6 de setembro de 1995
Hogwarts
06:03
O som dos pássaros despertou Eleanor, a fazendo se espreguiçar na cama da ala hospitalar. Passou alguns minutos olhando em volta, apreciando o silêncio absoluto em que toda a escola se encontrava.
O sol ainda estava nascendo, então toda a ala hospitalar estava tomada por uma luz alaranjada, já que não haviam cortinas grandes o suficiente para cobrirem todo o comprimento das janelas. Era realmente agradável, se deixasse de lado o fato de ser o lugar da escola onde os doentes e machucados ficam.
Depois de algum tempo deitada, apenas tentando acordar completamente, o sol havia mudado de lugar o suficiente para refletir em seu rosto, a fazendo cobrí-lo com as mãos e enrugar o nariz. Ao tocar no próprio rosto, percebeu que seus cabelos não estavam grudados em sua testa, como sempre.
Se ergueu rapidamente, ficando sentada na cama, e olhou para a própria roupa; Madame Pomfrey havia a cedido um pijama, para que não ficasse usando o uniforme de quadribol. Estava seco, sem uma gota sequer de suor.
De cenho franzido, ela pensou consigo mesma, tentando lembrar se havia tido algum pesadelo. E então, percebeu: se tivesse tido um pesadelo, não precisaria fazer esforço para se lembrar. O que significava...
– Sem pesadelos! – Ela exclamou, animada, alguns minutos depois, quando Madame Pomfrey apareceu para checar nela. A mulher ergueu as sobrancelhas e sorriu, parecendo aliviada.
– Nada?! – Perguntou, e Eleanor negou com a cabeça. – Então, a poção funcionou!
– Funcionou, não é? – Balançou a cabeça freneticamente. Sentia um entusiasmo anormal; algo que não sentia a muito tempo. – E agora, o que acontece? Eu continuo vindo pra cá, e tomando as poç... ai! – Fez careta, ao ser cutucada, na costela, pela varinha de Madame Pomfrey.
– Sinto muito, estava só checando se seus ossos já foram 100% reconstruídos. – A lançou um olhar de desculpas. – Como foi a noite? Acordou, em algum momento, sentindo dor?
– Eu acho que não... a poção de dormir deve ter funcionado muito bem. – Deu de ombros. – Como estou? Vou poder ser liberada?
– Com algumas limitações... mas você já deve saber disso, não é? – Ergueu as sobrancelhas e Eleanor a olhou, curiosa. – Nada de esforço físico por, pelo menos, uma semana, ouviu? Seus ossos estão bem, mas ainda estão sensibilizados.
– Eu não tenho muita coisa para fazer mesmo. – Deu de ombros.
– Ótimo. – Sorriu, aliviada. – Agora, se levante... precisa se arrumar antes de ir para o Salão Principal. Pode usar o meu banheiro...
*****
Já eram quase sete horas quando Eleanor, finalmente, ficou pronta. Susan havia colocado seu uniforme dentro da mochila, então, não iria precisar correr para o dormitório para se trocar.
A Madame Pomfrey foi excepcionalmente bondosa naquela manhã; a deixou usar seu banheiro pessoal, para tomar banho, e a enrolou seu torso com algumas bandagens, dizendo que, se ela insistisse em fazer algum tipo de esforço, as bandagens, ao menos, tentariam manter os ossos sensibilizados no lugar.
– Não se esqueça de tomar um café da manhã decente. – Madame Pomfrey aconselhou, enquanto a entregava sua mochila. – Precisa se cuidar, ouviu? Não só por causa da sua lesão.
– Eu ouvi. – Assentiu, ajeitando a alça da mochila em seus ombros. – Obrigada, de novo, Madame Pomfrey...
– Não foi nada. – Balançou a cabeça. – Você volta hoje á noite, pra Poção Anti-Pesadelos?
– Com certeza. – Sorriu fraco, enquanto a mulher abria a enorme porta da ala hospitalar para ela passar.
Enquanto andava pelos corredores, já era possível escutar que o castelo estava despertando, aos poucos. Passou por Filch, ao descer as escadas, enquanto ele carregava uma vassoura e era seguido por Madame Norra. Os retratos nas paredes já conversavam entre si, mal percebendo que ela passava por eles.
Seu bom humor não durou muito tempo, enquanto alguém se aproximava dela, com passos apressados.
