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História Crime e Recompensa - Uma difícil despedida - História escrita por BiadeAsa - Spirit Fanfics e Histórias
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História Crime e Recompensa - Uma difícil despedida


Escrita por: BiadeAsa

Notas do Autor


Um capítulo incrivelmente curto para os meus padrões hahaha

Capítulo 34 - Uma difícil despedida


Emily

Precisei acordar cedo neste dia para conversar com alguns professores sobre minhas notas nas últimas provas. Apesar de eu ter tirado uma média alta em quase todas as disciplinas, ainda tinha algumas avaliações com resultado pendente, e eu queria resolver essas questões antes do recesso do final do ano, e consequentemente o encerramento do semestre.

Fui para a secretaria e fiquei lá por meia hora dialogando com poucos professores e explicando minha situação de maneira clara para que não lhe tomasse muito do seu tempo, eu sabia que eles ainda tinham outros alunos com dependência para direcionar seu foco, e meus problemas não eram tão grandes assim para alugá-los o dia todo.

Quando saí da sala, decidi dar uma volta pelo campus, e aproveitando que não havia muitos alunos ali já que não era um dia de aulas normal, eu passei próxima a entrada observando a neve cobrir o asfalto e a calçada, e um número muito menor de pessoas lá fora do que aqui dentro.

Não sei se por coincidência boa ou ruim, eu encontrei o George a poucos metros do portão principal. Eu desviei os olhos porque temia que o contato visual o deixasse desconfortável pelos nossos últimos encontros não terem sido os melhores, e também porque queria evitar qualquer interação com ele que pudesse terminar em uma conversa dolorosa e meu coração entristecido pela sua grosseria.

Mas não prestar atenção nele não foi o bastante, ele caminhou na minha direção, parecia intencionado a falar comigo essa manhã.

— Oi, Emily — ele disse quando já estava perto o suficiente. Eu olhei para ele esperando que me explicasse o porquê de estar falando comigo. — Podemos conversar?

Ele não estava exaltado, muito pelo contrário, seu tom de voz era calmo e seu olhar cabisbaixo. 

Em uma das minhas conversas com a Sue, ela havia dito que eu tinha o coração muito mole e me deixava levar pelas emoções alheias muito facilmente. Acho que ela estava certa, porque cedi assim que George me solicitou atenção. 

Ele caminhou um pouco mais para o lado a fim de que saíssemos do caminho das outras pessoas indo e vindo e continuamos de pé, frente a frente.

 — Quer falar o que comigo? — perguntei ainda um pouco receosa do rumo que aquela conversa poderia tomar.

— Você está bem?

— George, se você veio aqui implicar comigo…

— Não, Emily, juro que não é isso. Eu quero conversar de verdade, não quero brigar — ele parecia estar sendo verdadeiro com as suas palavras, mas não sabia se poderia confiar inteiramente.

— Então diga o que tem para dizer — eu pedi cruzando os braços, mas com certeza a minha postura não transmitia nenhuma intimidação, eu não sabia fazer essas poses, não como a Sue. Eu já havia notado como o George ficava assombrado toda vez que minha namorada se aproximava.

— Emily, eu fui um idiota — ele começou, e eu não estava esperando aquela primeira frase. — Eu me senti muito péssimo durante semanas por ter brigado com você a troco de nada. Na verdade eu estava com ciúmes, porque você sempre foi a minha melhor amiga e de repente paramos de nos falar como antes e você começou a andar mais com a Sue. Eu me senti de certa forma trocado, mas sei que isso não justifica todo o meu preconceito e as palavras ruins que eu te disse. — Fez uma pausa para olhar para mim, tentando captar alguma reação minha, mas eu não tinha nada a demonstrar, queria que ele terminasse seu relato. — Me desculpa, Emily, eu fui péssimo, não fui um bom amigo, mas prometo que tentarei te compensar por todo esse estresse. Se você me perdoar, é claro.

Eu não sabia o que dizer. Não vou negar que aquele pedido de desculpas foi tudo o que eu mais quis ouvir durante muitos dias logo depois que ele fez um escândalo comigo sobre a Sue, mas agora eu não sabia muito bem se poderia voltar a confiar nele.

