Logan
Estrela estava sorrindo.
Estávamos no hospital porque ela tinha feito questão de medicar um corte no joelho de Lily, conseguido graças a uma trombada com Kyle durante o futebol. Eu estava encostado à parede e observava Estrela de pé em frente ao catre onde sua “paciente” estava sentada. Ela estava tão concentrada no que fazia que foi quase uma surpresa quando sua expressão compenetrada se abriu num enorme sorriso por causa de uma brincadeira que Lily fez. Algo sobre como Kyle estava tão desesperado para ganhar o jogo que precisou cometer falta contra a melhor jogadora do outro time.
Não era realmente engraçado, mas Estrela sempre achava graça nas coisas que Lily dizia. Era algo no jeito dela que a fazia sorrir e eu gostava disso. Gostava de vê-las juntas. Lily, por sua vez, parecia perceber que fazia Estrela sorrir, e estava sempre dizendo alguma coisa agradável ou engraçada, satisfeita com o efeito que provocava, parecendo feliz pelas duas serem amigas. Por isso eu gostava de Lily.
E porque o sorriso de Estrela é sempre a melhor coisa de meus dias, a melhor memória que me habita quando fecho os olhos, eu as observava com atenção e avidez. Se eu estivesse menos atento teria perdido o momento, o breve segundo antes de o mundo parar, o instante em que o sorriso de Estrela vacilou apenas um pouco, então ficou maior quando ela olhou para o próprio ventre e depois de volta para mim.
Lembro-me de ter corrido até ela, ou talvez tenha sido apenas a sensação de que tudo o mais tinha se congelado, não sei. Mas a próxima coisa de que me lembro é de ter seu rosto entre minhas mãos, seus olhos presos nos meus, e da sensação estranha de me sentir vulnerável. De sentir tudo ao mesmo tempo e de ter medo, muito medo, de que algum momento me escapasse, de que eu não conseguisse lembrar de cada segundo depois.
Lily se levantou instintivamente, tentando entender o que estava acontecendo conosco, e eu tomei Estrela nos braços e coloquei sobre o catre que Lily abandonara.
— Logan, que exagero é esse? É só uma primeira contração... Ainda vou demorar horas para precisar ficar deitada. Ou ser carregada no colo, se quer saber — disse Estrela rindo.
— Não me importo... Ora, Estrela! Eu posso não entender muito sobre como isso funciona — disse eu fazendo um gesto em direção à barriga dela —, mas sei o suficiente sobre como eu funciono para ter certeza de que você não vai levantar daí até...
E então eu parei.
Até... Até nossa filha estar em meus braços!
Oh.
Lily riu alto, deu um beijo no rosto de Estrela e afagou meu ombro antes de se virar em direção à porta.
— Vou chamar o Doc. Talvez você devesse se deitar também, Logan. Está um pouco pálido — falou, rindo de mim mais um pouco.
Movi meu rosto na direção dela, a tempo apenas de vê-la saindo, e mesmo esse simples movimento pareceu estranho ao meu corpo, como se eu estivesse meio paralisado.
Ok. Controle-se.
Mas era mais fácil dizer, ou pensar, ordens assim para dar a mim mesmo do que de fato executá-las. Meu cérebro ainda estava mais parecido com uma pintura surrealista do que com a máquina calibrada e eficiente que eu gostaria que ele fosse. Mas também, quando foi que me senti assim, como o dono de um cérebro equilibrado e sóbrio, depois que Estrela entrou em minha vida?
— Logan — chamou ela baixinho, sentando-se no catre e inclinando o rosto para encontrar meus olhos.
— Sim?
— Como está se sentindo?
— Não sei. E você?
— Um pouco assustada, pra falar a verdade.