– O que é que houve com você? – Draco desacelerou os passos, ao alcançá-la. – Todos estão falando sobre...
Ela piscou algumas vezes, contendo a vontade de revirar os olhos, e continuou andando, sem se virar para ele uma única vez, ou sequer reconhecer a presença dele ali.
– Eu estava indo te ver... disseram que você estava lá. – Ele continuou falando, já que, mesmo que ela fingisse que não, ainda estivesse escutando. – Já está melhor, então?
– Não foi nada. – Respondeu, apressando o passo. Não queria lidar com isso. Não naquele momento.
– Ah... bom. – Assentiu, sentindo um pequeno alívio por ela ter, ao menos, o respondido. – Nós... podemos conversar direito?
– Não temos nada pra conversar. – Voltou á andar.
– Você sabe que temos. – Franziu o cenho. – E ignorar isso não vai mudar nada.
– Eu não quero falar com você, Dra... – Disse, mas se calou antes de terminar a frase. – ...Malfoy. – Se corrigiu, com rispidez, e se apressou.
– Mas nós claramente precisamos! – Apressou-se para alcançá-la. – Você têm me tratado como se me culpasse pelo que aconteceu!
– Bem, talvez eu culpe. – Ele reconheceu um tom anormalmente frio em sua voz.
– Você não quer dizer isso... – Balançou a cabeça em negação. – Isso não é justo! E você sabe disso!
– Você quer falar de não ser justo?! – Parou de andar e se virou para ele, bruscamente. Apenas naquele momento, ele pôde ver que os olhos dela estavam marejados, mesmo que ela não o olhasse diretamente. – Você não tem idéia do que eu fui obrigada á passar pelos últimos meses! O tipo de trauma que isso tudo me trouxe! Isso é que não é justo!
– Claro que eu não tenho idéia! Você não me deixa ajudar! – Ergueu as sobrancelhas. – Você falava tanto sobre dividirmos os fardos e enfrentarmos o perigo junt...
– Quando o perigo ainda era receber alguns berradores! – O interrompeu, levantando o tom de voz, fechando os olhos por alguns segundos. – Eu estava disposta á aguentar os ataques! Os olhares feios! Mas não quando o perigo se tornou a morte!
– Eu s...
– Você, com certeza, sabe o que têm dito sobre mim no Profeta Diário! – Continuou falando, sem dar importância ás tentativas de defesa dele. – Acha que vale a pena passar por tudo isso por alguém que estava abraçando o pai, O MEU TORTURADOR, na estação de trem? Sabendo o que ele fez?! – Tomou coragem de olhar nos olhos dele, mesmo que por alguns segundos apenas, mas não conseguiu o fazer por mais que três segundos.
– Você acha que é fácil? – Ele contorceu o rosto. – Eu também corro perigos!
– Ah, eu sinto muito se você tem medo de perder a fortuna da sua família! Deve ser realmente muito assustador viver com esse pensamento! – Cuspiu as palavras, transbordando de ironia. – Você deveria pensar antes de falar, sabia? Talvez você não fosse falar tanta merda.
– Nós estamos acabados, então? – Perguntou, com um nó em sua garganta.
– Isso é realmente tudo que você se preocupa?! – Seu rosto se contorceu.
– Eu estou tentando! Eu não sei o que você quer de mim!
– Sim, Malfoy. Nós estamos acabados. – Sua expressão se tornou fria. – Já que você quer que eu desenhe: eu não posso lidar com um relacionamento agora. Estamos entendidos?
– Bem, talvez você devesse dizer isso para o Weasley. Não sei se ele percebeu iss...
– Não o envolva nisso, George é meu amigo. – O interrompeu, contorcendo o rosto. – Isso não tem nada a ver com ele.
– Pra mim, parece que tem. – Retrucou. – Ele vive grudado em você agora. Eu vejo isso!
– Você prefere culpar todos, menos o verdadeiro culpado, não é? – Riu pelo nariz, fria. – Você está tornando isso muito fácil pra mim.
– "Isso" o quê?
– Ir embora. – Finalizou, dando as costas para ele e indo embora. Desta vez, sem olhar para trás.
A frieza na voz dela o fez ficar paralisado, sem conseguir falar uma palavra sequer, mesmo que quisesse falar tantas coisas, enquanto observava ela se afastar.