Ele tinha razão ao dizer que sempre fomos melhores amigos, mas me pergunto se hoje em dia essa relação já não tenha passado por tantas mudanças — principalmente da minha parte — que nos desgastamos e não damos mais tão certos juntos como antes.

Porém, também não fazia parte da minha essência magoar as pessoas, por mais que às vezes eu quisesse fazer de propósito quando me sentia ferida, eu não conseguia. Eu chateava os demais sem querer muitas vezes e isso já era o suficiente para me deixar péssima, não tinha como fazer intencionalmente sem me sentir mal.

— George, acho que eu preciso pensar um pouco — eu falei. — Mas agradeço por ter vindo conversar comigo, me alivia bastante saber que está arrependido.

— Sim, Emily, eu estou. E entenderei se não puder me perdoar. Tenha o tempo que precisar.

Aquele era o George que eu havia conhecido anos atrás e feito amizade, gentil e compreensível, não o bruto estúpido que havia se apresentado no último mês. Ele ter ido me pedir desculpas me deixou feliz, mas, como bem pensei desde o começo, é bom ir com cautela se desejo mesmo restaurar essa amizade.

— Eu estava pensando — ele continuou a falar —, você quer passar o natal comigo e minha família? Agora que você saiu de casa, imagino que seus pais devem estar aborrecidos, eles sempre foram bem duros com você.

Fiquei um pouco pensativa com essa proposta que não estava no meu roteiro. George tinha razão quanto a essa parte, eu não sabia onde passaria o natal esse ano, mas com certeza não seria na casa dos Dickinson.

— Ah, entendi — ele disse, percebendo minha reflexão. — Você deve estar planejando passar esse dia com a sua namorada, não é?

Eu quase sorri ao escutá-lo finalmente se referir a Sue como minha namorada e não adjetivos ruins.

— Eu ainda não sei, na verdade. Mas vou considerar o seu convite, agradeço.

George se animou com a minha não recusa imediata, levantou um sorriso no rosto e já estava quase abrindo a boca para falar mais alguma coisa quando de repente seus olhos pararam em algum ponto atrás de mim e ele pareceu alarmado, quase como se tivesse visto um fantasma.

— Emily, obrigada por ter conversado comigo, mas agora eu preciso ir. Tchau.

E saiu de perto de mim completamente nervoso, me deixando confusa.

— Emily — escutei uma voz me chamar.

Me virei na direção de onde veio e, para minha grande surpresa, era a Sue. 

Fiquei boquiaberta pois não imaginava encontrá-la ali nesse horário, e então sorri, feliz com a sua chegada.

— Sue! Que bom te ver. Estava esperando uma mensagem sua, mas te ver pessoalmente é muito melhor.

Ela nada disse, apenas me puxou para mais perto e me envolveu em um abraço bastante apertado. Fiquei um pouco confusa inicialmente, mas a correspondi, abraçá-la nunca era demais, eu amava receber seu carinho, ainda mais quando ele era longo e contínuo.

Ainda me abraçando, ela falou próximo ao meu ouvido:

— Emily, vamos embora daqui.

Devagar, desfiz nosso abraço e olhei nos seus olhos buscando entender o que ela queria me dizer com isso.

— Como assim? Para onde? Você quer ir a algum lugar?

Ela estava impaciente, parecia inquieta, então me segurou mais perto de si e falou novamente para que eu a entendesse:

— Emily, vamos fugir. 

— O quê? Sue, você está bem? Se está querendo que eu saia da faculdade pra dar uma volta com você, tudo bem, só preciso…

— Você não está entendendo — ela me pressionou, séria. — Eu disse que aceito fugir com você. Não foi isso o que propôs na noite em que dormimos juntas? Eu achei que era bobagem naquela hora, mas agora eu quero mais que tudo ficar contigo e ir para bem longe daqui.

Se eu havia ficado surpresa com a sua chegada antes, agora eu estava muito mais.

Havia me convencido de que aquela proposta foi um absurdo e a Sue nunca cogitaria dizer sim para uma loucura dessas, mas agora, com ela cara a cara comigo me olhando nos olhos e dizendo sem o menor intuito de piada que queria estar ir comigo para qualquer lugar, eu não titubeei nem pensei em negar sua aceitação. É claro que eu fugiria com ela, sem a menor dúvida, faria isso sem arrependimentos, seria o melhor para ela e para mim também. Estar com a Sue se tornou minha prioridade depois que tudo o que eu pensei ter como solidez na minha vida se quebrou e eu me vi entregue a tantas incertezas que meu único conforto e segurança era a minha namorada.

