Desde que soubera do sumiço do líder do clã Okura até o momento atual, uma semana se passou. As investigações estavam acontecendo, mas sem muito sucesso pela escassez de provas. Na verdade, segundo os ninjas requisitados para a tarefa, era como se Adashi Okura tivesse sido abduzido para outro universo. Rasa não estava nada satisfeito e forçava seus subordinados a continuarem a buscar, percorrer a aldeia inteira, todos os desertos ao redor, encontrar alguma motivação para ele simplesmente sumir do nada. Mas mesmo depois de dias e dias sem descanso, o resultado era zero.
Por isso, o kazekage havia convocado outro tipo de shinobi para a tal missão.
— Eu não colocaria vocês numa missão de resgate se não fosse realmente necessário – ele dizia, com braços cruzados e olhos fechados, apoiado na borda de sua mesa. — Sei que vocês não trabalham em missões desse tipo... Mas eu não tenho mais paciência pra ouvir sempre a mesma historinha... Com vocês, vai ser diferente.
Era impossível não reconhecer que aquele trio ali em sua frente pertencia à organização de assassinato ANBU, isso por conta das máscaras kabuki que eles usavam, mantendo suas identidades desconhecidas. E para os observadores mais detalhistas, o fato de estarem ajoelhados diante de seu kazekage deixava mais claro ainda que aquela era realmente a organização que cuidavam da segurança de sua vila e de seu líder com a máxima devoção e entrega.
— Preciso que tragam o senhor Adashi de volta para Suna, com ou sem vida – ele impôs, finalmente abrindo os olhos, sem perder a pose dominante.
Os ANBU ouviam tudo em silêncio. Como tais, eles não tinham opinião, sugestão ou nada do tipo, só lhes cabia executar. Quem os assistia mais atrás era um dos homens de confiança do kazekage, Baki, que já estava ali acerca de três horas junto ao seu líder, debruçado nas possibilidades e estratégias pensadas para encontrar seu conterrâneo desaparecido.
Durante aquelas horas, Baki notara o quanto aquilo estava obcecando Rasa, a vontade faminta de achar essa pessoa; como observador que não deixava escapar nada, sabia que se tratava de algo mais pessoal do que propriamente um dever, e que algo ali dizia respeito a uma vontade de mostrar a certo garoto jinchuuriki que havia alguém no comando da Areia, que aquela vila tinha dono, e quando tudo terminasse, esfregaria na cara dele a verdade por trás daquele desaparecimento.
O garoto, no caso, era Gaara, claro.
— Baki já lhes entregou tudo que temos até o momento, então quero que comecem imediatamente.
— Hai! – os três ninjas mascarados gritaram, enérgicos.
Eles se ergueram e saíram. E a caçada recomeçou.
***
Havia duas crianças em casa, mesmo no meio de um dia de aula na Academia; e ainda que aquela semana fosse relativamente importante para os ninjas – com alguns de seus amigos se preparando para uma série de novas missões –, Kankuro e Temari simplesmente não puderam ir, estavam de castigo.
Kankuro não se aguentava de tanta raiva. Não entendia porque tinha que estar de castigo “como uma criança normal”, achava aquilo injustiça e desperdício de tempo. Só por que não tinham se saído tão bem na última missão, eram obrigados a ficar presos em casa, sem nem mesmo frequentar as aulas? Ora, todos cometem erros, ele pensava.
Não parava de resmungar enquanto desmontava uma antiga marionete sua, a fim de usar algumas peças para construir outra. Temari o assistia displicentemente de cima da cama, já cansada daquela falação.
— ...Como eu ia adivinhar que tinha dois jounin auditores escondidos naquela casa abandonada, de propósito? Eles apareceram do nada, eu não tive tem-
— Ai, Kankuro! Vê se cala a boca um pouco!
O irmão ergueu a cabeça e a encarou.
— Você não liga por estarmos aqui presos?
— Claro que ligo –Temari, sentada no colchão, com as pernas cruzadas, apontando um dedo para Kankuro. — Mas não por causa desse deslize no outro dia... E sim pelo péssimo humor do papai.
— Hunf! O mau humor dele não é novidade...– O garoto voltou-se à marionete em seu colo.