*****
– Eleanor! Aí está você! – Ron ergueu as sobrancelhas, ao ver a garota se sentando ao lado deles, na mesa da Grifinória. – Eu estava dizendo, agora mesmo, que deveríamos ir lá te visi...
– Que cara é essa? – Hermione franziu o cenho, preocupada. – Parece que você viu um fantasma...
– Tem vários fantasmas pela escola, não é? – Eleanor ironizou, enquanto escolhia uma rabanada. – Deve ter sido isso. – Deu de ombros.
– Você sabe o que eu quis dizer! – Inclinou a cabeça pro lado.
– Bem, ela acabou de sair da ala hospitalar... – Harry sugeriu. – Está se sentindo bem mesmo, Eleanor?
– Nunca estive melhor. – Mentiu, forçando um sorriso e dando uma mordida na rabanada escolhida.
Mesmo que os três não tivessem acreditado no que ela dizia, preferiram ficar em silêncio e continuarem á comer em silêncio. Eleanor estava perfeitamente bem com isso, até o momento em que Harry estendeu a mão direita através da mesa, para pegar a jarra de suco de abóbora, e ela jurou ter enxergado alguns cortes nas costas de sua mão.
– Harry, que é iss... – Ela o pegou pelo pulso, mas ele escondeu a mão, rapidamente, ficando pálido.
– Aquelas plantas da Sprout... acho que me deram alergia. Não paro de coçar, acabei me arranhando... – Se explicou, mas nem sequer olhou nos olhos dela ao dizer isso.
Hermione estava ocupada demais, escondida atrás do seu exemplar do Profeta Diário daquele dia, então não havia prestado atenção. Eleanor olhou para Ron, confusa, e ele também desviou o olhar, a fazendo desconfiar, mais ainda, de que algo estava errado.
No entanto, preferiu continuar em silêncio, fingindo acreditar na ridícula desculpa que Harry havia inventado.
– Alguma coisa interessante aí, Mione? – Ela mudou de assunto, enquanto colocava um pouco de café em uma xícara.
– Por enquanto, nada sobre vocês, nem Dumbledore... – Ergueu o olhar para ela e negou com a cabeça. – Mas ainda faltam algumas páginas. – Franziu o cenho e, novamente, sumiu atrás do jornal.
Harry, em uma tentativa falha de manter a conversa longe do que seja lá que tivesse acontecido com suas mãos, começou á falar sobre o teste de Quadribol do time da Grifinória, que aconteceria naquela tarde, mas Eleanor não escutava uma palavra sequer.
– Eleanor, você quer aparecer por lá, então? – Ron perguntou, e ela olhou para ele, perdida.
– Aonde? – Ela piscou algumas vezes.
– Pro teste de Quadribol! – Ele balançou a cabeça. – Harry vai estar na detenção, e Hermione vai estar adiantando os deveres... pensei que você fosse querer aparecer por lá.
– Claro... vou tentar assistir. – Sorriu fraco, e ele balançou a cabeça, entusiasmado.
Desviando o olhar, ela sabia que não queria fazer isso, e resistia bravamente aos impulsos, mas de alguns em alguns segundos, olhava para a mesa da Sonserina, na direção de Draco, que também a olhava, com um olhar pesaroso no rosto. Quando ela desviava o olhar, irritada, sempre acabava o olhando novamente.
Ficando um tanto inquieta com isso, decidiu, então, apressar os outros, enquanto se mexia, desconfortável, no assento.
– Tem certeza de que você está bem? – Harry murmurou, a encarando, de cenho franzido.
– Tem certeza de que isso na sua mão é uma alergia? – Ela retrucou, e ele pareceu sem palavras por alguns segundos, antes de se virar de volta pra seu copo de suco. – Foi o que eu pensei. – Revirou os olhos e desviou o olhar, decidindo olhar para a saída do Salão Principal, como se fosse muito interessante.
Ron foi o último á terminar de comer, e quando ele finalizou sua xícara de café, os quatro se levantaram e andaram em direção ao corredor. Propositalmente, Eleanor ficou alguns passos para trás, e quando chegaram na metade do corredor, puxou Harry pelo colarinho da blusa.
– Mas que... – Ele grunhiu, assustado. – O que é?! – Se virou para ela, fazendo careta.