— Sue, vamos conversar no meu quarto, é melhor.

Ela não fez objeção, eu segurei sua mão e juntas fomos na direção dos dormitórios. Estava sentindo muitas coisas ao mesmo tempo agora, mas precisávamos colocar a cabeça no lugar e debater esse assunto melhor. Eu estava pronta para fugir com ela, mas faríamos isso da melhor maneira possível, sem chances de sofrermos nenhuma interrupção.

Quando chegamos no meu quarto, Sue começou a falar como se estivesse por um fio de ter um colapso nervoso caso continuasse a guardar tudo para si:

— Nessa madrugada o assalto ao banco não deu muito certo. A Máfia conseguiu roubar um bom dinheiro dos Dickinson, mas não tudo, fomos interceptados pela polícia durante o furto. 

Ao escutar a palavra “polícia” eu comecei a ficar nervosa.

— Prenderam alguém? Estão te procurando? Você é uma foragida agora?

— Calma, Emily. Trocamos tiros com os policiais, mas eles não prenderam ninguém. E foragida eu sempre fui, e não é com a polícia que eu me preocupo desde muito tempo.

— Alguém morreu? — eu perguntei com um pouco de medo, não sabia se gostaria da resposta.

— Sim, mas ninguém da minha família. Mas eu quase fui ferida.

Minha preocupação aumentou três vezes mais ao ouvir isso.

— Quase ferida? Como assim?

Sue soltou um suspiro triste e pareceu arrependida de ter falado isso, aposto que ela queria esconder de mim, mas disse sem querer. Não gostava quando ela preferia o silêncio do que me contar o que estava acontecendo.

Ela pegou uma cadeira para se sentar e eu continuei de pé, encostada na parede, esperando ela se explicar.

— Meu pai tentou me matar — ela falou sem olhar para mim, encarava o chão e pude sentir a dor na sua voz. — Ele atirou na minha direção, mas não acertou em mim porque tive sorte. Só não sei até quando. Emily, eu nunca mais vou voltar para aquela casa.

Finalmente mirou o meu rosto e pude ver seus olhos vermelhos prestes a chorar. Ela estava com raiva, e com toda a razão, eu mal podia imaginar como era ter sua vida atentada pelo próprio pai, mas ela também estava triste, visivelmente chateada pelas coisas estarem acontecendo do jeito que estão.

Ela aceitou fugir comigo, o que significava que já estava machucada demais para continuar, ela queria desistir dos seus problemas mas sem desistir de si mesma, e ir embora era a única solução que não envolvia sua morte ou a retirada total da sua liberdade, e eu estava grata por ela escolher fazer isso comigo. 

— Eu não vou mais ser o alvo do meu pai — ela disse. — É por isso que vim até aqui. Se a situação fosse outra eu procuraria outros meios para resolver, mas eu vejo que não existe nenhum que não me machuque, então sim, Emily, eu vou fugir com você pra bem longe daqui.

— Agora? — eu perguntei ainda abismada com o tamanho da sua certeza quanto a isso.

— O quê? Não! Agora não. Precisamos nos planejar melhor. Eu vou dar um jeito de me esconder até o final dessa semana, vou arranjar dinheiro por conta própria e volto para te buscar. Mas… Emily, você está certa que quer fazer isso comigo? Porque se não quiser eu entendo, não quero te colocar em perigo, eu posso pensar em outra coisa ou…

— Sue, eu quero ir — afirmei sem nenhum resquício de dúvida na voz e caminhei na sua direção. — Tudo o que eu mais quero nessa vida é continuar escrevendo poesias e estar com você. E se acha que eu não tenho coragem, saiba que eu nunca ficaria aqui pela minha família, eles nunca fizeram muita questão de mim mesmo, acho até que agradeceriam se eu sumisse da vida deles. Eu só preciso me despedir da Vinnie.