— Otouto, não tá obvio pra você? Não estamos de castigo por não termos tirado uma nota perfeita na última missão, e sim porque papai e Gaara estão brigados, por causa dessa história toda de desaparecimento. Vem aqui...
Temari apontou seu lado esquerdo e Kankuro saiu do chão, deixando sua marionete de lado. Talvez a irmã estivesse certa, o papai estava mais irritado que o normal.
— É, pensando bem, ele está exagerando ultimamente.
— E aí acaba descontando em nós.
— Mas o Gaara também está muito irritado por não poder sair.
— Ora, se a gente não pode, ele também não pode. Kankuro, não percebe que isso é só por causa do Gaara? – Temari piscou os olhos verdes. — Otou-sama acha que foi ele quem matou aquele homem lá no deserto.
— Será que foi ele mesmo, Temari?
A loira deu de ombros, prendendo a atenção na marionete desmembrada no meio de seu quarto, reflexiva naquela perguntinha.
— Não sei... Mas é bem provável que sim.
Kankuro concordou, igualmente pensativo.
— Bom, se realmente foi isso que aconteceu... Eu não queria estar na pele do Gaara!
***
As horas simplesmente não passavam. Não havia nada pra fazer, nada prendia sua atenção àquele dia. Gaara já tinha folheado dois ou três livros, mas nenhuma leitura o interessava à ponto de passar da primeira página. Tentou meditar ou fazer qualquer outra coisa, mas nada aplacava o tédio que se transformava gradativamente em ansiedade.
Se pudesse culpar alguém, culparia os irmãos, simplesmente para variar, para não dizer que tudo aquilo era por causa do pai. Estava sentindo muita raiva de Kankuro em especial, afinal, foi ele quem cometera aquele erro bobo no campo de batalha, quando confundiu ninjas auditores com inimigos. Por causa disso, estava preso em casa. Mas, no fundo, Gaara sabia que era mais do que isso, ele não era idiota, sabia que o kazekage estava agindo daquele jeito tão desagradável com ele e os irmãos porque até o momento, não tinha encontrado solução para o caso em aberto do homem desaparecido.
E Gaara sabia que ele nunca mais ia aparecer...
Ah, mas ainda assim, Kankuro tinha boa parcela de culpa! O garoto estava muito emotivo nos últimos dias e foi isso que o abalou na missão; não estava concentrado o suficiente, por isso foi derrotado.
E agora, Gaara estava detido naquela casa sem poder sair; se tentasse, sabia que o kazekage já tinha dado ordens pra lhe contarem caso vissem o jinchuuriki em qualquer lugar da aldeia. Era muito ruim ter que aceitar, mas ele tinha medo do pai.
É que toda a vez que Rasa gritava, parecia que Gaara estava diante de um animal feroz, quase que como um leão rugindo direto na sua cara, mostrando os dentes enormes, louco pra te atacar.
Gritar não era o único problema, obviamente. Tinha também o fato de já saber, na prática, que se precisasse usar areia para atacar Rasa, ele contra-atacaria com sua própria areia dourada e isso nunca terminava bem para o jinchuuriki. De qualquer forma, lutar contra Rasa lhe causava um desconforto emocional assustador, não sabia ao certo por quê. Então, o que restava era ser obediente, ficar bem quietinho em casa e engolir o orgulho.
Gaara foi até a cozinha buscar qualquer coisa para comer. Assim que entrou no cômodo, um objeto ali o chamou atenção: uma das ferramentas de desmanche que Kankuro usava em seus bonecos. Aquilo lhe deu uma ideia maldosa, algo que poderia lhe trazer alguma sensação de vingança; não o satisfaria por completo, mas já era alguma coisa. Talvez, se o nii-san encontrasse todas as suas marionetes desmontadas (ou simplesmente destruídas), ele perderia a cabeça e partiria pra cima; assim, Gaara teria chance de acertar as contas com Kankuro tendo justificativa para isso. “Eu não fiz nada de mais, foi ele quem veio pra cima de mim, eu só me defendi. E eu nem me interesso por marionetes!”
Não importava se o plano era bom ou não, nem se parecia uma atitude infantil. Gaara estava disposto a isso só daquela vez, para “dar o troco”, acabar com os brinquedinhos do irmão, e de quebra, tirar sangue da cara dele. Isso poderia aplacar o tédio, ao menos.
