Eu estava nervoso. Meu corpo estava doendo devido à ansiedade. Tentei disfarçar minha tensão para que meu guia não se incomodasse. Tentei até mesmo disfarçar meus pensamentos, para que não pudesse sentir o que eu estava sentindo. Foquei em realizar as atividades domésticas também, para distrair meus sentimentos.
— Isso somente irá piorar as coisas. — ele sussurrou em meu ouvido, enquanto se aproximava de mim, enquanto eu lavava a louça.
Junmyeon me afastou delicadamente da pia, pegando o prato que eu tinha nas mãos e continuando a tarefa que antes eu exercia.
— Vá descansar. O trabalho só começa daqui há seis horas.
— Você não deveria estar descansando, então?
— Não sou eu quem está sofrendo com ansiedade. Honestamente, você não precisa sentir isso. Sei que é algo difícil de se controlar, mas você vai se sair bem. Você é bom o suficiente, até mais que o suficiente para ser honesto. — respondeu, de forma doce, continuando a fazer a atividade doméstica.
Eu, sinceramente, não compreendia sua facilidade para falar aquele tipo de coisa. Muito do que saía de sua boca tinha uma intensidade gigantesca que muito me atingia. Eu apenas não compreendia se o problema estava nele por falar as palavras mais fortes com tamanha facilidade, em mim por não estar acostumado com aquele tipo de atenção, ou nos dois. De qualquer forma, conviver com ele era de uma facilidade assustadora. Assustadora, pois eu não estava acostumado a ter ajuda em casa ou alguém que puxasse conversa, ou até mesmo que fizesse companhia. Para mim, o comum era trocar duas ou três palavras com meus pais quando eles estavam em casa, nos raros momentos em que não estavam trabalhando. Eu compreendia que o sistema lhes deixava exaustos, porque me deixava exausto também, mas confesso que eu sentia falta de receber algum pingo de atenção anteriormente. De alguma forma, eu me sentia extremamente próximo do guia, mesmo sabendo que não conhecia muito do passado dele, para não dizer que não conhecia nada.
Fora tudo isso, eu nunca havia tido ninguém que demonstrasse tanta preocupação. Ele ficava de um canto para o outro na maior parte dos dias, garantindo que eu não fizesse muito esforço para não prejudicar o bebê de alguma forma. Talvez essa preocupação fosse algo próprio da gravidez afinal. Eu não deveria ficar muito apegado a isso.
Ele se esforçou para me manter calmo e distraído até o final do dia. Às dezessete, eu tomei um banho rápido, temendo me atrasar. Me vesti com uma camisa preta despojada que eu nunca havia usado antes, uma calça da mesma cor e, então, resolvi utilizar algo do meu conjunto de maquiagem que havia comprado alguns dias antes de ser expulso de casa: um lápis de olho preto. Olhando no espelho, não sabia se combinava comigo, mas resolvi manter enquanto arrumava meu cabelo. No fim das contas, estava com um estilo meio diferente do que eu costumava usar, mas não podia dizer que estava feio. Também não iria me preocupar em mudar, uma vez que faltavam vinte minutos para o horário marcado.
Quando me dirigi até a sala, Junmyeon já estava pronto. Havia pegado emprestado comigo uma camisa larga de seda branca e uma calça jeans que ficou bem marcada nas coxas grossas dele. Ele me olhou da cabeça aos pés e fez o reverso, me deixando um tanto envergonhado.
— Você está…
— Eu sei, é diferente do que eu normalmente uso.
— Não era exatamente isso que eu iria dizer, mas é verdade. — ele disse. — Mas bem, devemos nos apressar. Temos que chegar em quinze minutos.
Para nossa felicidade, conseguimos um táxi rapidamente e chegamos a tempo.
A fachada tinha o nome do bar escrito em letras em um néon cor-de-rosa. Ao adentrarmos o local, um cheiro doce de incenso de lavanda adentrou nossas narinas e o cheiro forte de álcool também. A mistura, por incrível que pareça, não embrulhou o meu estômago, o que era ótimo, já que teria que passar um bom tempo ali.