Essa era uma questão dolorosa. Eu queria ir embora, sabia que não tinha muito pelo que ficar, mas sentiria saudade da minha irmã. A ideia de deixá-la para trás chegava a ser insuportável, mas ao pesar na balança os prós e contras  dessa minha atitude, eu tenho cada vez mais certeza que devo ir. E se algum dia Lavinia descobrir o que fiz, sei que ela me perdoaria e me entenderia.

— Ai, meu Deus, Emily, as nossas irmãs. — Sue passou a mão pela testa, demonstrando uma preocupação maior ainda. — O que eu vou fazer com a Mary? Vai ser ruim deixá-la aqui sozinha nas mãos do pai.

— Meu amor, relaxa um pouco, você teve uma noite difícil. Nós podemos voltar para buscá-la algum dia quando estivermos com maior estabilidade — eu tentei confortá-la fazendo carinho no seu braço.

Sue me encarou por quase um minuto completo, parecia pensativa e eu fiquei em silêncio para não interromper sua reflexão. Seja qual for a sua decisão final, eu quero que ela a faça racionalmente, sem pressão da minha parte, eu estaria ali para apoiá-la independente do que me diga.

— Precisamos de planejamento — ela disse, por fim. — Me dê uma semana para eu resolver umas coisas e nós vamos. Podemos ir para outro estado, passar uns tempos e quando as coisas se acalmarem por aqui você poderá voltar para visitar a sua irmã e mandar notícias minhas pra Mary até eu ter condições de tirá-la daqui também. Pode até voltar a ver aquele seu amiguinho George — ela finalizou não muito à vontade com essa última ideia, me fazendo rir. — Percebi que ele está tentando se aproximar de novo.

— Ele está se esforçando, ok? E não precisa planejar todos os meus próximos passos, vamos dar um de cada vez.

— Eu só não quero que se sinta presa a mim, não quero te tirar a sua liberdade, quero que tenha uma vida normal, mesmo eu não podendo ter.

Ela estendeu uma mão na minha direção e eu a segurei com força. Sabia que nada disso estava sendo fácil para ela, também não era para mim, mas eu jamais a deixaria sozinha.

— Sue, eu estou disposta a fazer tudo isso dar certo com você. Juntas nós vamos conseguir cuidar uma da outra e ser feliz longe daqui. É só o que me importa. Eu, você, e o nosso gato Liam, porque nós vamos adotar um, se lembra?

Ela riu e se levantou da cadeira. Eu a abracei para que ela se sentisse um pouco melhor e acolhida por mim. Olhei por cima do seu ombro a janela aberta, de onde eu podia enxergar o céu bem claro e o topo de algumas árvores com os galhos nus cheios de neve. 

Não vou negar, eu sentirei falta daqui, sei que vamos ter muitas dificuldades no começo mas estou otimista com o nosso plano, podemos fazer muita coisa juntas e mudar nosso destino que parecia ser tão pouco promissor desde muito tempo.

— Emily, você é a pessoa mais importante da minha vida — Sue disse deixando de me abraçar e me olhando nos olhos. — Eu faço qualquer coisa por você e pela Mary, mas enquanto não puder fazer muito por ela aqui, eu estarei contigo em qualquer outro lugar. Você ainda é a minha pessoa preferida.

Não havia nada que eu pudesse fazer agora que expressasse meus sentimentos melhor do que um beijo. E por isso a beijei, com calma e sem nenhuma pressa, porque eu tinha o dia todo se ela quisesse, e Sue não escaparia de mim com alguma desculpa porque ela não necessitava ir embora agora. Eu escolhi a ela, e ela escolheu a mim.

— Emily, você tem alguma coisa pra fazer agora? — ela me perguntou afastando minimamente nossos lábios e abraçando minha cintura como se estivesse me desafiando a dizer que sim. 

— Não — respondi, mas mesmo que eu tivesse eu cancelaria todos os meus compromissos nessa mesma hora.

— Que bom — ela falou me dando um selinho e depois direcionando seus beijos para outro lugar. — Então eu acho melhor trancar a porta.

Eu também achava que essa era a decisão mais sensata a se fazer agora.

+++

Era final da tarde e eu me encontrava no shopping. Havia convidado minha irmã para um passeio e ela prontamente aceitou, apesar de ter estranhado um pouco a minha iniciativa, já que idas ao shopping geralmente não faziam parte da minha rotina, mas eu queria muito vê-la e disse isso a ela. Só não expliquei que o motivo maior era que eu queria dizer tchau, mesmo que implicitamente.

