de seu cabelo, de alguma forma, era o suficiente para agitar as borboletas há muito adormecidas no estômago de Joohyun.
— Entre… — Desviou o olhar. — Estou preparando o jantar.
— Quer ajuda? — Ofereceu ao entrar e deixar o chinelo que usava perto da porta. — Me sentiria mal se você fizesse tudo sozinha…
Ela negou com um pequeno sorriso.
— Não se preocupe — disse em um suspiro, dirigindo-se à cozinha mais uma vez. O seu coração reverberava nos tímpanos. — Estou preparando uma sopa de macarrão, você gosta?
Seulgi anuiu e deixou que os seus olhos captassem cada detalhe do apartamento na esperança de conhecer um pouco mais daquela que a acolhia sem se queixar. Era um lugar de cores neutras, com paredes e colunas de cimento queimado, móveis pretos e um chão de madeira escura, os diversos livros espalhados trazendo cor à monotonia da decoração.
Bastava apenas um olhar mais atento para perceber como cada canto daquele apartamento sussurrava peculiaridades de sua dona.
— O que você faz? — Ao focar a atenção em cortar os legumes outra vez, Joohyun se esforçou para não deixar o clima estranho. — Os seus doces são tão bons que imagino que trabalhe com isso, certo?
Sem conseguisse conter, os lábios de Seulgi se içaram.
— Sou confeiteira. — Sentou-se em frente ao balcão, com o rosto apoiado na mão e o olhar repousado sobre a sua vizinha. — Comecei a vida na confeitaria dos meus pais, mas decidimos expandir os negócios e acabei por abrir uma unidade aqui em Suwon.
— Parece um bom trabalho. — Pôs os legumes na panela em um longo suspiro. — Quando mais nova, eu sonhava em ser escritora, mas acabei me tornando CEO de uma editora de livros… É até meio cômico, não é? Eu gosto do meu trabalho, mas…
Um breve silêncio pousou entre elas.
— Mas é como se estivesse faltando algo… — Seulgi tombou a cabeça e trocou o peso para a outra mão, os seus olhos mirados na anfitriã com atenção. — Não é?
— Talvez. — Crispou os lábios. Odiava ter a sensação de que estava falando demais. — Na verdade, não costumo pensar muito sobre isso… Eu amo o que faço, afinal.
A outra apenas assentiu em um silêncio de conforto. Joohyun sentia aquele olhar caminhar sobre a sua pele como um sopro terno, que a arrepiava a nuca ao mesmo tempo em que trazia calor ao seu coração.
Sem julgamentos, sem comportamentos invasivos. Apenas um clima leve, o ferver da sopa trazendo uma sensação familiar a ambas. Ela não sabia, mas era disso que ela mais precisava.
— Espero que goste — disse ao terminar a refeição e colocá-la na mesa. Batucava os dedos na coxa enquanto, entre todas as luzes artificiais, o rosto de Seulgi se iluminava sob a luz da lua que entrava pela janela. — Se eu soubesse que nos encontraríamos, eu—
— Obrigada pela refeição, Joohyun — interrompeu. Deixava um pequeno sorriso brincar em seu semblante enquanto ajeitava o cabelo atrás da orelha. — Está ótimo assim, ok?
Joohyun aquiesceu. As suas orelhas enrubesciam à medida que Seulgi degustava a sopa com o olhar tão brilhante, como se aquele singelo jantar fosse uma das melhores refeições da vida dela.
O jantar, então, acabou ocorrendo sem muitas conversas. Presas em seus próprios pensamentos e suas próprias dúvidas, elas se silenciaram até o momento em que terminaram de comer e se dirigiram à cozinha em sintonia. Logo, ambas arquearam as sobrancelhas.
— Vou te ajudar a lavar a louça! — Ela se colocou ao lado da outra como se pudesse ler o que se passava na mente alheia. — Não é justo que você faça tudo, não é?
Após repensar, Joohyun anuiu. Aquela era uma boa oportunidade para puxar assunto, no fim das contas.
— Obrigada — agradeceu de forma singela, oferecendo-a um pequeno sorriso. Sentia a presença ao seu lado cada vez mais forte enquanto calçava as luvas. — Mas me diz… O que você gosta de fazer quando não está trabalhando?
— Cuido das minhas plantinhas. — Riu soprado. O seu corpo parecia sensível de repente, arrepiado em resposta à proximidade entre elas. — Eu meio que não gosto de cozinhar fora do trabalho, então todo o tempo que me resta eu uso para cuidar delas quando necessário e descansar.