A dona do bar veio nos cumprimentar e dar as boas-vindas assim que chegamos. Era uma ômega simpática e baixa, por volta de um metro e sessenta e cinco. Tinha uns trinta anos e era muito bonita. Indicou-me o caminho para o palco e o caminho de Junmyeon para a bancada de bebidas. O bar era largo, mas não enorme. O palco e a bancada eram próximos. Próximos o suficiente para vermos um ao outro trabalhando sem muitas dificuldades.
Em trinta minutos, o salão estava lotado. A quantidade de ômegas ali deveria estar em torno de cento e setenta pessoas. Parecia não ser tanto, mas estava apenas começando a noite, e o bar não era dos maiores. Nesse momento, os funcionários deram-me o aval de começar com meu trabalho. Nesse momento, minhas pernas voltaram a bambear. Subi no palco. Me deram um violão preto meio surrado. Encarei a plateia que esperava pela minha atitude. Era a primeira vez que eu me apresentava para uma plateia de verdade, não contando os outros nerdolas musicais que estudavam canto comigo, e esses eu já não via há algum tempo. Procurei com meu olhar o meu guia. Junmyeon servia algo a uma híbrida loira, mas mantinha o olhar em mim. Quando nossos olhos se encontraram, eu meio que soube que, independente do que acontecesse ali, iríamos dar um jeito de sobreviver.
Respirei fundo e comecei a tocar as primeiras notas de The Scientist do Coldplay no violão. Comecei a cantar a letra um tanto deprimente de modo que deixei toda a intensidade dos meus últimos sentimentos tomar conta da minha voz. Buscando me acalmar, continuava com o olhar voltado para Junmyeon, que seguia a me dar apoio com seus olhos.
“ Eu só estava analisando números e figuras
Desfazendo os enigmas
Questões da ciência, ciência e progresso
Não falam tão alto quanto meu coração
Me diga que me ama, volte e me assombre
Oh, e eu corro para o começo
Correndo em círculos, perseguindo nossas caudas
Voltando a ser como éramos
Ninguém disse que seria fácil
Oh, é uma pena nos separarmos
Ninguém disse que seria fácil
Mas também ninguém nunca disse que seria tão difícil
Eu estou voltando para o começo”
Quando finalizei a canção, eu tinha o coração na mão e uma plateia que, mesmo sem esperar algo tão melancólico, me aplaudiu aos gritos. Eu sorri, envergonhado, completamente vermelho. Cantei mais duas ou três canções, um pouco mais animadas dessa vez, e ouvi as ômegas cantarem comigo, umas já meio bêbadas. Tive que controlar minha risada das pequenas histerias. Depois disso, fiz uma pausa para ir até Junmyeon, que parecia se dar bem com a nova atividade.
— Como está indo?
— Estou me controlando para não tomar dois litros de conhaque depois de você ter cantado The Scientist. — brincou ele, servindo uma dose de whisky para uma ômega que esperava ali próximo.
— Hahaha, engraçadinho…
— É sério, por que escolheu essa música para começar?
Refleti um pouco comigo mesmo.
— Nem eu sei. O fato é que foi a primeira música a vir à minha mente, eu não planejei nada.
— Você parecia emotivo. — insistiu, o alfa.
— Eu realmente não sei, talvez eu saiba, mas… não entendo. Acho que não estou sabendo lidar direito com a quantidade de coisas que vêm acontecendo e um lado meu só queria… começar tudo de novo. — soltei de uma vez, meu coração batendo forte, algumas lágrimas encheram meus olhos, mas não as derramei.
Junmyeon deu a volta pelo balcão até chegar a mim. Então, me abraçou com força.
— Não precisamos começar tudo de novo, porque não chegamos no final, ainda dá tempo de transformar as coisas, querido. — murmurou em meu ouvido, fazendo meu coração aquecer. — Quer que eu compre algo para você comer?