– Você não me engana. – O lançou um olhar feio, enquanto o pegava pelo pulso e puxava sua mão para perto do rosto dela, tentando ver, com clareza, o que eram os arranhões.
Para seu choque, não eram apenas cortes. E sim, palavras cravadas nas costas da mão de Harry. "Não devo contar mentiras", era o que dizia. De primeira, não compreendeu o que era que estava olhando. Lentamente, a expressão em seu rosto foi de confusão para completo nojo e raiva.
– Não surta! – Harry arregalou os olhos, vendo o rosto dela se contorcer. – Por favor...
– Que merda é essa?! – Sacudiu a mão dele, irritada. – O Ron disse que ela só estava fazendo você escrever! – Franziu o cenho.
– Ele também não sabia. – Murmurou, puxando sua mão de volta, a escondendo atrás de si. – Não ficavam as marcas antes, mas ontem, elas não sumiram.
– "Antes"? – O encarou. – Desde quando isso têm acontecido?!
– Não se preocupa com isso, tá bem? – Respondeu, evasivo, e desviou o olhar. – Hoje é o último dia, e eu tenho aguentado muito bem, então, por favor, finja que não sabe de nada!
– Harry. – Disse, muito séria. – Responda minha pergunta.
Silêncio.
– Eu não vou falar de novo. – Cruzou os braços, enquanto batia os pés, impaciente.
Sem saída, Harry, lentamente, e em voz baixa, a contou o que vinha acontecendo desde a terça-feira; a pena mágica de Umbridge, ela falando que "ele sabia que merecia ser punido", as horas á fio que ele passava, cortando a própria mão, de novo, de novo, e de novo. Quando ele acabou de falar, o rosto de Eleanor estava completamente vermelho, como se pudesse soltar fumaça pelos ouvidos, e ele podia jurar que seus olhos estavam marejados. Os lábios dela, formando uma fina linha, tremiam de forma que seu queixo também parecia tremer.
– Ela vai se ver comigo. – Ela grunhiu, dando passos pesados na direção contrária de Harry. Com o olhar em seu rosto, qualquer um diria que ela estava prestes á cometer algum crime, e, francamente, era isso que ela tinha em mente. – Aquela vaca nojenta... – Resmungou, consigo mesma.
– Eleanor! – Harry se apressou para alcançá-la. – O que é que você pensa que vai fazer?
– Falar com a McGonagall, o que é que você acha?! – Retrucou, sem desacelerar os passos nem por um segundo. – Quero ver se aquela cara de sapo não vai ser chutada pra fora da escola... eu mesma faço isso se for preciso! Chuto ela e o canalha do Fudge!
– Não vai, não! – Ele deu uma pequena corridinha, parando na frente dela, impedindo sua passagem. – Eleanor, vê se me escuta! Você está surtando! – A segurou pelos ombros.
– Surtando?! – O encarou, com o rosto contorcido. – Isso é TORTURA, Harry! Ela está te torturando, aquela doente!
– E eu não vou dar á ela o prazer de saber que está funcionando! – Ergueu as sobrancelhas, a sacudindo. – O que é exatamente o que vai acontecer, se falarmos com a McGonagall! E, além do mais, nós nem sabemos se ela tem algum poder contra a Umbridge!
– Oras! Nós falamos com o Dumbledore, então! – Deu de ombros, com a voz falhando, mas a expressão no rosto de Harry dizia que ele também não planejava fazer isso. – Você não pode possivelmente achar que nós deveríamos ficar calados?!
– Ela não pode saber que est...
– Eu não vou deixar outra torturadora sair impune! – Levantou a voz, o empurrando com uma força anormal, fazendo com que ele a soltasse.
– Está vendo? É por isso que eu não queria que você soubesse! – Ele bufou. – Não é Umbridge quem você quer pegar! É o Lucius Malfoy!
– Não é sobre isso! – Ela mentiu, engolindo em seco. – E mesmo se fosse, qual o problema? Matamos dois pássaros com uma só pedra!
– Não! – Negou com a cabeça. – Você tem outras coisas pra se preocupar, e eu não vou deixar você se envolver nisso também!
– Você não decide isso por mim!
– Só... fica fora disso, tá bem? – Respirou fundo. – Eu estou bem. É sério. Hoje é o último dia, afinal...
– O Dumbledore pode ajudar...