Ouvir isso disparou um alarme num canto de meu cérebro, um barulhinho sutil que foi aos poucos aumentando de intensidade até não me deixar pensar em mais nada. Foi um alívio ser invadido por um sentimento tão familiar novamente. Foco. Saber exatamente o que eu tinha que fazer. Era isso que sempre tinha me mantido inteiro. E nesse momento isso significava proteger Estrela, tranquilizá-la.
— Do que você tem medo? — perguntei, tentando fazê-la verbalizar suas emoções. Pôr as coisas em palavras sempre a ajudou a se acalmar, entender as emoções era importante para ela.
— Bem... Acho que não do parto em si. Quer dizer, Doc e Candy não são exatamente experientes, você sabe. Essa não era a especialidade dele e ela nunca fez um parto enquanto Curandeira, mas confio neles, sei que se sairão bem depois de termos trazido John ao mundo.
— É claro que vão se sair bem! A coisa é simples, no final das contas, com todos os medicamentos que temos... Além disso, quando eu falei que não entendia nada sobre o que estava se passando por aqui — abaixei para beijar a barriga dela —, não era inteiramente verdade, sabe?
— Não?
— Ei, você não me conhece? — desafiei sorrindo e ela sorriu de volta, revirando os olhos em tom de brincadeira. — Andei prestando atenção às suas conversas com Doc. Além disso, também andei perguntando por aí, para todo mundo que pudesse me ensinar alguma coisa sobre como foi o parto de Peg. Acho que aprendi bastante, posso até ajudar se for preciso.
Estrela olhava para mim com uma expressão ao mesmo tempo terna, confusa e um tantinho indignada:
— Oh, Logan, sinto muito, estive tão imersa em meus próprios planos que acabei me esquecendo o quanto às vezes você é... só um menino grande! — Ela sorriu quando disse isso, e foi como se estivesse me acariciando com o olhar.
Mesmo agora, enquanto me lembro, não estou certo de que gosto de ser chamado de “menino grande”, mas se havia um jeito de não me sentir abraçado pela doçura dela eu ainda não havia descoberto. Não que eu quisesse encontrar esse jeito, de qualquer maneira. No estranho processo que foi me apaixonar por ela, lembro-me de ter percebido que eu estava preso a esse encanto por minha própria vontade.
— Eu não fazia ideia de que você estivesse tão apreensivo em relação a isso — ela continuou. — Se você estava mesmo querendo saber mais, devia ter me perguntado. Afinal, sou Curandeira e sua mulher! Posso tranquilizar você de vez em quando, só pra variar.
— Não, amor. Cuidar de vocês duas é meu trabalho. — Um sentimento meio estranho, meio familiar, me invadiu quando eu disse “duas”, então percebi que já pensava em minha filha de maneira tão concreta há muito tempo, só não tinha dito em voz alta ainda. – Eu não queria que você pensasse que não confio em Doc e Candy e que ia ficar feito um maluco me metendo no trabalho deles porque não consigo lidar com a situação ou algo assim. Estou bem. Eu só quero entender o que está acontecendo. É só um jeito de... de...
— Manter um pouco de controle sobre o incontrolável? — disse ela, meneando a cabeça num gesto que dizia “Eu leio você como o meu livro preferido” em luzes de neon.
— Sim — respondi, um pouco envergonhado. — Eu só preciso... não enlouquecer. Então vai ficar tudo bem.
— Sei. Você tem tudo sob controle, não é? — Estrela me puxou para perto, uma das mãos acariciando meu cabelo e a outra agarrada à parte de trás de minha cintura, o polegar entrelaçado ao passante do jeans.
Ela era tão doce! Nunca em minha existência imaginei que pudesse ter algo assim. Ela me fazia acreditar que esta vida, e apenas esta, bastaria. Eu estava tão apaixonado por ela naquele momento que quase cheguei a me esquecer de onde estávamos, do que estava prestes a acontecer. Quase. A palavra “duas” ainda ecoava no fundo de minha cabeça.
Em breve haverá duas garotas em seus braços. Duas razões pelas quais esta vida seria suficiente.