— Não, não, relaxa! Vou voltar ao trabalho. E Jun… obrigado.
Ele sorriu, voltando ao seu posto rapidamente.
Fiz mais algumas pausas durante o trabalho, mas nada muito longo. Fui liberado da cantoria às vinte e três e meia da noite. Logo, segui até o bar onde esperaria Junmyeon cumprir com seu horário. Conversamos um pouco sobre meu antigo emprego enquanto ele servia as híbridas já bastante bêbadas ao redor.
— Eu deveria pagar por um pouco de tequila, só pra ver como é ficar loucão como essas ômegas. — brinquei.
— Faça isso quando parir, não quero que ferre com a sua saúde e a do bebê. — Junmyeon respondeu, de prontidão.
Nisso, sem perceber, chamamos a atenção de uma ômega. Na realidade, Junmyeon chamou.
— Com licença, vocês estão esperando um bebê? — a ômega perguntou, colocando uma faixa do cabelo liso e negro por trás da orelha. Era bem bonita, tenho que admitir. Tinha uma tatuagem de rosa no braço e uma maquiagem leve no rosto.
Eu e Junmyeon nos encaramos, surpresos pela pergunta repentina e íntima.
— N-não… quer dizer, eu estou grávido, mas não somos um casal. — expliquei, corado.
Um sorriso se acendeu no rosto dela, que não escondeu a felicidade com minha resposta.
— Ótimo! — a garota chegou a dar um pulinho, e então voltou-se para Junmyeon, ignorando completamente a minha presença ali. — Qual o seu nome?
Junmyeon piscou duas vezes e me encarou, logo percebendo que eu não iria dizer nada.
— J-Junmyeon… — respondeu, nervoso. — Por quê?
— Para saber qual nome colocar no seu contato quando pegar seu número. — ela lançou a cantada, me fazendo revirar os olhos sem que ela percebesse.
— Olha, eu não tenho celular. — respondeu ele, me encarando.
— Como assim não tem celular?! — além de espantada, ela aparentava estar irritada, mas logo se recompôs. — Mas tudo bem… eu moro há duas quadras daqui. Se você quiser, eu espero seu turno acabar e a gente resolve isso rapidinho.
Junmyeon estava corado, e se eu não estivesse tão irritado, provavelmente iria rir disso. Olhei para ele de um modo que ele já conhecia bem e, então, ele respondeu:
— Não vai dar, preciso levar ele até em casa. Está grávido e não pode correr o risco de ir sozinho.
— Tenho certeza que ele pode pegar um táxi, não é? — a garota insistiu.
— Não, não posso! — respondi prontamente.
A menina bufou e saiu, irritadiça, sem falar mais nada. Respirei fundo, revirando os olhos novamente.
— Tá tudo bem? — o alfa perguntou a mim.
— Tudo ótimo. Me paga um suco!
Ele, de alguma forma, não me desobedeceu, entregando-me minutos depois um suco de manga.
Esperei um pouco mais até Junmyeon ser liberado sem falar mais nada, ainda pensando na situação que anteriormente aconteceu. Eu não entendia bem o motivo, mas ficava vermelho. Sabia disso porque minhas bochechas esquentavam e minha cabeça doía. Não falei mais com ele até metade do caminho, quando ele finalmente se pronunciou.
— Hey, por que está bravo?
— Não estou bravo.
— Está sim! É por conta da ômega de mais cedo?
— Achei que o bar fosse de ômegas que se interessassem por outros ômegas. — resmunguei.
— Ela deve se interessar pelos dois, ou estar acompanhando alguma amiga. Além disso, ninguém fica pedindo carteirinha na frente do bar. — Junmyeon me explicou, calmamente. — Mas por que isso te incomodou tanto? Ficou com ciúmes que o seu gatinho chamou a atenção de alguém?
— Não faça piadinhas! — exigi.
— Tudo bem, eu não vou largar seu pé para ir pra cama de um ômega. — garantiu ele, me fazendo prender um sorriso.
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