– Não. Ele já está ocupado demais. – Disse, com certa acidez em sua voz. – Eu falo com você depois. – Sorriu, desanimado, e voltou á andar na direção em que Ron e Hermione foram.
Eleanor mordeu a própria língua, enquanto tentava controlar a própria respiração. Simplesmente não podia deixar aquilo passar batido. Não podia deixar Dolores sair impune. Estava torturando alguém. Um amigo de Eleanor. E sequer havia precisado da maldição Cruciatus para isso.
Por sorte, não havia feito nenhuma promessa de não se envolver.
*****
As primeiras aulas do dia se passaram normalmente, exceto pelo fato de que Hannah e Susan deram uma pausa no plano de "se afastarem" para checarem em Eleanor. Ernie e Justin não haviam as contado exatamente o que havia acontecido no teste de Quadribol, então, quando Summerby e Sam contaram para seus respectivos amigos e, rapidamente, toda a escola ficou sabendo, elas precisaram confirmar se era verdade.
Hannah, particularmente, achou burrice se arriscar daquela forma, e Susan concordou, por mais que, no fundo, achasse um tanto heróico. Eleanor, no entanto, concordou que havia sido um tanto impulsiva. Mas Sam estava bem, e era isso que ela queria, no final.
Ela tinha a leve impressão de que grande parte da razão pela qual decidiu tomar para si o papel de cuidar dos primeiranistas era pelo fato de eles terem idades próximas á da sua irmã mais nova. As duas eram extremamente unidas, mas Eleanor sentia falta de poder passar seus dias com a irmã, em casa.
No fundo, temia que Amy passasse, na escola de Smeltings, o mesmo que ela passou, antes de entrar para Hogwarts. Crianças poderiam ser realmente maldosas, e o pensamento de não estar lá para ajudar a irmã a amedrontava profundamente. Então, para compensar a sensação ruim, decidiu, inconscientemente, tomar conta dos primeiranistas, já que, eles, pelo menos, ela poderia proteger.
Depois do segundo tempo de História da Magia, os alunos tinham por volta de trinta minutos antes da próxima aula, que seria Transfiguração. Eleanor ainda tinha uma pilha de deveres para fazer, incluindo uma tarefa de Astronomia, a qual ela estava deixando para pedir a ajuda de Helena, já que era sua matéria preferida. No entanto, decidiu fazer outras coisas com seus trinta minutos livres.
Conhecia o trajeto até a sala de Defesa Contra as Artes das Trevas como a palma de sua mão; apostava que, mesmo se a jogassem em qualquer corredor do castelo, ela poderia encontrar seu caminho até lá. Havia ficado apenas um ano letivo no cargo de assistente da matéria, é claro, mas havia ido e voltado o suficiente para ter todos os trajetos possíveis gravados profundamente em sua memória.
– Eleanor! – Ayaan surgiu ao lado dela, com Damien ao seu lado. – Eu ouvi sobre o que aconteceu no seu treino... mas presumo que já tenha melhorado?
– Estou bem. – Respondeu, evasiva.
– Foi bem corajoso, o que você fez. – Damien comentou, erguendo as sobrancelhas. – Levou a tarefa dos monitores de "cuidar dos primeiranistas" bem á serio. Eu sei que eu não faria o mesmo.
– É, que bom que ele não se machucou. – Colocou seu melhor sorriso no rosto, mesmo que não fosse genuíno.
– Está tudo bem? Você parece... – Ayaan franziu o cenho, e percebeu que precisava dar uma caminhada para conseguir acompanhar os passos pesados de Eleanor.
– Apressada? Estou. – Disse. – Foi bom ver vocês. Até depois. – Acenou com a cabeça e desatou á andar ainda mais rápido, os deixando para trás, um tanto confusos.
– Ela é assim normalmente? – Damien franziu o cenho, vendo o longo cabelo dela sacudir com a velocidade de seus passos, até sumir de vista.
– Não. – Ayaan negou com a cabeça, a observando também.
– Que bicho mordeu ela? – Fez careta.
– Não sei. – Deu de ombros. – Só sei que coisa boa, ela não está aprontando... – Suspirou, cruzando os braços.
Enquanto isso, Eleanor se esquivava das dezenas de alunos, andando pelos corredores, enquanto tentava chegar até a sala de DCAT. Em dois minutos, já estava parada em frente á enorme porta dupla, de madeira.