Queria ter uma boa hora com ela, conversando e interagindo como irmãs antes de ir embora sem saber quando voltaria a vê-la novamente.

O início do nosso encontro foi tenso, Vinnie me contou o que eu já sabia, que nossa família havia sofrido um rombo financeiro e nem precisou o banco ligar para avisar, os primeiros noticiários matinais tinham nas manchetes em letra maiúscula o nome da Máfia G e como estavam envolvidos em mais um crime.

Eu sabia que seria assim, por isso não liguei minha TV ao acordar, não queria ter que assistir o envolvimento da minha namorada em mais um ato criminoso, e também tinha medo de ver notícias ruins como a sua morte ou a prisão de todos eles, então preferi esperar a Sue dar notícias — e graças a Deus ela fez isso pessoalmente.

Lavinia me disse que o prejuízo foi grande, mas conseguiriam se estabilizar em pouco tempo, entretanto Edward Dickinson estava furioso e havia passado o dia todo na delegacia exigindo algum tipo de proteção especial para os seus bens e sua família, com o argumento de que estava sendo perseguido já que não era a primeira vez que a Máfia tinha os Dickinson como alvo — bom, ele não estava errado de certa forma.

Minha irmã lamentou o ocorrido e eu precisei fazer de conta que estava muito chocada e chateada com essa situação para que ela não desconfiasse de que eu sabia de tudo antes mesmo de acontecer; e também não podia cometer o deslize de causar mais suspeitas para a Sue, ninguém sabia dos seus segredos, apenas eu, e às vezes sinto que mesmo estando juntas eu não sei de todos.

Apesar do papo ter se iniciado um pouco sério demais, logo estávamos rindo de piadas sem graça que contávamos uma para a outra e dando uma volta despreocupada pelos corredores cheios de lojas e placas chamativas anunciando promoção e desconto nas compras. Vinnie sorria bastante enquanto falava, e eu admirava sua empolgação, adorava vê-la assim, cheia de energia.

Meu peito doía de saudade com antecedência. Eu não podia falar para ela que estava de partida, por isso me esforcei para sorrir enquanto caminhava a o seu lado e não deixar transparecer que eu estava em clima de despedida, precisava evitar perguntas.

— Esse vestido saiu muito mais lindo do que quando desenhei! — ela exclamou encantada para a vitrine de uma das lojas.

O segundo andar do shopping estava lotado de lojas de roupa, e a maioria estampava a nova coleção Norcross que Lavinia e minha mãe haviam produzido juntas e lançado recentemente.

Eram realmente roupas muito lindas, o talento da minha irmã para a moda era incontestável, eu só queria que ela aprendesse a valorizar mais isso em si mesma.

— São lindas mesmo — eu concordei e a Vinnie se encheu de orgulho. — Você é muito talentosa, Vinnie, mas não deveria aceitar ficar atrás da nossa mãe para sempre, você deveria assinar seus próprios desenhos e usar o seu nome para a próxima coleção. Você também quer decolar na sua carreira, certo?

— De novo isso, Emily…

Sabia que ela ficava desconfortável quando eu puxava conversa sobre o seu trabalho, mas depois de hoje talvez eu não tenha mais oportunidade para lhe dar conselhos. E, como irmã mais velha, eu me via na obrigação de lhe dar alguns puxões de orelha, mas com muito amor é claro.

— Você sabe o que eu penso sobre você aceitar que a mamãe coloque o nome dela em tudo, inclusive no que você faz — eu falei enquanto subíamos as escadas rolantes, a Lavinia ficou olhando para trás, admirando as roupas. — Já parou pra pensar que isso não é nada vantajoso pra você? O que você ganha permitindo que Emily Norcross seja o único nome jorrando na mídia? Eu sei que ela te ilude com esse papo de que você é muito jovem e precisa se consolidar na base primeiro antes de tentar algo maior, mas ela mesma começou a trabalhar cedo e está onde está, e muito disso é graças a você. Não deixe que ela pise em ti e te use, você precisa cuidar da sua vida.