***
Gaara estava sentado na sacada da varanda da mansão, observando do alto Sunagakure espalhada ali embaixo, com gente indo e vindo. Seus cabelos balançavam com o vento e ele tinha toda a paciência do mundo. Estava ali apenas esperando. Esperando algo acontecer e certo alguém aparecer. E num dado momento, esse alguém realmente apareceu, chamando por ele entre xingamentos e respiração pesada: estava visível que Kankuro tinha mordido a isca.
Tão previsível!
— Foi você, não foi? Certeza que foi você, seu desgraçado!
Era um novo hábito as pessoas daquela família o culparem por tudo?
— Se você diz... – Gaara respondeu, sem dar muita atenção; não tirou os olhos dos passantes nem demonstrou um pingo de interesse.
Kankuro se aproximou. A vontade que tinha era de empurrar o irmão daquela sacada e vê-lo despencar, dando com a cara no chão lá embaixo.
— Minhas marionetes! – Ele vociferou. — Metade delas está completamente destruída!
Gaara sorriu.
— Só a metade?
Kankuro ouviu isso e irou-se mais ainda. Tinha em mente a imagem de seu quarto no subsolo onde costumava trabalhar, com peças e mais peças espatifadas em todos os cantos, algumas impossíveis de serem reconstruídas; era como se um furacão tivesse passado por ali. Se pudesse, gostaria de deixar Gaara exatamente como encontrou seus itens tão valiosos: em pedacinhos.
O irmão mais velho puxou o mais novo pelo ombro, obrigando-o a sair daquela postura indiferente e ficar de pé diante dele. Por um segundo, Kankuro esqueceu completamente que morria de medo de Gaara.
— Por que você fez aquilo? – questionou de forma gritada, puxando Gaara pelo colarinho da blusa.
O jinchuuriki não conseguiu conter um sorriso ainda maior.
— É só pra você aprender a não cometer erros que possam me afetar.
— O quê?
Kankuro manteve a boca em forma de O por um bom tempo. Não conseguia acreditar na resposta absurda de Gaara. Por que todo aquele egoísmo? Quantas foram às vezes em que os erros de Gaara também o afetaram? E não só a ele, mas a todos daquela família? Quantas vezes as atitudes dele não lhe trouxeram consequências sérias também?
Com toda aquela raiva no peito, Kankuro fechou o punho e o engatilhou, como uma arma na direção do rosto de Gaara.
— Ah, você vai mesmo tentar isso? – o ruivo questionou, em tom irônico.
E a pergunta ficou ali, esperando resposta, junto com aquele soco trêmulo de raiva e frustração. Como nada saía daquela condição estática – nem o golpe, nem a voz – Gaara voltou a humilhar Kankuro.
— Você não consegue... – sussurrou, saboreando as palavras. — E nem é por causa da minha defesa de areia. É porque você é um fraco mesmo, não tem coragem. A única coisa que pode fazer é continuar assim, com essa sua cara de idiota impotente.
Kankuro tentou responder, articular alguma palavra, mas não conseguia nada além de algumas sílabas gaguejadas.
Meu Deus, como era divertido brincar com o irmão daquele jeito! Como Gaara gostava de assistir aquela face pálida se contorcer de raiva, de tristeza, de vergonha, tudo ao mesmo tempo. Com aquelas palavras acertando Kankuro em cheio, ele foi obrigado a soltar o irmão mais novo e recolher o punho com pressa, escondendo o rosto daquele olhar altivo.
— Oh, agora você vai chorar? Coitadinho de você, Kankuro, é mesmo digno de pena!
O mestre de marionetes fechou os olhos com força, obrigando-se a não deixar nenhuma lágrima escapar dali. Mas não conseguiu conter um grito. Finalmente alguma coisa compreensível saiu de sua boca. Essa foi dita com todas as letras, cuspidas com toda a sinceridade possível:
— Eu te odeio, seu monstro!
Finalmente, Gaara deixou o sorriso de lado e fechou o semblante.
— Era só isso que eu precisava ouvir.
Já estava prestes a atacar o irmão e ia adorar fazer isso, mas foi impedido pela figura do pai aparecendo ali e unindo-se aos dois. Oh, como detestava ser interrompido quando estava se divertindo de verdade!