Sua educação falou mais alto, por alguns segundos, quando ela ergueu a mão para bater na porta. Mas, então, percebeu que Umbridge não merecia nem isso, e a abriu, com certa agressividade. Era uma madeira muito envelhecida, e ela tinha certeza de que, se a empurrasse com um pouco mais de força, a maçaneta cairia.
A sala, é claro, estava vazia. Umbridge não estava ali, mas seu perfume, extremamente semelhante á naftalina, ainda pairava no ar, fazendo seu estômago se revirar. Na lousa, estava escrito: "A teoria da Magia, de acordo com Wilbert Slinkhard", a fazendo revirar os olhos.
Por alguns segundos, estava tão tomada pela raiva, que mal pensou em olhar na direção em que o escritório de Umbridge ficava. Era uma sala no topo de uma pequena escadaria, e ela se sentiu um tanto entristecida pelo fato de aquela sala, um dia, ter pertencido á Lupin, e agora, estar nas mãos daquela... coisa.
Ao concluir que as luzes estavam acesas lá dentro, avançou em direção aos degraus com tanta pressa, que sentiu o ar fazer seu robe balançar. Subiu cada um deles, tomando cuidado para que não fizesse barulho. Não queria dar á ela tempo de se preparar.
Com a mesma agressividade com a qual abriu a porta da sala de aula, entrou no escritório de Umbridge. Por alguns segundos, jurou ter ficado cega com a quantidade de rosa que seus olhos encontraram.
É claro, não podia falar muita coisa sobre ambientes cor-de-rosa; seu quarto, em Bloomsbury, era quase que completamente rosa. Teve uma fase, quando mais nova, em que era obcecada por qualquer coisa rosa, e, já que não passava muito tempo em casa, de qualquer forma, nunca teve vontade de mudar. Mas aquilo... aquele escritório... era demais.
Quando a sala pertencia á Lupin, era um ambiente extremamente aconchegante; assentos e móveis em tons terrosos, algumas estantes e cortinas avermelhadas. Passava grande parte de seus dias lá, com prazer. Quando pertenceu á Moody, era escura, cheia de bugigangas e artefatos contra bruxos das trevas, que, depois de descobrir que o próprio "Moody" era um bruxo das trevas, ela presumiu que não funcionassem muito bem.
O ambiente estava irreconhecível; a escrivaninha estava coberta por um tecido de crochê, e as poltronas, por rendas. Vários vasos de flores secas espalhados pelos cantos, as cortinas rosa choque, e ela jurou ouvir alguns miados.
No entanto, não pôde observar os detalhes da sala por muito tempo, pois Umbridge, sentada atrás da escrivaninha, de frente para a porta, havia erguido o olhar, e lançava um sorriso cínico para Eleanor.
– Srta. Sparks. – Deu uma risadinha. – É ótimo vê-la por aqui.
– Ah, é? – Eleanor ergueu as sobrancelhas, irônica.
– É claro. Se bem que... – O sorriso dela diminuiu por alguns segundos, dando lugar á uma expressão forçada de preocupação. – ...os outros professores falam tanto sobre sua educação e seus modos... eu esperava que você fosse bater, antes de entrar. – Lamentou, e Eleanor, sentindo a alfinetada, estreitou os olhos.
– É uma emergência. – Disse, tentando, com toda sua força, não transparecer sua raiva.
– Ah, mas é claro. – Ela soltou a pena que segurava, voltando toda sua atenção para ela. – Por que não se senta?
– Não quero. – Negou com a cabeça. – Eu queria saber se torturar os alunos faz parte desse "novo programa de estudos" do Ministério? – Indagou, cruzando os seus braços atrás de si, erguendo as sobrancelhas para Umbridge, cujo sorriso vacilou, e ela jurou ter visto uma das pálpebras da mulher tremer.
– Eu sinto muito, querida?
– Você me ouviu. – Franziu o cenho. – É parte do programa do Ministério, ou é só um hobbie seu? Você gosta de torturar menores?
Umbridge, lentamente, guardou sua pena, dobrou o pergaminho no qual anotava, e, vestindo seu melhor sorriso, se levantou de sua cadeira e deu passos lentos na direção de Eleanor. Ela suspeitou que a mulher estivesse ganhando tempo para pensar em algo para dizer.