Chegamos ao fim da escada e dei o braço para que ela segurasse em mim e andamos até o quiosque da sorveteria.

— Por que você está me mandando cuidar da vida? — ela perguntou unindo as sobrancelhas para mim. — Parece até que está me dando seus últimos conselhos antes de sumir em um retiro distante.

— Não é isso — me apressei em dizer. — É só… que eu não vou poder ficar do seu lado pra sempre, Vinnie. Nós crescemos, tomamos rumos diferentes, eu não estou mais morando na casa dos nossos pais, eu quero que você fique bem. Sempre cuidou de mim, mesmo sendo a mais nova, e eu agradeço muito seu companheirismo, nós fizemos muitas coisas juntas, mas agora eu também quero ser uma boa irmã de volta. Entende?

Paramos para nos sentar em uma mesa para dois. O shopping estava bastante povoado e havia várias vozes falando ao mesmo tempo, mas por um segundo foi como se apenas existisse nós duas porque Vinnie me olhou com tanta intensidade naqueles olhos azuis que vi toda a sua confusão e curiosidade pelo que eu estava falando.

— Emily, você está me assustando, não estou gostando de como está falando comigo, parece até que está se despedindo. Você não está pensando em se matar, está?

— O quê? Lavinia! Não!

Eu reagi com exagero a sua suposição e minha irmã riu.

— Eu realmente espero que não, porque ainda temos muito o que viver juntas.

— Eu só queria te dar um conselho de irmã e você fala assim comigo, como que pode.

— Pois pare de bancar a conselheira e me espere aí que vou comprar nossos sorvetes.

Dizendo isso, ela foi até a venda e aguardou na fila por poucos minutos, logo depois trouxe dois milkshakes, um em cada mão, deixou um na minha frente sobre a mesa e se sentou com o seu do outro lado.

— Alguma chance de eu te ver nesse natal? — ela perguntou enquanto sorvia o líquido do copo. 

Demorei um pouco para responder porque nem eu sabia o que seria de mim nas festas de final de ano. Aquele aperto no peito inicial se intensificou ainda mais ao pensar que esse certamente seria meu último natal em Amherst, pelo menos por um longo tempo.

— Edward não me aceitará na sua casa de novo — falei soturnamente. — Nós duas sabemos disso. O que é uma pena porque eu realmente queria te ver nesse dia, queria até ver o Austin, acredita?

— Ah, esse daí ainda está muito puto porque você não pagou o conserto da Ferrari dele.

— Ele vai ter que esperar sentado então.

Lavinia deu uma gargalhada e eu me contagiei com a sua risada. Eu amava passar tempo com ela, eu me sentia quase tão bem como quando estou com a Sue. Estava sendo amargo demais ter que dizer esse adeus implicitamente — mesmo meu milkshake estando doce demais —, mas, para o bem de nós duas, era assim que deveria ser.

— E eu queria ver a Hattie também, faz um tempão que não nos falamos, e preciso saber se minhas flores da estufa estão sendo bem cuidadas.

— Quanto a isso não se preocupe, eu vou na estufa todas as manhãs, suas plantinhas estão lindas e crescendo bem. Gosto de ir para lá, me faz lembrar de você, ajuda a amenizar a saudade.

Me senti um pouco mal ao ouvi-la dizer isso, ao mesmo tempo em que fiquei feliz por ela ter um lugar de paz como era a estufa de flores e estar cuidando delas. Queria que ela continuasse lá, para continuar mantendo boas memórias sobre mim.

— Você passará o natal com a Sue então? — ela falou numa mistura de pergunta com afirmação enquanto sorria com o canudo no canto da boca, eu sabia que essa era uma isca para me fazer falar do meu namoro.

— Não está nada certo ainda — eu falei, era um pouco de mentira mas também continha verdade. 

Bem provável que fugiremos depois do dia vinte e cinco, mas se eu a veria no natal não tinha como saber ainda.

— Você gosta muito dela, né? Dá pra ver no seu olhar, é só mencionar o nome da Sue que parece que fogos de artifício estouram nas suas pupilas.

Eu sabia que estava tão apaixonada que minhas reações eram exatamente essas, meu comportamento denunciava meus sentimentos, parecia que cada pedacinho de mim existia somente para amá-la como hoje eu sei que amo, mas ainda assim, saber que minha irmã notava essas coisas me fazia parecer exposta demais, e consequentemente com vergonha.