Eu ainda me maravilhava com como algo assim era possível. Há cerca de um ano, tudo era tão diferente! Exceto por minha vontade de protegê-la. Esta tinha permanecido a mesma. O que me lembrava...
— Estrela, você disse que estava com medo, mas acabou não me explicando por quê.
— É só... O “depois”, sabe? Como vamos cuidar dela? Protegê-la? Quer dizer, nós nem sabemos direito o que estamos fazendo! — Não pude deixar de sorrir, porque ela parecia estar perdendo a cabeça com a velocidade de quem rola uma ladeira. — É sério, Logan, não ria!
— Desculpe, é só que você não estava tão preocupada assim quando estava grávida de John. O que mudou? — perguntei, ficando sério.
— Com John era diferente. Ele sempre foi parte desta comunidade, tem pai e tio humanos iguais a ele. E tem Melanie, Jared... Nossa filha é como nós, uma recém-chegada a este mundo. Só que não é exatamente como nós, porque ela é humana, pertence a este lugar de um jeito que nunca vamos pertencer. Somos diferentes dela!
— Você se sente realmente assim? — perguntei, apertando meus braços em torno dela. — Este é nosso lugar também, Estrela. Nós o conquistamos. E esta é a nossa família. Temos Peg, Sunny, Melanie, Jeb... As diferenças entre nós desapareceram quando este lugar se tornou parte de quem somos. Não é possível que isso aconteça sem que também nos tornemos parte dele. Acho que você só está assustada com a responsabilidade, só isso.
— Talvez. E acho que estou sendo injusta com nossos amigos ao dizer isso — ela suspirou e eu apertei o rosto dela contra meu peito um pouco mais.
— Só um pouquinho. Mas acho que eles te perdoariam. Errar é humano, afinal.
Senti um riso abafado contra a minha camiseta e ela estremeceu um pouquinho em meus braços, como se estivesse tentando se livrar de um sentimento incômodo.
— É incrível como você consegue isso. Parece que sempre que estou prestes a perder a cabeça, você me abraça desse jeito só seu, espalmando sua mão sobre o meu rosto e me separando do resto do mundo — disse ela fechando a mão em torno da minha como um casulo. — Eu fico aqui sentindo seu cheiro, bem ao lado de seu coração, e esqueço... Faz com que eu me sinta tão segura! Você faz tudo parecer tão simples!
— Então fique aqui no nosso mundo quanto tempo precisar — respondi. — Eu manterei suas preocupações longe de você.
Ela inspirou, o nariz encostado em mim como costumava fazer quando queria se acalmar.
— Não sei se posso me dar ao luxo de deixar você me fechar em seus braços neste momento. Ela está chegando e precisará tanto de nós! De mim. Eu não deveria me permitir me sentir tão vulnerável! Tão indefesa diante de minhas dúvidas quanto ao futuro. Preciso ser mais forte por ela.
— Você pode se permitir sentir o que for preciso, amor. Essas emoções são quem você é, lembra? Foram elas que nos trouxeram aqui. Foi por essa delicadeza que me apaixonei. Você não tem que ser outra pessoa para ser a mãe que nossa filha precisa. Você já é perfeita.
— Não sou não — disse ela, afastando-se um pouco e balançando a cabeça, a voz num fiapo enquanto ela mantinha os olhos abaixados.
— É sim — respondi, beijando-lhe a testa e levantando seu rosto para que olhasse em meus olhos. — Escute, vamos fazer o seguinte, a gente deixa para pensar no futuro quando chegarmos lá, ok? Vamos nos concentrar em uma coisa de cada vez. Você não quer ver o rostinho dela? Saber como ela é?
— Muito.
— Em pouco tempo isso vai acontecer. Você vai fechar seus olhos e eu vou ficar aqui ao seu lado. Quando acordar, eu ainda estarei aqui, mas vai ter mais alguém esperando por você. E é alguém que você quer muito conhecer. Guarde esse pensamento com você, concentre-se nisso e tudo vai ficar bem.
