Helius e Estatica
"A jovem Nocker havia deixado a casa de seus pais ainda cedo quando decidiu que queria construir um robô gigante e estava com essa ideia fixa na cabeça, uma maluquice tão grande que nem seus pais conseguiram lhe tirar da cabeça. Mas Nockers eram assim, afinal de contas, sempre querendo se superar, mas construir uma quimera gigante era algo grandioso demais até mesmo para os Nockers.
Sua casinha ficava próxima a um bosque e era uma típica oficina desse kith tão inventivo: com muito metal e madeira, engrenagens, máquinas a vapor e Glamour, pequenas quimeras auxiliares e muita ferramenta espalhada por todos os cantos. Era grande e arejada e sua criação já se encontrava quase pronta nos fundos de sua casa, para o espanto de todos.
Certa tarde, ela tinha saído para caçar e testar algumas máquinas e conseguiu vários animais para se alimentar. Com outras máquinas, ela tinha depenado e despelado os animais e os deixou pendurados secando e salgando. Tudo muito perfeito e organizado, para orgulho da fada. Ela estava faxinando sua casa quando ouviu um barulho vindo de fora e viu um vulto próximo à sua comida; então ela se armou com seu arcabuz e deu o alerta:
- Pode ficar parado aí mesmo - ela apontava a arma para o intruso - ou eu atiro! - ela tinha os olhos fixos no vulto.
- P... por favor... não! - uma voz assustada e fraca se fez ouvir repentinamente - eu tenho fome!
Ela ordenou para que seus pequenos criados de metal segurassem o dono da voz e um deles iluminou o lugar e ela se surpreendeu com o que viu, um Pooka magro e todo machucado, trajando peças de roupa que não eram de Minhaestrela.
- Mas o que... - ela ficou surpresa - quem é você e por que está aqui? E roubando a minha comida? Seu verme-asqueroso-rastejante-das-terras-putrefatas...
- Meu... Meu nome é Helius D'Aurora... eu... eu... - ele estava cansado e desistiu de falar. Se aquela mulher quisesse matá-lo ele não se importaria mais.
- O que aconteceu com você? - ela ainda estava ríspida.
- Uma tragédia - seus olhos marejaram - meu lar foi destruído... e eu fugi...
- Você é um bandido?
- Não...
- Mas estava roubando... Então é bandido sim.
- Sim, eu sou... - ele já estava exausto daquela conversa - então acabe logo com isso - ele baixou a cabeça desistindo de tudo.
- Suas roupas são de Sombria - ela se apiedou da pobre criatura, mas não podia demonstrar tal sentimento - por que alguém de Sombria estaria maltrapilho e viria para Minhaestrela? Você é um Unseelie?
- Eu... - ele suspirou desolado - eu já não sou mais nada...
- Bom... Tragam ele para dentro - a mulher ordenou e se voltou para o interior de sua casa.
As criaturinhas colocaram Helius sentado em um dos bancos da casa da mulher. Sua cozinha era pequena e com coisas que ele só poderia ver em um lar Nocker: um móvel com uma bacia e um encanamento, a mesa com bancos que se mexiam sozinhos, uma enorme caixa que ela abriu e que saía fumacinha. Dessa caixa ela tirou frutas, carne, leite, pão e queijo. O cheiro da comida fresca parecia trazer o Pooka de volta à realidade, seu estômago roncou forte e ele salivou ao ver a comida posta à mesa.
- Você está adiantando o meu jantar e eu não gosto nada disso. Coma!
Não foi preciso uma segunda ordem para que o cão atacasse com voracidade a comida. Uma pequena quimera redonda e cinza o observava com curiosidade enquanto ele devorava a comida. No fogão de pedra e metal, o fogo acesso dançava sob um panelão que vertia um cheiro delicioso de cozido. A mulher despejou em um prato e serviu para o homem. Nada sofisticado, mas que matava a fome: carne cozida com batatas e outros vegetais e muito bem temperada. Ela não era grande cozinheira, mas se virava com o básico para sobreviver.
- É tudo o que posso lhe dar - ela disse ao sentar-se sentar à mesa e jantar junto com o Pooka.
- Muito... obrigado - ele esteve com a boca cheia esse tempo todo que mal pode agradecer a hospitalidade da jovem - eu não sei nem... como agradecer.
- Mas eu sei - ela sorriu de forma maligna e o rapaz engoliu seco - minha oficina precisa de limpeza e estou sem tempo para fazê-lo. Deixo por sua conta, Pooka.