— Eu gosto muito — disse o óbvio. — Mas tem certas coisas que eu não entendo…

Deixei minha fala morrer pela metade porque não estava muito a fim de ter essa conversa com a minha irmã, eram coisas que se passavam pela minha cabeça mas que eu não externalizava, ficava dentro de mim em um canto como um conflito que eu não me sentia disposta a colocar para fora com alguém.

— Tipo o quê? — ela me pressionou a falar com o seu olhar apreensivo que quase sempre me arrancava tudo o que queria.

— Não entendo como posso sentir tantas coisas em um período de tempo tão pequeno — comecei dizendo sem saber no que essa conversa daria, mas aquela era a Lavinia, minha irmã e também minha melhor amiga.

— Emily? — ela pareceu alarmada, até deixou seu sorvete de lado e inclinou o corpo para mim. — Você acha que foi pouco tempo? Você está apaixonada há meses! Seu coração já gostava dela antes mesmo de você se dar conta.

— Eu sei, mas… Só estamos há dois meses juntas, não sei se é um longo tempo para sentir tudo o que eu sinto.

— E você quer o quê? Esperar completar um ano de namoro para começar a fazer juras de amor e aceitar que está apaixonada? Caso você não saiba, relacionamentos começam porque as pessoas se gostam, e não porque estão esperando dois ou três anos para sentirem isso. Emily, precisa parar de ser insegura, eu vejo como ela te faz bem, não é possível que você não perceba isso também.

— É claro que eu percebo, eu sei disso tudo. Só que eu geralmente sou tão conflituosa com tudo o que me aparece, desde quando entrei na faculdade eu não estava certa sobre meu curso, você sabe que só iniciei porque nossos pais não me permitiram cursar Letras. Eu tenho medo de não estar fazendo as coisas direito, seguindo o caminho que devo, e toda vez que eu escrevo minhas poesias fico pensando se sou mesmo boa nisso, se quero levar adiante e tentar me mostrar ao mundo através delas. Eu tenho tantas dúvidas quanto ao meu futuro, do mesmo jeito que tinha no passado, mas, Vinnie, quanto a Sue eu não tenho nenhuma. Tudo o que eu sinto é a certeza de que gosto e quero estar com ela.

Lavinia me escutou desabafar e não fez nenhum comentário durante. Seus olhos me encararam atentos e por um momento não soube dizer se ela estava desapontada ou admirada das minhas palavras. Eu só queria entrar na sua cabeça para descobrir.

— Emily — ela falou com uma calmaria sem igual. — Essa foi a coisa mais bonita que já te escutei dizer. — Ah, foi? Pensei que tivesse sido patético. — Você declarando que não tem dúvidas quanto o que sente por ela é muito especial, imagino o quanto essa garota deve se sentir amada e querida por você. Tem noção de como isso é lindo? Você ter o privilégio de dividir com alguém um sentimento como esse?

— Isso às vezes me assusta — eu confessei.

— Por que te assusta? — A dúvida da minha irmã parecia real, mas eu não sabia muito bem como respondê-la.

Como explicar que tudo é tão intenso e assustador ao mesmo tempo que me conforta? Como dizer que eu era tão certa do que sentia que pela Sue que estava abdicando da minha vida nessa cidade para acompanhá-la aonde quer que ela fosse? Como declarar algo assim sem receber um julgamento e advertência de que eu estava traçando a rota errada e agindo por impulso?

Acontece que esse não é nenhum impulso, não me sinto tomando decisões no calor do momento. Na verdade tudo isso parecia ser tão prudente que nada nem ninguém me convenceria do contrário.

— Eu a amo muito, Vinnie. Amo demais. Tem muito sentimento aqui — eu falei apontando sutilmente para o coração, dando ênfase nas minhas palavras e admirada da minha capacidade de vocalizar tudo isso.

Eu sei que já havia dito um eu te amo para a Sue, mas ao que parece ela não me escutou, e poder falar agora para a minha irmã significou quase tanto quanto foi naquela noite, porque quanto mais eu falava, mais certeza eu tinha. E certeza era tudo o que eu precisava para não ter medo do que teria que lidar pela frente.