— O que está acontecendo aqui? – o kazekage questionou, aproximando-se e puxando Kankuro pelo braço.
Os dois irmãos sabiam muito bem que qualquer coisa que estivesse acontecendo ali entre ambos, já estava praticamente encerrada com a intervenção do pai. Além disso, a pergunta de Rasa era retórica, eles também sabiam; não era como se o kazekage realmente quisesse explicações ou algo do tipo, aquilo era simplesmente o que antecedia um “parem com isso agora mesmo!”.
Mas mesmo com a interferência por parte do pai, Kankuro e Gaara não pararam de se encarar daquele jeito feroz, como se quisessem arrancar um pedaço um do outro. Só cessaram de vez quando Rasa sacudiu Kankuro com força e mandou que ambos olhassem pra ele.
— Pai, ele destru-
— Cala a boca, Kankuro! Eu não quero saber! Só parem com isso ou vão ter que resolver comigo, entenderam?
Como resposta, o garoto apenas abaixou a cabeça, contendo todo o ódio, ou ao menos, tentando.
— Sim, senhor – deixou a voz sair entre os dentes.
E Rasa voltou os olhos de metralhadora para Gaara, que via como uma tortura ter que abaixar a cabeça para o pai quando já estava tão desejoso em “brincar” com o irmão; mas aquele par de olhos castanhos o encarando com tanto afinco e o corpo do pai se aproximando cada vez mais, centímetro por centímetro, o fez reprimir tudo o que queria e igualmente abaixar a cabeça para aquela hierarquia imposta.
— Sim, senhor – murmurou igual a Kankuro.
— Vocês podem descer, cada um pros seus quartos e não saiam de lá até eu ir falar com os dois!
Dito isso, Kankuro se desvencilhou das garras do pai, pisando firme o chão enquanto se afastada. Rasa voltou-se apenas para Gaara, agora:
— A minha paciência com você está nas últimas... Eu juro que estou a ponto de explodir...
A voz que Rasa usou não era aquela exaltada de quase sempre, não era gritada; estava mais pra um tom de frustração, algo cansado e até um pouco triste. Ouvindo aquilo, alguma parte bem lá no fundo de Gaara gostaria de se desculpar, de pedir mais uma chance, de dizer que ia ser um bom menino a partir dali... Mas nada forte o suficiente para vir à tona, de qualquer forma.
Sendo assim, ele só fez sair dali também, rumando para seu quarto, no térreo.
***
Talvez, só talvez, se aqueles dois irmãos soubessem que exatamente naquela tarde, enquanto estavam se odiando, Rasa recebera uma notícia que sempre o deixava um tanto incomodado, eles teriam evitado aquela briga. Talvez cogitariam uma trégua se soubessem que o kazekage teria que fazer uma viagem de emergência para tratar de assuntos estritamente importantes com a aldeia do Som. Viagens de emergência para aldeias aliadas nunca era algo bom, justamente pelo quesito “emergência”. Mas como eles poderiam adivinhar que, por causa disso, Rasa iria triplicar a ansiedade que estava sentindo ultimamente e descontar tudo isso neles? Por conta dessa nova obrigação, teria que deixar sua vila por quase uma semana, sem ter uma resposta satisfatória a respeito do tal desaparecimento que já lhe assombrava a mente há alguns dias. E agora por causa da cena que presenciou de seus filhos agindo como dois inimigos, o kazekage não conseguiu se segurar mais.
Quando Rasa foi cumprir o que havia dito, ambos os filhos sofreram com isso: Kankuro levou uma surra como há muito tempo não levava, seus gritos unidos ao estalar do cinto do pai ecoaram pela casa inteira e foi assim durante um longo tempo. Rasa só parou quando sentiu-se cansado demais para erguer o braço contra as costas marcadas de Kankuro e igualmente satisfeito, por mostrar que naquela casa havia um que ditava as regras e que deveria ser obedecido.
Antes de sair do quarto daquele filho – depois de bater nele, conversar com ele, tentar "se explicar”, bater nele de novo –, teve que ouvir algo que fez toda sua adrenalina voltar às alturas:
— Foi... Foi o Gaara, otou-sama... – as palavras de Kankuro saindo entre gemidos de dor. — Foi ele... Eu sei que foi.