Ela não respondeu, apenas fechou os olhos e eu sabia que ela estava tentando imaginar como seria Lindsay. Ainda de olhos fechados, ela assentiu devagar e uma lágrima fujona desceu furtivamente por sua bochecha quando ela os abriu novamente. Eu a enxuguei com o polegar e soube que não era mais medo o que ela estava sentindo.
— Você consegue imaginá-la, não consegue?
Ela apenas olhou em meus olhos e concordou com a cabeça. Então não precisamos dizer mais nada, pois foi como se os sonhos dela tivessem encontrado uma ponte para os meus.
**********
Doc e Candy chegaram em seguida e puseram-se eficientemente ao trabalho. Peg e Sunny insistiram em estar presentes e quando Jeb fez menção de sair, eu pedi que ele também ficasse.
E, assim, na presença de meu melhor amigo e de minhas duas “irmãs”, eu observei qualquer resquício de apreensão no rosto de Estrela desaparecer de vez quando ela adormeceu, com Peg segurando uma de suas mãos e eu a outra.
Sunny ficou ao meu lado, o braço em volta de minha cintura e a cabeça recostada em meu ombro. Doc e Candy permaneciam sérios e focados, mas ainda assim, havia uma nota de emoção em seus semblantes. Estrela tinha se tornado mais do que alguém com quem compartilhavam conhecimento e isso se fazia notar na maneira gentil com que cuidavam dela. Jeb, acostado a uma cadeira próxima à entrada, observava tudo em seu costumeiro silêncio misterioso, mas voltou seus olhos para mim por um momento e seu “olhar de redoma”, como dizia Estrela, cobriu tudo ao redor. Estávamos todos prontos para testemunhar aquilo que, por tantos séculos, deve ter sido algo quase banal para os humanos, mas que aos nossos olhos fazia o mundo se converter de volta a infinitas possibilidades.
Quando o corte foi feito, engoli em seco, esquecendo por um momento breve o que o gesto significava, cego diante da violação que aquilo me parecia. Sunny me abraçou mais forte e eu voltei a mim, seguro na presença dela.
Alguns momentos se seguiram até que Candy retirou Lindsay e a levou para um canto para que recebesse os primeiros cuidados. Pousei delicadamente a mão de Estrela sobre o catre e as segui, saindo dos braços de Sunny, mas levando-a pela mão, enquanto Doc cuidava de Estrela sob o olhar atento e feliz de Peg.
Eu não queria perder um momento. Cada um daqueles instantes continha uma primeira vez para ela, o primeiro som, os primeiros movimentos, o primeiro olhar que foi dirigido a mim. A primeira vez em que ela fez meu coração parar.
Candy a embrulhou em uma manta e a entregou a mim. Segurei-a firme em meus braços e olhei para ela, absorvendo todos os detalhes que pudesse, porque eu sabia que aquele seria o momento para o qual eu voltaria sempre, o que quer que acontecesse.
Eu não era mais a alma Canção Noturna, duas vidas no Mundo Cantor, ou o Buscador Logan, convertido e readaptado à resistência humana. Eu era todas essas coisas, sim, mas era algo mais importante e imutável. Eu era pai daquela garotinha. E essa nunca mais deixaria de ser a única verdade que sobreviveria, mesmo quando todo o resto a meu respeito deixasse de existir.
Queria que houvesse uma maneira de ela saber disso, que ela pudesse entender quando eu lhe dissesse, que fosse capaz de enxergar dentro de mim. Mas ela era apenas uma garotinha, uma pequena humana cuja existência mal tinha instantes o suficiente para serem computados pelas eras do universo.