— Às vezes me pergunto como ela pode causar todo esse efeito em mim — finalizei.

Vinnie se levantou de onde estava sentada e veio até mim, estendeu a mão para que eu também ficasse de pé.

— Eu acho que você já sabe bem o motivo — foi o que ela me disse antes de sairmos de perto da mesa onde havíamos nos sentado e voltamos a caminhar entre as lojas. Dessa vez eu preferi o silêncio, refletindo todos os últimos tópicos desta conversa.

Ela tinha razão, eu sabia bem. Eu mesma havia me respondido em todas as questões levantadas. Todas as respostas já existiam na minha cabeça, eu só precisava que alguém me ajudasse a colocar a ideias em ordem em uma conversa franca pessoalmente, e foi o que a minha irmã acabou de fazer comigo mesmo sem saber.

Demos uma última volta pelo shopping e depois nos dirigimos ao estacionamento para irmos embora. 

— Eu não sei por que você está tão esquisita hoje — Lavinia disse quando entramos no meu carro, antes de eu dar a partida. Estava colocando meu cinto de segurança quando dei atenção a ela. — Mas eu quero que saiba que eu te apoiarei em tudo, Emily. Eu te amo muito, e estou muito orgulhosa de você, feliz por ter tomado atitude para viver a sua vida fora de casa, abraçar sua sexualidade e seu namoro mesmo ainda sendo difícil falar abertamente sobre isso com nossa família, mas eu sei que você tem dado o melhor de si. Veja só, você até aprendeu a dirigir! — Ela sorriu apontando para as minhas mãos que seguravam o volante. — E você lutou para continuar escrevendo, é mesmo uma grande poeta, e eu adoraria ler seus poemas um dia.

A essa altura eu já estava emocionada com tudo o que minha irmã estava me dizendo. E não discordo de nenhuma palavra sua, não podia ser injusta comigo, eu sei o quanto eu precisei aprender sobre mim mesma e cresci nesses últimos meses, tanto com a ajuda da Sue quanto da Lavinia entrando no meu quarto sem permissão e me obrigando a conversar, ela sempre me ajudava a pensar melhor quando estava com problemas. Sentirei muita falta dela depois que eu me for.

E, ao mencionar meus poemas, eu decidi que já era hora de lhe mostrar alguns, depois de todos esses anos escrevendo escondida e agora tendo apenas a Sue como minha leitora, acho que minha irmã merecia lê-los também, nem que fosse pela primeira e última vez.

Abri a minha bolsa e tirei de lá o meu antigo bloco de anotações onde eu escrevi mais de uma dezena de poesias.

— Tome — eu falei entregando o pequeno caderno para a Vinnie. — Agora você pode ler.

Ela inicialmente pareceu sem reação, mas aceitou meus poemas nas suas mãos com os olhos arregalados e a boca parcialmente aberta exibindo surpresa pelo meu ato nesta tarde. Passou os olhos e os dedos pelas páginas, avaliando aquele objeto como se ele fosse um tesouro — e de certa forma ele era —, e depois olhou para mim com lágrimas nos olhos.

— Agora sim eu estou com medo disso aqui estar sendo uma despedida — ela falou num tom brincalhão.

Eu sorri porque sabia que ela estava fazendo piada, mas no fundo eu queria chorar. 

Liguei o carro e movimentei pelo estacionamento até sairmos para a rua, eu deixaria minha irmã em casa e logo voltaria para o meu dormitório.

Ainda conversamos sobre outras coisas durante a viagem, a Vinnie tinha uma incrível capacidade de engatar um assunto atrás do outro, tagarela como sempre e eu a ouvia com atenção para que a sua voz grudasse no meu cérebro e ganhasse espaço especial nele, porque eu não gostaria de esquecê-la.

Ela não sabia, por mais que tivesse dito umas frases suspeitas, mas aquela era realmente uma despedida. Só esperava que quando eu fosse embora, não doesse tanto no coração dela como está doendo no meu agora.

Não posso ouvir falar em “Fuga”

Sem que me aumente o pulso,

Sem a ânsia repentina,

Do voo — do impulso!

 

Não fala de prisão larga

O soldado derrotado,

Mas brinco de abrir as grades —

Só para falhar de novo!

 



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