Rasa já estava prestes a deixar o quarto do filho, já tinha a porta aberta, mas teve que se virar e encarar os olhos lagrimejantes e decididos de Kankuro. Ele repetiu a afirmação mais uma vez e aquilo foi como um gatilho na mente do Yondaime. Finalmente alguém ousou dizer o que pra ele estava obvio, mas que não queria admitir. Quando posto em palavras e daquela maneira tão certeira, era como se fosse a coisa mais lógica do mundo, qualquer um podia ver. E de certa forma, Rasa se sentiu aliviado em ter encontrado “alguma solução”.
— Era só o que eu precisava ouvir.
E deixou os restos daquele filho ali no canto do quarto, rumando para encontrar o outro.
Assim que abriu a porta, viu Gaara de pé no centro do cômodo, como se já soubesse que o pai apareceria ali exatamente naquele instante. Ele encarou a face do filho caçula, quase que estudando seus traços: os olhos de Gaara pareciam vazios, um tanto tristes, o semblante abatido... Mas nada seria suficiente para impedir Rasa.
Ele bateu a porta atrás de si.
— Você acha que pode fazer o que quiser aqui nessa vila! – Começou a adentrar o cômodo e, gradativamente, a quebrar a postura rígida de Gaara. — Se acha capaz de me afrontar, de me envergonhar!
À medida que o pai ia se aproximando, Gaara dava passos involuntários para trás, até não haver mais espaço e ele ter que se sentar na cama atrás de si.
— Você acha que pode fazer o que quiser com qualquer um... Acha que é intocável... Que está livre pra agir como bem entender, sem se preocupar com ninguém além de você mesmo!
O kazekage estava tão perto agora que Gaara podia sentir seu hálito quente, podia ver em detalhes sua testa franzida, com aquela veia saltando no lado esquerdo. O brilho em seus olhos, o suor descendo do lado do rosto. Queria dizer ou fazer qualquer coisa para sair daquela situação, mas era como se estivesse sendo sufocado, como se duas mãos invisíveis apertassem seu pescoço a ponto de não conseguir sequer respirar e com todos os músculos enrijecidos a ponto de não poder se mexer direito.
— Mas hoje você vai descobrir que não é tão intocável assim e nem tão livre!
Com essas palavras, Rasa puxou Gaara pelo braço.
O garoto ainda tentou se soltar, mas o medo e a força contrária não o permitiam. Pensou em atacar o pai, mas de novo, teve receio disso. Então, por fim, deixou-se ser arrastado pelo kazekage até descobrir que estavam indo para o subsolo daquela mansão, para um lugar que Gaara já conhecia. Seu coração começou a saltar no peito e uma voz em sua mente o mandava sair correndo o mais rápido que pudesse. Ele nunca esteve trancado naquele quartinho mais do que algumas horas, uma vez ficou um dia inteiro, mas alguma coisa ali deixava claro para ele que não adiantava ter esperanças, dessa vez ficaria um bom tempo.
O coração acelerava num compasso frenético, sua cabeça já começava a doer, as mãos suavam frio, a sensação de não poder respirar, o desespero. Rasa puxou a porta daquele quarto escuro e sem mobílias, agressivamente. Em seguida, empurrou Gaara e o colocou ali naquele espaço pequeno, sem direito a janelas e com um banheiro minúsculo e precário.
E dessa vez, o jinchuuriki não conseguiu se conter. Teve que abandonar o orgulho e implorar.
— Não, por favor, não me deixe aqui, pai, por favor, não...
Rasa não levou em consideração nenhuma sílaba do pedido angustiado do filho, apenas fechou a porta e a trancou, como se deixasse ali um objeto inanimado. E Gaara ficou em total escuridão.
Aquilo o acertou em cheio, sentiu uma pontada na cabeça quase que instantaneamente, uma sensação claustrofóbica, um aperto esmagador no peito, precisava sair ou tinha certeza que ia morrer.
— Otou-sama! Por favor, abre a porta! – Do lado de fora, Rasa ouvia as batidas na madeira grossa e respirava com dificuldade. — Por favor, não me deixa aqui sozinho, abre a porta, abre!