– Eu sei o que está acontecendo... – Ela suspirou, olhando para Eleanor com uma expressão de pena no rosto. – Me disseram que isso viria á acontecer, em relação á você... mas eu não imaginei que fosse ser tão preocupante...
– O quê?! – Contorceu o rosto ao sentir o perfume de naftalina se aproximando dela.
– Eu não sei o que você pensa que sabe, Eleanor... mas eu garanto que não é tão grave quanto você pensa. – Balançou a cabeça, tentando a tranquilizar. – É comum, para vítimas de tortura em condições como as suas, para terem sintomas fortes de paranóia, mas eu te garanto, Eleanor... ninguém quer te machucar. Você pode dormir tranquila. – Sorriu, abertamente, e colocou uma de suas mãos enrugadas no ombro de Eleanor.
– Do que você está falando?! – Tirou a mão dela de seu ombro, com a respiração descompassada. – É claro que é grave! Você está torturando alunos nas suas detenções, não tente me convencer do contr...
– Ah, as detenções. Você deve estar falando do Sr. Potter. – Ela sorriu mais ainda, vitoriosa, e Eleanor se calou, percebendo que havia a dado exatamente a informação que ela queria. Havia sido manipulada. – Bem, eu não sei o que ele te falou, Eleanor, mas você já deve saber que Potter têm um histórico de mentiras...
– Não tem. – A interrompeu, ainda um pouco desconcertada. – Ele não está mentindo! Eu estava com ele e...
– Memórias podem ser alteradas. – Afirmou, seu sorriso inabalável. – Você está sendo manipulada por ele, Eleanor... as memórias, e, agora, essa mentira sobre tortura... está claro que ele te falou isso para mexer com seu psicológico!
– Para com isso! – A encarou, com o rosto contorcido. Estava extremamente chocada com a manipulação que estava presenciando. Não estava funcionando, é claro, mas estava conseguindo a deixar abalada o suficiente para não conseguir argumentar.
– Ah, pobrezinha... você parece exausta. – A olhou com as sobrancelhas curvadas, numa expressão forçada de preocupação. – Que tal eu te dar um bilhete para ser liberada das próximas aulas, e você poder descansar? – Balançou a cabeça, enquanto andava de volta á sua mesa, se sentando em sua poltrona.
– Eu não quero. – Negou com a cabeça, pigarreando, tentando voltar ao normal. – Eu não vim aqui pra ser liberada, eu vim aqui pra...
– Que tal até o final da tarde? – Ergueu o olhar para ela, enquanto anotava algo em um de seus pergaminhos cor-de-rosa.
– Eu não...
– Será ótimo, não é? – Deu uma risadinha meiga, assinando o pergaminho e o dobrando ao meio. – Fique sabendo, Eleanor, que meu escritório e minha sala de aula são lugares seguros. Suas memórias, certamente, foram alteradas, mas caso você tenha flashbacks de suas memórias verdadeiras, venha me procurar...
– Minhas memórias não foram alterad...
– Aqui, neste pergaminho, tem uma permissão para você ser liberada pelo resto do dia, e, já que não está se sentindo bem, permissão para Madame Pomfrey te dar as Poções Restritas. – A entregou o pergaminho, e, novamente, colocando sua mão no ombro dela, a guiou até a porta. – Não se esqueça: não seja manipulada por terceiros.
"Você já está me manipulando, sua cobra velha...", ela pensou, consigo mesma, mas estava em um estado de choque tão profundo, que mal pôde dizer algo enquanto era, praticamente, expulsa do escritório de Umbridge. Só conseguiu se mexer novamente quando a porta se fechou, atrás dela.
Não havia sido manipulada. Ainda tinha total certeza de que ela havia feito tudo aquilo pois tinha certeza de que os rumores sobre a instabilidade mental dela eram verdadeiros; qualquer pessoa com sérios problemas psicológicos e suspeitas de insanidade acreditaria em palavras meigas e de preocupação. Mas ela não contava com a criação de Daisy Sparks.
Daisy, sendo formada em psicologia e pedagogia, criava Eleanor e Amy da forma mais aberta e comunicativa possível; sempre ensinou as duas, principalmente Eleanor, á reconhecerem os sinais de manipulação, e Umbridge havia marcado todas as caixinhas, em menos de dez minutos. Chester sempre achou um exagero, mas, agora, os ensinamentos estavam sendo bastante úteis.