A despeito disso, ali, diante dela, olhando em seus pequenos e brilhantes olhos verdes de floresta fechada, era como se ela me entendesse. E por mais tênue que fosse sua existência, por mais diminuto e frágil que fosse aquele bebê, eu me sentia de volta às estrelas.
— Lindsay? — uma voz baixa e meio grogue chamou.
— É sua mãe, bebê — disse eu, levando-a em direção a Estrela. Eram as primeiras palavras que eu pronunciava em algum tempo, a primeira coisa que eu disse à minha filha, e minha voz era algo irreconhecível e macio quando falei com ela.
Entreguei-a nos braços de Estrela, cujos olhos se umedeceram instantaneamente. Ela sorriu quando Lindsay olhou para ela como se a conhecesse, e acariciou cada centímetro visível de seu pequeno corpo pela manta entreaberta, tocando de leve com as pontas dos dedos seus bracinhos frágeis e suas mãozinhas rechonchudas.
— Ela é tão pequena! — disse Peg, e registrei vagamente que ela e Sunny estiveram chorando. — É diferente de John.
— É porque é uma menininha delicada. John é um garotão – acrescentou Jeb, já não conseguindo manter sua expressão neutra, mas ainda tentando parecer pouco afetado. Como se eu não o conhecesse melhor do que isso!
Ela era mesmo. Pequena. Delicada, Frágil.
Pensei nos medos de Estrela, em sua inquietação por não sermos humanos como nossa filha. Então percebi que não fazia mais diferença. Nossa família, nossa filha, me atava à minha própria humanidade. Eu nunca sairia daqui. Nunca sequer contemplaria ter de volta o meu lugar na minha espécie. Jamais trocaria os instantes de sua vida pelos milênios que eu ainda poderia viver. Isso não importava mais.
Os anos de uma vida humana podiam parecer insignificantes diante da perenidade de nossas existências, mas a eternidade não tinha valor diante de meu amor por ela. Este pequeno universo inteiro que segurava a ponta de meu dedo.
**********
Sim, aquele continuava sendo o momento para o qual minha mente voltava sempre. Um ano e meio tinha se passado desde então, mas isso não tinha mudado.
Eu estava do lado de fora, observando Lindsay brincar na areia ao entardecer. Ela e John andavam para todos os lados agora e precisávamos nos revezar para ficar de olho neles o tempo todo, mas nesse momento ele estava lá dentro com o pai dele, jogando bola, e eu estava aqui perdido em pensamentos envoltos na risada de minha ruivinha.
— Papai! – disse ela, correndo até mim com um pedregulho nas mãos.
— Bonito. Quer levar para você?
— Uhum — ela confirmou, os cachinhos do cabelo sacudindo quando balançou a cabeça.
— Tudo bem. Vamos lavar bem para a mamãe não dizer que você está enchendo suas gavetas de terra, ok?
— Tá! — Ela sorriu. — Tchuká! – gritou de repente, abrindo os bracinhos.
Fechei a cara quando vi Kyle vindo em nossa direção, o sorriso tonto de sempre nos lábios. Por alguma razão misteriosa, Lindsay adorava o “tio” Kyle. Ou, como ela dizia, “Tchuká”. Ela até tinha um urso de pelúcia gigantesco e de um tom horrível de verde abacate que tinha esse nome. Sunny tinha trazido para ela depois de uma incursão e desde então ela arrastava o maldito Tchuká para todos os lados. Eu odiava aquele urso.
— Lindy! — disse Kyle estendendo os braços para minha filha, que se acomodou neles instantaneamente.
— O nome dela é Lindsay — resmunguei.
— E o meu é Kyle. Muito prazer, babaca — ele devolveu, rindo.
— Será que você pode medir suas palavras em frente à minha filha?
— Uhum — rosnou como se não tivesse escutado.
— Certo, Tchuká, se você vai ficar cortando o nome de minha filha pela metade, então é assim que eu vou te chamar.