Ele abandonou o garoto de doze anos naquele lugar escuro e abafado, subiu as escadas de volta ao andar térreo, ainda ouvindo as mesmas súplicas. “Abre essa porta, por favor, abre essa porta!”
Gaara ficou ali durante todos os dias em que Rasa esteve fora. Era alimentado apenas uma vez por dia por alguém que ele jamais soube quem era. Chorou durante todas as noites e não teve nenhum instante de sossego por parte do monstro que estava constantemente em sua cabeça o assombrando. Quando finalmente pôde sair, nem sabia mais que dia era, se era noite ou não, se passou uma semana lá dentro ou um ano; quando fora solto, estava mais magro, sujo, se sentindo um lixo de ser humano. Só sabia dizer que não era mais o mesmo.
Nada melhorou depois daquilo. O clima na aldeia da Areia ainda era pesado. O kazekage estava mais difícil do que nunca. Os irmãos continuavam se odiando. E jamais encontraram o corpo de Adashi Okura.
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Gaara já não prestava atenção ao que Kankuro dizia, as palavras dele eram levadas pela corrente do vento e se perdiam no alto daquele telhado. Via os lábios do irmão se mexerem, ele sorria vez ou outra, mas não era como se realmente o escutasse. Até porque, em sua mente, estava ocupado falando consigo mesmo. Se questionava se de fato parecia com seu pai. Não na aparência, até porque, isso não era algo tão importante, mas nas atitudes que teve ao longo da vida até aquele ponto. Era fato que, até em certas situações como novo kazekage, ele conseguia ouvir a voz do pai em seu ouvido, dando-lhe algum conselho, fazendo alguma observação. Gaara tinha um mundo de frases de Rasa memorizadas em sua mente. Em várias ocasiões no passado, quando encontrava o pai debruçado sobre papeis importantes de Suna, o ouviu proferir palavras prudentes, apesar de tudo, e por algum motivo, ele as guardou.
Mas agora Gaara estava confuso. Antes sempre teve claro o lugar que seu pai deveria ficar, isto é, naquele quarto escuro no fundo de seu peito, trancado sem poder ver a luz. No entanto... Se quisesse mesmo trilhar um novo caminho, sabia que teria que deixar tudo pra trás. Abrir mão da dor, do ressentimento, do passado. Ele não queria encontrar porquês para o que Rasa lhe fez durante toda a vida, porque era tão maldoso, porque era cruel de propósito, não se tratava disso. Gaara sabia que a única coisa que tinha que fazer era libertar o pai de toda aquela culpa. E fazendo isso, acabaria libertando-se também, de uma vez por todas.
Mas aquilo não era nem de longe uma tarefa fácil.
— Gaara?
— Hm?
— Você tá me ouvindo?
Não estava, mas também não quis dizer. Apenas suspirou sem pressa e depois perguntou ao irmão:
— Você perdoaria o nosso pai?
Kankuro ouviu isso e seu semblante mudou instantaneamente. De tempos em tempos, aquele Gaara triste e confuso dava às caras, assim do nada; ele aparecia sem aviso prévio e Kankuro tinha que lidar com o peso de ver o irmão ainda tão ferido. De qualquer forma, ele não usou nada mais que a verdade para responder. Algo simples e com poucas palavras, julgava ser mais que suficiente.
— Eu já o perdoei há muito tempo, se quer saber...
E depois de um breve instante sentindo o efeito daquela frase, Gaara teve que abaixar a cabeça, com a certeza de que ainda não tinha condições de fazer o mesmo. Mas de uma coisa ele sabia: se amor era um tipo de remédio, perdão também era.
— Podemos entrar? – o Quinto kazekage se resumiu a isso.
Antes de fazer que sim, Kankuro tocou o ombro do irmão.
— Um dia você vai conseguir também, no tempo certo.
Depois disso, eles voltaram pra casa. O mais velho conseguiu pegar no sono ainda àquela noite; Gaara não. Porém, uma parte dele se sentia em paz, e embora soubesse que tinha coisas para resolver dentro de si, sabia também que já tinha o antídoto certo para tratar aquela ferida que em breve não passaria de uma cicatriz. Mas como Kankuro disse, tudo a seu tempo.
Gaara se deitou na cama, com aquele antigo livro azul de páginas rasgadas em mãos. Abriu na página um.
E recomeçou a leitura.
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