No entanto, mesmo com Dolores não tendo sucesso em manipular Eleanor á acreditar que era Harry quem estava tirando proveito de seus traumas, e não a própria Dolores, ela ainda havia conseguido chocá-la o suficiente para ficar sem palavras. Nunca havia conhecido alguém tão cinicamente desprezível, que fizesse seu estômago se embrulhar.
Quando decidiu ir tirar satisfação com Umbridge, Eleanor esperava alguma discussão, ou que fosse tratada da mesma forma que Harry foi tratado durante a aula. Havia se preparado para isso, que era o que ela considerava o pior cenário. Mas não havia imaginado que seria tratada como um bebê, como uma pessoa instável, e, sinceramente, aquilo era bem pior.
Sempre foi considerada uma das melhores alunas de sua turma, tinha habilidades de fala incríveis para sua idade, e era extremamente sociável, o que apenas piorou a dor de ouvir alguém falando com ela como se falasse com uma criança de cinco anos.
Na verdade, havia reparado esse padrão da parte dos outros; desde que saíram do Largo Grimmauld, a maioria das pessoas que encontraram, falaram com ela com certa condescendência em suas falas. Seja falando lentamente, e mais alto do que o normal, ou seja a tratando como se o mínimo movimento fosse o suficiente para engatilhar um surto de insanidade. E aquilo a matava por dentro.
Não via a hora de tudo ser esclarecido, e as pessoas, finalmente, a verem como ela era antes, mas, ao mesmo tempo, sabia que esse dia não estava nem perto de chegar, e, sinceramente, não tinha idéia de quanto tempo mais aguentaria.
De início, enquanto voltava á andar pelos corredores da escola, pensou em rasgar o pergaminho de Umbridge, e ir para as aulas, normalmente. Sabia que aquilo era uma tentativa dela de tentar a subornar; "Se manter a boca fechada, te libero das aulas". Ou, então, era uma tentativa de mantê-la afastada dos outros, para não causar problemas. Mas, enquanto pensava sobre o modo que havia sido tratada, mal percebeu que estava chorando até seus soluços começarem á ecoar.
Todos os alunos já estavam voltando para suas aulas, então ela estava sozinha no corredor, a dando a oportunidade de se encostar contra a parede e deslizar até cair, sentada, no chão. Com o pergaminho cor-de-rosa amassado em sua mão, ela encostou a testa no próprio joelho, abraçada ás próprias pernas, sentindo como se as paredes á sua volta estivessem se fechando.
– Está tudo bem, pode chorar. – Uma voz fina soou ao lado dela, a assustando, e ela ergueu o olhar para encontrar Luna, ao lado de Isaac, que arregalou os olhos ao reconhecê-la.
– Eleanor, é você! – Ele franziu o cenho. – O que houve? Você passou mal?
– Ela só está chorando. – Luna o tranquilizou. – E faz bem chorar, ás vezes. Tem pessoas que dizem que chorar lava a alma...
– Eu estou bem... – Ela fungou, constrangida, se levantando do chão. – Vocês não estão na aula...
– Nos atrasamos, na verdade. – Luna afirmou. – Isaac estava terminando de desenhar uma paisagem, e eu não quis atrapalhar. – Sorriu fraco, e ele desviou o olhar, envergonhado.
– Vocês não querem se atrasar mais, então... – Forçou um sorriso, se afastando deles. – Até depois. – E se apressou para voltar para o dormitório. Iria aceitar o suborno de Umbridge, mas, ainda assim, não ficaria de boca fechada. Só precisava de um tempo.
Não queria ir para o dormitório; se sentia extremamente isolada lá, mas, também, não é como se tivesse outros lugares para ir, do jeito que estava.
Daria tudo por uma xícara de chá feita por Hagrid, mas não fazia idéia de onde ele estava. Queria poder se reunir de Lupin enquanto o ajudava á corrigir os trabalhos dos mais novos, mas ele não estava mais lá. Não podia contar para Hannah, Susan, Ernie e Justin o que havia acontecido, e todos os outros que poderiam saber sobre o assunto, estavam ocupados com as aulas. Enquanto chorava até adormecer, percebeu que nunca se sentiu tão sozinha e indefesa.
De fato, não havia sido manipulada. Mas Umbridge havia conseguido algo muito pior: a abalar.
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