- Eu aceito! - falou e antes que a mulher terminasse sua frase - eu... ah... aceito.
- Está bem então! Venha comigo! - e saiu da mesa.
Helius levantou-se depressa, mancando, e seguiu a mulher até o fundo da casa onde ficava sua oficina. Tinha um pequeno cômodo com uma cama, mas que estava sendo usado como depósito de cacarecos e tranqueiras, coisas que Nockers gostavam.
- Está um pouco bagunçado, mas é tudo o que tenho. Bom, seu trabalho pode começar por aqui - ela não pareceu envergonhada da bagunça, na verdade, ela tinha bastante ciência sobre aquilo, senão não o contrataria.
- Para mim está ótimo... para quem não tem nada... isso é luxo.
- Não fale besteiras, seu cão-tagarela - ela observou o sorriso que nasceu no rosto do rapaz e pensou como um Pooka poderia ter chegado naquele estado - vou providenciar roupas limpas.
Não demorou muito para que ela retornasse com uma muda de roupas limpas - eram roupas dela mesma, que não usava mais - e sabão. Indicou o banheiro onde o cão ficou alguns minutos se limpando e revivendo os tristes momentos que tinha vivido até chegar ali. Lágrimas escorriam por seu rosto, mesmo quando se afundou na água da banheira, ele não conseguiu ficar submerso muito tempo devido a dor que sentia. Ele não era nem 1/4 da fada que era anteriormente, animado e feliz. Agora era uma casca vazia e atormentado por pesadelos indescritíveis. O Pooka deixou o banheiro e se deparou com uma cesta com alguns unguentos e bandagens, uma Nocker séria aguardava por ele.
- Vou cuidar desses ferimentos - não foi uma sugestão, foi uma ordem que o cachorro não pode recusar. E ele nem tinha forças para isso.
Ele sentou-se na cama, ao lado da pequena quimera cinza, o que o fez lembrar de sua amiguinha rosa, e deixou que Estática passasse o líquido ardido por suas escoriações e cortes, vários muito profundos - os piores deles no joelho direito, o que deixaria uma cicatriz profunda e um corte no peito -, nesses ela usou ataduras para protegê-los. Ele deixou-se sentir cada dor sem reclamar e se reclamasse levaria um beliscão da mulher.
- Isso é suficiente - ela levantou-se - durma, que o dia começa cedo aqui - ela entregou um globo de vidro com minúsculas quimeras elétricas, pequenos raios furiosos que se digladiavam contra a parede de vidro, era o que iluminava o local.
- O... obrigado - depois de vários minutos sem falar nada, ele disse em um tom baixo antes da mulher deixar o quarto.
- Mong.G, cuide dele - ela pediu para a bolinha cinza, mas na verdade ela queria que a quimera ficasse de olho nele.
O dia seguinte raiou com suas cores e brilhos, vida e magia, e Helius já estava de pé para surpresa de Estática. Ele já tinha ajeitado o quarto onde passaria os próximos dias, e após o desjejum ele já iniciava suas atividades de limpeza. Já mostrava um feição um pouco melhor e a mulher mal notou a sua presença, até ele ver o robô gigante sentado no fundo do quintal da inventora.
- Uaaaaaaaaau... - ele gritou e derrubou a vassoura e o balde que segurava. A Nocker, que estava concentrada, deixou cair a ferramenta de sua mão.
- Mas que raios foi isso? - ela surgiu furiosa de dentro da cabeça da enorme quimera de metal.
- Essa coisa é enorme - ele não conseguiu esconder sua surpresa.
- Ele não é uma coisa - e uma chave de rosca voou direto na têmpora direita do cão.
- Au au ai ai - ele esfregava com força a testa que já exibia um calombo - você é sempre assim? Tão agressiva?
- Agressiva? Eu? - ela fez uma cara de surpresa - mas eu nem toquei em você!
- E isso aqui é o que?
- Uma chave de rosca.
- Que voou na minha testa!
- E?
- E você disse que não me bateu?
- Não bati! Eu nem saí daqui.
- E isso aqui?
- Ah... você foi atingido por uma chave, não por mim.
- Ah, então ela voou sozinha até a minha testa? - as sobrancelhas do Pooka estavam unidas já.
- Vai duvidar da capacidade de uma ferramenta de uma oficina de um Nocker? - ela lançou um sorriso debochado para o bichón frisé e ele nada mais disse. Ela tinha razão, naquele lugar tudo era possível.
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