— No dia em que você for uma menininha fofa como esta — Ele beliscou a bochecha de Lindsay e ela riu alto, como se ele tivesse feito algo engraçado. Arg! —, vai poder me chamar de Tio-qualquer-coisa. Até lá... Não somos parentes, otário!
— Você também não é parente dela, Tchu-ká — zombei, minha voz cheia de escárnio.
— Ai, cara! Essa doeu! — Kyle respondeu, pondo a mão no peito teatralmente, e eu não pude deixar de rir.
Lindsay, no entanto, não prestava atenção nenhuma à nossa conversa. Ela olhava alternadamente de Kyle para mim, prestando atenção em alguma coisa que não entendíamos. Em seguida, ela baixou os olhos, parecendo pensativa e um pouco triste.
— O que foi, princesinha? — perguntei, puxando-a do colo dele de volta para o meu.
Ela pôs o dedinho muito perto de um de meus olhos e perguntou:
— Verde?
— Sim, bebê, como os seus.
— Não — ela disse, fazendo biquinho. Então apontou para o rosto de Kyle e choramingou: — Diferente.
— Acho que ela está dizendo que ela e eu temos olhos diferentes... Quero dizer, dos seus, da mãe dela, de Sunny... Não é, princesa? — perguntou Kyle e ela olhou para ele balançando a cabeça afirmativamente.
— Me dê sua mão aqui, bebê — pedi, e ela estendeu o bracinho.
Coloquei a mão dela sobre a minha, tomando o cuidado de distribuir seus dedos exatamente sobre seus correspondentes em minha mão, que espelhava a dela.
— Está vendo? Somos iguais.
Lindsay arregalou os olhos como se eu tivesse dito algo ligeiramente interessante, mas não esclarecedor o suficiente, depois me deu um sorriso mais parecido com uma careta frustrada. Então segurei novamente sua mãozinha e a pousei em meu peito, sobre meu coração.
— Está sentindo? Tum Tum Tum?
— Sim. — Ela riu, a irritação começando a desaparecer de seu rosto rosado.
— Agora veja o seu. — Segurei a mão de Lindsay sobre seu próprio coração, rápido e forte como deve ser. — Tem “Tum Tum” também, certo? — Ela balançou a cabeça, soltando um gritinho animado. — Os seus olhos são da cor dos meus, os da mamãe são de outra cor, os do Tchuká são de outra, como os de John e os do Tio Ian, e eles não têm prata como eu, sua mãe ou suas tias. Mas são só cores, amorzinho. Somos todos iguais onde interessa.
— Tudo tem Tum Tum?
— Sim, bebê.
— Tá bem então — ela disse, e no instante seguinte já estava tentando se livrar de meu abraço, encantada com outro pedregulho maior e mais empoeirado que o anterior.
Kyle me olhava com um sorriso divertido no rosto e se levantou, tirando a poeira das calças para ir embora. Mas ele ainda tinha aquela cara insuportável de quem estava rindo de sua própria piada.
— Já te disseram que você é um poeta sensível, Buscador? Vou tomar mais cuidado com seu Tum Tum de agora em diante.
— Ah, cala a boca, Kyle! Só porque você é um ogro não quer dizer que não tenha seu próprio Tum Tum para eu machucar. E digo isso literalmente.
— Claro, claro. Estou morrendo de medo, poetinha. A pena pode mais do que a espada, certo? É o que diziam por aí... Mas, falando sério agora, babaca. Às vezes você é um cara legal. Às vezes. — Ele continuou andando, mas voltou-se um momento pra mim antes de ir embora de vez. — Lindy tem sorte — disse, depois me deu as costas, como se tivesse vergonha de fazer um elogio.
— É Lindsay! — gritei.
— Tá, tá! — Ele gritou de volta sem se virar, fazendo um gesto de desdém com a mão.
Você também pode ser legal, pensei.
Não que eu fosse dizer isso a ele. Claro.
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