Joohyun franziu o cenho. Eu meio que não gosto de cozinhar fora do trabalho? A frase de repetiu em sua mente, chamando-lhe a atenção.
— Sério? — Olhou-a de canto. A louça não era muita, o que a faz suspirar em antecipação. — Eu gosto de cozinhar no meu tempo livre.
— É que eu já passo tanto tempo preparando os doces… Quando chego em casa, tudo que menos quero é pisar em uma cozinha, sendo bem sincera. — Inalou. Havia um toque de cansaço em sua voz. — Trabalho com isso há tantos anos que, às vezes, sinto que estou no automático… Então costumo pedir comida quando estou sozinha, o que é bem recorrente.
Mas você preparou doces para mim, Joohyun sentiu um ímpeto, as palavras brincando na ponta da língua. No entanto, deixou que esse pensamento apenas se alojasse em um lugar distante e silencioso em seu coração e selou os lábios, sem coragem para dizer o que se passava em sua mente.
Que direito tinha, afinal?
— Por isso valorizo muito momentos como esse… Desde que me mudei, comer com a minha família não é mais tão recorrente e são raras as vezes que meu irmão vem me visitar, então as refeições já não têm mais o mesmo gosto, consegue entender? — continuou enquanto lavava a última peça de louça suja. — Por isso devo agradecer pelo convite. É… refrescante simplesmente sentar com alguém e comer comida caseira, sabe?
Ela retirou as luvas e se virou para a outra, que acabou por fazer o mesmo. Por um momento, sobre a pia úmida, os dedos de ambas resvalaram uns nos outros, o que fez com que Seulgi abrisse um de seus sorrisos mais bonitos.
— Muito obrigada por isso, Joohyun… A sopa estava deliciosa.
Joohyun que, por sua vez, foi capaz apenas de inspirar o ar denso daquela noite em busca das palavras certas. Esforçava-se para manter o forte contato visual, mas aquele olhar cintilante era uma visão tão singular para si que não sabia fazer com as próprias mãos, com o seu coração sempre tão ritmado saindo do controle.
Então, em silêncio mais uma vez, elas caminharam até a porta de forma tão lenta que qualquer pessoa entenderia que não havia desejo pela despedida ali.
— Ah — Seulgi, porém, pareceu se lembrar de algo —, me espere aqui! Já volto.
De fato, não demorou muito para que voltasse. Em mãos, carregava com certa delicadeza o paletó cedido a si para si tempos atrás.
— Desculpa ter ficado com ele por tanto tempo. — Os seus lábios se encurvaram. Ah, esse sorriso… — Não consegui entregar antes.
Joohyun aquiesceu sem fazer muita questão inicialmente — no fim das contas, já havia até mesmo se esquecido daquela peça. Entretanto, quando ergueu a mão para pegá-la, surpreendeu-se com o corpo alheio lhe rodeando de repente. Sequer teve tempo para raciocinar o aroma doce em volta de si e o peso repentino em seus ombros, apenas se encolheu e encarou o rosto tão próximo do seu.
Naquele momento, a sua pele se aqueceu, mas não devido ao paletó recém-colocado sobre si.
— Não se esqueça de se cuidar — lembrou-a e logo se afastou. — Essas chuvas de verão acabam com a gente às vezes.
Eu não posso deixar essa oportunidade passar era o que Joohyun tinha em mente quando interrompeu Seulgi de entrar em casa. Segurava um lado da peça em seus ombros com uma das mãos enquanto tocava o pulso dela com o outro, sem nem mesmo saber com clareza o que queria dizer.
Só queria falar. Falar qualquer coisa que libertasse o que havia dentro de si, qualquer coisa que a tirasse daquela rotina monótona e a fizesse conhecer melhor aquela mulher com quem dividia o andar daquele prédio.
— Ei — acabou por chamar e afastar o toque. Apesar de sua postura sempre tão impecável, tinha dificuldade para manter os olhos compenetrados e as mãos, firmes. — Podemos comer juntas sempre que você quiser.
Joohyun não era alguém que gostava de promessas. Diante de uma vida pautada em falsas palavras, aprendeu que existiam determinadas coisas que não deveria nem mesmo cogitar sibilar. Contudo, naquele momento, ela torceu para que Seulgi compreendesse a promessa escondida nas entrelinhas.
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